Categoria: Política

  • Pedro Nuno Santos não viu os 55 contratos com a consultora IQVIA nos Governos Costa

    Pedro Nuno Santos não viu os 55 contratos com a consultora IQVIA nos Governos Costa

    A contratação de uma empresa de consultoria, a IQVIA Solutions Portugal, integrada numa multinacional holandesa para auxiliar o Ministério da Saúde a elaborar o seu plano de emergência ‘apimentou’ a campanha para o Parlamento Europeu, com a cabeça-de-lista socialista, Marta Temido, a tecer críticas subilinas ao Governo Montenegro. A antiga ministra disse não ter “memória nenhuma” de contratos com esta consultora nos Governos Costa, e a actual ministra prometeu revelar, no início desta semana, “todos os contratos e respetivos projectos e valores dos últimos oito anos”. Já não precisa: o PÁGINA UM apresenta-os agora, numa análise criteriosa aos negócios de todas as empresas do grupo holandês, que estão agora, em Portugal, num processo de fusão. Destaca-se, em oito anos de Governo Costa, um total de 55 contratos públicos com entidades do sector da Saúde, quase todos por ajuste directo, envolvendo 2,1 milhões de euros por serviços de consultoria e plataformas de gestão hospitalar. Não se sabe que tipo de informação acaba nas mãos desta multinacional holandesa que opera em 81 países.


    Durante os Governos de António Costa – que integrou Pedro Nuno Santos e Marta Temido – foram estabelecidos 55 contratos públicos entre entidades da Administração Central na área da saúde, incluindo hospitais, e as diversas empresas do grupo IQVIA Solutions, através das sucursais portuguesas desta consultora de saúde sedeada na Holanda. No total, considerando o período entre Novembro de 2015 e finais de Abril passado, estes contratos totalizaram quase 2,1 milhões de euros, sendo que cerca de 82% deste montantes foi por ajustes directos. Nestes contratos estão excluídos aqueles os celebrados com a Direcção Regional de Saúde dos Açores e a sociedade gestora de equipamentos de saúde Saudaçor.

    Este levantamento do PÁGINA UM contrasta, de forma chocante, com as declarações de ontem da cabeça-de-lista do Partido Socialista e antiga ministra da Saúde de 2018 a 2022. No decurso da ‘revelação’ de Pedro Nuno Santos de que o Governo Montenegro contratou uma empresa privada – a IQVIA Solutions Portugal– para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde, Marta Temido disse, durante a campanha para as Europeias, “não ter memória nenhuma” de contratações com esta consultora nos governos que integrou, dando apenas o exemplo de uma auditoria à capacidade de formação de médicos “contratada ao exterior”. E acrescentou ainda que os Governos Costa nunca contrataram serviços externos para desenhar planos estratégicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Pedro Nuno Santos e Marta Temido em campanha eleitoral: levantaram um ‘coelho’ por causa de um contrato do Governo Montenegro con a IQVIA Solutions Portugal sem sequer verem os contratos nos Governos socialistas que integraram.

    A realidade, contudo, demonstra o contrário, porque durante os Governos Costa, e no período de Marta Temido como goverante, mais de duas dezenas de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde ‘fartaram-se’ de ter relações comerciais com a consultora do momento, que veio ‘apimentar’ a campanha para o Parlamento Europeu durante este fim-de-semana.

    Apesar de o foco estar, por agora, nos contratos da IQVIA Solutions Portugal – que assinou um contrato com o Ministério da Saúde para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde por 9.250 euros – , na verdade esta é apenas uma das empresas integradas na holding neerlandesa que foram operando no nosso país. A IQVIA Holding está sedeada em Amsterdão e cotada na bolsa de Nova Iorque, sendo uma das principais empresas mundiais de consultoria e tecnologia clínica e com escritórios em 81 países,

    Embora a empresa-mãe na Holanda tenha actualmente em curso em Portugal uma operação de fusão, por integração na IQVIA de três outras das suas empresas portuguesas, a esmagadora maioria dos 55 contratos durante o Governo Costa foram realizados com a IASIST Portugal, uma empresa-irmã da IQVIA. A partir deste ano, a IASIST será incorporada – em conjunto com a IQVIA II Technology Solutions Portugal e a Evigrade Helath Care Research and Consulting – na IQVIA Solutions Portugal, que assumirá todos os contratos. Essa fusão é, no entanto, uma mera operação de gestão, tanto mais que, por exemplos, os gerentes da IQVIA Solutions Portugal e da IASIST Portugal são os mesmos: Sérgio Tavares Galvão e Mário Miguel Santos Martins.

    Até este ano, a IQVIA, uma multinacional holandesa presente em 81 países, operava em Portugal através de quatro empresas, que em processo de fusão centrada na IQVIA Solutions Portugal. A empresa do grupo com mais contratos foi, durante os Governos Costa, a IASIST, uma ‘irmã’ (agora aglutinada) da IQVIA Solutions Portugal, que assumirá a partir deste ano todos os contratos.

    Ora, apesar da falta de memória de Marta Temido, as empresas portuguesas desta multinacional de consultoria em saúde com sede na Holanda, e sobretudo a IASIST, são ‘velhas conhecidas’ tanto das diversas unidades hospitalares como também da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e até da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Recorde-se que Marta Temido chegou a ser presidente da ACSS e também da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares alguns anos antes de assumir funções governamentais.

    A ACSS é, aliás, a entidade da Administração Pública com os maiores contratos celebrados com a IASIST: os três contratos assinados durante o Governo Costa totalizaram 312.851 euros sendo que o contrato após concurso público teve o preço de quase 185 mil euros, que serviu para pagamento de um pacote de software para estratificação da população pelo risco. Este contrato foi assinado em Setembro de 2023, embora tenha sido publicado no Portal Base apenas em Janeiro deste ano.

    Dos outros dois contratos com a ACSS destaca-se ainda um contrato assinado em Novembro de 2022 para serviços de consultoria incluindo a licença de uma ferramenta de gestão hospitalar. De acordo com a informação da própria IASIST, a plataforma em causa (ACG) inclui “um sofisticado modelo de previsão […] que foi apurado para identificar pacientes com elevado risco de consumo futuro de um grande volume de recursos de prestação de cuidados de saúde, assim como calcular esse mesmo custo potencial”. Nos documentos constantes do Portal Base não se fica a saber se a empresa tem acesso à informação recolhida nos hospitais públicos.

    Um outro contrato de consultoria de montante relevante foi celebrado em Dezembro de 2022 entre a IQVIA e a Direcção-Geral da Saúde no valor de 134.900 euros, tendo visado a realização de um “estudo de avaliação do regime escolar (2017/2018 a 2022/2023), não sendo ainda conhecidos os resultados.

    Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, prometeu revelar os contratos da consultora holandesa em Portugal durante os Governos Costa. Já não precisa: o PÁGINA UM mostra em detalhe.

    De resto, têm sido as unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde os principais clientes da IQVIA Solutions Portugal e suas empresas-irmãs, em especial a IASIST. Nos Governos Costa, foram celebrados com empresas da multinacional holandesa de tecnologia e consultoria no sector da saúde um total de 50 contratos, todos por ajuste directo, envolvendo 20 hospitais ou centros hospitalares. Em números absolutos, destacam-se 22 contratos por ajuste directo com unidades de saúde do Norte do país, sendo que seis foram celebrados pelo Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, cinco pelo Hospital da Senhora da Oliveira (Guimarães) e outros tantos pela Unidade de Saúde do Alto Minho.

    Em termos de montantes globais, no período dos Governos Costa, foi a Unidade Local de Saúde do Alto Minho que mais pagou à consultora holandesa: 194.050 euros. Com valores globais dos contratos entre 160 mil e 170 mil encontram-se três unidades do SNS: os centros hospitalares de Lisboa Norte, de Tâmega e Sousa, e ainda de Coimbra. Acima dos 100 mil euros estão ainda o Hospital de Guimarães (143.500 euros), o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (117.500 euros) e o Hospital de Braga (110.000). Na análise destes contratos, a esmagadora maioria refere-se a serviços de consultoria de gestão clínica, designadamente ao nível do benchmarking.

    A consultora holandesa, através da IASIST, desenvolveu uma ferramenta online, designada IAmetrics, com mais de 20 indicadores de gestão. Também neste caso se desconhece se a empresa regista, também para si, informação obtida neste processo. Em todo o caso, em princípios, todos estes sistemas trabalham, até por uma questão de facilidade e de operacionalidade, com dados clínicos anonimizados, ou seja, não há informação ou dados pessoais recolhidos, até porque os objectivos são meramente de gestão.

    Montante total dos contratos públicos, por tipo procedimento, celebrados pelas diversas empresas do grupo de consultadoria holandês a operarem em Portugal duante os Governos de António Costa (Novembro de 2015 a Março de 2024). Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM-

    Em termos de despesa anual, 2022 e 2023 foram os de maior destaque, envolvendo contratos no valor de 402.147 e de 379.123 euros, respecticamente. Este ano, já em contratos abrangendo o Governo Montenegro, a factura vai, por agora, nos 71.000 euros. Não esta ainda incluído, no Portal Base, o contrato para o Plano de Emergência de Saúde, pois somente surgem dois ajustes directos relativos aos serviços da plataforma IAmetrics com o Centro Hospitalar de Coimbra (42.000 euros) e a Unidade Local de Saúde do Alto Ave (29.000 euros).

    Ou seja, ao contrário daquilo que afirma Marta Temido – que também afirmou em campanha eleitoral que “quem conhece bem [o sector da Saúde] não compra a terceiros, quem não sabe bem o que fazer tende a comprar fora” –, os anteriores governos socialistas aceitaram com normalidade a aquisição de serviços de consultoria e de aplicativos de gestão hospitalar ao sector privado, e particularmente à empresa (IQVIA) que agora está na berlinda. E depois desta ‘rabanada de vento’, que nem sequer ‘tempestade’ será, quase certo será continuar a ‘compra a terceiros’ mesmo se houver quem diga que conhece bem o sector da Saúde.


    N.D. O PÁGINA UM disponibiliza AQUI mais informação sobre os contratos entre as empresas do universo IQVIA e entidades públicas a partir de Novembro de 2015.


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  • Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Nesta campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, os chamados ‘pequenos partidos’ têm clamado ainda mais forte contra a discriminação das televisões, porque ao contrário do que sucede geralmente nas eleições para a Assembleia da República, desta vez os convites não foram endereçados apenas para os partidos com eurodeputados, alargando-se ao Livre, Iniciativa Liberal e Chega. Alguns partidos sentiram-se discriminados e apresentaram queixas ou mesmo providências cautelares – como sucedeu com o ADN, RIR e Volt Portugal. No caso deste último partido, foi alegado que, sendo federalista, deveria ter sido contabilizado um eurodeputado alemão eleito em 2019. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não lhe deu razão, mas alertou para a falha da revisão da lei, que deveria ter sido feita em 2016, e da necessidade de encontrar soluções para uma melhor equilíbrio na cobertura mediática das diversas campanhas. O PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que, tanto nas anteriores legislativas como agora nas europeias, endereçou convites a todos os partidos para a realização de uma entrevista. Tudo isto sucede poucos dias depois dos 5o anos da Revolução dos Cravos.


