Uma fotografia de Gouveia e Melo, envergando o uniforme branco naval, está a ser utilizada pela Universidade Nova de Lisboa para promover um curso de quatro dias, ao preço de 3.000 euros, onde o almirante na reserva será um dos formadores, ao lado de Paulo Portas e Alexandra Reis. O Estado-Maior da Armada afirma que a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas permite que Gouveia e Melo possa, quando assim o desejar, estar de farda, mesmo tendo passado à reserva. Está, assim, aberta a possibilidade de o antigo líder da Marinha poder usar, livremente, uniformes militares em marketing eleitoral ou mesmo durante a campanha eleitoral, caso venha a candidatar-se.
Caso se candidate à Presidência da República, na sua campanha eleitoral, Gouveia e Melo pode surgir, se assim entender, fardado e com as insígnias militares. Essa é a posição do próprio Estado-Maior da Armada, agora sob a liderança do Almirante Nobre de Sousa, após ter sido confrontado com publicidade a um curso de formação da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa onde surge o agora almirante na reserva, e putativo candidato a Belém, fardado e ostentando as suas medalhas.
A publicidade ao curso, que surge nas redes sociais da Nova SBE Executive Education, mas não se insere em qualquer grau de ensino. Trata-se de um curso de quatro dias, denominado ‘Leadership & Crisis Management’, com um custo de inscrição de 3.000 euros, em que Gouveia e Melo será um dos formadores.
No denominado ‘corpo docente’, estão também, entre outros, Paulo Portas e Alexandra Reis – a ex-presidente da NAV que causou a a demissão de Pedro Nuno Santos de ministro do Equipamento no início de 2023 –, bem como António Cunha Vaz, um dos mais conhecidos e influentes donos de agências de comunicação e imagem. No anúncio, com uma fotografia em destaque do ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, envergando o uniforme branco naval com a insígnia do posto de Almirante, surge a mensagem: “Junte-se a Henrique Gouveia e Melo na formação executiva de Leadership & Crisis Management e aprenda a transformar as crises em oportunidades”.
Para justificar a legitimidade de Gouveia e Melo andar fardado e medalhado onde quer que esteja, e quando quiser, o Estado-Maior da Armada relembra a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas, que especifica que “os militares agraciados com qualquer grau das ordens Militares da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e de Avis, têm direito ao uso do uniforme militar, seja qual for o seu quadro ou situação e mesmo depois de deixarem a efetividade de serviço”.
E o gabinete de comunicação e relações-públicas da Marinha acrescenta mesmo que “Esta disposição aplica-se ao caso concreto do Sr. Almirante Gouveia e Melo que, ao longo da sua carreira, foi agraciado com diferentes graus da Ordem de Avis.“ Contudo, na verdade, deve acrescentar-se um pormenor relevante não mencionado na informação enviada pelo Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM: esse militar só poderá estar uniformizado se ostentar, em simultâneo, “as respectivas insígnias“.
Saliente-se que, além da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, recebida no final de Dezembro das mãos do Presidente da República, Gouveia e Melo já tinha sido condecorado outras duas vezes com a Ordem de Avis: primeiro, em Junho de 2004, com o grau de comendador, quando era capitão-de-fragata; e depois, em Maio de 2021, com o Grande-Colar, enquanto dirigia a task force da vacinação contra a covid-19 e era ainda adjunto do Planeamento do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A interpretação do Estado-Maior da Armada sobre a legalidade do uso de uniforme por Gouveia e Melo, mesmo que esteja agora na reserva, recentra a ‘celeuma’ causada pela sua entrevista à RTP, em Setembro passado, onde também surgiu fardado a fazer abordagens que poderiam ser consideradas políticas.
Apesar de a lei estar do seu lado, para poder ostentar a postura e disciplina militar, o PÁGINA UM quis saber se Gouveia e Melo autorizou a Universidade Nova de Lisboa a usar a sua imagem fardada para atrair pessoas para um curso de 3.000 euros. Porém, a mensagem enviada para o seu e-mail da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não obteve resposta.
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Já tem nome a associação dinamizada por dois destacados maçons para ajudar Gouveia e Melo a chegar à Presidência da República. Chama-se Movimento de Apoio Almirante à Presidência, e o acrónimo MAAP faz lembrar o mítico MASP, uma peça fundamental de Mário Soares que o levou a Belém em 1986. Os dois principais dinamizadores desta ‘entourage’ do recém-exonerado Chefe do Estado-Maior da Armada são os maçons Paulo Noguês e José Manuel Anes, e já deram uma pequena e simbólica ajuda: na última edição da revista ‘Segurança e Defesa’, cujos conteúdos são por si decididos, Gouveia e Melo foi capa com direito a entrevista de 14 páginas sobre a sua vida, obra e pensamento. O MAAP, que desejava ser transversal na sociedade, será constituído formalmente dentro de duas semanas.
O anúncio foi ontem feito na rede social profissional LinkedIn, mas já vem sendo preparado discretamente nos últimos meses: membros da Maçonaria estão a constituir uma plataforma formal de apoio ao Almirante Gouveia e Melo para preparar as condições logísticas, operacionais e financeiras da sua candidatura à Presidência da República em Janeiro do próximo ano.
Em mensagem de ‘angariação’ de novos integrantes deste movimento, Paulo Noguês – um conhecido maçom, co-fundador da polémica loja maçónica Mozart (onde também esteve Luís Montenegro), da qual se viria a desvincular depois de escândalos de tráfico de influências – não apenas declarou o seu apoio pessoal à candidatura de Gouveia e Melo como anunciou que “juntamente com um grupo de amigas e amigos, onde pontifica o Prof. Doutor José Manuel Anes, decidimos constituir uma Associação com esse objetivo: MAAP – Movimento de Apoio Almirante à Presidência”. O acrónimo escolhido faz lembrar o MASP, o movimento de apoio a Mário Soares em 1985.
A referência deste movimento, que se diz “cívico”, dinamizado por Paulo Noguês, à figura de José Manuel Anes confere também um forte cunho associado à Maçonaria. Aos 80 anos, este criminalista e professor universitário continua a ser uma das referências mais relevantes da Maçonaria, tendo sido grão-mestre da Grande Loja Regular de Portugal no início do presente século.
Tanto Paulo Noguês como José Manuel Anes – que colaboram na Diário de Bordo, uma editora, foram dando sinais deste apoio a Gouveia e Melo nos últimos meses, e não por acaso o agora ex-Chefe do Estado-Maior da Armada foi capa da revista quinquimestral (cinco em cinco meses) ‘Segurança e Defesa’ com uma longa entrevista de 14 páginas intitulada “Marinha olha para o mar como uma oportunidade e não um problema”, onde se abordam também aspectos da sua vida e pensamento político.
Contactado pelo PÁGINA UM, Paulo Noguês admite que o MAAP será constituído formalmente, em notário, dentro de duas semanas, mas que não será constituído apenas por maçons, mas também por pessoas de outros quadrantes, incluindo homens e mulheres ligadas até à Igreja e Opus Dei, embora não sejam adiantados, por agora, outros nomes. “Serão conhecidos ao longo do tempo, alguns dos quais na data da constituição; será um movimento transversal da sociedade”, diz Paulo Noguês, para conceder apoio logístico e financeiro, “abrangendo todo o território nacional e a emigração”.
Em Novembro passado, Gouveia e Melo foi capa da revista quinquimensal ‘Segurança e Defesa’, editada pela empresa de Paulo Noguês e que tem José Manuel Anes como coordenador.
Além do PPM – o ‘mal-amado’ parceiro da Aliança Democrática que elegeu Luís Montenegro para a liderança do Governo -, não há ainda qualquer associação formal de partidos políticos com representação parlamentar ao recém exonerado Chefe do Estado-Maior da Armada, apesar do ‘namoro’ de figuras do CDS-PP, que até lhe concederam currículo académico na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
No caso do MAAP, Paulo Noguês assume que, apesar de existirem contactos com Gouveia e Melo – como, aliás, ficou patente na recente entrevista na ‘Segurança e Defesa’ – “não há uma legitimação prévia, nem tinha de haver” por parte do putativo candidato a Belém para a constituição desta associação.
Recorde-se que, no início de Dezembro passado, o semanário Tal & Qual revelava que Gouveia e Melo estaria a tentar aprofundar ligações à Maçonaria, aludindo aos seus contactos com a loja ‘Camelot’, integrante da Grande Loja Regular de Portugal, onde professam Paulo Noguês e José Manuel Anes em lugares de destaque. No mesmo dia, através de um comunicado da Marinha, Gouveia e Melo afirmou que “tais afirmações”, sobre a sua alegada integração numa loja maçónica, eram “absolutamente falsas”, lamentando a “reiterada ausência de [aplicação do] contraditório” por parte do Tal & Qual.
Sobre se o apoio de pessoas ligadas à Maçonaria possa agora causar incómodo a Gouveia e Melo, Paulo Noguês nega essa possibilidade: “não implicámos nem vamos implicar o Almirante, até porque poderão existir muitos mais movimentos de apoio”.
O PÁGINA UM tentou, através da Marinha e por outras vias, obter um comentário de Gouveia e Melo sobre a criação do MAAP, comprometendo-se a acrescentar a sua reacção se entretanto ocorrer.
