No célebre poema Cena do Ódio, escrito de um jorro em 1915, Almada Negreiros vociferava: “E inda há quem faça propaganda disto: a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”. Exageros de vate à parte, até por os versos seguintes fazerem referências pouco abonatórias, e injustas, à beleza das mulheres portuguesas, na verdade nem todos enchem “a barriga de Camões”; mas quem a enche, enche-a bem. Eis uma história exemplar de um repasto escondido (e irregular) no Dia de Portugal e de Camões, que custou quase 54 mil euros à Presidência da República, na coimbrã Quinta das Lágrimas, ligada à família da ministra da Justiça, Rita Júdice, e que está numa situação financeira de ‘ir às lágrimas’. Está em falência técnica.
No âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no início deste mês a Presidência da República destacava que teriam lugar em Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Coimbra e em Genebra, Berna e Zurique, na Suíça. No caso da cidade do Mondego, a nota salientava que, acompanhado por Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa visitaria a Biblioteca Joanina e presidiria à Cerimónia Evocativa dos 500 anos de Camões, que se realizou na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, “terminando o dia com um espectáculo musical no Páteo das Escolas”.
No próprio dia 10 de Junho, a Presidência da República divulgava, em destaque o cerimonial na Universidade de Coimbra, que demorou uma hora e meia, profusamente fotografado, e também o concerto nocturno “Eram tudo memórias de alegria”, no Pátio das Escolas. Mas nada se referiu nem se fotografou nas horas de intervalo entre o cerimonial e o tal concerto. E não foi por ter sido período particularmente desagradável, pelo contrário.
Hoje, o Portal Base revela o que se passou entre esses dois momentos: um jantar de gala na Quinta das Lágrimas, um local ligado a Camões – por ser o poeta que eternizou a fonte ligada aos amores de Pedro e Inês –, mas também à actual ministra da Justiça, por via da família Júdice, que gere a empresa que beneficiou do ajuste directo no valor de 53.924,93 euros.
De acordo com Portal Base, o contrato foi adjudicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no passado dia 29 de Maio por ajuste directo, alegando-se uma norma do Código dos Contratos Público que não poderia ser invocada, porque apenas se aplica a contratos de valor inferior a 20 mil euros, sendo que o contrato ficou próximo dos 54 mil euros. No limite, a Presidência da República teria sempre pelo menos de fazer uma consulta prévia a pelo menos três entidades, tendo em conta que tal já se pode aplicar quando os contratos são inferiores, como foi o caso, a 75 mil euros.
Não se sabe também, até pela ausência de fotografias, quantos convidados estiveram presentes, uma vez que não houve sequer contrato escrito, justificando-se essa ausência, impedindo assim o estabelecimento de um preço unitário, com recurso a mais uma norma de excepção que prescinde desse acto de transparência se a aquisição de serviços se fizer no prazo máximo de 20 dias e for de imediato consumido.
Jantar ‘oferecido’ na Quinta das Lágrimas foi exclusivo para académicos, políticos e diplomatas presentes nas efeméride do Dia do Camões.
A única informação oficial é a breve descrição do objecto do contrato: “Jantar de abertura das comemorações dos 500 Anos de Camões oferecido por SEXA PR ao Corpo Diplomático e entidades académicas da Universidade de Coimbra – Catering, palamenta, iluminação, som e estruturas”.
Saliente-se que a empresa Quinta das Lágrimas, fundada nos anos 90 por José Miguel Júdice, deixou de ser familiar, estando agora sob controlo (60%) pela Oxy Capital, uma sociedade gestora detida por Miguel Callé Lucas, que também tem participações na imprensa regional, surgindo mesmo como director-adjunto do Diário de Leiria. No entanto, o administrador-delegado continua a ser Miguel Júdice, filho de Luís Miguel Júdice e irmão da ministra da Justiça, Rita Júdice, que há pouco mais de uma década chegou a ser administradora da Quinta das Lágrimas.
A empresa Quinta das Lágrimas já viveu, aliás, tempos muito mais bonançosos, que teve o seu auge no início do século quando chegou a ter o seu restaurante Arcadas com uma estrela Michelin. Embora ainda não tenha apresentado contas referentes ao ano passado, os prejuízos de 2022, superiores a 423 mil euros, apenas contribuíram para agravar uma situação financeira desesperante.
Mesmo escolhida para um ajuste directo irregular pela Presidência da República, a empresa da Quinta das Lágrimas está em falência técnica.
A empresa manteve-se em falência técnica, já com um capital próprio negativo em 2022 a superar os 3,8 milhões de euros, apresentando um passivo de 18,1 milhões de euros. Grande parte deste montante, cerca de 14 milhões de euros, era financiamento bancário, o que torna o seu futuro praticamente insustentável. Em 2022, quando as taxas ainda estavam baixas, a empresa teve de desembolsar mais de 347 mil euros em juros.
O jantar da Presidência da República, por isso, não vai, em abono da verdade, salvar a situação financeira da Quinta das Lágrimas que, pela análise das demonstrações financeiras, é quase de ‘ir às lágrimas’.
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Com o objectivo de combater a partilha de conteúdos relativos a abuso e exploração sexual de menores, o Conselho Europeu iria decidir esta quinta-feira se dava o aval à nova legislação proposta pela Comissão von der Leyen. Mas a proposta acabou por ser retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. A iniciativa tem, intrinsecamente, objectivos nobres, mas também um ‘senão’ que causa polémica: abre a porta ao fim da privacidade das comunicações online dos europeus – que existe e é protegida constitucionalmente nas comunicações analógicas (como as cartas) – e põe em causa a protecção de dados, incluindo nas aplicações de encriptação. Os críticos da legislação alertam que a nova regulação acabará por ser eventualmente usada para instalar um mecanismo de vigilância em massa similar ao que sucede na China. Também alertam que as alterações criarão uma vulnerabilidade explorável por piratas informáticos ou por países hostis para roubar dados, incluindo segredos de Estado. Empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, como a Signal, já sinalizaram que abandonarão o mercado europeu se a legislação vir a luz do dia.
O Conselho Europeu tinha agendada para esta quinta-feira, dia 20 de Junho, a análise de uma proposta de nova legislação comunitária que visa combater a partilha de conteúdos relacionados com abuso sexual de menores por meios digitais. Mas a proposta foi retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. Apesar da bondade da nova regulação – conhecida por ‘Chat Control 2.0’–, a proposta está a receber críticas por ser um ‘cavalo de Tróia’ que implicará a vigilância em massa, sem prévia autorização judicial, de todo os europeus e não apenas dos criminosos e pedófilos.
Além disso, a ser aprovada esta legislação, que sob a forma de directiva terá de ser transposta a legislação de todos os países comunitários, pode ainda aumentar os riscos de roubos de dados e ataques de piratas informáticos ou uso da vulnerabilidade criada por parte de países hostis, afectando mesmo segredos de Estado. Por outro, a possibilidade de aceder a qualquer tipo de mensagens digitais de qualquer pessoa coloca em causa aspectos de privacidade e colide mesmo, pelo menos no caso português, com o Código Penal.
Com efeito, o artigo 194º do Código Penal português, sobre os crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, prevê que “quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias”. E, em seguida, salienta que “na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento”.
A nova regulação comunitária, a ser aprovada, abrange todo o tipo de comunicações, incluindo fotografias e mensagens privadas trocadas através de aplicações. Uma reunião dos ministros do Interior dos países comunitários já teve lugar na quinta-feira da semana passada para debater o tema e a Presidência do Conselho Europeu já anunciou que amanhã haverá amanhã uma proposta actualizada na reunião com representantes dos Governos dos Estados-membro.
Recorde-se que a proposta inicial da Comissão Europeia foi apresentada em 2022 e já sofreu diversas alterações para amenizar as preocupações em torno da invasão de privacidade, mas, aparentemente, não conseguiu eliminar os receios sobre o fim absoluto da privacidade digital na União Europeia. As principais empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, nomeadamente a norte-americana Signal e suíça Threema, ameaçam deixar de operar no espaço europeu se a nova regulação entrar em vigor.
Caso seja aprovadas, as novas regras substituirão o chamado ‘Chat Control 1.0‘, aprovado em 2021 – – que já permitia às plataformas digitais vigiarem comunicações dos seus utilizadores para detectar e combater o abuso sexual de menores no espaço digital. Mas a proposta conhecida aponta para a implementação de pesquisas automáticas a todas as pessoas, independentemente de qualquer suspeita, bem como a rastreio de ‘chats’ privados em busca de conteúdos ilegais. Esta pesquisa generalizadas implicará, na prática, o fim absoluto do segredo de qualquer partilha de mensagens, de fotografias e de conteúdos, incluindo em plataformas com encriptação ponta-a-ponta. É certo que qualquer utilizador de uma plataforma pode recusar este controlo, chamado ‘upload moderation’, das suas conversas privadas, mas nesse caso ficará impedido de enviar ou receber imagens, vídeos e ligações para páginas na Internet (URLs).