    Aumentam as críticas dos pequenos partidos contra os critérios editoriais das televisões de inclusão dos debates para as europeias. Embora a Constituição preveja igualdade de tratamento, uma legislação criada no final do primeiro Governo de Passos Coelho em 2015, em vésperas das eleições que dariam início ao primeiro Governo de António Costa, abriu caminho à discriminação partidária, definindo que os órgãos de comunicação social deveriam convidar para os debates não apenas os partidos com “representação [obtida] nas últimas eleições” relativas ao órgão em causa (neste caso, o Parlamento Europeu), mas abrindo a possibilidade de incluírem “no exercício da liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover”.

    A polémica lei entrou em vigor para a campanha das legislativas de 2015 – que teve como principais opositores Pedro Passos Coelho e António Costa, e que depois daria origem à ‘geringonça’ – mas estava prevista uma revisão daí a um ano. Nunca foi revista, apesar de três eleições legislativas e duas eleições (com a próxima) para a Europa.

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    Na actual campanha para as eleições ao Parlamento Europeu, tem sido a aplicação desta norma legal que a causar sucessivas críticas e queixas dos pequenos partidos junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), porque as televisões generalistas (RTP, SIC, TVI e CMTV) decidiram incluir nos debates a quatro apenas os cabeças-de-lista dos partidos com assento no Parlamento Europeu (como seria obrigatório por lei), acrescentando, desta vez, também os principais candidatos da Iniciativa Liberal, Livre e Chega, que não conseguiram eleger qualquer eurodeputado em 2019. A representatividade na Assembleia da República terá sido o critério editorial para esse acréscimo, que objectivamente acaba por ‘afastar’ do enfoque mediático outros partidos sem representatividade no hemiciclo da União Europeia.

    Mas tanto as queixas para a CNE como para a ERC – para além de uma providência cautelar apresentada pela Alternativa Democrática Nacional (ADN), que tem como cabeça-de-lista Joana Amaral Dias –, têm caído em saco roto. Até agora, as decisões concluem que a lei de 2015 não viola a Constituição, e independentemente das questões éticas por detrás das opções dos órgãos de comunicação social, supostamente não subsistirá nenhuma ilegalidade.

     Mas a queixa formulada pelo Volt Portugal, junto da CNE, que a encaminhou para a ERC, originou uma deliberação do regulador dos media, divulgada hoje, que mostra bem o incómodo de uma lei absolutamente discriminatória, no sentido lato do termo. Com efeito, o Volt Portugal assume-se como integrante de um partido federalista europeu, e nessa medida o Volt Alemanha conseguiu eleger em 2019 um eurodeputado, Damian Boeselager. Ou seja, segundo a interpretação do Volt Portugal, o seu cabeça-de-lista nacional deveria ter sido convidado para os debates a quatro, não por liberalidade editorial mas por cumprimento da lei.

    Debates televisivos para as Europeias incluíram apenas alguns partidos sem eurodeputados, mas excluíram o Volt Portugal que alega que o partido federalista que integra tem um eurodeputado, eleito pelo Volt Alemanha.

    Contudo, o Conselho Regulador da ERC – cujos membros são nominalmente indicados pelo PS e PSD, com excepção de um que é cooptado – considerou que, apesar das eleições se realizaram para o Parlamento Europeu no mesmo período em todos os países comunitários, “o Volt Portugal é um partido político nacional e, por isso, pode concorrer às eleições europeias, no círculo eleitoral português, aplicando-se-lhe as mesmas regras que são aplicadas aos restantes partidos políticos portugueses, independentemente das afiliações, entendimentos ou alianças políticas que cada partido possa ter a nível internacional”. E, nessa linha, como a partir de Portugal o Volt não obteve qualquer eurodeputado em 2019, “é defensável que o critério invocado não se aplique ao Queixoso [Volt Portugal]”.

    Em todo o caso, a ERC destaca que a lei de 2015 até já deveria ter sido revista em 2016,o que nunca sucedeu, uma vez que estava prevista, num dos artigos, a sua modificação no prazo de um ano. Ou seja, esta lei apenas deveria estar em vigor durante um ano. Além disso, o regulador diz que já tem encorajado “vivamente os diferentes órgãos de comunicação social a que considerem a participação do universo das candidaturas nos diferentes debates que organizem, nos seus vários formatos, à luz dos princípios do pluralismo e da diversidade”, algo que tem caído em saco roto. A generalidade dos órgãos de comunicação social de maior dimensão nem sequer concede entrevistas a todos as candidaturas. O PÁGINA UM foi, aliás, o único órgão de comunicação social que lançou convites a todos os partidos para uma entrevista nas anteriores legislativas (PSD, PSD, Bloco de Esquerda e Livre não aceitaram então), e está a repetir essa iniciativa com todos os cabeças-de-lista.

    Curiosamente, na entrevista de hoje do PÁGINA UM será com o cabeça-de-lista do Livre, Francisco Paupério – que teve um comportamento contrário ao de Rui Tavares, nas legislativas, aceitando o convite –, a questão da igualdade de tratamento de candidaturas foi um dos aspectos abordados. Para Francisco Paupério – que surge com hipóteses de ser eleito em recentes sondagens –, “há uma discrepância muito grande na comunicação social” na cobertura jornalística dos partidos “que deve ser corrigida”, defendendo que “não devemos dar só primazia a quem já tem representação parlamentar”. Eleito nas primárias do Livre, Paupério diz que “a mensagem” dos partidos aceites pelo Tribunal Constitucional “também tem de passar mais na comunicação social.”

    Francisco Paupério, cabeça-de-lista do Livre, tenta uma eleição inédita para o seu partido. Foi convidado para os debates televisivos, apesar de o Livre ainda não ter eurodeputados, e defende a igualdade de tratamento nas campanhas.

    A questão da igualdade de oportunidades e, concomitantemente, na cobertura jornalística dos diversos partidos não é, porém, uma questão assim tão cristalina como parece à primeira vista, mesmo se consagrada na Constituição, e aparentemente ‘contrariada’ pela lei de 2015. “Desde que haja um fundamento material para a diferenciação de tratamento”, neste caso a questão da representação parlamentar e a liberdade editorial, “o Tribunal Constitucional, em princípio, não deve censurar as opções do legislador”, defende José Melo Alexandrino, constitucionalista e professor aposentado da Universidade de Lisboa.  

    Para o também colunista do PÁGINA UM, “a principal função da igualdade é a de exigir um fundamento racional ou suficiente para as diferenciações de tratamento, desenvolvendo, além disso, também funções heurísticas [procedimentos mentais simples para respostas adequadas], instrumentais, promotoras e de controlo”. Quanto à questão da norma que determinava que a lei de 2015 deveria ser revista no prazo de um ano, Melo Alexandrino diz que esse incumprimento não torna a legislação inválida: “São artigos de leis para inglês ver; há leis que estão por rever durante 30 anos”.


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  • Aguiar-Branco cita artigo de opinião no PÁGINA UM para defender código de conduta dos deputados

    Aguiar-Branco cita artigo de opinião no PÁGINA UM para defender código de conduta dos deputados

    A pretexto dos pedidos de censura dos partidos de esquerda a eventuais ou supostos discursos de ódio e de xenofobia, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, veio hoje defender ‘super liberdade’ e restrição mínima para os deputados, mas sugere uma meditação conjunta para a criação de um adequado código de conduta dos deputados, como sugerido este domingo pelo colunista do PÁGINA UM José Melo Alexandrino num artigo de opinião. Aguiar-Branco não esconde a influência deste artigo de Melo Alexandrino, professor da Universidade de Lisboa – que passou a escrever no PÁGINA UM, numa coluna intitulada ‘Isto assim não anda’ –, porque o cita de forma explícita.


    O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, reforçou hoje, através de um documento de oito páginas, a sua posição de não censurar discursos políticos em plenário, embora defendendo a aprovação de um Código de Conduta. E cita explicitamente, referindo-o, trechos de um artigo de opinião de José Melo Alexandrino, professor universitário da Universidade de Lisboa, publicado no PÁGINA UM.

    Além de citar outros constitucionalistas – como Gomes Canotilho e Vital Moreira, que defendem que “a Constituição não prevê o delito de opinião, mesmo quando se trate de opiniões que se traduzam em ideologias ou posições anticonstitucionais” –, Aguiar-Branco considera que, tal “não significa que, no plano político e social, determinados discursos ou expressões não possam ou não devam ser contestadas ou criticadas e que, no plano criminal, as infrações cometidas no exercício da liberdade de expressão não tenham consequências, designadamente quando, na atuação individual concreta e analisadas as coisas à luz do direito penal, se conclua por um excesso no uso da liberdade de expressão, que justifique a aplicação de uma sanção penal”.

    E a seguir o presidente da Assembleia da República defende, acrescentando “como muito bem realçou o Professor José Melo Alexandrino”, que o Parlamento deve “meditar numa reforma da Casa, a começar pelo Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão, pela reforma do Estatuto dos Deputados ou do próprio Regimento, como pessoalmente, por diversas vezes, tive oportunidade de assinalar, reforçando que já existem mecanismos regimentais que permitem aos Deputados reagirem – designadamente, perante expressões que propaguem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio racial, a xenofobia ou outras formas de ódio baseadas na intolerância”, como seja a figura do protesto, ou ainda, equacionar-se a criação regimental de um voto de rejeição imediatamente submetida a votação do plenário.

    Ora, no domingo passado, José Melo Alexandrino, no seu mais recente artigo de opinião da coluna ‘Isto assim não anda’ no PÁGINA UM, defendeu que, entre os deveres e direitos constitucionais dos deputados “não há porém nenhum que contenda com a liberdade de expressão ou que imponha ao Deputado a moderação no uso da linguagem”, acrescentando ainda que, no limite, até pode mentir, se esta for “subjectiva” (ou seja, o próprio está convencido de que diz a verdade), ou mesmo “objectiva”, excepto de for numa comissão de inquérito.

    Em todo o caso, salientando que não fazia sentido o “alarido” em redor da reacção de Aguiar-Branco às palavras do líder do Chega, Melo Alexandrino defendeu no seu artigo no PÁGINA UM que “tal não significa que o Parlamento não deva meditar numa profunda reforma da Casa, a começar pela aprovação de um adequado Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão (que não devem ser compostas apenas por Deputados), pela reforma do Estatuto dos Deputados e da Lei orgânica da Assembleia da República (onde não são poucas as ambiguidades e as normas flagrantemente inconstitucionais), e a terminar na reforma do Regimento, que espera há 18 anos por grandes obras de reparação (e não remendos)”. Ou seja, Aguiar-Branco seguiu ipsis verbis a sugestão de José Melo Alexandrino.