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No século XIX, perante os exageros do reconhecimento desmesurado, surgiu o dichote: “Foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde”. Hoje, na Terceira República, já não há o perigo de se ‘apanharem’ títulos nobiliárquicos, mas há sempre uma grande chance de se levar uma alfinetada no peito ou um penduricalho no pescoço para a conveniente condecoração. O PÁGINA UM foi, por isso, pesquisar os contratos públicos para tentar perceber quanto se gastou, e quem gasta, na aquisição de medalhas e insígnias com que nos convencemos que somos os ‘melhores da Cantareira’. Além da tradição das condecorações sobretudo nas forças armadas e de segurança, bem como as concedidas pela Presidência da República, as autarquias também gastam que se fartam, e até o Fisco não se esquece da sua ‘medalhinha’. De entre as 104 entidades que, desde 2021, enaltecem feitos através deste ‘modus operandi’, a Marinha foi a mais gastadora: 675 mil euros.
Portugal, país multisecular, pode não cometido feitos recentes dignos de louvor universal, mas a nível interno não nos podemos queixar da falta de brilho, pelo menos das insígnias e condecorações oferecidas amiúde. De facto, somos uma Nação que há muito deixou de conquistar mundos, mas que ainda exibe, com espantosa solenidade, a arte de premiar-se a si própria. Se não temos demasiadas invenções a propor ao mundo, nem pensamentos revolucionários nem epopeias para celebrar, nem guerras para combater ou pazes para estabelecer, inventam-se então glórias administrativas e até fiscais que colocam qualquer um na iminência de se tornar uma eminência no pódio da auto-celebração. Claro que, com custos, porque as medalhas e outros insígnias similares, mesmo que fossem de latão – e algumas são de ouro –, não caem do céu nem se fazem como a água-benta. Custam bom dinheiro e movimentam, além de muitas vaidades, um negócio apetecível.
Num levantamento do PÁGINA UM aos contratos para a aquisição de medalhas e insígnias – que, em alguns poucos casos, incluem adereços ou outros ‘apetrechos’ similares (como taças) –, foram detectados 280 contratos no Portal Base, envolvendo mais de uma centena de entidades, para adquirir ‘lembranças’ para os ilustres agraciados, num período de apenas quatro anos. Estes contratos, celebrados entre Janeiro 2021 e final deste ano de 2024, somam um valor total de 4,05 milhões de euros, que se aproxima dos cinco milhões de euros, caso se inclua o IVA. E quase grande parte através de contratos de mão-beijada: 182 foram por ajuste directo ou similar (65%), 56 após consulta prévia (31%) e apenas 42 por concurso público (24%).
Presidência da República é uma das ‘máquinas’ de condecorações do país. Foto: PR.
Entre os organismos mais entusiastas nas medalhas estão os militares, as forças de segurança e a Presidência da República. No primeiro caso, em apenas quatro anos, os diversos ramos das Forças Armadas, incluindo o Estado-Maior-General, despenderam 1.227.199 euros (com IVA incluído) em medalhas e condecoração, estando a Marinha no topo. Desde 2021, o Estado-Maior da Armada gastou mais de 675 mil euros, dos quais 380 mil euros durante a liderança de Gouveia e Melo, que nas últimas semanas andou a distribuir comendas e medalhas, incluindo a Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras, que de imediato o apoiou na quase certa candidatura às Presidenciais de 2026.
Por sua vez, o Exército gastou, em quatro anos, um total de 362.325 euros em condecorações, ficando-se as Força Aérea nos 237.204 euros. A cúpula – isto é, o Estado-Maior-General das Forças Armadas – teve um encargo, neste período, de 37.232 euros.
No caso das forças de segurança, a militarizada – a Guarda Nacional República (GNR) – também adora medalhar-se: despachou, desde 2021, um total de 237.204 euros para sobretudo condecorar os seus elementos, que rondam os 23 mil. A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi mais comedida, embora tenha um efectivo menor (um pouco menos de 21 mil agentes), e apenas gastou em medalhas 59.812 euros nos últimos quatro anos.
A Presidência da República, através da sua Secretaria-Geral, é uma cliente habitual das empresas de medalhística. Ou melhor dizendo, de uma só: a Casa das Condecorações Helder Cunha, com quem, nos últimos quatro anos, celebrou 14 ajustes directos, sempre em valores baixos para, de forma muito conveniente mas pouco transparente, não ser obrigada a abrir concurso público. Certo é que, tudo a somar, só nestas insígnias para comendadores e outras insígnias de ordens honoríficas se gastaram 202.902 euros.
Descontando a Ordem dos Contabilistas Certificados – que surge em destaque na lista (com gastos de 150.650 euros) por ser considerada uma entidade pública, mas o financiamento é sobretudo ‘privado’ –, são as autarquias que ocupam os restantes lugares no top 10 dos maiores apreciadores (e ‘consumidores’) de medalhas. Destacam-se Braga (148.415 euros), Cascais (126.014 euros), Loulé (113.332 euros) e Lagos (102.633 euros). O município de Castelo Branco (100.364 euros) fecha o lote de 12 entidades públicas que pagaram, desde 2021, mais de 100 mil euros para agraciamentos.
Foto: Academia Militar.
Em todo o caso, na lista compilada pelo PÁGINA UM encontram-se 67 Câmaras Municipais, além de duas juntas de freguesia (Santa Maria Maior, em Lisboa, e União de Charneca da Caparica e Sobreda, em Almada), que gastaram mais de 2,2 milhões de euros em medalhas. Além dos municípios já referidos, detectam-se mais 22 com gastos em medalhas acima dos 25 mil euros: Oeiras (86 360 euros), Guimarães (84 304 euros), Vila Nova de Famalicão (81 478 euros), Mortágua (74 703 euros), Faro (72 200 euros), Peso da Régua (60 202 euros), Almada (59 279 euros), Seixal (58 972 euros), Vila Nova de Gaia (55 350 euros), Barcelos (55 229 euros), Fafe (49 735 euros), Tavira (49 174 euros), Palmela (48 824 euros), Póvoa de Varzim (48 559 euros), Guarda (41 620 euros), Sintra (39 975 euros), Funchal (37 757 euros), Vila do Conde (35 117 euros), Oleiros (30 553 euros), Trofa (29 690 euros), São João da Pesqueira (28 876 euros), Ansião (25 483 euros).
Também o Governo e a Administração Pública directa têm aberto os cordões à bolsa para conceder ‘graças’. Por exemplo, em Abril deste ano, a Presidência do Conselho de Ministros gastou 23.616 euros para adquirir medalhas comemorativas da participação nas ações militares da Revolução dos Cravos. Em Junho de 2021, o Ministério da Defesa fez um contrato, após consulta prévia, no valor de 22.075 euros para, durante três anos, serem fornecidas “medalhas de condecoração”. Também se encontraram três contratos da Assembleia da República, um por ano, para as medalhas do Prémio Direitos Humanos. Não são baratas: pelas seis medalhas, em ouro, atribuídas em três anos, o Parlamento gastou 47.847 euros. Em média, cada uma ficou em quase oito mil euros. Mas a Assembleia da República não foi a única entidade pública a conceder medalhas em ouro: no final de 2023, por exemplo a autarquia de Castelo Branco adquiriu 10, tendo cada uma custado, com IVA, cerca de 4.250 euros.
Merecem também destaque os três contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos deste ano. O primeiro serviu para comprar “1.000 medalhas com símbolo” do Fisco, no valor total de 9.840 euros, o que se pode considerar um preço unitário comedido. Já os dois outros contratos, de Julho passado, serviram para comprar “medalhas comemorativas de 40 anos de serviço público”, sem um número determinado no contrato (e o caderno de encargos não consta no Portal Base), bem como as caixas. Cada um destes contratos rondou os 23 mil euros.
Em muitos casos, condecorações servem para que os condecorados não esqueçam quem os condecorou. Foto: Marinha.
De entre as outras entidades com montantes apreciáveis de gastos em medalhas destacam-se ainda a Fundação INATEL (79.450 euros), a Direcção-Geral da Educação (77.378 euros), a empresa municipal lisboeta EGEAC (70.528 euros), o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (41.279 euros), o Banco de Portugal (28.855 euros) e a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (28.608 euros), bem como diversas universidades, ordens profissionais e até hospitais. Convém, contudo, salientar que os valores apurados pelo PÁGINA UM podem pecar por defeito, uma vez que na pesquisa no Portal Base podem constar contratos não detectados pelo facto de a sua descrição não mencionar palavras como medalhas, condecorações ou insígnias. Além disso, em compras mais pequenas, muitas as entidades públicas podem não ter registado os contratos se o procedimento adoptado tiver sido o ajuste directo simplificado.
Em todo o caso, assim se prova que, mesmo já sem caravelas nem fulgores inventivos, Portugal continua a navegar com mestria nos mares do auto-elogio, não sendo já sequer necessário erguer castelos ou cravar padrões em terras distantes. A glória das insígnias reluzentes surge agora sob a forma de medalhas e fita para pendurar entregues a torto e a direito. Os elogios ficam com quem recebe; a factura é paga pelos contribuintes.