Além de plataformas de mensagens, também outros críticos da proposta fizeram alertas sobre a violação de privacidade e de direitos fundamentais e sobre o facto de que a nova regulação choca com legislação em vigor no espaço europeu. Cerca de cinco dezenas de políticos de países europeus, incluindo da Alemanha, da Áustria e do Luxemburgo, de partidos que vão dos Verdes ao Volt, publicaram uma carta dirigida aos respectivos governos a pedir que recusassem a proposta.
Em comunicado divulgado anteontem, a presidente da Signal, Meredith Whittaker, foi taxativa sobre esta intenção da Comissão Europeia, destacando que “obrigar que se vigie em massa as comunicações prejudica, fundamentalmente a encriptação”, independentemente do modelo, criticando também os jogos de semântica. “Podemos chamar-lhe um ‘backdoor’, uma porta da frente ou ‘upload moderation’, mas seja o que for que lhe chamemos, cada uma destas abordagens cria uma vulnerabilidade a ser explorada por hackers e países hostis, removendo a protecção e colocando em seu lugar uma vulnerabilidade de alto valor”, argumentou a líder desta plataforma lançada por uma fundação norte-americana em 2018 e que conta com 40 milhões de utilizadores a nível mundial, acrescentando que, ao contrário do que têm defendido muitos políticos, a “criptografia de ponta-a-ponta protege todos e consagra a segurança e privacidade”.
Edward Snowden, que denunciou o programa ilegal de vigilância da agência norte-americana NSA, classificou a proposta “uma medida terrível de vigilância em massa”. (Foto: D.R.)
Por sua vez, Will Cathcart, director do Whatsapp, detido pela Meta, também deixou um aviso sobre o risco de um ‘scan’ das mensagens dos utilizadores acabar com a encriptação. “Pelas mesmas razões de antes, a análise de mensagens de pessoas como a União Europeia está a propor elimina a encriptação. É vigilância e é um caminho perigoso”, afirmou numa publicação na rede X.
Também Edward Snowden – o conhecido ex-analista da CIA que denunciou a campanha de vigilância ilegal da agência norte-americana NSA – , alertou, numa publicação na rede social X (antigo Twitter), que a proposta da Comissão Europeia representa “uma medida terrível de vigilância em massa”. Num comentário ontem ao comunicado da presidente do Signal, Snowden não poupou palavras: “Os apparatchiks da União Europeia pretendem introduzir sorrateiramente uma terrível medida de vigilância em massa, apesar da oposição pública UNIVERSAL (nenhuma pessoa pensante quer isso), INVENTANDO UMA NOVA PALAVRA para isso – ‘moderation upload‘ – e esperando que ninguém aprenda o que significa até que seja tarde demais. Travem-nos, Europa!”.
[Notícia actualizada esta quinta-feira com a informação de que a votação da proposta foi adiada, não tenho ainda nova data agendada.]
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Tão criticado por ser um método de alocação de deputados que beneficia os maiores partidos com o objectivo claro de promover maiorias, o método de Hondt acabou nas eleições de ontem em Portugal por beneficiar, de forma clara, o Bloco de Esquerda e a Coligação Democrática Unitária.
E deveu-se a um ‘milagre’ extremamente improvável, fruto de diversos condicionalismos, dependentes da distribuição dos votos entre as duas principais forças partidárias (que rondaram, ambas os 32%), entre o terceiro e o quarto (Chega e Iniciativa Liberal, que rondaram os 9-10% e também mesmo de um peso relativamente significativos dos partidos que não elegeram, em particular o Livre, o ADN e o PAN. Só estes três últimos representaram 6,3% dos votos.
Qualquer que fosse a distribuição dos votos pelas diversas forças partidárias, sabia-se que só era garantido um partido eleger em Portugal, com direito agora a 21 eurodeputados, se tivesse uma votação acima de pelo menos 4,762% (divisão de 100 por 21). Isso sucede desde as eleições europeias de 2014. Antes, em 2009 a fasquia era de 4,546%, quando Portugal teve 22 lugares; nas eleições de 2004, 1987 e 1988 era de 4,167%, quando tivemos 24 lugares; e nas eleições de 1994 e 199 era de 4%, quando tivemos 25 assentos no Parlamento Europeu.
Ter menos do que esta fasquia não era, com efeito, sinónimo de derrota evidente, mas certo é que nas oito primeiras eleições para o Parlamento Europeu, somente o Bloco de Esquerda tinha conseguido eleger, em 2014, abaixo da fasquia: para ter garantia de um eurodeputado precisava de 4,762% e obteve 4,56%, reelegendo Marisa Matias. No entanto, note-se: a diferença foi de cerca de 0,2 pontos percentuais.
Ora, nas eleições de ontem, é certo que o Partido Socialista beneficiou, como está no âmago, do método de Hondt, porque teve com 32.08%, o que dá um rácio de 6,7/21, mas obteve oito deputados. A Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal beneficiaram de um mero ‘arredondamento’: o primeiro teve um rácio de 6,53/21 e o segundo de 1,9/21, elegendo respectivamente sete e dois eurodeputados. O Chega não se pode dizer que foi prejudicado pelo método de Hondt, pois recebeu dois deputados face ao rácio de 2,05/21.
Desta vez, de entre os partidos mais votados, o Partido Socialista foi o único a beneficiar do método de Hondt, elegendo mais um do que a proporcionalidade de votos lhe daria.
A distribuição afortunada dos votos dos eleitores pelas diferentes forças partidárias, mesmo daquelas que nada ganharam, foi a causa fundamental para que, desta vez, e de forma completamente insólita, não um mas logo dois partidos abaixo da tal ‘garantia mínima’ tivessem direito a um singelo assento no Parlamento Europeu. E, ao contrário do que sucedeu com Marisa Matias em 2014, nem sequer com uma votação relativamente próxima da tal fasquia. Ontem, o Bloco de Esquerda (com 4,26%) ficou aquém cerca de 0,5 pontos percentuais do limite de eleição garantida, o que significa que precisou de apenas 89,5% dos votos teoricamente necessários, enquanto a CDU ficou aquém de cerca de 0,64 pontos percentuais do limite de eleição garantida, significando, no seu caso, que necessitou somente de 86.5% dos votos teoricamente necessários.
Não deixa assim de ser curioso como um método de distribuição de assentos tão pouco benevolente, em regra, para os pequenos partidos, foi desta vez a salvação de dois, ainda mais em simultâneo. Por um triz, as eleições de ontem não foram uma hecatombe histórica para o Bloco de Esquerda e a CDU.
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O presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz são dois dos grandes derrotados das eleições para o Parlamento Europeu, que ficam marcadas pelo avanço de partidos populistas e da extrema-direita. Macron surpreendeu com o anúncio de que vai dissolver o Parlamento e convocar eleições, depois dos nacionalistas da Frente Nacional, de Marine Le Pen, terem alcançado o melhor resultado de sempre nestas eleições, conquistando 31,5% dos votos em França, um aumento de 10 pontos percentuais face às eleições de 2019. O partido centrista de Macron alcançou em redor dos 14% dos votos. Partidos populistas e de extrema direita também alcançaram ganhos na Alemanha, Áustria e Países Baixos. Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo anunciou que vai apresentar a sua demissão amanhã depois do seu partido, Open VLD, ter sido amplamente derrotado nas eleições regionais, nacionais e europeias, que decorreram hoje em simultâneo no país. Em Portugal, o PS venceu as europeias, seguido da coligação AD (PSD/CDS), com o Chega a conquistar 2 mandatos, a ficar aquém do apontado por sondagens.
Tal como já era esperado, as eleições para o Parlamento Europeu ditaram uma viragem para a direita mais dura, conservadora e nacionalista nomeadamente em França, Alemanha, Áustria e Países Baixos. Portugal não acompanhou essa tendência já que os partidos do arco de governação PS e PSD (através da coligação AD, com o CDS) lideraram nos votos conquistados.
Em França, o presidente Emmanuel Macron anunciou a dissolução do parlamento e vai convocar eleições legislativas antecipadas, depois de a Frente Nacional de Marine le Penn ter alcançado cerca de 31,5% dos votos nas eleições europeias, mais do dobro dos 14% que terão sido alcançados pelo partido centrista de Macron.
Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo, um liberal, afirmou que vai pedir a sua demissão amanhã, após os resultados desastrosos nas eleições regionais, nacionais e europeias que decorreram hoje em simultâneo. O partido de direita N-VA foi o principal vencedor das eleições, seguido do Vlaams Belang, de extrema-direita.
Na Alemanha, o partido de extrema-direita Alternative für Deutschland (AfD) conquistou mais votos, crescendo para cima dos 14,2% face aos 11% alcançados em 2019. Os partidos da coligação do Chanceler Olaf Scholz registaram resultados desastrosos, com cerca de 14,6% dos votos. Na liderança, a coligação de partidos de centro-direita liderou na urnas, com um resultado em torno dos 30,9%.