    Trecho do texto de Aguiar-Branco, divulgado hoje.

    José Alexandrino Melo disse hoje ao PÁGINA UM que o actual código de conduta, aprovado em 2019, “é pura e simplesmente inútil”, pois não especifica quaisquer comportamentos ilícitos, dentro e fora do Parlamento, mostra-se vago quanto aos deveres e procedimentos aplicáveis, não define órgãos de supervisão específico, para além da Comissão da Transparência, e sobretudo não prevê sanções, como multas ou suspensões.

    Aguiar-Branco, nesse seu texto concluído hoje, e sugestivamente intitulado “A liberdade de expressão: uma ‘super liberdade’ de proteção máxima e de restrição mínima”, tece mais considerações numa tentativa de ‘esvaziar’ uma polémica alimentada pelos partidos de esquerda. E segue as sugestões de Melo Alexandrino de encontrar modelos formais de contestar opiniões sem censura.

    O presidente da República conclui que “o direito fundamental de liberdade de expressão e de informação, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo de censura”, sendo que no caso dos deputados o primeiro desses direitos é reforçado “quanto aos votos e opiniões emitidos no âmbito da sua função parlamentar”. E, acrescenta, nessa medida “não cabe ao Presidente da Assembleia da República a avaliação do discurso político, ainda que eticamente desvalioso, nem lhe compete, em nome dos poderes regimentais que lhe são conferidos, instituir uma cultura de cancelamento linguístico, freando opiniões e assumindo-se como ‘guardião’ do aceitável e do politicamente correto”.

    Como já se tornara evidente da semana passada, Aguiar-Branco afasta-se ainda mais da ‘filosofia de intervenção’ censória seguida pelo seu antecessor, o socialista Augusto Santos Silva. O actual presidente da Assembleia da República defende que o Regimento da Assembleia da República “tem natureza organizatória do debate e efeitos inter partes”, apenas lhe conferindo poderes “de criação de um espaço de discurso público isento de constrangimentos, aberto ao confronto de ideias, que garanta que o exercício do mandato conferido pelo povo seja exercido sem receio de represálias”.

    Trecho final do artigo de opinião de José Melo Alexandrino publicado no passado domingo no PÁGINA UM.

    Nesse sentido, acrescenta Aguiar-Branco não pode essa função ser exercido para “condicionamento do debate político, mas sim evitar que este possa ser condicionado por injúrias, ofensas, chantagens ou ameaças entre os intervenientes”.

    E termina de uma forma que remete, em última instância, para o âmago da democracia: “Numa sociedade democrática e plural, a avaliação e a derrota do discurso político faz-se com recurso a argumentos e com a confrontação objectiva da verdade dos factos, nunca por via da imposição de silêncio ou de censura, sem que isto signifique condescendência, concordância ou validação de opiniões e ideologias que, como se frisou, apenas ao povo cabe apreciar e julgar através da arma que dispõe, o voto”.


    N.D. Acrescentado às 22h07 de 22/05/2023, as declarações de José Melo Alexandrino sobre as falhas do actual código de conduta, e da necessidade de ser melhorado.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Portugal já exporta mais armamento para Israel do que a Alemanha

    Os habituais fornecedores de armamento para Israel – Estados Unidos (69%) e a Alemanha (30%) – estão a sofrer cada vez mais pressões para refrear os ímpetos belicistas de Benjamin Netanyahu sobre Gaza. O Governo alemão já só exportou este ano 32.449 euros em armamento para aquele país do Médio Oriente, mas em Portugal, onde aparentemente o negócio das armas se faz com a máxima discrição, os valores estão a subir em flecha. Este ano, até Março, já se exportou mais de meio milhão de euros para Israel, de acordo com uma investigação do PÁGINA UM, ou seja, 16 vezes mais do que a Alemanha. E desde o início do conflito, a partir de Outubro do ano passado, já se ultrapassou um milhão de euros. Embora Portugal seja um player residual no lucrativo ‘negócio da guerra’, o país que colocou literalmente Gaza a ferro e fogo desde Outubro do ano passado está já na terceira posição como destino final. Apesar de as vendas até 2020 de armas para Israel a partir de empresas portuguesas serem praticamente inexistentes, os últimos meses mostram que o negócio apresenta agora uma tendência bastante crescente para ‘prosperar’.


    Sobem as pressões para os países ocidentais suspenderem as exportações de armamento para Israel, mas Portugal, através de empresas a operarem em território nacional, está a aumentar os negócios com o governo de Benjamin Netanyahu desde o início do conflito em Gaza.

    Apesar de Portugal ser um player diminuto à escala mundial no negócio do armamento, sobretudo por já nem sequer ter produção própria, de acordo com dados de exportações consultados pelo PÁGINA UM, Israel já passou a ser o terceiro destino final de armas provenientes do nosso país. Entre Outubro do ano passado e Março deste ano, foi exportado para Israel material de guerra classificado como “bombas, granadas, torpedos, minas e outras munições e projécteis” no valor total de 1.076.734 euros, um acréscimo de 56% face aos seis meses anteriores (Abril a Setembro de 2023) e quase quatro vezes mais do que o período homólogo anterior (Outubro de 2022 a Março de 2023).

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    Saliente-se que o negócio de armamento em Portugal é bastante incipiente face aos colossos internacionais do Ocidente, tendo envolvido apenas 91,7 milhões de euros no ano passado, sendo que o destino final é sobretudo os Estados Unidos (69%) e a Bélgica (21%). Porém, mais do que montantes avultados que movimenta não milhões mas sim biliões à escala planetária, o simbolismo conta também. Entre 2010 e 2020, o envio de armamento de Portugal para Israel cifrou-se em insignificantes 7.702 euros – por uma exportação em Novembro de 2012 –, mas tem sido crescente a partir de 2021. Em todo esse ano atingiu 140.329 euros, subindo para 636.888 euros em 2022, ou seja, uma média mensal de cerca de 53 mil euros

    No período de 2023 antes dos ataques do Hamas contra Israel – e da violenta contra-ofensiva em Gaza –, já se evidenciava a tendência de aumento. Entre Janeiro e Setembro do ano passado, as exportações nacionais para Israel ultrapassaram os 91 mil euros por mês, mas nos último trimestre de 2023 e no primeiro trimestre deste ano, o valor quase duplicou, com uma média mensal de quase 180 mil euros. Considerando estes valores, Israel ultrapassou Espanha como terceiro destino de armamento proveniente de Portugal. Saliente-se que não houve exportações directas, envolvendo transacções monetárias, de armamento nem para a Ucrânia nem para a Rússia nos últimos anos

    Podendo parecer pequeno o valor das exportações para Israel, num contexto mundial e especificamente no conflito que grassa aquela região do Médio Oriente nos últimos seis meses, Portugal apresenta condições para, face ao nulo debate sobre o negócio das armas em território nacional, se tornar uma ‘charneira’ para mais exportações.

    Soldier Holding Rifle

    Por exemplo, a Alemanha – que tradicionalmente tem sido o segundo maior fornecedor de armamento de Israel (30% do total entre 2019 e 2023), com negócios de 326,5 milhões de euros no ano passado –, refreou drasticamente os envios face às críticas externas e internas. No dia 10 de Abril, o Ministério da Economia alemão revelou que só foi vendido armamento para Israel no valor de 32.449 euros. Ora, Portugal, no período entre Janeiro e Março deste ano, exportou armamento para aquele país do Médio Oriente no valor de 532.395 euros, ou seja, 16 vezes mais.

    Nos Estados Unidos – que, com quase 70% do total, é o maior fornecedor de armas a Israel –, as pressões para se cortar o ímpeto belicista de Benjamin Netanyahu estão ao rubro. Anteontem, em entrevista à CNN, Joe Biden ameaçou congelar o fornecimento de armas se as forças israelitas atacarem a cidade de Rafah, em Gaza. E já esta semana foi suspenso o envio de um carregamento de bombas pesadas e anti-bunker, armas que têm sido usadas pelas forças israelitas na sua ofensiva contra o Hamas, que já causou a morte a perto de 35.000 palestinianos na Faixa de Gaza.

    Também a Itália – que é o terceiro maior fornecedor de armas a Israel, com um pouco menos de cerca de 1% – suspendeu novas autorizações de exportação de armamento para aquele país desde o início da guerra em Gaza.

    Valores (em euros) das exportações por mês, desde 2020, de armamento de Portugal para Israel. Fonte: INE.

    Também o Canadá e a Holanda – países exportadores de armamento para Israel em pequena escala, como Portugal – já suspenderam qualquer envio por se temer que pudessem ser usadas em Gaza, provocando vítimas civis.

    Saliente-se que o negócio legal de armamento requer licenciamentos especiais e autorizações por parte dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.


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  • Albufeira é o município com maior criminalidade. Lisboa está em sexto e o Porto em oitavo

    Albufeira é o município com maior criminalidade. Lisboa está em sexto e o Porto em oitavo

    A oportunidade faz o ‘ladrão’, mas também a região. O PÁGINA UM analisou em detalhe os dados de 2023 da Direcção-Geral da Política de Justiça a nível municipal e nas diversas tipologias em função da população respectiva. E avisa-se já: quem pensa que o país é todo igual, ou que a incidência da criminalidade se distingue apenas entre zonas urbanas e zonas rurais, desengane-se. É certo que os municípios com menores taxas de crime se localizam todos em zonas rurais, mas encontram-se casos muito problemáticos em certas regiões do interior, sobretudo no Alentejo, no Algarve e também nos Açores. As cidades de Lisboa e Porto estão no top 10 da insegurança, mas nem sequer é por causa dos crimes contra a integridade física. O problema está sobretudo nos crimes contra o património, incluindo furtos e roubos, embora os valores oficiais das respectivas taxas de criminalidade pequem, na realidade, por excesso, tal como sucede no Algarve, uma vez que não têm em conta o aumento populacional derivado do fluxo turístico.


    No epicentro de um mediático caso de violência sobre imigrantes, o Porto está, na verdade, longe do topo da criminalidade contra a integridade física, mas mesmo assim encontra-se no top-10 dos municípios com maior criminalidade em geral do país, de acordo com dados Direcção-Geral da Política de Justiça, tratados pelo Instituto Nacional de Estatística.

    Com 7,1 crimes contra a integridade física por 1.000 habitantes (por mil), o concelho do Porto está apenas na posição 50 nesta tipologia, entre 308 municípios, numa tabela liderada pelo concelho açoriano de Ribeira Grande (13,9 crimes deste género por mil), ao qual se seguem três municípios alentejanos: Avis (11,9 por mil), Barrancos (11,7 por mil) e Vidigueira (11,1 por mil).  Aliás, o mito da violência nos centros urbanos mostra-se isso mesmo: um mito, que se esvanece quando se analisam não os números absolutos dos crimes contra a integridade física, mas a taxa, ou seja, o número em função da população.