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De boas intenções, está o inferno cheio. Mas há medidas que nem sequer se mostram boas na intenção, até porque os resultados serão previsivelmente catastróficos. Para aumentar os terrenos urbanizáveis, alegando ser necessário para fazer face à crise de habitação, o Governo Montenegro prepara-se para dar uma ‘machadada’ ao mais importante legado da política de ordenamento e planeamento do território do século XX, flexibilizando administrativamente, através das autarquias, a passagem de terrenos da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional para fins urbanísticos. Além de ser uma medida com efeitos indesejáveis e promotor esquemas de corrupção – por exemplo, facilitará a passagem de terrenos rurais não edificáveis para áreas urbanas em redor do futuro aeroporto de Lisboa -, há uma ironia política:o Governo Montenegro, eleito sob a sigla de Aliança Democrática, ‘assassina’ assim dois instrumentos de planeamento (leis da Reservas Agrícola e Ecológica Nacional (RAN e REN) aprovados em 1982 e 1983 pelo Governo da Aliança Democrática original, então liderado por Pinto Balsemão, tendo como principal dinamizador dos diplomas o arquitecto Ribeiro Telles. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa integrou também esse Governo, podendo suscitar a legalidade de uma alteração do regime da REN e da RAN por simples decreto-lei, porque estão em causa áreas da competência da Assembleia da República.
À boleia de uma alegada crise da habitação e de suposta escassez de terrenos para construção, o Governo Montenegro quer destruir todos os alicerces da política de ordenamento e planeamento urbanístico, através de uma alteração da Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, mas a iniciativa pode esbarrar na Assembleia da República por estarem em causa modificações profundas na Lei dos Solos, uma vez que esta é uma matéria da estrita competência dos deputados.
Na semana passada, o Governo anunciou que o Conselho de Ministro aprovou um decreto-lei para “permitir às autarquias disponibilizar mais terrenos para a construção de habitação destinada à classe média em todo país”, com a condição de que“pelo menos 70% das casas construídas deverão ser vendidas a preços moderados, um novo conceito criado para abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar justiça social”. De acordo com as indicações transmitidas publicamente, a ideia será conceder às autarquias o poder, de forma arbitrária, para alterar usos de solo, passando-o de rústico para urbano.
Mas para isso, o Governo Montenegro precisa de flexibilizar os regimes de protecção e condicionamento das áreas de Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional que, como são terrenos rústicos – e actualmente sem capacidade construtiva –, acabam por apresentar um custo mais barato e apetecível para a especulação imobiliária.
Não deixa de ser irónico que esta tentativa de dar uma ‘machadada’ na política de urbanismo seja uma iniciativa de um Governo que se anunciou sob a sigla AD – Aliança Democrática, ressuscitando a versão de finais dos anos 70 e início dos anos 80, dinamizada inicialmente por Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral (CDS) e Ribeiro Telles (PPM), e que depois da morte do primeiro continuou com Francisco Pinto Balsemão até 1983.
Com efeito, foi já no fim desse mandato que o Governo de Pinto Balsemão, que tinha uma forte ‘costela ambientalista’ (Ribeiro Telles, então ministro da Qualidade de Vida), que foram aprovados dois mais importantes instrumentos de protecção ambiental e de urbanismo – a lei da RAN, em Setembro de 1982, e a lei da REN, em Junho de 1983 – sobre as quais se erigiram os planos directores municipais e outros planos de ordenamento. Curiosamente, o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, integrava este Governo da AD como ministro dos Assuntos Parlamentares.
Pinto Balsemão, Ribeiro Telles e Marcelo Rebelo de Sousa integraram o Governo AD que aprovou a lei da RAN e da REN, que protegeu solos da construção. O novo Governo AD, de Luís Montenegro, quer transformar em ‘três tempos’ solos rústicos em áreas para o imobiliário. Foto: Museu da Presidência.
As restrições impostas para os solos da RAN e da REN nunca radicaram em qualquer extremismo ambientalista, sustentando-se numa visão estratégia inter-geracional e mesmo de protecção contra catástrofes naturais. Além de protecção de solos agrícolas, a delimitação de áreas sensíveis no âmbito serve sobretudo para preservar linhas de água e leitos de cheia – para evitar desastres humanos como se observou recentemente na região de Valência –, aquíferos de águas subterrâneos, proteger zonas declivosas e sobretudo evitar um crescimento desenfreado e caótico das zonas urbanas.
“Esta medida do Governo é inaceitável do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, porque, em vez de promover uma aposta na consolidação e reabilitação dos centros urbanos, vai disponibilizar mais terrenos, promovendo o crescimento em ‘mancha de óleo’ para zonas sensíveis com a necessidade de novos e maiores investimentos de infraestruturação”, salienta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.
Aliás, ao invés de promover mais uma maior quantidade de terrenos disponíveis, o efeito expectável será contrário. As construtoras terão tendência a abandonar projectos imobiliárias em zonas consolidadas, preferindo adquirir terrenos rústicos muito mais baratos para depois conseguirem uma viabilização junto das autarquias. Este expediente escancara, além disso, as portas para a especulação e mesmo para a corrupção e outros esquemas ínvios, recordando procedimentos dos anos 90 do século passado, quando se desenvolveu a primeira geração de planos directores municipais. Nessa altura, muitos empresários, em conluio com autarcas, compravam terrenos rústicos, vendo depois essas zonas serem integradas em áreas edificáveis, multiplicando assim o seu valor. Aliás, este tipo de esquemas pode já ocorrido antes deste anúncio do Governo, mas tornar-se-à corriqueiro a nível local, concedendo poderes arbitrários aos políticos.
Governo prepara-se para destruir um dos maiores legados de político de ordenamento e de urbanismo do século XX, abrindo as portas a esquemas de tráfico de influências e de corrupção no imobiliário.
Esta alteração no regime dos terrenos rústicos aparenta, aliás, encaixar-se na perfeição para a existêncoa de transações especulativas em torno do futuro aeroporto de Lisboa. A esmagadora maioria dos terrenos envolventes à zona do Campo de Tiro de Alcochete integram a RAN e a REN. Com esta medida do Governo Montenegro, esses terrenos multiplicam de valor ‘da noite para o dia’.
A ideia de ser a falta de terrenos – e os seus custos elevados – uma das principais causas da crise da habitação em Portugal tem sido uma ideia estafada que não encontra reflexo na realidade dos números, porque o ritmo de construção depende sobretudo das condições económicas e dos ciclos financeiros, bem como da oferta e da procura. Embora se observe agora um recente crescimento populacional nos anos recentes, a uma taxa de 1%, não existe propriamente uma escassez de casas, mas sim uma dificuldade de adaptação dos rendimentos dos portugueses a um mercado que se globalizou, tanto nas zonas urbanas como rurais, neste caso pela procura de segundas residências.
Por esse motivo, observando a evolução dos licenciamentos de fogos (casas) pelas autarquias desde 2007, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui-se que o mercado imobiliário está já bastante dinâmico, tendo mesmo registado este ano o valor mais elevado desde 2009, se considerarmos os primeiros 10 meses (Janeiro a Outubro). A nível nacional, os 28.004 fogos licenciados este ano são praticamente cinco vezes mais do que os licenciados em 2014, em plena crise financeira.
Evolução do número de fogos licenciados em Portugal e nas diversas regiões (NUT II) entre 2007 e 2024 para os primeiros 10 meses de cada ano. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Comparando as licenças de construção concedidas nos últimos 24 meses (Novembro de 2022 a Outubro de 2024) com as do período homólogo anterior (Novembro de 2020 a Outubro de 2022), confirma-se esse dinamismo: um crescimento de 9,3%, passando de 59.558 para 65.092 fogos licenciados. Esse crescimento está sobretudo concentrado na região Norte, que impulsionou nesse período em 12,8%, e particularmente no Grande Porto.
Nessa sub-região, o crescimento foi de 21%, passando de pouco mais de 14 mil fogos licenciados para mais de 11.700. Na região de Lisboa – que engloba os municípios da Grande Lisbia e da Península de Setúbal –, apesar de se registar um crescimento (3,7%), está a níveis mais modestos. Enquanto nos últimos dois anos se licenciaram 13.033 fogos, no período de Novembro de 2020 a Outubro de 2022 as autarquias tinham concedido licenças para a construção de 12.567 fogos.
Em todo o caso, existe uma tendência de mudança na tipologia dos fogos licenciados. De acordo com os dados do INE, nos últimos dois anos, as licenças destinam-se para uma tipologia mais pequenas, indo ao encontro da prevalência de uma procura num mercado imobiliário destinado a pessoas sozinhas, casais ou famílias de poucos filhos.
O regime da REN serviu sobretudo para suster a construção desenfreada em zonas sensíveis, entre as quais áreas em leitos de cheia.
Nos últimos dois anos, 44,4% dos fogos licenciados serão T2 ou menores. Os T0 e T1 são representam 17,2%. No período homólogo anterior as tipologias T2 ou menores atingiam os 36,9% e no período entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020 foi de 36,5%. Já as tipologias de maiores dimensões (T4 e mais) estão a descer em peso. Nos últimos dois anos são 12,7% do total, quando nos dois períodos homólogos anteriores foram de 15% e 14,9%, respectivamente.
Se recuarmos aos últimos dois anos do boom imobiliário do início do século – em 2007 e 2008 licenciaram-se mais de 111 mil fogos –, as casas de grandes dimensões (T4 ou mais) representaram 17,8% do total, enquanto T0 e T1 tiveram um peso de apenas 10%. Se juntarmos os T2, a percentagem sobe para os 36,6%, confirmando-se assim que se está a construir mais apartamentos de menores dimensões.