Em Portugal, já com todas as freguesias apuradas, o PS venceu, elegendo 8 dos 21 deputados portugueses que irão para o Parlamento Europeu. A coligação PSD/CDS elegeu 7 deputados, o Chega terá 2 eurodeputados, tal como a Iniciativa Liberal enquanto o Bloco de Esquerda e a CDU (PCP/PEV) conseguiram eleger um deputado cada. Votaram 37,9% dos 10,5 milhões de eleitores inscritos, acima dos 31,5% em 2019, quando o PS elegeu nove eurodeputados, o PSD seis, o Bloco de Esquerda e a CDU dois cada, e o CDS e o PAN um cada.
Nas eleições europeias em Portugal, o dia de hoje ficou marcado por polémicas afirmações de Marta Temido, ao fazer apelos directos ao voto em dia de eleições. O caso gerou duas queixas junto na Comissão Nacional de Eleições, a qual anunciou que a cabeça-de-lista do PS pode ter feito propaganda eleitoral, o que não era permitido quando os portugueses estavam a a votar.
Em termos gerais, o Partido Popular Europeu mantém-se como o maior partido no Parlamento Europeu, com 191 dos 720 eurodeputados eleitos, o que coloca num bom caminho um eventual segundo mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia. Mas a antiga ministra da Defesa da Alemanha terá de convencer mais grupos políticos para obter a maioria de 361 votos necessários para a sua recondução no cargo.
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A autarquia de Oeiras é accionista de referência da Taguspark e possui um departamento municipal de promoção ao investimento, mas achou por bem ‘apadrinhar’ uma associação privada criada por Martins da Cruz – ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e colega de Isaltino Morais no Governo de Durão Barroso – e por Tiago Sousa Dias, que era, à data da escritura, secretário-geral do Chega. Apadrinhar é uma força de expressão, porque em cerca de um ano, a Oeiras Valley Investment Agency (OVIA) – que até usa um logótipo similar ao da autarquia – já recebeu sede, computadores, material de escritório e agora um ‘presente’ de 350 mil euros, aprovado em tempo recorde esta quarta-feira, para satisfazer sobretudo os salários dos administradores. Mas o mais impressionante, na breve história desta associação privada, são as pessoas que se encontram neste (pequeno) meio: uma das administradoras da OVIA é filha do arquitecto Tomás Taveira, que, por sua vez, é avençado da autarquia desde 2018; e o presidente da assembleia geral é o histórico socialista José Lamego.
Não foi com uma mão à frente e outra atrás, mas com as duas mãos bem à frente – ou melhor, com quatro mãos – que um ex-ministro do PSD e um ex-secretário-geral do Chega conseguiram esta quarta-feira, através de uma associação por eles criada oficialmente em Março de 2022, arrecadar 350 mil euros da autarquia de Oeiras, por obra e graça dos empenho de Isaltino Morais, o presidente da edilidade. O montante, que servirá até cobrir despesas de funcionamento, incluindo pagamentos aos dirigentes da associação, terá efeitos retroactivos, ou seja, aplica-se já ao início do ano. E antevê que o financiamento seja para continuar, tanto mais que até a sede e computadores já foram cedidos pela Câmara Municipal.
Mesmo no cenário de Oeiras, onde tudo aparenta ser possível sob a capa de uma maioria mais do que absoluta – o movimento independente de Isaltino tem oito em 11 vereadores –, sem que a ética seja ouvida, a forma como a denominada Oeiras Valley Investiment Agency (OVIA) foi contemplada com um ‘bolo’ de 350 mil euros é um ‘case study’ sobre as ligações promíscuas com base em relacionamentos pessoais sempre com dinheiros públicos à mistura.
Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras.
Tudo começou, na verdade, na Rua dos Sapateiros, na Baixa lisboeta, em 20 de Outubro de 2021, quando António Martins da Cruz e Tiago Sousa Dias se dirigiram ao notário para registarem, somente eles, uma associação pomposamente denominada Oeiras Valley Investment Agency, que recebeu o acrónimo OVIA. Os signatários não tinham ainda sede, mas na constituição da associação garantiam que seria no rés-do-chão do Edifício Novartis, no Taguspark, tendo por fim “contribuir para o desenvolvimento e inovação de Oeiras nos domínios da internacionalização, da inovação tecnológica e do investimento”. Na verdade, nunca tiveram sede nesse edifício da sucursal portuguesa da farmacêutica suíça.
Ambições todas as associações e empresas possuem à nascença, mas a OVIA mostra apenas ter relações pessoais. Durante um ano, entre 2002 e 2003, Martins da Cruz, embaixador de carreira e ocupando a pasta dos Negócios Estrangeiros, foi colega no Conselho de Ministros, no ‘consulado’ de Durão Barroso, de Isaltino Morais, então na pasta do Ambiente. Nenhum dos dois aqueceu o lugar até ao fim desse Governo interrompido com a saída de Barroso para Bruxelas: Isaltino Morais demitiu-se na sequência da descoberta de uma conta bancária suspeita em Abril de 2003 – que espoletaria o processo judicial que o levaria à prisão por pouco mais de um ano em Abril de 2013. Já Martins da Cruz ‘sobreviveu’ como ministro mais sete meses, demitindo-se por uma polémica relacionada com a entrada da filha em Medicina na Universidade Nova de Lisboa.
Por razões diversas, ambos se desfiliariam do PSD pouco depois, sendo que Martins da Cruz acompanhou Santana Lopes quando o efémero sucessor de Durão Barroso à frente do Governo PSD-CDS decidiu criar um novo partido em 2018, o Aliança. Foi aí que Martins da Cruz conheceu Tiago Sousa Dias, mas com o insucesso dos santanistas na Aliança, cada um foi para o seu lado. Tiago Dias – que até concorreu pelo Aliança no círculo Fora da Europa nas eleições de Outubro de 2019 – saltaria em Maio do ano seguinte para o ‘barco’ do Chega, e André Ventura acabaria por lhe entregar o cargo de secretário-geral em Setembro de 2020. Foi, portanto, como secretário-geral do Chega que Tiago Sousa Dias foi com Martins da Cruz constituir a associação OVIA na Rua dos Sapateiros em Outubro de 2021.
Martins da Cruz, como presidente do Conselho de Administração da associação ‘apadrinhada’ por Isaltino, que criou com um dirigente do Chega, tem sido particularmente activo em ligações ao mundo empresarial da China.
No Chega, Tiago Sousa Dias não teve grande sucesso – sairia do cargo no início de Fevereiro de 2022, agastado, e lançando mais tarde ataques ao partido de André Ventura, reputando-o de “taberna onde os grunhos se embebedam”. Mas na OVIA teve sucesso, e muito – arranjou um emprego.
Advogado de formação, Tiago Dias e Martins da Cruz dedicaram 2022 a preparar o lançamento oficial da OVIA – e foi a partir desse momento que se passou a sentir que a associação seria uma espécie de ‘braço informal’ de Isaltino Morais. Ao longo desse ano, por simples despacho, o presidente de Oeiras cedeu não apenas instalações para a OVIA, num edifício camarário na Fundição de Oeiras, como diverso material informático e de escritório. E a associação criada na Rua dos Sapateiros foi lançando ‘pontes’ de influência em todos os quadrantes ideológicos.
Assim, Martins da Cruz assumiu a liderança da associação, como presidente do Conselho de Administração, enquanto Tiago Dias ficou com a parte operacional, de secretário-geral. Para vice do antigo embaixador foi escolhida Sílvia Taveira de Almeida, professora de empreendedorismo da Universidade Católica.
O facto de esta economista, conhecida pelo seu site de health coach, ser filha do arquitecto Tomás Taveira seria apenas uma curiosidade irrelevante para a investigação do PÁGINA UM, se não fosse o caso de o arquitecto das Torres das Amoreiras, aos 85 anos, manter uma avença da autarquia de Oeiras, que dura ininterruptamente desde 2018. Os cinco contratos do pai da vice-presidente da OVIA – feitos por ajuste directo ou suposta consulta prévia (para contornar ilegalidades) com a autarquia – já somam mais de 205 mil euros (com IVA) nos últimos seis anos, e o mais recente foi celebrado no mês passado, garantindo a Taveira o recebimento de 2.000 euros de avença mensal até meados de Fevereiro do próximo ano.
Tiago Sousa Dias, em Março de 2021, como secretário-geral do Chega, em conversa com André Ventura. Zangou-se com o partido já com a OVIA criada com Martins da Cruz..
O outro vice-presidente da OVIA é Pedro Matias, presidente do Instituto de Soldadura e Qualidade, que esteve na direcção do IAPMEI, tendo diversas passagens por gabinetes governamentais. A última foi entre finais de 2015 e meados de 2017, no primeiro Governo Costa, como chefe de gabinete do secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos (entretanto falecido, aos 43 anos), que se viria a demitir-se por causa do Galpgate, desencadeado pelo pagamento pela Galp Energia de viagens, refeições e bilhetes para o Euro 2016 a três governantes e adjuntos.