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    Com efeito, se se olhar a taxa também como uma medida de risco, as regiões mais propensas aos crimes contra a integridade física são os Açores, com 8,9 por mil, seguindo-se o Algarve (8,0 por mil) e o Alto Alentejo (7,1 por mil). As duas regiões mais populosas – Grande Lisboa e Área Metropolitana do Porto – registam valores substancialmente mais baixos, com 5,9 e 5,1 crimes desta tipologia por mil habitantes. Mesmo assim estão muito acima do município mais calmo em matéria de violência física: Mértola tem uma taxa de apenas 1,9 por mil, havendo ainda 17 com valores abaixo de 3 por mil.

    Convém, no entanto, salientar que os crimes contra a integridade física constituíram no ano passado, em Portugal, apenas cerca de 15% da criminalidade total, sendo que um pouco mais de metade (51%) se referiu a crimes contra o património, que incluem o furto ou o roubo (sem violência), a apropriação indevida, o abuso de confiança e a fraude.

    E neste indicador, o município do Porto não está, de facto, em ‘bons lençóis’ no contexto nacional: é o terceiro com a maior taxa (38,5 crimes por mil habitantes), apenas atrás do concelho de Albufeira (44,7 por mil) e Vila do Bispo (41,7 por mil). O concelho de Lisboa está na quinta posição (36,9 por mil), sendo que o Algarve é a região do país com maior taxa (29,8 por mil). Convém, no entanto, destacar que como este indicador é calculado em função da população residente (e não sobre a população presente), pelo que os valores estarão algo ‘inflacionados’ em zonas turísticas, como o Algarve, Lisboa e Porto.

    Albufeira é o concelho com pior taxa de criminalidade em 2023, registando 92,6 crimes por mil habitantes. A média nacional é de 35,5.

    Em todo o caso, pelos dados oficiais, o concelho onde menos se deve temer crimes contra o património é Sernancelhe, no distrito de Viseu: apenas registou ao longo do ano passado 3,8 crimes contra o património por mil habitantes.

    Curiosamente, as regiões nortenhas, mais de base rural, são aquelas que manifestam uma menor propensão para esta tipologia de crimes, nomeadamente Tâmega e Sousa (7,9 por mil), Douro (9,0 por mil) e Ave (9,0 por mil). A Madeira 10,7 por mil) tem também valores substancialmente abaixo da média nacional (18,1 por mil).

    No caso da criminalidade genericamente cometida em espaço público – furto / roubo por esticão, furto de veículo e em veículo motorizado, condução sem habilitação legal ou condução com taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 gramas por litro –, apenas em 26 municípios tais crimes ultrapassam os 10% do total. Nestes, destacam-se três municípios algarvios de Vila do Bispo, Albufeira e Loulé, seguindo-se o município madeirense de Porto Santo, seguindo-se o Porto. O município de Lisboa ocupa a 12ª posição.

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    No entanto, desagregando estas quatro tipologias, quase em todos os municípios o furto de veículo e em veículo motorizado destaca-se dos restantes. Neste caso, os concelhos mais problemáticos são Vila do Bispo (17,9 crimes por mil), Porto (12,1 por mil) e Aljezur (10,1 por mil). Dos 10 menos seguros municípios para este tipo de crime, cinco são algarvios e três são da Área Metropolitana do Porto (além da Cidade Invicta, Vila do Conde e Matosinhos).

    Já o crime de condução sob efeito do álcool em taxa considerada crime, os dados oficiais mostram que são sobretudo os concelhos mais rurais que ‘sofrem’ estes efeitos. À cabeça, surge o município madeirense de Porto Santo, com estonteantes 17,8 crimes deste tipo por mil, um rácio quase oito vezes superior à média nacional (2,3 por mil). Bastante distantes de Porto Santo estão os restantes concelhos do top 10, mesmo se com valores elevados: Loulé (9,7 por mil), Albufeira (7,9 por mil), Mourão (7,5 por mil), Oliveira do Bairro (7,4 por mil), Câmara de Lobos (7,0 por mil), Santa Cruz das Flores (6,8 por mil), Vila Nova de Paiva (6,8 por mil), Alter do Chão (6,6 por mil), Óbidos (6,5 por mil).

    Os crimes de condução sem ‘carta’ são bastante raros à escala nacional: 1,5 por mil, o que significa aproximadamente 15 mil crimes no ano passado. Em todo o caso, há 10 municípios onde este indicador é duas ou mais vezes superior, a saber: Loulé (5,5 por mil), Barreiro (5,2 por mil), Mourão 4,9 por mil), Reguengos de Monsaraz (4,6 por mil), Odemira (4,2 por mil), Nazaré (3,9 por mil), Vila Nova de Cerveira (3,5 por mil), Óbidos (3,4 por mil), Montijo (3,1 por mil) e Campo Maior (3,0 por mil).

    Situação em 2023 nos 25 concelhos com maiores taxas de criminalidade total. Fonte: INE / DGPJ.

    Quanto aos roubos ou furtos por esticão ou não via pública, apesar de serem raros – 0,7 por mil a nível nacional –, mas com impacte na percepção da segurança pública, os dados oficiais mostram que, no ano passado, Lisboa (3,4 crimes por mil), Porto (2,8 por mil) e Albufeira (2,4 por mil) se destacam de forma marcante. Por exemplo, o segundo município da Grande Lisboa com maior incidência deste crime é Sintra, mas apenas com um rácio de 1,1 por mil, ou seja, menos de um terço do registado na capital.

    Agregando todos estas tipologias, e outras que não são discriminadas pela Direcção-Geral da Política de Justiça, o concelho mais ‘inseguro’ – ou com a maior probabilidade dos seus residentes sofrerem um crime – é Albufeira, com um rácio no ano passado de 92,6 crimes por mil habitantes, mais de duas vezes e meia acima da média nacional (35,5 por mil).

    No top-5 surge mais dois municípios algarvios – e Loulé (em terceiro, com 70,3 crimes por mil) e Vila do Bispo (em quarto, com 68,5 por mil) e ainda dois concelhos alentejanos – Mourão (em segundo, com 74,3 por mil) e Avis (em quinto, com 63,7 por mil). No top 10 encontram-se inseridos os município das duas principais cidades portuguesas: Lisboa ocupa a sexta posição nacional na taxa de criminalidade (61,3 por mil, tanto como a açoriano município da Ribeira Grande), enquanto o Porto está em oitavo, com 60,5 crimes por mil habitantes.

    Situação em 2023 nos 25 concelhos com menores taxas de criminalidade total. Fonte: INE / DGPJ.

    Curiosamente, ou talvez não, no top 25 não constam mais nenhum município de grande dimensão em termos populacionais, destacando-se, ao invés, concelhos rurais e, alguns do interior, como Avis, Idanha-a-Nova, Campo Maior, Barrancos, Cuba e Vidigueira. Em termos regionais, o Algarve apresenta-se como a região com piores indicadores, ressalvando, mais uma vez, que se está perante uma taxa de crimes por habitantes, que não inclui o fluxo de turistas, nem a abundância de muitas casas de segunda habitação mais susceptíveis à criminalidade.

    No lado oposto, como concelhos com menor taxa de criminalidade total estão Sernancelhe (11,7 crimes por mil), Lajes das Flores (12,6 por mil), Santana (12,7 por mil), Soure (12,8 por mil) e Lajes do Pico (13,0 por mil), sendo que a região do Ave é aquela com melhor indicador (20,9 por mil)


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  • Tribunal Administrativo ‘mostra’ ao Governo como fugir à transparência

    Tribunal Administrativo ‘mostra’ ao Governo como fugir à transparência

    Se um Governo quiser impedir o acesso a documentos da sua função político-administrativa tem agora um bom argumento ‘fornecido’ por um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS): basta que diga que possuem natureza política. No decurso de uma intimação do PÁGINA UM para acesso ao inquérito sobre incompatibilidades preenchido por Caleia Rodrigues antes de assumir funções de secretário de Estado da Agricultura em Fevereiro do ano passado – o único que o fez ainda durante o Governo Costa –, três desembargadores do TCAS, entre os quais um ex-inspector-geral da Administração Interna, vieram agora confirmar uma sentença de há um ano do Tribunal Administrativo de Lisboa. Para os desembargadores, aqueles inquéritos – que terão sido agora também preenchidos pelos membros do Governo Montenegro – são de natureza política, o que implica o seu imediato secretismo. Como a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, criada em 1993, se mostra ambígua sobre os documentos que não são administrativos, significa que esta tese do TCAS, a fazer jurisprudência, concede o direito a qualquer membro do Governo alegar que todos os ofícios, estudos, relatórios e pareceres têm um cunho político, evitando assim a sua divugação. E mesmo o acesso a jornalistas.


    Um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), aprovado no final do mês passado, concede, de forma indirecta, a receita para qualquer Governo, no contexto da actual Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), fugir à transparência: alegar que relatórios, inquéritos ou outras quaisquer decisões escritas ou em formato digital são documentos políticos. Esse ‘truque’ transforma-os em documentos secretos, independentemente de qualquer classificação.

    Em causa estava um processo de intimação do PÁGINA UM para o acesso aos inquéritos dos convidados a integrarem os Governos, designadamente ministros e secretários de Estado, uma prática introduzida por uma Resolução de Conselho de Ministros no início do ano passado, mas que foi apenas usada no Governo de António Costa uma única vez. Gonçalo Caleia Rodrigues, antes de assumir funções de secretário de Estado da Agricultura em 15 de Fevereiro de 2023, foi o único que preencheu o inquérito, ao qual o PÁGINA UM pedira o acesso, que foi recusado pelo Governo de António Costa. Com a entrada em funções dos novos ministros e secretários de Estado do Governo de Luís Montenegro, terão sido, eventualmente, preenchidos novos inquéritos, embora com este acórdão não seja possível sequer conseguir confirmar documentalmente a sua existência.

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    Aprovado por unanimidade, o acórdão do TCAS assinado por três desembargadores, o primeiro dos quais é Pedro Figueiredo, inspector-geral da Administração Interna entre 2015 e 2019, tendo recebido um louvor do então ministro Eduardo Cabrita aquando da sua saída daquelas funções. Os outros dois desembargadores foram Marcelo Mendonça e Carlos Araújo.

    A decisão do tribunal é muito lacónica e nem se perde sequer em grandes considerações. Ocupa pouco mais de duas páginas e confirma uma sentença de Abril do ano passado do Tribunal Administrativo de Lisboa com 10 páginas. O PÁGINA UM alegara que, embora se estivesse perante acto preparatório de uma decisão política – a posterior nomeação de governantes –, o inquérito (o documento em si) constituía o cumprimento de um requisito administrativo, emanado de uma lei, tanto mais que era preenchido por alguém que não exercia ainda funções governativas, sendo antes um pré-requisito de um cidadão para ser nomeado pelo primeiro-ministro ou por um ministro. Além disso, o PÁGINA UM salientava que, tendo a dita Resolução do Conselho de Ministros, justificado o inquérito pela “importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, o secretismo em redor do seu conteúdo era incongruente para esse propósito.