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O bar Cockpit, na discreta e pouco movimentada Avenida Sacadura Cabral, em Lisboa, está a ser, neste preciso momento, perto da meia-noite desta terça-feira, o cenário escolhido para um encontro não-oficial entre o ministro da Defesa, Nuno Melo, e o almirante Gouveia e Melo, chefe do Estado-Maior da Armada, numa altura em que se mantém, na ordem do dia, a eventual recondução no topo da Marinha do homem que liderou a task force do programa de vacinação contra a covid-19. Ou a sua saída para lançar a campanha para as Presidenciais de 2025.
O encontro, fora do radar oficial e num momento de incremento na tensão na Europa de Leste, aparenta nada ter de protocolar, atendendo até que o ministro evitou, há cerca de duas semanas, falar sobre o ‘destino’ do almirante à frente da Marinha.
O encontro neste espaço de convívio nocturno, numa zona reservada no primeiro piso, teve também outras pecularidades: Gouveia e Melo chegou ao local de táxi, sem aparato e em trajes civis, contrastando com o ministro da Defesa, que abordou o bar em automóvel oficial, acompanhado apenas pelo seu motorista. A chegada foi praticamente simultânea, como o PÁGINA UM confirmou, tendo os dois homens se cumprimentado de forma calorosa, e entraram juntos no bar por volta das 22h47.
Apesar deste encontro informal, o momento surge numa altura em que a relação entre o Governo e o putativo candidato às Presidenciais de 2025 tem sido alvo de especulação, sobretudo após declarações evasivas de Nuno Melo, e também das diversas declarações de Gouveia e Melo, em especial na entrevista à RTP 3 em Setembro passado. A incógnita quanto ao futuro do almirante, que pode vir a receber apoio dos partidos do Governo em caso de candidatura às eleições presidenciais, ocorre num momento em que a liderança militar portuguesa enfrenta desafios crescentes, tanto no reforço da NATO como na modernização das forças navais.
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As intervenções em plenário são apenas uma das partes do trabalho parlamentar, embora a mais visível e mediática. O PÁGINA UM foi analisar quem mais interveio nas diversas sessões de plenário, desde o início da legislatura, a partir de Março até Setembro, e constatou que, apesar de terem menos tempo regulamentar, são os deputados dos pequenos e médios partidos que mais possibilidades têm de exercer o múnus de tribuno. Nos três principais partidos – PSD, PS e Chega –, a estratégia já é diferente. Enquanto nos socialistas e social-democratas, existe uma maior distribuição dos tempos, e há assim poucos tribunos assíduos, no Chega o seu líder (André Ventura) e o presidente do grupo parlamentar (Pedro Pinto) praticamente esgotam a possibilidade de outros brilharem.
Os deputados são considerados actores políticos, na acepção das ciências políticas, mas se o Parlamento, e em particular o plenário, fosse um palco, a ‘artista’ mais requisitada seria, por agora, Inês Sousa Real. Até 20 de Setembro passado, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos registos contabilizados pelos serviços da Assembleia da República, a única representante do PAN é quem mais vezes interveio – 72 –, bastante mais do que os dois deputados que fecham o pódio: Paula Santos (58), líder parlamentar do PCP, e o centrista Paulo Núncio (49). Um pouco mais atrás, surge ainda, ex aequo, com 48 intervenções, outro comunista, António Filipe, e o líder do Chega, André Ventura.
O facto de Inês Sousa Real surgir muitas vezes não signifique que seja a ‘estrela da companhia’, porque os tempos detidos pelo PAN são bastante escassos face aos outros partidos, embora proporcionalmente ao peso político saía com vantagem. Por exemplo, num debate com o primeiro-ministro, o PAN tem apenas dois minutos, quando o PSD e PS podem contar com 11 minutos e 30 segundos. Mas isso faz com que tanto com a deputada única do PAN como com os deputados dos partidos mais pequenos, haja mais espaço para brilharem em comparação com os deputados dos dois principais partidos (PSD e PS), mesmo confrontando as intervenções dos parlamentares de primeira linha.
inês Sousa Real: quase sempre com um ou dois minutos de intervenção, mas a deputada do PAN, por ser única, lidera a lista dos oradores mais assíduos em plenário.
Com efeito, mesmo sem contar com o PAN (uma deputada) e o CDS-PP (dois deputados), os partidos de média dimensão têm tendência a distribuir o ‘trabalho’ das suas intervenções no plenário pelos deputados disponíveis. Mesmo havendo uma maior preponderância de alguns deputados sobre outros, quase sempre é o líder parlamentar que se destaca mais entre os seus pares, embora com excepções.
Por exemplo, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, é, com 40 intervenções, aquele que mais vezes já falou em plenário em nome do seu partido, bem à frente de Mariana Mortágua (25). No Partido Comunista sucede o mesmo: Paula Santos (58 intervenções) destaca-se de António Filipe (48) e Alfredo Maia (16), num grupo que tem contado com um quarto deputado, em parte do tempo pelo líder comunista Paulo Raimundo, que se já procedeu, por diversas vezes, à suspensão temporária do mandato.
No caso do Livre, a líder parlamentar Isabel Mendes Lopes está em perfeita sintonia com Rui Tavares, com quem, aliás, partilham a liderança também deste partido. Ambos contam 41 intervenções em plenário, bem à frente dos outros dois ‘camaradas’: Paulo Muacho (27) e Jorge Pinto (23).
A Iniciativa Liberal acaba, assim, por ser a excepção dos partidos de média dimensão, uma vez que a presidente do grupo parlamentar, Mariana Leitão, conta apenas 18 intervenções, estando assim atrás de Mário Amorim Lopes (31), Carlos Guimarães Pinto e Rui Rocha (19, cada).
Subindo de degrau, para os três maiores partidos, André Ventura, o líder do Chega – que nesta legislatura conta 50 deputados – é, de longe, aquele que mais surgiu a falar no plenário, com 48 intervenções, sendo mesmo o quarto parlamentar de todo o hemiciclo com mais aparições. André Ventura supera bastante o número de ‘aparições’ do líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto (35), havendo apenas mais dois deputados com mais de nove intervenções: Filipe Melo (11) e Rui Afonso (10). Mesmo algumas ‘estrelas da companhia’ de Ventura no Chega têm pouca presença em plenário: Cristina Rodrigues (ex-deputada do PAN) conta nove intervenções, enquanto Rita Matias e Gabriel Mithá Ribeiro têm oito, cada. Este último parlamentar, que ocupa a mesa da Assembleia da República, intervém, geralmente, para apresentar votos de pesar pelo falecimento de diversas personalidades.
São muitos os que se sentam, mas poucos os que falam muitas vezes em plenário. Foto: DR.
Se nos pequenos e médios partidos não se vislumbram deputados com ‘vida parlamentar’ minimalista, no Chega já se evidenciam muitos. Com efeito, mantendo estável o grupo de deputados – não se registou ainda qualquer substituição por suspensão de mandato –, encontra-se um parlamentar do Chega do qual ainda não se ouviu um pio em plenário: Henrique Rocha de Freitas. O antigo deputado social-democrata e secretário de Estado de Paulo Portas no Governo de Durão Barroso (2002-2004), eleito por Portalegre, não fez ainda qualquer intervenção. Em serviços mínimos estão seis deputados, cada um com uma só intervenção em plenário ao longo de cerca de sete meses, havendo ainda 11 com duas intervenções e mais 10 com três intervenções. No total, estes 28 deputados do Chega somam 57 intervenções em plenário, muito menos do que a soma das intervenções de Ventura e Pedro Pinto juntas (83).
Este não é apenas um ‘problema’ do Chega. No caso do PS e do PSD, ambos com grupos parlamentares de 78 deputados, existe também uma grande dispersão de intervenções em plenário, e o número de parlamentares que se sentaram durante esta legislatura no Parlamento sem qualquer intervenção é muito mais significativo. No entanto, sobretudo no caso do PSD, o número de deputados sem voz deve-se ao facto de muitos só se terem sentado fugazmente nas cadeiras do plenário, antes de assumirem funções no Governo, como são os casos do próprio Luís Montenegro, ou ainda dos ministros Miguel Pinto Luz, António Leitão Amaro, Ana Paula Martins e Rita Alarcão Júdice. Na verdade, com ficha de deputados social-democratas nesta legislatura, mesmo se apenas por poucas horas, surgem já 98 nomes.
Em todo o caso, até 20 de Setembro, somente se contam dois deputados do PSD com mais de 30 intervenções em plenário: Aguiar-Branco, muito por via das suas funções de presidente da Assembleia da República, e o líder parlamentar Hugo Soares, com 34. Com mais de nove intervenções contam-se apenas mais quatro sociais-democratas: Jorge Paulo Oliveira (20), António Rodrigues (14) e Hugo Carneiro e João Vale e Azevedo (10 cada).
Deputados com maior número de intervenções em plenário na XVI Legislatura, entre 26 de Março e 20 de Setembro de 2024. Fonte: Assembleia da República.
No caso do Partido Socialista, a lista de deputados também vai bastante longa, por força das substituições, embora haja alguns que ainda não tiveram, ou não quiseram, ou não lhes deram oportunidade de serem oradores no plenário, sendo os nomes mais sonante os de Sérgio Sousa Pinto e dos ex-ministros Fernando Medina, José Luís Carneiro e Manuel Pizarro. Nenhum fez ainda uso da palavra em plenário nesta legislatura. Mas nem o próprio secretário-geral dos socialistas costuma ser orador: Pedro Nuno Santos apenas interveio em plenário por nove vezes, sendo mesmo assim o quarto, ex aequo com Miguel Matos e a ex-ministra Marina Gonçalves. Acima da dezena de intervenções em plenário, na bancada do PS, encontra-se apenas Pedro Delgado Alves (23), a líder parlamentar Alexandra Leitão (14) e Joana Lima (13).