Porém, foi na Assembleia Geral da OVIA que o ‘namoro’ com o PS se mostrou mais evidente, porque para aí, como presidente, foi escolhido o histórico José Lamego, professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, por diversas vezes deputado e antigo secretário de Estados dos Negócios Estrangeiros.
Este estreitamento das relações políticas e pessoais entre a autarquia de Oeiras e uma associação privada, criada por duas pessoas num cartório da lisboeta Rua dos Sapateiros, descambam mesmo em ambiguidades que aparentemente interessam a ambas as entidades. Quem não explora as origens da OVIA será induzido a pensar que integra o mundo autárquico, a começar pela sua denominação, que usa a expressão “Oeiras Valley”, uma marca oficial do município registada pela autarquia no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2008. Mas, para além desta sinonímia, a OVIA passou a usar um logótipo igual ao da autarquia, com o V estilizado. Também aqui este logótipo está registado no INPI, desde 2020, em nome do município, pelo que se a OVIA tentasse registar um pedido expresso para o seu logótipo receberia um indeferimento. Mas ao usar este logótipo do município, a OVIA só teria problemas se a autarquia se queixasse. Também curioso é saber que Martins da Cruz foi um dos apresentadores em Fevereiro de 2020 da marca Oeiras Valley onde surgia o logótipo ‘copiado’ dois anos depois para a OVIA.
Não surpreende assim que, em 17 de Novembro do ano passado, tenha sido Isaltino Morais o cicerone do lançamento da OVIA. No próprio site do município, a associação privada recebe os maiores elogios, destacando-se ter sido fundada por 19 entidades, entre as quais “consta[va]m o Millenium BCP, a Altice, o Taguspark e o Laboratório Edol, entre outros”. O “entre outros” não inclui, estranhamente, a Câmara Municipal de Oeiras. Ou não: se fosse a autarquia fosse sócia, Isaltino estaria legalmente impedido de conceder apoios e subsídios à OVIA, para além do pagamento da quota.
A vantagem e a oportunidade da existência da OVIA para o município de Oeiras não aparenta ser nada evidente. A autarquia é um dos accionistas de referência do Taguspark, com 19,16% , a empresa que gere o parque tecnológico, com serviços de marketing e promoção ao investimento. Integra em si, aliás, o know how tecnológico e os contactos e parcerias decorrentes de ter, entre os accionistas, diversas instituições universitárias (IST, Universidade de Lisboa e INESC), entidades da Administração Pública (IAPMEI e FCT), bancos (BPI e BCP), empresas de comunicação (Altice e Meo) e diversas outras empresas, entre as quais a Emerica, da empresária chinesa Ming-Chu Hsu, para além da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e o Imamat Ismaili.
Por outro lado, a autarquia tem também um departamento próprio, o Gabinete de Assessoria Técnica e Promoção do Investimento (GATPI), cujas competências se sobrepõem às da OVIA. Com efeito, entre outras funções, a GATPI procura “assegurar a promoção interna e externa do Município, dos parques empresariais e de associações de empresários” e também “assegurar a ligação do tecido empresarial instalado, a instalar e de investidores junto das outras unidades orgânicas”, além de “promover as actividades inerentes ao Balcão do Investidor para dinamizar a economia local, qualquer que seja a área de investimento, com a missão de dar informação, orientação e aconselhamento a todos os que pretendam investir no concelho”.
À esquerda, logótipo do Oeiras Valley Unvestiment Agency (OVIA), uma associação privada, não está registado, mas é semelhante ao logótipo registado no INPI pelo município de Oeiras desde 2020 (à direita). Esta similaridade mostra-se desconcertante pela ambiguidade que provoca entre privado e público.
Para essa finalidade, o GATPI tem estabelecidos o Núcleo de Relações Internacionais e Institucionais (NRII) e o Núcleo de Apoio ao Investidor e ao Empreendedorismo (NAIE), estando dependente directamente de Isaltino Morais. Ler as funções do GAPTI fazem questionar as razões da existência da OVIA.
Claro que quem está na OVIA terá uma opinião contrária. Apesar da completa ausência de actividade visível em 2022, para além dos preparativos para o lançamento em Novembro, certo é que as contas da OVIA apresentam logo valores de vendas prestação de serviços de 121.951 euros, que não encontram explicação pelos montantes das quotas. Uma parte desta verba será proveniente da Reformosa, uma outra empresa também detida por Ming Chu Hsu, o que não deixa de ser estranho, tendo em consideração que esta empresária tem 12,53% da Taguspark. Conhecida por filantropa – doou dois milhões de euros à Nova SBE em Carcavelos e, no início da pandemia, cerca de 4,6 milhões de euros em equipamento médico –, a empresária chinesa não tem estado isenta de polemicas. Num perfil a esta empresária, o Expresso destacou, em Abril de 2020, que o seu nome está associado aos Panama Papers, um esquema de constituição de empresas em off shores para fuga aos impostos.
Seja como for, mesmo sem actividade relevante em 2022, a associação despachou 67.865 euros em gastos com o pessoal, sendo que mais de 47 mil euros líquidos foram parar os bolsos dos membros dos órgãos sociais, sobretudo aos três membros do Conselho de Administração. Neste ano, o número de trabalhadores da associação foi de dois… para três membros do Conselho de Administração.
Imagem retirada da transmissão da Câmara Municipal de Oeiras ao lançamento da Oeiras Valley Investment Agency (OVI) em Novembro de 2022.
Só em Março do ano passado, numa assembleia geral da associação, se anunciou, em concreto, “a primeira iniciativa da OVIA”, um roadshow a Londres nos dias 29, 30 e 31 desse mês, além de integrar uma missão empresarial da autarquia ao Brasil, Estados Unidos, China e Macau. Na acta a que o PÁGINA UM teve acesso diz-se que “a OVIA ir[ia] reunir com fundos de investimento interessados em investir em Portugal e em particular em Oeiras, procurando-se salientar a importância estratégica da localização de Oeiras, dos parques empresariais, do sector imobiliário e da dimensão internacional das empresas e projectos actualmente já sediados em Oeiras [sic]”. E também que a associação pretendia criar “uma incubadora de start-ups”, além de contribuir para um “Financial District e opara o aumento da oferta cultural e melhoria das condições sociais”.
Tudo boas intenções da OVIA, mas algo redundantes face às competências da Taguspark e do GAPTI.
Mas um dos pontos complementares em agenda foi a confirmação do pagamento de senhas de presença aos órgãos sociais, sendo que se definiu para os membros do Conselho de Administração um valor de 750 euros por cada reunião. Foi também nesta reunião que se consolidou a mudança da sede cedida por Isaltino Morais.
Ao longo de 2023, pela leitura do relatório de actividades, a OVIA destaca-se pela realização de visitas, encontro e conferências, com a China a deter um particular destaque, não havendo qualquer avaliação do desempenho, excepção aos ‘louros que auto-atribui por, “em estreita coordenação com a Câmara Municipal de Oeiras”, ter facilitado “o projecto de construção da Cidade do Padel”, um projecto desenvolvido por um consórcio do empresário Filipe de Botton e Cristiano Ronaldo, na zona do Jamor, que tem estado a ser contestado por causa do ruído.
As contas de 2023 mostram um perfil similar ao do ano anterior: as vendas e serviços prestados, sobretudo por via de quotas e do patrocínio da Reformosa até duplicaram, passando de quase 122 mil para perto de 250 mil euros, mas foram acompanhados por um incremento substancial de gastos com pessoal, que se cifrou nos 161 mil euros, quando fora de 68 mil no ano de 2022.
Mas a OVIA quis mais – o que, pelo seu historial, significará que quer mais para gastar em pessoal. E tratou de obter dinheiro fácil, dirigindo-se, obviamente, a Isaltino Morais. E com uma eficácia e rapidez assombrosa. No passado dia 20 de Maio, Martins da Cruz, em nome da OVIA, escreveu a Isaltino Morais, dizendo que “tendo em consideração o apoio institucional e o prévio compromisso por parte do Município para contribuir para os objectivos da associação” lhe pedia “349.000 euros para 2024”.
O antigo embaixador avisava o presidente da autarquia: “Permito-me recordar a desejada urgência na aprovação municipal do Pedido de Apoio do qual depende a prossecução da actividade da OVIA, desejada e fomentada aliás pela própria Câmara Municipal de Oeiras”
A sintonia não podia ser mais perfeita. A carta só chegou à autarquia de Oeiras no dia 24 de Maio, sexta-feira, mas Isaltino Morais não perdeu tempo, e na quarta-feira seguinte feita uma informação com uma proposta de apoio com mais mil euros de acréscimo ao que Martins da Cruz pedira, ou seja, 350 mil euros. Na informação, a que o PÁGINA UM teve acesso, Isaltino Morais propôs ao Executivo Municipal que os pagamentos fossem de periodicidade trimestral, com efeitos retroactivos, isto é, desde Janeiro deste ano.
Isaltino Morais e Martins da Cruz: antigos colegas no Governo de Durão Barroso, continuam juntos, e agora unidos por um cheque de 350 mil euros de dinheiros públicos para, de forma redundante, atrair investimento.