    Recorde-se que a Resolução do Conselho de Ministros estipula que “uma vez preenchido, o questionário [pelos candidatos a membros do Governo] tem a classificação de Nacional Secreto”, e que haverá lugar à sua destruição “caso a personalidade que o preencheu não seja nomeado membro do Governo ou no momento em que cesse funções.” A classificação especial de documentos administrativos – que são todos aqueles que caem na esfera da Administração Pública – carece, na maioria dos casos, de leis da Assembleia da República, além de que a restrição de acesso a estes inquéritos, colocando-os como “Nacional Secreto”, se mostra completamente abusiva, porque os equipara a “segredo de Estado”.

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    Contudo, de acordo com a Lei Orgânica nº 2/2014, o regime do segredo de Estado abrange somente “os documentos e as informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, sendo que esses se encontram explicitamente explanados, a saber: “interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional.”

    Na mesma linha seguem também até as instruções para a segurança nacional, a salvaguarda e a defesa das matérias classificadas, designadamente as credenciações do Gabinete Nacional de Segurança, onde melhor se explicita que a classificação de Nacional Secreto abrange apenas “as informações, documentos e materiais cuja divulgação ou conhecimento por pessoas não autorizadas possa ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte”.

    Em concreto, diz-se que essa classificação de Nacional Secreto – que implica fortes restrições de acesso – só se verificam se fizerem “perigar a concretização de empreendimentos importantes para a Nação ou nações aliadas ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “comprometerem a segurança de planos civis e militares e de melhoramentos científicos ou técnicos de importância para o País ou seus aliados ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “revelarem procedimentos em curso relacionados com assuntos civis e militares de alta importância.”

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    Em todo o caso, esta justificação nem sequer seria necessária, na interpretação dos juízes e desembargadores do Tribunal Administrativo. No acórdão, que confirma a linha de uma primeira sentença, conclui-se que “o preenchimento do dito ‘questionário de apreciação prévia’ insere-se no processo de escolha dos membros do Governo, pelo Primeiro-Ministro, tal actividade é política, não administrativa e visará salvaguardar o prestígio do Governo”. E dizem ainda os desembargadores que “as restantes preocupações referidas pelo recorrente [PÁGINA UM], nomeadamente o desejo de averiguar se o Governo deu cumprimento à Resolução Fundamentada referida nos autos, não são susceptíveis de alterar o decidido, porquanto a LADA [Lei do Acesso aos Documentos Administrativos] não o permite”.

    Este acórdão abre, deste modo, uma panóplia de possibilidades a qualquer Governo em considerar político todos os pareceres, relatórios ou mesmo troca de comunicações elaborados para a posterior tomada de uma decisão ministerial ou do Conselho de Ministros, prejudicando assim a transparência tão propagandeada na teoria mas pouco evidente na prática. Aliás, ao contrário do que sucede em diversos países europeus, a legislação portuguesa na transparência nas decisões políticas é pouca.

    Nesse âmbito, a LADA é, intencionalmente ambígua, permitindo interpretações à la carte como as do acórdão do TCAS, na definição do que não é documento administrativo. Nesse diploma, cuja primeira versão tem 31 anos, salienta-se que estão excluído do acesso “as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte” – ou seja, não são, em princípios, acessivos mensagem de e-mail ou de WhatsApp –, ainda “os documentos produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português” e também “os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente aqueles referentes à reunião do Conselho de Ministros e ou à reunião de Secretários de Estado, bem como à sua preparação”.

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    Ora, este “designadamente” permite ambiguidades, porque não exclui outras actividades para além das que se referem às reuniões formais de governantes. No limite, se um qualquer governante assim desejar pode, a partir de agora, se a interpretação dos desembargadores fizer jurisprudência, alegar que todos os documentos, mesmo que aparentem ser de índole administrativa, constituem actividade política, até porque um Governo tanto administra como exerce funções políticas sendo a fronteiras entre estas funções bastante ténue ou mesmo inexistente.

    Saliente-se que o PÁGINA UM, conhecendo à partida a possibilidade de insucesso desta intimação, avançou mesmo assim para que, em caso de indeferimento – como se confirmou agora –, pelo menos ficasse patente a hipocrisia de uma medida política de evidente populismo: decretou-se um inquérito prévio, em prol da transparência, para averiguar da idoneidade de futuros governantes, mas depois publicamente fica tudo secreto. No limite, pode nem sequer haver inquéritos preenchidos. E mesmo que existam, no fim das funções dos governantes, ou se os candidatos não forem aceites, a Resolução do Conselho de Ministros determina a sua destruição. Nem para os historiadores ficam. Na verdade, existirem ou não existirem os ditos inquéritos é ‘igual ao litro’. Nem servem ‘para inglês ver’.


    As iniciativas do PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo são financiadas pelo FUNDO JURÍDICO, com apoios dos nossos leitores. Em situações como a desta intimação, desfavorável ao PÁGINA UM, os encargos acabam por ser maiores por ser impostas as custas. Para manter a possibilidade de continuar as iniciativas em prol de uma maior transparência administrativa e política, apoie o FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM. Neste momento, está em preparação a entrada de mais três intimações por recusa de documentação administrativa.


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  • Governo Costa condiciona Governo Montenegro com 20 resoluções de ‘última hora’

    Governo Costa condiciona Governo Montenegro com 20 resoluções de ‘última hora’

    Luís Montenegro ganhou as eleições legislativas e já formou Governo. Mas, antes disso, António Costa teve uma derradeira palavra a dizer e resolveu ‘queimar os últimos cartuchos’ sob a forma de 20 Resoluções de Conselho de Ministros (RCM) nos dias 21 e 24, que ontem foram publicados em Diário da República. Não foi coisa pouca: envolvem um volume de despesas públicas da ordem dos 1,7 mil milhões de euros. Segundo um levantamento do PÁGINA UM, de entre as duas dezenas de RCM – que se tornaram uma forma corriqueira de governar por parte de António Costa –, 12 constituem autorizações para realização de despesa em institutos, empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas. Como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples RCM – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai, assim, manter-se em muitos sectores nos próximos anos.


    Foi uma semana bastante produtiva a última em acção do Governo socialista cessante. Em quatro dias somente António Costa compôs, entre outros diplomas, um total de 21 Resoluções de Conselho de Ministros, praticamente todos com forte impacte financeiro e, em muitos casos, até condicionando da acção do novo Governo de Luís Montenegro, porque têm incidência em programas plurianuais. A sofreguidão do Governo Costa foi tal que alguns dos diplomas saíram de um Conselho de Ministros extraordinário em regime electrónico no passado domingo.

    Tamanho afã governamental, levaram mesmo os serviços da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que produzem o Diário da República, a trabalho redobrado. Uma parte das Resoluções de Conselho de Ministros tiveram de passar para dois suplementos da 1ª série da ‘edição’ de ontem. O ‘tomo’ principal ficou cm 93 páginas, enquanto um dos suplementos ocupou 27 páginas e o outro mais 51, embora neste caso quase todo ocupado por uma portaria que estabeleceu as normas do regime de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual.

    António Costa e Luís Montenegro.
    (Foto: D.R./ Foto oficial de António Costa)

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, de entre as 20 Resolução com impacte financeiro e até orçamental, 12 constituem autorizações de realização de despesa por parte de institutos e empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos também com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas.

    Embora com alguma (pequena) margem de erro, porque algumas reprogramações podem não ter um impacte financeiro por se tratar de reajustamentos plurianuais, as derradeiras medidas do Governo Costa ‘mexem’ num impressionante montante: mais de 1,7 mil milhões de euros. E como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples Resoluções de Conselho de Ministros – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai manter-se em muitos sectores nos próximos anos.

    Dois dos sectores onde tal será mais evidente são os investimentos na ferrovia e na habitação. O novo ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, estará ‘agarrado’ a três decisões do Governo de António Costa sobre a afectação de verbas específicas do Fundo Ambiental e do Orçamento do Estado para o Plano de Investimento em Material Circulante por parte da CP.

    (Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)

    Um dos diplomas concede, desde já, autorização à empresa pública para proceder á repartição de encargos plurianuais, até 2032, num montante total de cerca de 746 milhões de euros. Por exemplo, para o Orçamento do Estado do próximo ano, o Governo de Luís Montenegro será já obrigado a incluir uma verba específica de 50 milhões de euros para dar cumprimento a esta Resolução.

    Também é o Governo de António Costa que, em ‘fim de festa’ determinou a repartição em concreto das verbas que o Fundo Ambiental, que será tutelado pela nova ministra Maria da Graça Carvalho, deverá entregar à CP. A título de exemplo, este ano serão 78,5 milhões de euros e no próximo mais 82,6 milhões.

    Ainda no sector dos transportes, mas neste caso em benefício do Metropolitano de Lisboa, foi também António Costa – que, desde Novembro acumulava a tutela das Infraestruturas – que decidiu já as compensações financeiras anuais a atribuir até 2030 pelo Estado no âmbito das obrigações de serviço público. Por ordem do Governo socialista, o Governo da Aliança Democrática terá de entregar este ano ao Metropolitano de Lisboa um total de 4.259.786 euros, e se continuar a durar em 2025 serão mais cerca de 18,3 milhões de euros. Nos próximos sete anos, a Resolução de Conselho de Ministros de 21 de Março, apenas assinada por Mariana Vieira da Silva, fixou pagamentos à empresa pública de 73,7 milhões de euros.

    (Foto: PÁGINA UM)

    No caso do sector da habitação, Miguel Pinto Luz vai, em termos práticos, ser obrigado a cumprir a estratégia do Governo socialista. A Resolução de Conselho de Ministros autorizou o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a realizar a despesa e a assumir os encargos plurianuais de mais 390,5 milhões de euros no âmbito da contratualização do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, e que visa, em princípio, a construção das 26 mil habitações. Para 2025 e 2026, Luís Montenegro terá de garantir 190,25 milhões de euros em cada um destes anos para este programa habitacional, assim o determinou António Costa nos seus últimos dias como primeiro-ministro.

    Acresce ainda, no sector da habitação, mas neste caso para residências de estudantes universitários, duas autorizações de despesa concedidas à Construções Públicas (ex-Parque Escolar).  A primeira para se gastar quase 17 milhões de euros num edifício na lisboeta Avenida 5 de Outubtro. A segunda para se gastar um pouco menos de 6,6 milhões de euros na reabilitação de um edifício em Seia. Os prédios pertencias ao Subfundo ImoResidências, da Estamo, dissolvido recentemente.