Deste modo, são os partidos com menor representatividade – e com menos tempos para intervir – que acabam por ter tribunos com maior assiduidade. Com efeito, se se colocar como fasquia as 10 intervenções, todos os deputados do PAN, do CDS-PP, do Bloco de Esquerda, da Iniciativa Liberal e do Livre a ultrapassam facilmente. Nos comunistas, três dos quatro deputados ultrapassam-na. Quanto ao Chega, somente três dos 50 deputados são tribunos com mais de 10 intervenções, enquanto no PSD encontram-se quatro e no PS apenas três, sendo que cada um conta com 78 assentos no Parlamento.
Contabilizando os deputados com 20 ou mais intervenções, apenas se encontram 21 nomes, sendo que destes somente André Ventura (Chega, 48), Aguiar-Branco (PSD, 38), Pedro Pinto (Chega, 35), Hugo Soares (PSD, 34), Pedro Delgado Alves (PS, 23) e Jorge Paulo Oliveira (PSD, 20) integram os três maiores partidos, que, no conjunto, ocupam 206 dos 230 assentos parlamentares, ou seja, cerca de 90% do total.
Paula Santos é a líder de um grupo parlamentar com maisa intervenções em plenário.
Se se considerar a relevância das intervenções no seio do respectivo partido, a primeira posição cabe, como seria óbvio, a Inês Sousa Real (por ser deputada única), sendo seguida pelos dois deputados centristas, Paulo Núncio e João Almeida, com 52% e 47%, respectivamente. A soma não chega a 100% porque Nuno Melo ainda interveio uma vez antes da formação do Governo Montenegro. A seguir a estes três deputados, seguem-se dois deputados do PCP (Paula Santos, com 45%, e António Filipe, com 37%), depois dois deputados do Livre (Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes, ambos com 31%), fechando o top 10 um deputado do Bloco de Esquerda (Fabian Figueiredo, com 26%), e um deputado da Iniciativa Liberal (Mário Amorim Lopes, com 23%) e mais um deputado do Livre (Paulo Muacho).
Nos três maiores partidos, apenas André Ventura, líder do Chega, tem relevância significativa no seio da sua bancada (18% do total das intervenções), ocupando a 12ª posição no ranking global, logo atrás de Marisa Matias, do Bloco de Esquerda (que esteve algumas semanas ausente nesta legislatura por motivos de saúde). No caso do PS e do PSD, os tribunos mais assíduos – respectivamente, Pedro Delgado Alves e Hugo Soares (excluindo assim Aguiar-Branco, pelas funções que detém) – têm um peso significativamente menor. Nenhum deles atinge sequer 10% das intervenções dos seus partidos. Em suma, estar num partido pequeno representa uma maior probabilidade de intervir em plenário, o que, consoante os objectivos de cada deputado, pode ser coisa boa, ou má.
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De boas intenções está o inferno cheio. E também com alegadas boas intenções se criam oligopólios ilegais. A Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) achou por bem que poderia montar um sistema de transportes públicos em zonas mais periféricas, bastando distribuir ajustes directos por empresas da região. Só nos últimos dois meses foram assinados oito contratos convenientemente distribuídos por empresas da região, um dos quais de quase quatro milhões de euros. A fundamentação para tantos ajustes directos remete para uma norma que não é sequer aplicável, ou seja, é falsa. A CIM-BSE é uma estrutura criada por 15 autarquias dos distritos da Guarda e Castelo Brranco, sendo presidida pelo social-democrata Luís Tadeu, presidente da Câmara de Gouveia, que, no ano passado, foi condenado por prevaricação a três anos e meio de prisão, com pena suspensa.
A Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela (CIM-BSE) celebrou desde Setembro oito contratos de contratação de transporte rodoviário de passageiros no valor total de mais de 9 milhões de euros (IVA incluído), através de estranhos ajustes directos, em vez de lançar concurso público global ou por lotes. Se se considerar o período de 2024, o número de ajustes directos sobe para 18, envolvendo mais de 11,3 milhões de euros, e beneficiando apenas sete empresas da região, que compartilham o ‘bolo’ num evidente oligopólio. A entidade pública, liderada pelo social-democrata Luís Tadeu, simultaneamente presidente da Câmara Municipal de Gouveia, nem sequer se deu ao trabalho de esclarecer ou comentar o PÁGINA UM sobre estes avultados contratos de ‘mão-beijada’ que colidem com os princípios mais básicos da contratação pública e da transparência e boa gestão dos dinheiros públicos.
Recorde-se que, em Abril do ano passado, Luís Tadeu foi condenado pelo crimes de prevaricação a pena de prisão de três anos e meio, suspensa sob condição do pagamento de 25 mil euros, por causa de parcerias público-privadas com a e empresa MRG. Na altura dos factos, Tadeu era vice-presidente da autarquia então liderada por Álvaro Amaro, também condenado na mesma pena. No processo foram também condenadas outras pessoas, entre as quais Júlio Sarmento, antigo presidente da Câmara de Trancoso, que apanhou uma pena efectiva de sete anos por prevaricação de titular de cargo político, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Este histórico militante social-democrata foi ainda sentenciado a devolver ao Estado 552 mil euros.
Luís Tadeu, presidente da Câmara Municipal de Gouveia e da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Foto: DR.
Pessoa colectiva de direito público de natureza associativa, a CIM-BSE agrega as 15 autarquias dos distritos da Guarda e Castelo Brranco (Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Gouveia, Manteigas, Mêda, Pinhel, Sabugal, Seia e Trancoso), e como tem vindo a suceder na última década têm assumido, mesmo com a regionalização a marcar passo, protagonismo político, com investimentos quase sempre financiados com dinheiros comunitários. Desde 2017, a CIM-BSE já estabeleceu 225 contratos no valor de quase 17,7 milhões de euros, mas no presente ano os gastos têm aumentando consideravelmente.
De acordo com um levantamento no PÁGINA UM, desde Janeiro foram assinados 47 contratos para diversas aquisições de bens e serviços, com os compromissos financeiros a atingirem, sem IVA incluído, quase 10,2 milhões de euros. Globalmente, de entre os 17,7 milhões de euros ‘despachados’ desde 2014, mais de 12,5 milhões de euros (69% do total) foram entregues em 157 ajustes directos. Por concurso público somente foram celebrados 55 contratos envolvendo pouco mais de 2,7 milhões de euros (15% do total).
Desde Setembro, a ‘rotativa’ tem aumentado. Os oito contratos de ‘mão-beijada’ assinados nos últimos dois meses, no âmbito de um projecto de mobilidade entre povoações dos concelhos do CIM-BSE (MobiFlex.BSE), têm a particularidade de incluir três com valores acima de um milhão de euros, que dificilmente terão enquadramento para a escolha ser feita de forma arbitrária e com ajuste directo.
O maior contrato foi assinado com a Transdev Interior, uma empresa de Castro Daire que recentemente incorporou a Caima. Sem pestanejar, a CIM-BSE entregou-lhe um contrato por ajuste directo de 3.213.596,18 euros, sem IVA, incluído. Com esse imposto, aproxima-se dos quatro milhões de euros. No Portal Base surge uma ligação às peças do procedimento, mas o sistema dá erro: ou seja, a ligação é falsa, não se ficando assim, a conhecer o caderno de encargos nem sequer o serviço a executar durante os 12 meses da prestação de serviço. A fundamentação indicada para a escolha pelo ajuste directo também é falsa: refere-se o artigo 11º do Código dos Contratos Públicos, que diz respeito a pormenores sobre o acto público. Mas não é o único contrato este ano.
A Transdev Interior foi a mais beneficiada por uma distribuição suspeita de ajustes directos por empresas da região.
A empresa ‘sacou’ mais dois contratos com o mesmo expediente: o primeiro em Abril, por serviços de 30 dias por quase 260 mil euros; o segundo no mês seguinte, com duração de dois meses, pelo qual arrecadou 410 mil euros. Com IVA, a transportadora já facturou este ano à CIM-BSE quase 4,8 milhões de euros em contratos de ‘mão-beijada’.
A fundamentação errada para a opção por ajustes directos num mercado fortemente concorrencial é extensiva aos restantes contratos. O segundo ajuste directo mais chorudo ficou noutra empresa da região: a Auto Transportes do Fundão. São quase 1,5 milhões de euros por serviços de transporte que não se percebe quais serão, porque as peças do procedimento também não estão disponíveis. A este contrato podem também adicionar-se mais três ajustes directos celebrados este ano: em Junho passado foram dois, que totalizaram cerca de 375 mil euros, e em Setembro ‘caiu’ mais outro por quase 159 mil euros. Em todos os casos a fundamentação para os ajustes directos é falsa.
Num dos contratos de Junho existe um caderno de encargos disponível no Portal Base, ficando-se a saber os percursos de transporte previamente definidos. Cada quilómetro percorrido teve um custo para a CIM-BSE de 2,74 euros por quilómetro, um valor consideravelmente elevado.
A empresa Marques Lda., com sede em Viseu, foi outra das ‘felizes contempladas’ com um ajuste directo milionário: o contrato estipula a entrega de cerca de 1,2 milhões de euros, sem se conseguir saber a tipologia dos serviços a prestar. Também neste caso, não há caderno de encargos disponível. Em Junho, esta empresa já conseguira outro ajuste directo no valor de 222 mil euros.