O resto já é História: e anteontem, o apoio à OVIA foi aprovado em reunião de Câmara com 10 votos a favor e apenas um voto contra da coligação Evoluir Oeiras, constituída pelo Bloco de Esquerda, Livre e Volt Portugal. O cheque chegará dentro de momentos…
O PÁGINA UM colocou um conjunto de questões tanto a Isaltino Morais como a Martins da Cruz. Silêncio absoluto.
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O antigo primeiro-ministro António Costa, saído do Governo no passado dia 2 de Abril depois de uma longa permanência de oito anos como chefe do poder executivo do Estado português, está agora a sofrer as amarguras de um cidadão comum lisboeta em automóvel: foi multado pela EMEL. Recorde-se que, pouco tempo antes da sua chegada à liderança do Governo, em Novembro de 2015, António Costa foi presidente da autarquia de Lisboa entre Agosto de 2007 e Abril de 2015, ou seja, ‘tutelando’, mesmo se de forma indirecta esta empresa municipal que regula o estacionamento da capital.
De acordo com testemunhas contactadas pelo PÁGINA UM, o ex-primeiro-ministro foi ontem ‘caçado’ com o seu automóvel numa zona de estacionamento proibido, excepto para cargas e descargas, na Rua Ribeira Nova, no lado contrário ao número 62. junto ao Mercado da Ribeira (Time Out). Segundo se apurou, o Mercedes classe A de António Costa terá estado bloqueado durante pelo menos duas horas, durante o período do almoço, naquele local até à sua chegada.
Foto nas redes sociais é verídica. António Costa foi mesmo multado. O PÁGINA UM retirou, por razões de privacidade, a matrícula.
O PÁGINA UM confirmou já que uma fotografia que circula nas redes sociais, onde se vê António Costa a telefonar junto a um Mercedes bloqueado, é verídica. E, de facto, segundo testemunhas, no ‘acto de ‘libertação do automóvel’, António Costa pagou de imediato não apenas a coima mas também a taxa de desbloqueamento.
O almoço do antigo primeiro-ministro terá assim ficado um pouco mais caro: a coima, para estes casos, é de 30 euros; a taxa de desbloqueio de 83. Tudo somado, 113 euros.
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Um autêntico boomerang político. Pedro Nuno Santos veio criticar o Governo Montenegro pela contratação de uma consultora holandesa para ajudar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde. Mas, afinal, durante os Governos Costa, essa empresa e as suas ‘irmãs’ celebraram 55 contratos com hospitais e entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, conforme noticiou o PÁGINA UM. Mas ontem, Marta Temido ainda veio argumentar que nunca se fez, nos governos socialistas, ‘outsourcing’ para definir políticas públicas. Mentira. O PÁGINA UM revela hoje 10 contratos desde 2019, assinados pelas Secretarias-Gerais de quatro ministérios para serviços que visavam a criação de planos ou estratrégias políticas. O último foi no próprio dia da tomada de posse de Luís Montenegro. Entre os 10, há até um celebrado pelo Ministério da Saúde quando Marta Temido ainda estava em funções, e descobriu-se ainda mais quatro da Presidência do Conselho de Ministros. Tudo afinal, na prática, semelhante ao processo do Plano de Emergência da Saúde, mas em número assinalável.
Não é afinal nada inédito a contratação de serviços de consultadoria externa para ajudar o Governo a definir políticas públicas, tanto assim que o anterior Governo socialista o fez amiúde. Numa pesquisa do PÁGINA UM, descobriram-se pelo menos uma dezena de contratos durante os Governos de António Costa que se assemelham ao mesmo modus operandi da polémica colaboração da consultora IQVIA, com sede na Holanda, que participou na definição do recente Plano de Emergência da Saúde, promovido pela ministra Ana Paula Martins.
Recorde-se que esta polémica se iniciou na passada semana com a manifestação de estranheza do secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno, por ter sido contratada uma empresa externa ao Ministério da Saúde, sendo secundada pela antiga ministra e actual cabeça-de-lista às Europeias, Marta Temido, que se mostrou “perplexa” com a contratação de consultoras para definir estratégias políticas.
Pedro Nuno Santos ‘levantou a lebre’, alimentada por Marta Temido, mas afinal Governo socialista fez aquilo que agora critica no Governo Montenegro.
Ontem, o PÁGINA UM já revelara que, afinal, durante os Governos de António Costa, as empresas do grupo holandês, sobretudo a IASIST – que se encontra em processo de fusão com a sua ‘irmã’ IQVIA Solutions Portugal –, celebraram 55 contratos públicos, quase todos por ajuste directo, no valor de quase 2,1 milhões de euros, incluindo hospitais e entidades directamente tuteladas pelo Ministério da Saúde.
Em reacção à notícia do PÁGINA UM, destacada pela SIC Notícias, e admitindo que pudesse haver contratos com “entidades do perímetro do Ministério da Saúde”, Marta Temido disse que daquilo que é o seu “conhecimento, o Ministério da Saúde [nos governos socialistas, infere-se] não recorreu a terceiros para contratação de definição de estratégias, mas não posso ir para além disso”.
Mas o PÁGINA UM pode e pôde. E foi.
E a partir de pesquisas de contratos assinados exclusivamente pelas Secretarias-Gerais dos diversos ministérios detectou-se um total de 10 contratos onde, de forma explícita e evidente, o objecto passou pela colaboração externa na definição de políticas públicas, designadamente na elaboração de planos ou estratégias sectoriais. De fora desta análise do PÁGINA UM estão as prestações de serviços de consultadoria para avaliação de instrumentos de políticas públicas, bastante frequentes.
O mais recente deste tipo de contratos, para além daquele que o actual Ministério da Saúde já assumir ter celebrado com a IQVIA – e que ainda não consta do Portal Base – foi concretizado no exacto dia da tomada de posse de Luís Montenegro como primeiro-ministro, mas terá sido ainda uma ‘herança’ do Governo Costa, ou mais propriamente da antiga ministra Ana Mendes Godinho, uma vez que foi assumido pela Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Ministério da Saúde do último Governo socialista fez dois contratos similares aos que agora são criticados pelo secretário-geral socialistas, Pedro Nuno Santos.
Não existem, no Portal Base, muitos elementos sobre este contrato com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sabendo-se apenas que se pagará 38.740 euros pela “realização de um estudo sobre formas de integração dos Princípios Horizontais na Implementação do Pessoas 2030”, um programa temático, com uma dotação de cerca de 5,7 mil milhões de euros, que se dedica a apoiar medidas de política pública que permitam enfrentar os desafios das qualificações da população, do emprego, da inclusão social e, transversalmente, da questão demográfica.
Saliente-se que se sabe pouco desta participação do centro universitário que já foi liderado por Boaventura Sousa Santos, mas devia-se saber, porque existe um evidente atropelo do Código dos Contratos Públicos, uma vez que se usa uma norma para justificar a não redução a escrito do acordo entre as partas apenas passível de recorrer em montantes até 10 mil euros, mas o preço é quase quatro vezes superior.
Mas, mesmo na área da Saúde, o Governo socialista decidiu ‘pedir ajuda externa’, com o erário pública, para a definição de estratégias políticas. Por duas vezes, uma das quais no tempo de Marta Temido na pasta.
O mais recente contrato, sob tutela de Manuel Pizarro, foi assinado no dia 7 de Dezembro do ano passado entre a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e a Terapiailimitada, para a “aquisição de serviços técnicos na área da saúde mental, na área da prevenção do suicídio, para consolidar a estratégia da CNPSM [Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental]”. O dono desta empresa, que recebeu 19.895,21 euros, ficando assim abaixo do limiar para se prescindir de contrato escrito, é o psiquiatra Ricardo Gusmão, professor da Faculdade de Medicina do Porto, presidente nacional da Aliança Europeia contra a Depressão e ainda presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidiologia e Prevenção do Suicídio.
Foi, contudo, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia que, ao longo dos ‘anos socialistas’ mais recorreu a contratações externas para gizar políticas públicas. De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, em 27 de Agosto do ano passado foi contratada a sociedade anónima Keyknowledge People para “serviços especializados de consultoria no âmbito da definição de uma Estratégia e Plano de Ação para a Inovação e Transformação Digital”.
Foram pagos 66.200 euros e, neste caso, o contrato disponível é muito explícito nas tarefas a cumprir pelos consultores externos, porque inclui as especificações técnicas. Além de tarefas de diagnóstico, os consultores tinham de realizar “entrevistas com os dirigentes da Secretaria-Geral para identificação dos problemas e necessidades em matérias de governança da Inovação e Transição Digital”, desenvolver e implementar “um sistema de governança” e ainda elaborar “o Plano de Acção detalhado para implementação da Estratégia de Inovação e Transformação Digital”. E nem faltava a obrigatoriedade de definir estratégias de comunicação e acompanhamento do progresso. Em suma, uma espécie de ‘política pública chave-na-mão’ a ser concebida por uma empresa externa.