    O sector da Saúde também teve decisões de última hora por parte do Governo Costa. Além da confirmação de mais compras de vacinas contra a covid-19 até 2026, no valor de 210 milhões de euros – que terão, em grande parte, o lixo como destino, por ser já escassa a procura face aos compromissos assumidos pela Comissão Europeia –, houve muitas decisões para obras em hospitais.

    A última reunião de Conselho de Ministros ordinária do anterior Governo contou a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)

    No caso da reprogramação dos encargos plurianuais do Programa de Investimentos na Área da Saúde, foram incluídas autorizações de despesas para o alargamento e remodelação das instalações da urgência polivalente da Unidade Local de Saúde de Viseu Dão-Lafões (8,06 milhões de euros), aquisição de acelerador linear para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,9 milhões de euros), a requalificação das instalações do Hospital de Conde de São Bento, em Santo Tirso (6,45 milhões de euros), o projeto de eficiência energética no Centro Hospitalar do Baixo Vouga (2,41 milhões de euros), a construção de uma central térmica no Hospital de Santa Maria (8,95 milhões de euros), a reabilitação dos sistemas energéticos do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,26 milhões de euros) e a requalificação do edifício de cirurgia do Instituto Português de Oncologia de Coimbra (38,3 milhões de euros).

    Ainda no sector hospitalar, o Governo Costa aprovou a realização, ainda para este ano, de gastos por parte da Administração Central do Sistema de Saúde no valor de cerca de 16,1 milhões de euros, no quadro de um acordo de prestação de cuidados de saúde com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em duas unidades de saúde: o centro de reabilitação de Alcoitão e o Hospital Ortopédico de Sant’Ana.

    Por fim, ainda houve mais três Resoluções relacionadas com a logística e aquisição de fármacos, um dos quais a próxima ministra da Saúde, Ana Paula Martins, até ‘agradecerá’ por não ser ela a tomar. Trata-se de uma aquisição de compra, ao longo deste ano, de cerca de 1,6 milhões de euros do polémico antiviral remdevisir, para tratamento da covid-19, que é comercializado sob a marca Veklury, pela Gilead. Ana Paula Martins foi um quadro de topo desta farmacêutica entre Fevereiro de 2022 e Janeiro de 2023. Nesta Resolução integra-se também a compra de outros “medicamentos contra a covid-19” não especificados, mas feito no âmbito de acordos celebrados, e mantidos em segredo, que atingiram os 22,7 milhões de euros desde 2022.

    Ana Paula Martins (Foto: Captura a partir de vídeo da AR-TV)

    No sector da segurança, o Governo de António Costa já ‘avançou’ com o trabalho da nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco já não se terá de preocupar demasiado com a aquisição de serviços de suporte à Rede Nacional de Segurança Interna. Ou, pelo menos, ficará a saber que o Governo socialista determinou já vai tudo vai ficar em cerca de 63 milhões de euros, sendo que este ano se gastará apenas 5,2 milhões de euros, mas depois 12,8 milhões de euros em cada ano do quadriénio 2025-2028, terminando em 2029 com um gasto final de 6,4 milhões de euros.

    Além de autorizações para gastos em campanhas de sensibilização na área dos resíduos – onde o Governo Costa determinou ‘autorizar’ que o Governo Montenegro venha a gastar cerca de 10,7 milhões de euros, através do Fundo Ambiental e da Agência Portuguesa do Ambiente – e de autorizações para a aquisição de computadores por escolas e de aquisição de serviços de gestão do centro de contacto do Instituto de Segurança Social, houve também lugar, nesta recta final do Governo socialista, em garantir despesa para obras em duas universidades.

    Para uma residência de estudantes, a Universidade de Lisboa obteve autorização para avançar com uma empreitada de 6 milhões de euros, cujas obras deverão estar concluídas no próximo ano.

    Já a Universidade de Coimbra recebeu duas benesses na recta final do Governo socialista: a primeira para avançar com a empreitada de edificação da nova biblioteca da Faculdade de Direito, no valor de 28,1 milhões de euros; e a segunda para reprogramar a despesa de outra empreitada, dessa vez de quase 22,3 milhões de euros, no decurso da construção do Centro de Excelência em Investigação do Envelhecimento.


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  • Europeias: com os votos das legislativas, Chega terá quatro deputados, enquanto comunistas e PAN desaparecem

    Europeias: com os votos das legislativas, Chega terá quatro deputados, enquanto comunistas e PAN desaparecem

    Nenhuma eleição é igual a outra, mas com a proximidade das Europeias a distribuição dos votos do passado domingo servirão como referência, pelo menos psicológica. O PÁGINA UM foi ver como ficariam distribuídos os mandatos para eurodeputados se as percentagem das eleições de Junho fossem exactamente semelhantes às do passado domingo. Há duas ‘expulsões’ quase certas e duas estreias garantidas, uma delas fulgurante. Conheça também algumas estórias sobre os sufrágios que se iniciaram em 1987, e que não parecem muito estimulante para os portugueses, que os ‘brindam’ com taxas de abstenção que já suplantam os 60%.


    Daqui a cerca de três meses os portuguesas serão chamados de novo às urnas. Pela nona vez desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia – que evoluiu até à actual União Europeia –, apresta-se a mais uma dança de cadeiras para eleger 21 representantes portugueses para integrar 705 deputados no Parlamento em Bruxelas (e Estrasburgo e Luxemburgo). E, embora as comparações com sufrágios internos possam ser falíveis, não será muito provável, devida à estreita proximidade temporal, que haja grandes diferenças entre os resultados das recentes eleições legislativas – que quebraram, pela segunda vez em democracia, o bipartidarismo clássico – e as eleições para o Parlamento Europeu. Excepto, claro, como disse certo dia Marcelo Rebelo de Sousa, se Cristo descer à Terra.

    Nas eleições do parlamento europeu não se aplica os círculos distritais – que, claramente prejudicam os partidos mais pequenos –, entrando todos os votos para o ‘bolo nacional’, mas existe um óbvio obstáculo: como agora são apenas eleitos 21 deputados – já chegaram a ser 25, em 1994 –, mostra-se necessário, em princípio, pelo menos, uma votação a rondar os 3,7% para garantir um eurodeputado.

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    Porém, esse valor mínimo depende de outros factores, entre os quais a própria distribuição dos votos, por via do uso do método de Hondt, e que beneficia sobretudo os maiores partidos. Até agora, somente em 1987 – as primeiras eleições europeias em Portugal – houve três partidos a ultrapassarem os 15%, sabendo que os dois maiores (PS e PSD) costumam, mesmo nos maus sufrágios estar acima dos 20% e nos bons acima dos 30%.

    No sufrágio de estreia para a Europa, Francisco Lucas Pires, encabeçou a lista de um ainda pujante CDS e conseguiu 15,4%, ficando a cerca de sete pontos percentuais do PS (com Maria de Lourdes Pintasilgo como cabeça de lista), numas eleições ganhas pelo PSD (com Pedro Santana Lopes a liderar a lista), que obteve 37,45%.

    Apesar disso, e estando então em jogo 24 eurodeputados, o CDS somente conseguiu quatro mandatos (razão de 3,85% por deputado), ficando o PS com seis (razão de 3,75% por deputado) e o PSD com 10 (razão 3,75% por deputado). Neste sufrágio, a CDU conseguiu 11,5% e elegeu três eurodeputados (razão 3,83% por deputado), enquanto o PRD, já em ‘queda’, ainda elegeu um eurodeputado (Medeiros Ferreira) com 4,5% dos votos.

    Saliente-se que estas eleições para o Parlamento Europeu – que elegeram deputados por apenas dois anos, e não cinco como habitualmente, por via da adesão recente de Portugal à CEE – tiveram uma ‘proximidade absoluta’ com as legislativas antecipadas desse ano, por via da queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em resultado de uma moção de censura do PRD. Coincidiram na data. E os resultados não foram exactamente semelhantes porque as circunstâncias e os protagonistas eram muito especiais.

    Com efeito, nas legislativas de 1987, Cavaco Silva arrecadaria a sua primeira maioria absoluta, com uns estrondosos 50,2%, e a grande diferença com o sufrágio para o Parlamento Europeu surgiu da capacidade dos sociais-democratas de ‘capitalizarem’ nas urnas para a Assembleia da República os votos dos centristas. O então líder do CDS, Adriano Moreira, somente conseguiu 4,44%, ou seja, cerca de menos 11 pontos percentuais do que o seu ‘camarada’ Lucas Pires nas europeias, enquanto Cavaco Silva suplantou em quase 13 pontos percentuais a votação de Pedro Santana Lopes. O actual presidente da autarquia da Figueira da Foz referiu, mais tarde, que a estratégia do PSD foi de priorizar as legislativas, mesmo do ponto de vista de materiais de campanha eleitoral. Nos restantes partidos que então elegeram eurodeputados (PS, CDU e PRD), as diferenças entre os dois sufrágios foram mínimas.

    Denotando, este exemplo de 1987, a importância dos cabeças-de-lista apresentados pelos diversos partidos, certo é que nunca, como em 2024, houve um quadro político em vésperas de eleições europeias em claro ‘tripartidarismo’. Hoje, a situação apresenta algumas similitudes com aquela saída das eleições de 1985 – com o PRD próximo dos 20% e PSD e PS então também abaixo dos 30% –, mas as Europeias realizaram-se dois anos depois, em 1987, quando o PRD cometera um ‘harakiri’ político ao fazer cair o Governo minoritária de Cavaco Silva.

    Pedro Santana Lopes, aos 31 anos, foi o primeiro vencedor das primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Portugal, no ano de 1987, obtendo 37,45%. Mas a sua vitória foi ofuscada por coincidir com as eleições legislativas, onde Cavaco Silva ‘cilindrou’ a oposição, conseguindo uma maioria absoluta com 50,2%. Imgem: RTP Arquivo (debate contra Maria de Lourdes Pintasilgo)

    Por esse motivo, mostra-se interessante olhar como será a distribuição dos 21 mandatos no Parlamento Europeu nas eleições do próximo dia 9 de Março com as exactas percentagens obtidas pelos partidos nas recentes eleições legislativas. Assim, se no domingo as notícias não foram nada favoráveis aos comunistas, então para as Europeias afiguram-se dramáticas. Com efeito, contas feitas, com a distribuição dos outros partidos, os 3,3% da CDU no passado domingo serão insuficientes para eleger um eurodeputado. Se se mantivesse a abstenção nos 33,7% registada no domingo – nas Europeias a abstenção tem ultrapassado os 60% –, os comunistas necessitariam de mais cerca de 20 mil votos para ‘sacar’ um mandato. Saliente-se que os comunistas (em coligação com o PEV) têm actualmente dois eurodeputados e representação no Parlamento Europeu desde 1987.