Em menor valor, a Empresa Berrelhas de Camionagem – originalmente de Penalva do Castelo, mas que mudou a sede para Viseu em 2022 – teve ‘direito’ a um ajuste directo de um pouco mais de 601 mil euros agora em finais de Setembro, mas contentara-se com 75 mil euros de outro ajuste directo em Junho por serviços de três meses.
Sem regionalização, autarcas encontraram nas comunidades intermunicipais um expediente para distribuir contratos públicos por ajuste directo.
Além destas quatro empresas, a empresa Viúva Monteiro & Irmão, com sede no concelho do Sabugal, não tem motivos para ‘chorar’, porque também teve direito a dois ajustes directos: em Setembro, no valor de 396 mil euros, e em Junho, no valor de 103 mil euros. Com menores direitos a ‘comer do bolo público’, sem o incómodo da livre concorrência e transparência, encontram-se ainda mais duas empresas no sector dos transportes, também da região: a Lopes & Filhos, com sede em Figueira de Castelo Rodrigo – com dois contratos no valor total de 194 mil euros – e a União do Sátão & Aguiar da Beira, com sede no Sátão, que ficou com dois contratos de apenas 160 mil euros.
Saliente-se que o ajuste directo, uma medida que permite a contratação sem concurso público, destina-se geralmente a casos excepcionais, como situações de emergência ou quando o fornecimento dos serviços envolve pequenos montantes ou existem direitos especiais. No entanto, no sector de transportes, a concorrência é forte, e existem empresas que poderiam estar interessadas em exercer essa actividade em novos mercados a preços mais competitivos e benéficos para os clientes.
Estes novos contratos de transporte estarão associados ao programa de transporte flexível MobiFlex.BSE, promovido pela CIM-BSE. Este programa, que visa proporcionar uma solução de mobilidade ajustada às necessidades das populações mais isoladas, começou a ser implementado em Seia e no Fundão. Criado para complementar o transporte público regular, o MobiFlex.BSE é uma solução de transporte flexível que permite aos cidadãos marcar viagens com antecedência, operando em dias específicos e ligando localidades mais periféricas aos centros de concelho.
Exemplo de um dos serviços de transporte pagos por ajuste directo pela Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela.
No concelho de Seia, por exemplo, o programa integra circuitos experimentais, como Sabugueiro – Seia e Vide-Cabeça-Loriga, que se destinam a colmatar a falta de transporte regular e garantir mobilidade inclusiva. O serviço é assegurado por táxis, e o sistema de reservas é feito através de uma linha telefónica gratuita, com os preços dos bilhetes variando entre os 3,65 e os 1,65 euros, numa tabela tarifária semelhante à do transporte público convencional.
O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões à presidência da CIM-BSE, mas Luís Tadeu nem sequer respondeu. Em todo o caso, a acta de uma reunião desta entidade, no passado dia 10 de Setembro, revela um ‘truque’ usado para justificar os chorudos ajustes directos: a CIM-BSE estará a manifestar avanços para vir a lançar um concurso público internacional para estes serviços de transporte – tendo sido aprovadas as peças do procedimento –, mas logo no ponto seguinte foi votado um parecer de Agosto no sentido de ser não se avançar por um concurso público por lotes. E, em seguida, de imediato, passou-se então a análise, discussão e votação para se avançar para os ajustes directos milionários. Tudo aprovado por unanimidade.
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As declarações de índole política de Gouveia e Melo na sua entrevista à RTP3, onde opinou mesmo sobre as causas do atraso no desenvolvimento económico de Portugal, são susceptíveis da abertura de um processo disciplinar automático e secreto por parte do Estado-Maior das Forças Armadas por violação do dever de isenção. Na entrevista do passado dia 4 de Setembro, o actual chefe do Estado-Maior da Armada compareceu fardado e com todas as insígnias e, além de ter dissertado sobre o seu tabu − a candidatura à presidência da República − fez considerações políticas sobre o estado do país. A maior evidência de se ter tratado de uma entrevista de índole política está no impacto que as declarações de Gouveia e Melo tiveram nos meandros da política e também na comunicação social.
O almirante Gouveia e Melo, actual chefe do Estado-Maior da Armada, violou o dever de isenção na sequência de uma entrevista de carácter político concedida à RTP3 no passado dia 4, numa altura em que se discutem possíveis candidaturas à Presidência da República. De acordo com a Lei da Defesa Nacional, apesar de um militar ter direito à liberdade de expressão, estão-lhe vedadas opiniões políticas, mesmo se apartidárias, quer pela Constituição da República Portuguesa quer pelo Regulamento de Disciplina Militar, um diploma de 2009.
O dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, “não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. Ora, num contexto de posicionamento de putativos candidatos, em que o seu nome surge sistematicamente em sondagens, Gouveia e Melo concedeu uma longa entrevista televisiva, fardado e com todas as insígnias militares, onde dissertou sobre o seu tabu em redor de uma candidatura às Presidenciais de 2025, expondo também considerações políticas e sugerindo até que o perfil de alguém com experiência militar será o mais indicado para o futuro do país. Gouveia e Melo ‘colou-se’ mesmo ao General Ramalho Eanes, Presidente da República entre 1976 e 1986, por ter sido também militar. Recorde-se que, durante o Estado Novo, a Presidência da República foi também ocupada por militares que não deixaram saudades: Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás.
No início desta entrevista de cariz político, onde o único tema não-político se centrou por breves minutos na intervenção da Autoridade Marítima na recuperação dos corpos dos bombeiros vítimas de um acidente com um helicóptero no rio Douro, o jornalista Vítor Gonçalves apresentou Gouveia e Melo como “militar de carreira, almirante” e actual “chefe do Estado-Maior da Armada, mandato que termina no final do ano”. Ainda na apresentação do entrevistado, o jornalista acrescentou que aquilo “que vai acontecer depois [do mandato] é uma incógnita, no entanto o seu nome tem sido apontado como candidato presidencial e as sondagens indicam que está bem colocado se decidir avançar”.
O chefe do Estado-Maior da Armada na entrevista à RTP3, à qual compareceu fardado e em representação das funções que desempenha na hierarquia militar. (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)
Nesta entrevista, Gouveia e Melo nunca recusou vir a ser candidato, mas foi sempre alimentando um tabu cada vez menos escondido, salientando que avançaria se sentisse que a sua “candidatura à Presidência seria útil ao país”. O actual chefe do Estado-Maior da Armada criticou também aqueles que o tentavam condicionar. Questionado sobre se o actual contexto de incerteza e guerras poderia favorecer um candidato militar, o almirante, estando fardado, respondeu: “sem me pôr no meu papel militar, no meu papel de Gouveia e Melo, falando como uma pessoa normal, como cidadão, acho que os contextos influenciam muito as situações; este contexto de uma guerra e incerteza geoestratégica e de alguma violência, […] de certeza que vai pesar nas circunstâncias futuras em quaisquer eleições”. Gouveia e Melo disse ainda que “o último militar na Presidência foi Ramalho Eanes, a quem a população tem de estar agradecida”.
Pelo meio, partilhou diversas opiniões políticas, como: “temos que saber aproveitar, em termos geopolíticos, a nossa posição; não é só a Europa, é também o Atlântico; não é só o Atlântico, é também a Europa e o Norte de África”. Gouveia e Melo também dissertou, embora sem profundidade, sobre o que considera serem os maiores problemas do país, argumentando que “o maior desafio [de Portugal] é a produtividade da nossa Economia”. E manifestou até ser um adepto das políticas dos países nórdicos. Partilhando uma visão populista, Gouveia e Melo afirmou ainda que “devemos criar riqueza e a criação de riqueza deve beneficiar aqueles que são os motores dessa riqueza, mas também devemos distribuir a riqueza pela sociedade porque uma sociedade desequilibrada é o fim dessa própria sociedade, criamos extremismos e pobreza”.
Além de tudo isto, Gouveia e Melo chegou a revelar aspectos operacionais sensíveis relacionados com a Armada no decurso da invasão russa da Ucrânia, alegando terem já existido “momentos de tensão com navios russos que foram resolvidos com bom senso”. E detalhou que, “só o ano passado, tivemos que fazer 43 missões de seguimento e acompanhamento desses navios militares” e que “este ano, já superámos esse número”.
(Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)
Estas revelações também infringem gravemente normas legais. A Lei da Defesa Nacional salienta que “os militares na efectividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados”.
Saliente-se que a Constituição da República Portuguesa estipula que “as Forças Armadas [e por extensão os militares] estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.
O dever de isenção política está ainda plasmado no Regulamento da Disciplina Militar, onde se explicita que “o dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. A violação deste regulamento implica obrigatoriamente a abertura de um processo disciplinar que, no caso de Gouveia e Melo, será José Nunes da Fonseca, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Com efeito, o regulamento disciplinar destaca que “o processo disciplinar é obrigatória e imediatamente instaurado, por decisão dos superiores hierárquicos, quando estes tenham conhecimento de factos que possam implicar a responsabilidade disciplinar dos seus subordinados, devendo do facto ser imediatamente notificado o arguido”.
(Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)
Em todo o caso, por agora não se mostra legalmente possível saber se José Nunes Fonseca cumpriu este preceito legal, porque “o processo disciplinar é de natureza secreta até à notificação da acusação“, sendo proibida a divulgação de peças procedimentais. Em todo o caso, dado o impacto mediático e político da entrevista, será tecnicamente impossível que o general que comanda as Forças Armadas alegue, no futuro, que não tomou conhecimento das declarações deste mês de Gouveia e Melo.