Poucos dias antes deste contrato, a 17 de Agosto, foi contratada a Quórum Numérico, detida por Marta Marques da Costa. A empresa unipessoal foi criada em 2020 e tem como objecto social a elaboração e desenvolvimento de projectos imobiliários, incluindo compra, venda e arrendamento, serviços de engenharia e formação, construção civil, remodelação e restauro de imóveis, empreitadas de obras públicas e particulares e exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos. Porém, a Secretaria-Geral do então ministro António Costa Silva considerou que a Quórum Numérica era a única empresa capaz, por isso um ajuste directo de 6.930 euros, para dar conselhos na “elaboração do Plano de Eficiência ECO.AP 2030 para o triénio 2022/2024”.
Governos socialistas desde 2019 fizeram, através de quatro Secretarias-Gerais, 10 contratos com consultores externos para definir políticas públicas.
O terceiro contrato é muito mais antigo, remontando a Fevereiro de 2019, e desta feita por contratada a GIGASIS – Consultoria e Sistemas Informáticos para “serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação da Economia” para esse ano. O preço foi de 30.848,40 euros por 11 meses de trabalho.
Por fim, ainda durante o primeiro mandato de Costa, no período da ‘geringonça’, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia ainda assinou um contrato de 59.900 euros em finais de Julho de 2017 com a Sigmadetalhe para “aquisição de serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação”
A própria Presidência do Conselho de Ministros, através da respectiva Secretaria-Geral, também tratou de fazer contratações externas para auxiliar a definição de políticas públicas. Em Abril de 2020 entregou 15.000 euros ao Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial – uma instituição de utilidade pública provada associada à Universidade do Porto – por serviços de “consultoria técnica com vista à elaboração de plano para promoção da neutralidade carbónica.
Mais recentemente, em Novembro de 2023, a PressDireto, uma empresa de relações públicas, foi contratada para a “elaboração de uma Estratégia de Comunicação do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração 2030”, recebendo 19.900 euros por um serviço que durou 10 dias.
Por fim, no lote de contratos detactados pelo PÁGINA UM, inclui-se a Secretaria de outro ministério, o do Ambente, em 19 de Novembro, contratou a empresa CAOS – Borboletas e Sustentabilidade para lhe prestar “serviços de consultadoria estratégica e técnica na preparação e acompanhamento de diversos dossiers no plano internacional e comunitário, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, e do Trio de Presidências (Alemã-Portuguesa-Eslovena) designadamente em matéria de ambiente e alterações climáticas”. Por essa prestação, a empresa pertencente ao consultor Gonçalo Cavalheiro, recebeu 95.670 euros durante um ano de trabalho.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
A contratação de uma empresa de consultoria, a IQVIA Solutions Portugal, integrada numa multinacional holandesa para auxiliar o Ministério da Saúde a elaborar o seu plano de emergência ‘apimentou’ a campanha para o Parlamento Europeu, com a cabeça-de-lista socialista, Marta Temido, a tecer críticas subilinas ao Governo Montenegro. A antiga ministra disse não ter “memória nenhuma” de contratos com esta consultora nos Governos Costa, e a actual ministra prometeu revelar, no início desta semana, “todos os contratos e respetivos projectos e valores dos últimos oito anos”. Já não precisa: o PÁGINA UM apresenta-os agora, numa análise criteriosa aos negócios de todas as empresas do grupo holandês, que estão agora, em Portugal, num processo de fusão. Destaca-se, em oito anos de Governo Costa, um total de 55 contratos públicos com entidades do sector da Saúde, quase todos por ajuste directo, envolvendo 2,1 milhões de euros por serviços de consultoria e plataformas de gestão hospitalar. Não se sabe que tipo de informação acaba nas mãos desta multinacional holandesa que opera em 81 países.
Durante os Governos de António Costa – que integrou Pedro Nuno Santos e Marta Temido – foram estabelecidos 55 contratos públicos entre entidades da Administração Central na área da saúde, incluindo hospitais, e as diversas empresas do grupo IQVIA Solutions, através das sucursais portuguesas desta consultora de saúde sedeada na Holanda. No total, considerando o período entre Novembro de 2015 e finais de Abril passado, estes contratos totalizaram quase 2,1 milhões de euros, sendo que cerca de 82% deste montantes foi por ajustes directos. Nestes contratos estão excluídos aqueles os celebrados com a Direcção Regional de Saúde dos Açores e a sociedade gestora de equipamentos de saúde Saudaçor.
Este levantamento do PÁGINA UM contrasta, de forma chocante, com as declarações de ontem da cabeça-de-lista do Partido Socialista e antiga ministra da Saúde de 2018 a 2022. No decurso da ‘revelação’ de Pedro Nuno Santos de que o Governo Montenegro contratou uma empresa privada – a IQVIA Solutions Portugal– para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde, Marta Temido disse, durante a campanha para as Europeias, “não ter memória nenhuma” de contratações com esta consultora nos governos que integrou, dando apenas o exemplo de uma auditoria à capacidade de formação de médicos “contratada ao exterior”. E acrescentou ainda que os Governos Costa nunca contrataram serviços externos para desenhar planos estratégicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Pedro Nuno Santos e Marta Temido em campanha eleitoral: levantaram um ‘coelho’ por causa de um contrato do Governo Montenegro con a IQVIA Solutions Portugal sem sequer verem os contratos nos Governos socialistas que integraram.
A realidade, contudo, demonstra o contrário, porque durante os Governos Costa, e no período de Marta Temido como goverante, mais de duas dezenas de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde ‘fartaram-se’ de ter relações comerciais com a consultora do momento, que veio ‘apimentar’ a campanha para o Parlamento Europeu durante este fim-de-semana.
Apesar de o foco estar, por agora, nos contratos da IQVIA Solutions Portugal – que assinou um contrato com o Ministério da Saúde para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde por 9.250 euros – , na verdade esta é apenas uma das empresas integradas na holding neerlandesa que foram operando no nosso país. A IQVIA Holding está sedeada em Amsterdão e cotada na bolsa de Nova Iorque, sendo uma das principais empresas mundiais de consultoria e tecnologia clínica e com escritórios em 81 países,
Embora a empresa-mãe na Holanda tenha actualmente em curso em Portugal uma operação de fusão, por integração na IQVIA de três outras das suas empresas portuguesas, a esmagadora maioria dos 55 contratos durante o Governo Costa foram realizados com a IASIST Portugal, uma empresa-irmã da IQVIA. A partir deste ano, a IASIST será incorporada – em conjunto com a IQVIA II Technology Solutions Portugal e a Evigrade Helath Care Research and Consulting – na IQVIA Solutions Portugal, que assumirá todos os contratos. Essa fusão é, no entanto, uma mera operação de gestão, tanto mais que, por exemplos, os gerentes da IQVIA Solutions Portugal e da IASIST Portugal são os mesmos: Sérgio Tavares Galvão e Mário Miguel Santos Martins.
Até este ano, a IQVIA, uma multinacional holandesa presente em 81 países, operava em Portugal através de quatro empresas, que em processo de fusão centrada na IQVIA Solutions Portugal. A empresa do grupo com mais contratos foi, durante os Governos Costa, a IASIST, uma ‘irmã’ (agora aglutinada) da IQVIA Solutions Portugal, que assumirá a partir deste ano todos os contratos.
Ora, apesar da falta de memória de Marta Temido, as empresas portuguesas desta multinacional de consultoria em saúde com sede na Holanda, e sobretudo a IASIST, são ‘velhas conhecidas’ tanto das diversas unidades hospitalares como também da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e até da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Recorde-se que Marta Temido chegou a ser presidente da ACSS e também da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares alguns anos antes de assumir funções governamentais.
A ACSS é, aliás, a entidade da Administração Pública com os maiores contratos celebrados com a IASIST: os três contratos assinados durante o Governo Costa totalizaram 312.851 euros sendo que o contrato após concurso público teve o preço de quase 185 mil euros, que serviu para pagamento de um pacote de software para estratificação da população pelo risco. Este contrato foi assinado em Setembro de 2023, embora tenha sido publicado no Portal Base apenas em Janeiro deste ano.
Dos outros dois contratos com a ACSS destaca-se ainda um contrato assinado em Novembro de 2022 para serviços de consultoria incluindo a licença de uma ferramenta de gestão hospitalar. De acordo com a informação da própria IASIST, a plataforma em causa (ACG) inclui “um sofisticado modelo de previsão […] que foi apurado para identificar pacientes com elevado risco de consumo futuro de um grande volume de recursos de prestação de cuidados de saúde, assim como calcular esse mesmo custo potencial”. Nos documentos constantes do Portal Base não se fica a saber se a empresa tem acesso à informação recolhida nos hospitais públicos.
Um outro contrato de consultoria de montante relevante foi celebrado em Dezembro de 2022 entre a IQVIA e a Direcção-Geral da Saúde no valor de 134.900 euros, tendo visado a realização de um “estudo de avaliação do regime escolar (2017/2018 a 2022/2023), não sendo ainda conhecidos os resultados.
Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, prometeu revelar os contratos da consultora holandesa em Portugal durante os Governos Costa. Já não precisa: o PÁGINA UM mostra em detalhe.
De resto, têm sido as unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde os principais clientes da IQVIA Solutions Portugal e suas empresas-irmãs, em especial a IASIST. Nos Governos Costa, foram celebrados com empresas da multinacional holandesa de tecnologia e consultoria no sector da saúde um total de 50 contratos, todos por ajuste directo, envolvendo 20 hospitais ou centros hospitalares. Em números absolutos, destacam-se 22 contratos por ajuste directo com unidades de saúde do Norte do país, sendo que seis foram celebrados pelo Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, cinco pelo Hospital da Senhora da Oliveira (Guimarães) e outros tantos pela Unidade de Saúde do Alto Minho.
Em termos de montantes globais, no período dos Governos Costa, foi a Unidade Local de Saúde do Alto Minho que mais pagou à consultora holandesa: 194.050 euros. Com valores globais dos contratos entre 160 mil e 170 mil encontram-se três unidades do SNS: os centros hospitalares de Lisboa Norte, de Tâmega e Sousa, e ainda de Coimbra. Acima dos 100 mil euros estão ainda o Hospital de Guimarães (143.500 euros), o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (117.500 euros) e o Hospital de Braga (110.000). Na análise destes contratos, a esmagadora maioria refere-se a serviços de consultoria de gestão clínica, designadamente ao nível do benchmarking.
A consultora holandesa, através da IASIST, desenvolveu uma ferramenta online, designada IAmetrics, com mais de 20 indicadores de gestão. Também neste caso se desconhece se a empresa regista, também para si, informação obtida neste processo. Em todo o caso, em princípios, todos estes sistemas trabalham, até por uma questão de facilidade e de operacionalidade, com dados clínicos anonimizados, ou seja, não há informação ou dados pessoais recolhidos, até porque os objectivos são meramente de gestão.
Montante total dos contratos públicos, por tipo procedimento, celebrados pelas diversas empresas do grupo de consultadoria holandês a operarem em Portugal duante os Governos de António Costa (Novembro de 2015 a Março de 2024). Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM-
Em termos de despesa anual, 2022 e 2023 foram os de maior destaque, envolvendo contratos no valor de 402.147 e de 379.123 euros, respecticamente. Este ano, já em contratos abrangendo o Governo Montenegro, a factura vai, por agora, nos 71.000 euros. Não esta ainda incluído, no Portal Base, o contrato para o Plano de Emergência de Saúde, pois somente surgem dois ajustes directos relativos aos serviços da plataforma IAmetrics com o Centro Hospitalar de Coimbra (42.000 euros) e a Unidade Local de Saúde do Alto Ave (29.000 euros).
Ou seja, ao contrário daquilo que afirma Marta Temido – que também afirmou em campanha eleitoral que “quem conhece bem [o sector da Saúde] não compra a terceiros, quem não sabe bem o que fazer tende a comprar fora” –, os anteriores governos socialistas aceitaram com normalidade a aquisição de serviços de consultoria e de aplicativos de gestão hospitalar ao sector privado, e particularmente à empresa (IQVIA) que agora está na berlinda. E depois desta ‘rabanada de vento’, que nem sequer ‘tempestade’ será, quase certo será continuar a ‘compra a terceiros’ mesmo se houver quem diga que conhece bem o sector da Saúde.
N.D. O PÁGINA UM disponibiliza AQUI mais informação sobre os contratos entre as empresas do universo IQVIA e entidades públicas a partir de Novembro de 2015.
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Nesta campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, os chamados ‘pequenos partidos’ têm clamado ainda mais forte contra a discriminação das televisões, porque ao contrário do que sucede geralmente nas eleições para a Assembleia da República, desta vez os convites não foram endereçados apenas para os partidos com eurodeputados, alargando-se ao Livre, Iniciativa Liberal e Chega. Alguns partidos sentiram-se discriminados e apresentaram queixas ou mesmo providências cautelares – como sucedeu com o ADN, RIR e Volt Portugal. No caso deste último partido, foi alegado que, sendo federalista, deveria ter sido contabilizado um eurodeputado alemão eleito em 2019. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não lhe deu razão, mas alertou para a falha da revisão da lei, que deveria ter sido feita em 2016, e da necessidade de encontrar soluções para uma melhor equilíbrio na cobertura mediática das diversas campanhas. O PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que, tanto nas anteriores legislativas como agora nas europeias, endereçou convites a todos os partidos para a realização de uma entrevista. Tudo isto sucede poucos dias depois dos 5o anos da Revolução dos Cravos.
Aumentam as críticas dos pequenos partidos contra os critérios editoriais das televisões de inclusão dos debates para as europeias. Embora a Constituição preveja igualdade de tratamento, uma legislação criada no final do primeiro Governo de Passos Coelho em 2015, em vésperas das eleições que dariam início ao primeiro Governo de António Costa, abriu caminho à discriminação partidária, definindo que os órgãos de comunicação social deveriam convidar para os debates não apenas os partidos com “representação [obtida] nas últimas eleições” relativas ao órgão em causa (neste caso, o Parlamento Europeu), mas abrindo a possibilidade de incluírem “no exercício da liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover”.
A polémica lei entrou em vigor para a campanha das legislativas de 2015 – que teve como principais opositores Pedro Passos Coelho e António Costa, e que depois daria origem à ‘geringonça’ – mas estava prevista uma revisão daí a um ano. Nunca foi revista, apesar de três eleições legislativas e duas eleições (com a próxima) para a Europa.
Na actual campanha para as eleições ao Parlamento Europeu, tem sido a aplicação desta norma legal que a causar sucessivas críticas e queixas dos pequenos partidos junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), porque as televisões generalistas (RTP, SIC, TVI e CMTV) decidiram incluir nos debates a quatro apenas os cabeças-de-lista dos partidos com assento no Parlamento Europeu (como seria obrigatório por lei), acrescentando, desta vez, também os principais candidatos da Iniciativa Liberal, Livre e Chega, que não conseguiram eleger qualquer eurodeputado em 2019. A representatividade na Assembleia da República terá sido o critério editorial para esse acréscimo, que objectivamente acaba por ‘afastar’ do enfoque mediático outros partidos sem representatividade no hemiciclo da União Europeia.
Mas tanto as queixas para a CNE como para a ERC – para além de uma providência cautelar apresentada pela Alternativa Democrática Nacional (ADN), que tem como cabeça-de-lista Joana Amaral Dias –, têm caído em saco roto. Até agora, as decisões concluem que a lei de 2015 não viola a Constituição, e independentemente das questões éticas por detrás das opções dos órgãos de comunicação social, supostamente não subsistirá nenhuma ilegalidade.
Mas a queixa formulada pelo Volt Portugal, junto da CNE, que a encaminhou para a ERC, originou uma deliberação do regulador dos media, divulgada hoje, que mostra bem o incómodo de uma lei absolutamente discriminatória, no sentido lato do termo. Com efeito, o Volt Portugal assume-se como integrante de um partido federalista europeu, e nessa medida o Volt Alemanha conseguiu eleger em 2019 um eurodeputado, Damian Boeselager. Ou seja, segundo a interpretação do Volt Portugal, o seu cabeça-de-lista nacional deveria ter sido convidado para os debates a quatro, não por liberalidade editorial mas por cumprimento da lei.
Debates televisivos para as Europeias incluíram apenas alguns partidos sem eurodeputados, mas excluíram o Volt Portugal que alega que o partido federalista que integra tem um eurodeputado, eleito pelo Volt Alemanha.
Contudo, o Conselho Regulador da ERC – cujos membros são nominalmente indicados pelo PS e PSD, com excepção de um que é cooptado – considerou que, apesar das eleições se realizaram para o Parlamento Europeu no mesmo período em todos os países comunitários, “o Volt Portugal é um partido político nacional e, por isso, pode concorrer às eleições europeias, no círculo eleitoral português, aplicando-se-lhe as mesmas regras que são aplicadas aos restantes partidos políticos portugueses, independentemente das afiliações, entendimentos ou alianças políticas que cada partido possa ter a nível internacional”. E, nessa linha, como a partir de Portugal o Volt não obteve qualquer eurodeputado em 2019, “é defensável que o critério invocado não se aplique ao Queixoso [Volt Portugal]”.
Em todo o caso, a ERC destaca que a lei de 2015 até já deveria ter sido revista em 2016,o que nunca sucedeu, uma vez que estava prevista, num dos artigos, a sua modificação no prazo de um ano. Ou seja, esta lei apenas deveria estar em vigor durante um ano. Além disso, o regulador diz que já tem encorajado “vivamente os diferentes órgãos de comunicação social a que considerem a participação do universo das candidaturas nos diferentes debates que organizem, nos seus vários formatos, à luz dos princípios do pluralismo e da diversidade”, algo que tem caído em saco roto. A generalidade dos órgãos de comunicação social de maior dimensão nem sequer concede entrevistas a todos as candidaturas. O PÁGINA UM foi, aliás, o único órgão de comunicação social que lançou convites a todos os partidos para uma entrevista nas anteriores legislativas (PSD, PSD, Bloco de Esquerda e Livre não aceitaram então), e está a repetir essa iniciativa com todos os cabeças-de-lista.