    Obviamente, se a CDU conseguir Governo os 202 mil votantes do domingo passado e só forem votar os 3,3 milhões de eleitores das Europeias de 2019, então ficará com cerca de 6% do total, garantindo facilmente um mandato. Mesmo assim muito longe dos históricos 14,4% de Carlos Carvalhas em 1989, que permitiu a eleição de quatro deputados, incluindo um (Maria Santos) do Partido Ecologista Os Verdes, parceiro habitual dos comunistas.

    Porém, neste exercício de projectar as percentagens das recentes legislativas para o universo das próximas Europeias, a CDU não será o único partido com assento parlamentar em Portugal a não ter representação no Parlamento Europeu. Também o Livre – cujo co-líder, Rui Tavares, foi já eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda em 2009, desvinculando-se depois em 2011 – não conseguirá qualquer mandato europeu se mantiver os 3,26% do domingo passado. E quanto ao PAN mais difícil ainda se torna: os 1,93% em Europeias valem nada. Perspectiva-se assim a perda do seu único eurodeputado eleito em 2019 com 5,08%.

    Quanto ao Bloco de Esquerda – que desde 2004 está no Parlamento Europeu, tendo chegado mesmo a eleger três deputados em 2009 –, manter-se-á em Bruxelas se obtiver nas Europeias os 4,46% das Legislativas do passado domingo. Porém, reduzido a um representante.

    Francisco Lucas Pires em 1987, como cabeça-de-lista do CDS en , foi quem maior percentagem de votos alcançou em eleições europeias (15,4%) a seguir aos ‘dois grandes’. Será esta faquia ultrapassada nas eleições de Junho?

    Quem também perderá deputados, caso tenha a mesma percentagem das Legislativas, será o Partido Socialista. Em 2019, os 33,38% resultaram em nove deputados, mas os 28,66% de agora darão apenas para sete. A perda de dois deputados dever-se-á sobretudo aos acertos finais para distribuição dos últimos mandatos.

    Já a Aliança Democrática, com os 29,49% de domingo passado, ficará com oito deputados, o que se traduz num ganho líquido de apenas um eurodeputado se considerarmos o somatório dos mandatos saídos das eleições europeias de 2019, onde PSD conseguiu seis deputados e o CDS apenas um. Aliás, é neste caso que se mostra a vantagem das coligações (se não forem ‘tóxicas’) em termos de optimização da distribuição dos mandatos pelo método de Hondt: em 2019, se se somarem os votos individualizados de PSD (21,94%) e CDS (6,19%), a razão percentagem por deputado fica em 4,0%, enquanto com os 29,49% – que dariam para oito deputados – essa razão passa para 3,7%.

    No caso da simulação do PÁGINA UM, esta união mostra-se mais relevante: mesmo com perda de influência eleitoral do CDS – que regressou à Assembleia da República à boleia da AD –, com a distribuição de votos nas Legislativas de domingo passado, o 21º deputado nas Europeia seria ‘entregue’ à Aliança Democrática por uma diferença de cerca de 20 mil votos. Ou seja, sem os centristas – que valem certamente mais de 20 mil votos –, o PSD elegeria sete eurodeputados, tantos como o PS.

    Simulação da distribuição dos eurodeputados pelo método de Hondt se os diversos partidos tivessem os mesmos votos das legislativas (ou, obviamente, as mesmas percentagens). Análise: PÁGINA UM, a partir do simulador do Ministério da Administração Interna.

    Quem entrará seguramente no Parlamento Europeu se mantiverem as percentagens das Legislativas serão a Iniciativa Liberal e o Chega. No caso dos liberais – que em 2019 tiveram apenas 0,88% nas Europeias, com Ricardo Arroja –, os 5,08% são largamente suficientes para recolher um mandato, embora muito longe de um segundo.

    Quanto ao Chega, a estreia vai ser bastante auspiciosa: os 18,06% de domingo darão para quatro mandatos, o que constitui, descontada a eleição de 1987, a estreia mais fulgurante de um partido português no Parlamento Europeu. Com efeito, estas serão as primeiras eleições europeias para o Chega, embora André Ventura tenha sido candidato em 2019 na coligação Basta!, criada antes do final do processo de legalização do seu partido, e que integrava o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) e ainda o movimento Democracia 21. Os 49.496 votos então obtidos por André Ventura deram apenas 1,49%, deixando-o muito longe de Bruxelas e sem a chama actual. Nas Europeias de 2019, Ventura destacou-se por ter faltado a um debate ‘à molhada’ na RTP com os candidatos dos pequenos partidos, optando por ir fazer comentário sobre futebol na CMTV.

    Em todo o caso – e como já referido nas eleições de 1987 para os desempenhos Cavaco Silva & Santana Lopes e Adriano Moreira & Lucas Pires –, muito vai depender não apenas da capacidade de segurar eleitores das Legislativas para as Europeias mas também dos cabeças-de-lista, embora não se esteja a ver que qualquer partidos consiga encontrar um ‘coelho’ para tirar da cartola e entusiasmar o eleitorado a seu favor.

    André Ventura concorreu em 2019 para as eleições parlamentares integrado na coligação Basta!, antes mesmo da legalização do Chega no Tribunal Constitucional. Agora, se mantiver a fasquia alcançada nas recentes legislativas, o Chega elegerá quatro eurodeputados.

    Mesmo se se mostra mais difícil em eleger um deputado para Bruxelas, em comparação com a eleição para a Assembleia da República, as Europeias têm sido palco de algumas surpresas e quase-surpresas, o que não será provável nas próximas. A maior surpresa ocorreu em 2014 quando o antigo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto aproveitou o seu mediatismo para integrar o Movimento Partido da Terra, conseguindo dois eurodeputados com 7,14%. Acabaria tudo em ‘divórcio’, e Marinho e Pinto criaria, um ano mais tarde, o Partido Democrático Republicano que nunca teve sucesso eleitoral interno, ‘evoluindo’ para a actual Alternativa Democrática Nacional (ADN).

    A maior quase-surpresa foi protagonizada por Miguel Esteves Cardoso (MEC) em 1987 – um ano antes de ter fundado, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que tantas dores de cabeça daria a Cavaco Silva. Aos 31 anos, MEC foi candidato pelo Partido Popular Monárquico e obteve 2,77%, fazendo uma campanha eleitoral marcante. Dois anos mais tarde – numa altura em que o MDP-CDE (um histórico pequeno partido que depois acabaria fundido no Bloco de Esquerda) procurou surpreender com a candidatura do maestro António Victorino d’Almeida –, MEC fez nova tentativa, mas conseguiu somente 2,07%.

    Desconhecendo-se ainda, com excepção da Iniciativa Liberal, quem serão os cabeças-de-lista das próximas Europeias, convém salientar que, ao longo das diversas eleições, por lá passaram personalidades que acabariam mais tarde como primeiros-ministros, como Pedro Santana Lopes e António Costa. Ou então mesmo ex-primeiros-ministros, como foram o caso de Maria de Lourdes Pintassilgo e de Mário Soares (que foi também Presidente da República). No caso de Soares, a sua candidatura em 1999 enquadrava-se numa estratégia socialista, defraudada, de o colocar como presidente do Parlamento Europeu.

    António Costa detém, como cabeça-de-lista, a maior vitória nas eleições europeias. Em 2004 conseguiu 44,5%, superando por pouco o recorde de Mário Soares em 1999 (43,1%).

    O peso do socialista Mário Soares viu-se nessas eleições, obtendo, até então, a vitória mais expressiva em eleições europeias, com 43,07%, um valor que, em legislativas, daria para ‘sacar’ a maioria na Assembleia da República. Porém, como os mandatos das Europeias são atribuídos para todo o território, o melhor que o PS conseguiu foram 12 mandatos, metade daqueles a que Portugal tinha então direito.

    Acrescente-se que essas eleições de 1999, em pleno guterrismo, tiveram um ‘cartaz de luxo’: Mário Soares pelo PS, Pacheco Pereira pelo PSD  e Paulo Portas, pelo CDS, que ainda teve como antagonista (não eleito) o seu irmão mais velho, Miguel Portas, que não foi então eleito – seria quatro anos mais tarde.

    Cinco anos mais tarde, com António Costa a liderar a lista socialista, o recorde de Soares seria batido: o ainda actual primeiro-ministro conseguiu 44,57% nas eleições europeias de Junho de 2004, beneficiando da insatisfação popular ao Governo de Durão Barroso, que se demitiria no mês seguinte para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Foi a última vez que qualquer partido superou a fasquia dos 40% – aliás, a partir dessas eleições nunca mais ninguém ultrapassou os 34%. E, provavelmente, se se mantiver a linha das eleições legislativas deste mês, pode suceder que nenhum partido utrapassse nas Europeias a fasquia dos 30%.


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  • Campanhas eleitorais: oficialmente, já quase ninguém faz donativos aos partidos

    Campanhas eleitorais: oficialmente, já quase ninguém faz donativos aos partidos

    Em 2005, os donativos pessoais para as campanhas eleitorais ainda pesavam nas contas dos partidos políticos. No primeiro acto eleitoral em que as contas partidárias começaram a tornar-se públicas, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata ainda angariaram, em conjunto, 800 mil euros. Mas, a partir dessas eleições, os montante estranhamente começaram a minguar, e actualmente são quase irrelevantes. Para as eleições do próximo 10 de Março, os diversos partidos estimam receber, em conjunto, um total de 273.300 euros em donativos, mas esse valor dificilmente será atingido. Por exemplo, em 2022 só houve cinco partidos a declararem donativos, que atingiram apenas 37.745 euros.


    Os partidos políticos já quase não recebem donativos para as campanhas eleitorais – ou, pelo menos, é aquilo que consta dos orçamentos e das suas contas. De acordo com as expectativas de receitas dos 15 partidos e coligações, entregues na semana passada na Entidades das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), os donativos apenas representam 3,3% do total dovalor total orçamentado para gastos da próxima campanha para as Legislativas de 10 de Março, representando apenas 273.300 euros.

    Embora seja muito previsível que estes valores sejam substancialmente rectificados após as eleições, sobretudo por uma das receitas (subvenções do Estado) dependerem dos resultados dos votos recoilhdos, os partidos que entregaram o seu orçamento apontam para um gasto total de um pouco mais de 8,3 milhões de euros. Deste montante, 85,5% virá das subvenções estatais – que em alguns partidos poderá ficar aquém do que estimam – e 11,2% de outras proveniências, em especial de fundos próprios.

    No entanto, aquilo que mais se destaca nos orçamentos dos partidos para os gastos eleitorais, além da disparidade dos valores – Partido Socialista e Aliança Democrática estão num patamar de gastos muito superior ao dos outros partidos com assento parlamentar, enquanto os outros partidos têm previsões de gastos ínfimos –, acaba por ser a fraca confiança na angariação de donativos.