A entrevista do líder da Marinha teve amplo eco mediático, com diversos órgãos de comunicação social a destacar as suas declarações e a possível candidatura do chefe de Estado-Maior da Armada a Belém. Ao volume de notícias juntou-se ainda um coro de comentadores a amplificar as palavras de Gouveia e Melo e posicionando-o como candidato à Presidência da República.
No caso de comentadores, as declarações políticas de Gouveia e Melo foram destacadas, por exemplo, no programa Soundbite, no jornal Público, do dia 5 de Setembro, na crónica de João Pereira Coutinho, no dia 7 de Setembro, no Correio da Manhã, e como ‘nota de rodapé’ da última crónica de Dinis de Abreu, no Observador. Mas a entrevista também teve impacto nos meandros da política, com políticos, nomeadamente Pedro Santana Lopes, a comentar a possível candidatura de Gouveia e Melo à Presidência.
De acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM – e pela interpretação de obras sobre esta matéria escritas por constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda, – as intervenções de Gouveia e Melo são, de facto, susceptíveis de abertura automática e secreta de um processo disciplinar. Para José Melo Alexandrino, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “no contexto em que foram proferidas, tais declarações, por serem essencialmente políticas, e, mais do que isso, por se referirem a potenciais projectos políticos do entrevistado, constituem clara ofensa aos deveres de apoliticidade e de neutralidade a que os militares estão sujeitos, por força da Constituição e da lei”.
Fazendo uso da sua farda, o almirante admitiu que pode vir a ser candidato à Presidência da República e as suas declarações tiveram um forte impacto mediático e político. (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)
Apesar de não ter assistido à entrevista, este reputado constitucionalista e especialista em Direito Comparado diz bastar “a leitura da dezena de notícias dos dias seguintes e das opiniões” de comentadores para concluir, “sem margem para grandes dúvidas” que Gouveia e Melo violou gravemente a lei.
José Melo Alexandrino também considera, aliás, que no cerne desta entrevista não está “num problema de liberdade de expressão dos militares, direito fundamental cujo âmbito foi adequadamente alargado na revisão da Lei de Defesa Nacional em 2009”, mas sim os limites decorrentes da “reserva própria do estatuto da condição militar”, como expressamente determina a Lei da Defesa Nacional.
O professor de Direito salienta ainda que, “dentro dessa esfera da reserva da condição militar, se encontra precisamente o dever fundamental especial, inscrito na Constituição, segundo o qual ‘os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.
Assim, “à luz das notícias e das opiniões já divulgadas na opinião pública, está mais do que demonstrado que algumas das declarações feitas nessa entrevista ofenderam de forma grave e manifesta o dever de neutralidade e de ‘apoliticidade’ inerente ao estatuto da condição militar, dever como tal concretizado nas diversas leis militares”.
Para este jurista, há que ter em consideração não só o contexto pré-eleitoral em que a entrevista foi concedida e as declarações políticas que foram proferidas, como também o forte impacto mediático que causou, com comentadores políticos a destacar as palavras do almirante. Além disso, Gouveia e Melo proferiu as considerações políticas usando farda e estando a representar o cargo que ocupa na hierarquia militar.
Estes posicionamento segue em linha com a de outros constitucionalistas José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira que já defenderam, obra “Constituição da República Portuguesa Anotada“, publicada em 2007. que “o princípio da imparcialidade e neutralidade política política − que, em parte, integra já o princípio do apartidarismo − é mais extenso do que este, pois ele impõe , além do apartidarismo, também a apoliticidade dos militares, enquanto tais”. E citam também a Constituição, a qual explicita que um militar não pode aproveitar-se “da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção política”, acrescentando que cabem, “nesta interdição, todos os actos típicos de intervenção militar na política, desde as simples tomadas de posição políticas de um chefe militar, até, bem entendido, aos actos insurrecionais”.
A entrevista do chefe do Estado-Maior da Armada teve um forte impacto mediático e político.
Por seu lado, Jorge Miranda, outro reputado constitucionalista, considerou também já numa obra anotada sobre a Constituição da República, publicada há quatro anos, que “a proibição de intervenções políticas (…) dirige-se, em primeiro lugar, aos representantes institucionais das Forças Armadas − os Chefes de Estado-Maior”, defendendo que “não podem estes , nem qualquer militar, assumir posição política ou, muito menos, político-partidária”.
Nessa obra, Jorge Miranda esclarece ainda que a definição de “serviço do povo português” significa “o reconhecimento da legitimidade inerente ao Estado de Direito democrático (…), com obediência aos órgãos de soberania (…) baseados nesta legitimidade − os únicos aos quais cabe decretar a legislação e o orçamento militares e definir as missões que, em concreto, em cada momento, as Forças Armadas podem ser chamadas a cumprir, nos termos da Constituição”.
Contudo, em contraciclo, Jorge Pereira da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, considera que as declarações do almirante podem ser abrangidas no conceito de liberdade de expressão, citando o artigo 270º da Constituição da República e o artigo 28º da Lei da Defesa Nacional.
Apesar de não ter ouvido a entrevista, Pereira da Silva salientou ao PÁGINA UM que “se as declarações de Gouveia e Melo tivessem resultado em consequências materiais”, nomeadamente agitação social ou algum tipo de tumulto, haveria, nesse caso, violação de deveres, porque iriam para além do direito à liberdade de expressão.
(Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)
Para este professor, pode haver ataques a Gouveia e Melo, nomeadamente acusando-o de violação de deveres, por parte de pessoas de esquerda, que não vejam com bons olhos a possível eleição para a Presidência de um “candidato popular e populista, de origem militar”. Mas considera que a melhor resposta não será tentar silenciar Gouveia e Melo, mas sim “responder-lhe no espaço público e mediático”.
Na entrevista, Gouveia e Melo − que liderou a operação de distribuição logística das vacinas contra a covid-19 − insurgiu-se, aliás, por existirem sectores de o quererem “condicionar”, defendendo o direito a ser um cidadão livre e de ser candidato a Belém, se o desejar, quando terminar o actual mandato como chefe do Estado-Maior da Armada no próximo dia 27 de Dezembro. “Estou é decidido a ser um cidadão livre, depois de sair das minhas funções; e que ninguém me venha tentar condicionar essa liberdade porque aí, sim, ficarei aborrecido, como é evidente, porque acho que nós não devemos ser condicionados das nossas liberdades garantidas por lei”. Esta opinião de Gouveia e Melo contrasta, contudo, com as suas posições durante a pandemia, quando as liberdades e garantias definidas pela lei constitucional foram violadas e condicionadas.
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O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, presidiu a fundação que gere o campus da Nova SBE, em Carcavelos, e ‘esqueceu-se’ que, para manter o estatuto de utilidade pública concedido pelo Governo socialista em finais de 2020, teria de enviar os relatórios de contas e das actividades. Não o fez em 2023, em relação ao ano de 2022, e não deixou nada preparado para se enviarem a tempo os documentos respeitantes ao ano passado. Resultado: pela Lei-Quadro, a Fundação Alfredo de Sousa cometeu uma “violação reiterada” dos deveres susceptível de perder o estatuto de utilidade pública durante pelo menos cinco anos e a devolver os benefícios fiscais já obtidos. Mas para se aplicar a máxima ‘dura lex, sed lex’ será necessário que o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros se mexa. O PÁGINA UM fez a pergunta a Paulo Lopes Marcelo. Do outro lado, o silêncio num assunto sobre o qual o ministro Pinto Luz, o presidente da Nova SBE e o reitor da Universidade Nova de Lisboa também nada dizem. Talvez na esperança de saírem de um vergonhoso imbróglio sem ninguém os envergonhar. Ou responsabilizar.
A Fundação Alfredo de Sousa, a entidade gestora do Campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) está em risco de perder o estatuto de utilidade pública concedida em Outubro de 2020. Em causa está a violação considerada “reiterada” da respectiva Lei-Quadro por parte da instituição que até Março foi presidida por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas e Habitação. O actual governante, em representação da autarquia de Cascais, foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa desde 2017 e a liderou a partir de Abril de 2021, até ao convite de Luís Montenegro para integrar o seu Governo.
De acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.
Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.
Ora, conforme o PÁGINA UM revelou no passado dia 8, a Fundação Alfredo de Sousa não aprovou sequer ainda as contas de 2021 – que era da responsabilidade máxima da administração presidida Miguel Pinto Luz –, e passados quase oito meses de 2024 também não estão aprovadas as relativas ao exercício de 2023, o que constitui, de forma clara, motivo de revogação do estatuto de utilidade pública. Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Se tal suceder, prevê a legislação, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderá requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.
Porém, para que essa sanção seja aplicada – que pode também resultar até na restituição dos benefícios entretanto obtidos pela Fundação Alfredo de Sousa, até por estar em falta desde que obteve o estatuto em finais de 2020 –, será necessário que a SGPCM tome a iniciativa. Com efeito, na prática, cabe ao actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, determinar a realização de inquéritos, sindicâncias, inspeções e auditorias às entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública. E como são evidentes as violações – dois anos com atraso na apresentação obrigatória de relatórios –, a Lei-Quadro não deixa grande escapatória, a não ser política, à revogação do estatuto de utilidade pública do Fundação Alfredo de Sousa, com todas as consequências que daí advêm por estar associada a uma universidade pública e sobretudo por ter tido Miguel Pinto Luz a liderá-la durante dois anos.