Curiosamente, na entrevista de hoje do PÁGINA UM será com o cabeça-de-lista do Livre, Francisco Paupério – que teve um comportamento contrário ao de Rui Tavares, nas legislativas, aceitando o convite –, a questão da igualdade de tratamento de candidaturas foi um dos aspectos abordados. Para Francisco Paupério – que surge com hipóteses de ser eleito em recentes sondagens –, “há uma discrepância muito grande na comunicação social” na cobertura jornalística dos partidos “que deve ser corrigida”, defendendo que “não devemos dar só primazia a quem já tem representação parlamentar”. Eleito nas primárias do Livre, Paupério diz que “a mensagem” dos partidos aceites pelo Tribunal Constitucional “também tem de passar mais na comunicação social.”
Francisco Paupério, cabeça-de-lista do Livre, tenta uma eleição inédita para o seu partido. Foi convidado para os debates televisivos, apesar de o Livre ainda não ter eurodeputados, e defende a igualdade de tratamento nas campanhas.
A questão da igualdade de oportunidades e, concomitantemente, na cobertura jornalística dos diversos partidos não é, porém, uma questão assim tão cristalina como parece à primeira vista, mesmo se consagrada na Constituição, e aparentemente ‘contrariada’ pela lei de 2015. “Desde que haja um fundamento material para a diferenciação de tratamento”, neste caso a questão da representação parlamentar e a liberdade editorial, “o Tribunal Constitucional, em princípio, não deve censurar as opções do legislador”, defende José Melo Alexandrino, constitucionalista e professor aposentado da Universidade de Lisboa.
Para o também colunista do PÁGINA UM, “a principal função da igualdade é a de exigir um fundamento racional ou suficiente para as diferenciações de tratamento, desenvolvendo, além disso, também funções heurísticas [procedimentos mentais simples para respostas adequadas], instrumentais, promotoras e de controlo”. Quanto à questão da norma que determinava que a lei de 2015 deveria ser revista no prazo de um ano, Melo Alexandrino diz que esse incumprimento não torna a legislação inválida: “São artigos de leis para inglês ver; há leis que estão por rever durante 30 anos”.
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A pretexto dos pedidos de censura dos partidos de esquerda a eventuais ou supostos discursos de ódio e de xenofobia, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, veio hoje defender ‘super liberdade’ e restrição mínima para os deputados, mas sugere uma meditação conjunta para a criação de um adequado código de conduta dos deputados, como sugerido este domingo pelo colunista do PÁGINA UM José Melo Alexandrino num artigo de opinião. Aguiar-Branco não esconde a influência deste artigo de Melo Alexandrino, professor da Universidade de Lisboa – que passou a escrever no PÁGINA UM, numa coluna intitulada ‘Isto assim não anda’ –, porque o cita de forma explícita.
O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, reforçou hoje, através de um documento de oito páginas, a sua posição de não censurar discursos políticos em plenário, embora defendendo a aprovação de um Código de Conduta. E cita explicitamente, referindo-o, trechos de um artigo de opinião de José Melo Alexandrino, professor universitário da Universidade de Lisboa, publicado no PÁGINA UM.
Além de citar outros constitucionalistas – como Gomes Canotilho e Vital Moreira, que defendem que “a Constituição não prevê o delito de opinião, mesmo quando se trate de opiniões que se traduzam em ideologias ou posições anticonstitucionais” –, Aguiar-Branco considera que, tal “não significa que, no plano político e social, determinados discursos ou expressões não possam ou não devam ser contestadas ou criticadas e que, no plano criminal, as infrações cometidas no exercício da liberdade de expressão não tenham consequências, designadamente quando, na atuação individual concreta e analisadas as coisas à luz do direito penal, se conclua por um excesso no uso da liberdade de expressão, que justifique a aplicação de uma sanção penal”.
E a seguir o presidente da Assembleia da República defende, acrescentando “como muito bem realçou o Professor José Melo Alexandrino”, que o Parlamento deve “meditar numa reforma da Casa, a começar pelo Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão, pela reforma do Estatuto dos Deputados ou do próprio Regimento, como pessoalmente, por diversas vezes, tive oportunidade de assinalar, reforçando que já existem mecanismos regimentais que permitem aos Deputados reagirem – designadamente, perante expressões que propaguem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio racial, a xenofobia ou outras formas de ódio baseadas na intolerância”, como seja a figura do protesto, ou ainda, equacionar-se a criação regimental de um voto de rejeição imediatamente submetida a votação do plenário.
Ora, no domingo passado, José Melo Alexandrino, no seu mais recente artigo de opinião da coluna ‘Isto assim não anda’ no PÁGINA UM, defendeu que, entre os deveres e direitos constitucionais dos deputados “não há porém nenhum que contenda com a liberdade de expressão ou que imponha ao Deputado a moderação no uso da linguagem”, acrescentando ainda que, no limite, até pode mentir, se esta for “subjectiva” (ou seja, o próprio está convencido de que diz a verdade), ou mesmo “objectiva”, excepto de for numa comissão de inquérito.
Em todo o caso, salientando que não fazia sentido o “alarido” em redor da reacção de Aguiar-Branco às palavras do líder do Chega, Melo Alexandrino defendeu no seu artigo no PÁGINA UM que “tal não significa que o Parlamento não deva meditar numa profunda reforma da Casa, a começar pela aprovação de um adequado Código de Conduta dos Deputados e respectivas estruturas de supervisão (que não devem ser compostas apenas por Deputados), pela reforma do Estatuto dos Deputados e da Lei orgânica da Assembleia da República (onde não são poucas as ambiguidades e as normas flagrantemente inconstitucionais), e a terminar na reforma do Regimento, que espera há 18 anos por grandes obras de reparação (e não remendos)”. Ou seja, Aguiar-Branco seguiu ipsis verbis a sugestão de José Melo Alexandrino.
Trecho do texto de Aguiar-Branco, divulgado hoje.
José Alexandrino Melo disse hoje ao PÁGINA UM que o actual código de conduta, aprovado em 2019, “é pura e simplesmente inútil”, pois não especifica quaisquer comportamentos ilícitos, dentro e fora do Parlamento, mostra-se vago quanto aos deveres e procedimentos aplicáveis, não define órgãos de supervisão específico, para além da Comissão da Transparência, e sobretudo não prevê sanções, como multas ou suspensões.
Aguiar-Branco, nesse seu texto concluído hoje, e sugestivamente intitulado “A liberdade de expressão: uma ‘super liberdade’ de proteção máxima e de restrição mínima”, tece mais considerações numa tentativa de ‘esvaziar’ uma polémica alimentada pelos partidos de esquerda. E segue as sugestões de Melo Alexandrino de encontrar modelos formais de contestar opiniões sem censura.
O presidente da República conclui que “o direito fundamental de liberdade de expressão e de informação, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo de censura”, sendo que no caso dos deputados o primeiro desses direitos é reforçado “quanto aos votos e opiniões emitidos no âmbito da sua função parlamentar”. E, acrescenta, nessa medida “não cabe ao Presidente da Assembleia da República a avaliação do discurso político, ainda que eticamente desvalioso, nem lhe compete, em nome dos poderes regimentais que lhe são conferidos, instituir uma cultura de cancelamento linguístico, freando opiniões e assumindo-se como ‘guardião’ do aceitável e do politicamente correto”.
Como já se tornara evidente da semana passada, Aguiar-Branco afasta-se ainda mais da ‘filosofia de intervenção’ censória seguida pelo seu antecessor, o socialista Augusto Santos Silva. O actual presidente da Assembleia da República defende que o Regimento da Assembleia da República “tem natureza organizatória do debate e efeitos inter partes”, apenas lhe conferindo poderes “de criação de um espaço de discurso público isento de constrangimentos, aberto ao confronto de ideias, que garanta que o exercício do mandato conferido pelo povo seja exercido sem receio de represálias”.
Trecho final do artigo de opinião de José Melo Alexandrino publicado no passado domingo no PÁGINA UM.
Nesse sentido, acrescenta Aguiar-Branco não pode essa função ser exercido para “condicionamento do debate político, mas sim evitar que este possa ser condicionado por injúrias, ofensas, chantagens ou ameaças entre os intervenientes”.
E termina de uma forma que remete, em última instância, para o âmago da democracia: “Numa sociedade democrática e plural, a avaliação e a derrota do discurso político faz-se com recurso a argumentos e com a confrontação objectiva da verdade dos factos, nunca por via da imposição de silêncio ou de censura, sem que isto signifique condescendência, concordância ou validação de opiniões e ideologias que, como se frisou, apenas ao povo cabe apreciar e julgar através da arma que dispõe, o voto”.
N.D. Acrescentado às 22h07 de 22/05/2023, as declarações de José Melo Alexandrino sobre as falhas do actual código de conduta, e da necessidade de ser melhorado.
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