    Com efeito, para as próximas eleições há mesmo seis partidos que nem sequer aguardam qualquer vintém em donativos para suportar os custos da campanha, incluindo Partido Socialista, Chega, PAN e Livre. Por sua vez, a Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal são os mais esperançosos, aguardando apoios financeiros de 75 mil euros, enquanto o Volt e a Nova Direita esperam que os donativos possam suportar a totalidade ou quase das despesas de campanha.

    Saliente-se que os donativos só pode ser feitos a título individual, estando vedados a empresas, e com um limite de 12.725 por pessoa (25 vezes o IAS) e por transferência bancária. E devido às limitações decorrentes da lei, será previsível que os valores agora apontados (273.300 euros) ainda fiquem aquém quando se fizer a contabilidade no fim das eleições.

    Por exemplo, nas eleições legislativas de 2022, o Partido Socialista aguardava por 100.000 euros de donativos, mas acabou por declarar nas suas contas que não recebeu qualquer verba. Neste acto eleitoral, o partido com maior verba de donativos foi a Iniciativa Liberal, que recebeu por esta via 38.868 euros, embora tivesse orçamentado atingir os 150 mil euros. Neste acto eleitoral só houve cinco partidos (PSD, PCTP-MRPP, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e CDU) que indicaram ter recebido donativos, que atingiram, no conjunto, somente os 37.745 euros.

    Numa consulta do PÁGINA UM às contas das diversas eleições legislativas desde 2005, mostra-se notório que os partidos estão, de forma oficial, a receber cada vez menos dinheiro através de donativos. Nas eleições de 2019, de entre os partidos com assento parlamentar, o Bloco de Esquerda foi o partido que mais dinheiro recebeu (um pouco menos de 65 mil euros), seguindo-se o PS, com quase 48 mil euros, mesmo se nem sequer colocara qualquer valore expectável no orçamento enviado previamente para a ECFP.

    Também o PSD e o CDS não esperavam receber donativos para esta campanha, e acabaram a receber verbas muito baixas: 5.688 e 10.000 euros, respectivamente. Ao invés, o Chega – que nestas eleições entrou para o Parlamento, com André Ventura – garantiu não ter recebido quaisquer donativos, um ‘insucesso’ se considerarmos que ambicionava arrecadar 100 mil euros por esta via.

    Orçamentos da campanha eleitoral de 10 de Março por partido. Fonte: ECFP. Análise: PÁGINA UM.

    O último acto eleitoral em que houve um partido político a receber mais de 100 mil euros de donativos foi o de 2015, que levou António Costa para o Governo, com a criação da geringonça. Apesar de ter ficado em segundo nas eleições, atrás da coligação PàF, o PS foi aquele que mais recebeu de donativos: 159.068 euros, quando orçamentara 150 mil. Por sua vez, a coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas somente recebeu 6.240 euros, tendo ambicionado amealhar 75 mil. O Bloco de Esquerda e a CDU também superaram as expectativas iniciais, recebendo cerca de 41 mil e 61 mil euros em donativos, bem acima dos estimado.

    Os dois actos eleitorais anteriores (2011 e 2009) não fugiram à regra do baixo volume de receitas a partir de donativos. Em 2011 nenhum partido ultrapassou os 30 mil euros em donativos, e em 2009 o máximo foi alcançado pelo PS, mas muito abaixo das expectativas: 91.237 euros face aos 600 mil euros orçamentados.

    Em todo o caso, há um ‘mistério’ na evolução dos donativos na ajuda aos partidos políticos para as campanhas eleitorais, porque para as de 2005, a primeira em que se tornou obrigatória a divulgação dos orçamentos e das contas finais, o fluxo financeiro mostrou-se incomensuravelmente superior aos dos anos seguintes. Nesta altura, os partidos viam os donativos como um maná importante, embora todos com mais olhos do que barriga.

    O mais optimista foi o então Partido Popular, liderado por Paulo Portas, que ambicionou receber quase 2,6 milhões de euros provenientes de donativos. Correu mal: só amealharam 13 mil euros, o partido perdeu dois lugares no Parlamento e o PS obteve a maioria absoluta com José Sócrates. Quanto ao PSm esperava receber 1,55 milhões de euros, mas ficou-se pelos 448.963 euros, enquanto o PSD desejava sacar meio milhão de euros de donativos, e apenas obteve um pouco menos de 353 mil euros.

    Mesmo assim, neste acto eleitoral, os dois principais partidos portugueses cerca de 800 mil euros em donativos, o que contrasta com a situação da campanha que se avizinha para as eleições de 10 de Março: o PSD, integrado na Aliança Democrática, já espera receber 75 mil euros e o PS nem sequer está a contar com alguma coisa. Pouco relevante será: as subenção estatal, com o dinheiro dos contribuintes, continuará a compensar a perda de doadores.

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  • Chega quer cortar acesso ao seu congresso a jornalista (de quem não gosta) [act.]

    Chega quer cortar acesso ao seu congresso a jornalista (de quem não gosta) [act.]


    O partido de André Ventura quis discriminar o jornalista Miguel Carvalho, alegando ser freelancer, por não estar afecto directamente a um órgão de comunicação social, justificação que não encontra qualquer justificação legal. O antigo jornalista da Visão, que ainda este mês recebeu o Prémio Gazeta 2022, tem feito investigações sobre movimentos considerados de extrema direita. O caso acabou por merecer uma inédita deliberação urgente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda em tempo útil: se amanhã Miguel Carvalho for impedido de entrar na convenção do Chega, André Ventura será processado por atentado contra a liberdade de informação e por desobediência. Porém, no primeiro dia dos trabalhos, o Chega acabou por aceder a entregar uma acreditação ao jornalista.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ameaça fazer uma participação no Ministério Público por atentado à liberdade de informação contra o Chega, caso o partido de André Ventura não conceda acreditação ao jornalista Miguel Carvalho para acompanhar os trabalhos da VI Convenção que se realiza a partir de amanhã, e até domingo, em Viana do Castelo.

    Segundo apurou o PÁGINA UM, como habitualmente sucede em outros eventos com potencial de cobertura noticiosa, Miguel Carvalho requereu a acreditação no site do Chega, mas foi-lhe colocado entraves por alegadamente ser jornalista freelancer.

    Miguel Carvalho efectivamente não tem agora um vínculo contratual com um só órgão de comunicação social, tendo abandonado a revista Visão em Agosto do ano passado, mas possui um currículo bastante relevante na imprensa. Aliás, recebeu na passada sexta-feira o Prémio Gazeta 2022 por uma reportagem intitulada “O braço armado do Chega”, publicado em 17 de Novembro daquele ano, sobre a militância (proibida por lei) de profissionais da PSP e da GNR no partido de André Ventura.

    Na verdade, mais do que o estatuto de freelancer – que não pode ser alvo de qualquer tipo de discriminação –, aparentemente serão mais as abordagens jornalísticas de Miguel Carvalho que terão motivado a ilegal postura do Chega. De acordo com uma deliberação da ERC tomada hoje com carácter de urgência, a directora de comunicação social do Chega, Patrícia Carvalho – que não atendeu o telefonema do PÁGINA UM nem respondeu à solicitação de contacto –, terá transmitido a Miguel Carvalho que deveria “aguardar pelo encerramento das acreditações para saber se poderia ir ou não [obter a credenciação solicitada]”, alegadamente por [o]s jornalistas afectos a OCS [terem] primazia sobre os freelancers”.

    O regulador presidido por Helena Sousa salienta, depois de ter dado oportunidade ao Chega de apresentar alegações – o que não fez –, que “quaisquer restrições legalmente admissíveis em sede de direito de acesso implicam, desde logo, o respeito pelo princípio da igualdade, estando vedada a adoção de quaisquer condutas de base discriminatória (…) ou a subordinação a considerações de conveniência, oportunidade ou de mérito por parte do proprietário ou gestor do local (público) em causa ou do organizador do evento que neste se realize”, adiantando ainda que “a restrição ilícita do acesso dos jornalistas às fontes de informação (lato sensu) constitui violação grave de um direito fundamental, consubstanciando uma limitação inadmissível do direito de informar e ser informado”.

    Nessa medida, a ERC defende que, apesar do Chega ter o direito de estabelecer um “sistema de credenciação”, com critérios transparentes, deve garantir “as necessárias condições de igualdade e não discriminação a todos os órgãos de comunicação social e jornalistas potencial ou efetivamente interessados na cobertura informativa do evento referido”. E assim sendo, não pode dar primazia de acesso a jornalistas afectos a um dado órgão de comunicação social em detrimento de jornalista freelancer.

    Miguel Carvalho, 53 anos, é um dos mais conceituados jornalistas de investigação em Portugal.

    Uma vez que esta deliberação urgente, colocada esta tarde no site da ERC tem carácter vinculativo, se o Chega não cumprir as determinações também incorre num crime de desobediência, punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias. No caso do atentado à liberdade tem igual moldura penal, embora agravada ao dobro em caso de o infractor ser uma pessoa colectiva pública, como são os partidos políticos.

    Ao PÁGINA UM, Miguel Carvalho revelou na quinta-feira à noite que aguardava ainda uma reacção do Chega, e que estaria à porta do Centro de Congressos de Viana do Castelo, onde se ‘entronizará’ novamente André Ventura para avançar como candidato principal do partido às eleições de 10 de Março. Entretanto, o Chega acabou por aceitar conceder a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho no primeiro dia dos seus trabalhos.

    Nota: Notícia actualizada às 00:30 horas do dia 13 de Janeiro de 2024 com a referência a ter sido concedida a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho.


    N.D. Ainda em 18 de Dezembro passado, André Ventura se insurgia contra o Facebook por lhe ter cancelado (temporariamente) a sua conta pessoal, dizendo que já fizera queixa a Zuckeberg e ameaçava recorrer à Justiça. Agora, é ele o censor – de um congresso em ‘sua casa’, mas não é bem a ‘sua casa’ porque um partido político não é uma agremiação onde se vai jogar à sueca (e se reserva o direito de admissão), mas sim uma entidade de onde provêm políticos para gerir, sob várias formas, a res publica. E daí que, obviamente, tem a obrigação democrática de abrir as portas: a quem gosta e a quem não gosta. Independentemente de ideologias, a coerência é um dos atributos que mais prezo. Posso dialogar com alguém de uma ideologia que eu não professo – e que está nas antípodas do que defendo –, mas recuso aceitar alguém que manifesta falta de coerência, ainda mais forjada às suas conveniências. Se André Ventura quer ser levado a sério como dirigente de um partido democrático, e acha mesmo que pode ser uma alternativa ao actual establishment, vai assim por um péssimo caminho com este tipo de atitude, que mostram não ser por capricho mas por um perigoso tique. Querer limitar o acesso a um jornalista, porque, enfim, lhe desagradam as suas abordagens, é uma opção intolerável em democracia. Há linhas vermelhas cuja ultrapassagem, em democracia, não pode ser toleradas. PAV


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