Paulo Lopes Marcelo, actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: terá coragem de aplicar a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública contra uma fundação presidida até este ano pelo ministro das Infraestruturas?
O PÁGINA UM colocou questões ao secretário de Estado Paulo Lopes Marcelo sobre esta matéria, mas não obteve resposta, somando-se assim aos comprometedores silêncios de todos responsáveis directa e indirectamente envolvidos na gestão da Fundação Alfredo de Sousa. Recorde-se que, para a edição anterior do PÁGINA UM, tinham sido pedidos esclarecimentos e informações a Miguel Pinto Luz, ao actual presidente da Nova SBE, Paulo Oliveira, e ao reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, que se demitiu no início deste ano da presidência do Conselho de Curadores da fundação, que necessita de dar um parecer para que as contas sejam depois aprovadas.
Aliás, na aparência, a Fundação Alfredo de Sousa, com apenas dois funcionários, está à deriva, porque Miguel Pinto Luz ainda nem sequer foi substituído e a sua renúncia nem sequer está formalmente registada, o que não surpreende porque a sua nomeação em Abril de 2021 somente surge registada em Março de 2024. Por outro lado, além da renúncia de João Sàágua ao Conselho de Curadores, o presidente da Nova SBE nunca se mostrou interessado em assumir um cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa, ao contrário do seu antecessor, Daniel Traça, um dos ‘pais’ do Campus de Carcavelos.
Mostra-se patente, aliás, que o modelo de gestão da Nova SBE, através de uma fundação – que, além da autarquia de Cascais e da Universidade Nova de Lisboa, conta com a participação do Banco Santander, da Jerónimo Martins e da Arica – está estruturalmente deficitário, o que não abona a favor de uma faculdade prestigiada internacionalmente na área da Economia e Finanças. Depois da inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, as receitas da Fundação Alfredo de Sousa, provenientes da renda e aluguer dos espaços que construiu, nunca foram suficientes, até porque era ‘obrigada’ a desviar parte dos donativos para a própria Nova SBE, o que também levanta dúvidas de legalidade.
Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.
O PÁGINA UM, conforme revelou na edição anterior, teve acesso às contas ainda não aprovadas de 2022 e 2023 da Fundação Alfredo de Sousa – apenas assinadas por cinco dos oito administradores, e ainda sem parecer do Conselho de Curadores –, que mostram prejuízos acumulados de quase 7,9 milhões de euros e um elevado endividamento, com o passivo total superior a 31 milhões de euros, dos quais mais de 13 milhões são empréstimos bancários ao Banco Europeu do Investimento e ao Banco Santander.
Mais preocupante ainda, por se tratar de uma fundação com um património sobretudo assente nos edifícios do Campus de Carcavelos, é a ‘pressão’ financeira causada pelas depreciações, que no ano passado atingiram os 2,8 milhões de euros, que se aproximam dos 3,3 milhões de euros de rendas e alugueres. Para agravar o cenário futuro, as expectativas em redor de donativos não são muito risonhas. Neste ano, os doadores ainda assumem entregas próxima de 3,2 milhões de euros, mas esse valor será de metade (1,6 milhões) em 2025. Para 2030, somente há garantia, por agora, de receber 150 mil euros.
N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.
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Com o nome oficial de Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a marca Nova SBE tem atravessado fronteiras pela excelência do ensino e investigação. Porém, nesta ‘casa de economistas’ optou-se por uma estratégia pouco ortodoxa, que espantaria um merceeiro, a partir de uma fundação mista (pública e privada) com vista à construção e gestão do campus de Carcavelos. Resultado, em menos de uma década, a Fundação Alfredo de Sousa soma prejuízos de quase 9 milhões de euros, fluxos financeiros absurdos, um vazio de liderança e os relatórios e contas de 2022 e 2023 sem estarem aprovados, quando já se está na segunda metade de 2024. Neste caso, uma ‘herança’ deixada por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas, que foi presidente (CEO) da fundação entre 2021 e início deste ano, mas que ocupava já um cargo de administrador desde 2017. João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, também renunciou à presidência do Conselho de Curadores. Ninguém quis esclarecer ou comentar as trapalhadas detectadas pelo PÁGINA UM.
Em casa de ferreiro, se o forjador for adepto de Frei Tomás – aquele frade que bem pregava o que fazer, mas que não fazia –, só de pau se espera um espeto. Já da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – ou mais propriamente da fundação que gere desde 2018 o campus de Carcavelos –, uma das mais conceituadas escolas superiores públicas nacionais e internacionais de Economia e Finanças, poder-se-ia imaginar, num cenário tenebroso, que, enfim, nos fossem apresentadas ‘contas de merceeiro’. Porém, nem isso sucede, porque, em abono da verdade, e do rigor, estando o relógio universal a começar a segunda semana de Agosto de 2024, as contas dos exercícios de 2022 e 2023 ainda nem foram sequer aprovadas.
Nesses anos, essa tal fundação – baptizada Alfredo de Sousa, em homenagem ao primeiro reitor da UNL – foi presidida por Miguel Pinto Luz, então vice-presidente da autarquia de Cascais e agora ministro das Infraestruturas e Habitação. Pinto Luz ocupou o cargo de administrador desta entidade pelo menos desde 2017, assistindo assim ao acumular de prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Porém, embora este seja o ‘problema’ mais sonante, muitos mais acumula o modelo de negócio gizado há cerca de uma década para gerir as modernas instalações da Nova SBE. E surgem mesmo indicadores sobre uma ‘dissolução’ desta Fundação, que serviu sobretudo para acelerar a construção do campus sem passar pelas ‘burocracias’ do Código dos Contratos Públicos.
Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.
Criada em Dezembro de 2015, a Fundação Alfredo de Sousa teve como fundadores empresas privadas, nomeadamente o Banco Santander – que prometia entrar com donativos para o fundo patrimonial de 6,3 milhões de euros, mas que tem sobretudo ganho bom dinheiro com juros de empréstimos –, a Jerónimo Martins – que avançou com 5 milhões de euros – e a Sindcom (actual Arica, da família Soares dos Santos, que disponibilizou um milhão de euros –, bem como pequenas participações da própria Nova SBE (10 mil euros), e da autarquia de Cascais (162.400 euros). Neste último caso, a ‘comparticipação’ do município foi em espécie, sob a forma de cedência por 50 anos dos terrenos para a instalação do campus universitário defronte ao mar. Esse valor, por força de um processo judicial relacionado com o baixo valor da expropriação daqueles terrenos, acabaria por implicar um reforço da ‘participação’ da Câmara Municipal de Cascais, uma vez que se viu ‘obrigada’ a revalorizar os terrenos para cerca de 9,7 milhões de euros.
Independentemente desta questiúncula, o projecto de construção do campus da Nova SBE em Carcavelos avançou rapidamente, até porque a Fundação Alfredo de Sousa não tinha de cumprir as normas do Código dos Contratos Públicos. As obras de maior monta foram directamente entregues às construtoras Alves Ribeiro e HCI. Inicialmente, o projecto entusiasmou muitos mecenas, que, com ou sem interesses futuros, foram sendo generosos em donativos. Só em 2016, a Fundação recebeu doações de mais de 2,5 milhões de euros para aplicar na construção do campus.
Em Setembro do ano seguinte, o projecto, que tinha uma estimativa inicial de custos da ordem dos 50 milhões de euros, levaria mais um ‘balão de oxigénio’ com um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 16 milhões de euros. A cerimónia de assinatura desse contrato contou mesmo com a presença do então comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, e do vice-presidente do BEI, Román Escolano. A sintonia entre o director da Nova SBE, Daniel Traça, do então presidente da Fundação Alfredo de Sousa, Pedro Santa Clara, e do presidente da autarquia de Cascais, Carlos Carreiras, era evidente: todos remavam no mesmo sentido.
Banco Europeu de Investimento e Santander foram as instituições bancárias, que a par de doadores, permitiram a construção do campus de Carcavelos em moldes poucos usuais.
Mas nem só de empréstimos do BEI e de donativos foi vivendo a Fundação. Em 2017 teve duas importantes ‘injecções’: um financiamento de 12,5 milhões de euros do Santander – que, só por aí, pelos juros a receber, beneficiou de ser um fundador – e um adiantamento de quase 9,9 milhões de euros por parte da Nova SBE relativo a um contrato de promessa de compra e venda da fracção do campus. Nesse ano de 2017, os donativos atingiram cerca de 1,3 milhões de euros. Por via do empréstimo, o Santander ficou com a hipoteca dos direitos de cedência do terrenos camarários. Saliente-se que, neste período, o presidente (dean) da Nova SBE era Daniel Traça, que a partir de 2018 acumulou com as funções de administrador do Santander.
Já com Miguel Pinto Luz na administração da Fundação, como vogal, o campus de Carcavelos teve inauguração com ‘festa rija’ e presença de Marcelo Rebelo de Sousa. E à boa moda portuguesa acabou por custar 63 milhões de euros, mais 13 milhões do que inicialmente previsto, entre construção (55 milhões), tecnologias de informação (5,2 milhões) e mobiliário e painéis fotovoltaicos (2,6 milhões). Mas como foi ano de inauguração, a derrapagem foi compensada com quase 18,5 milhões de euros em donativos do mundo corporativo e de antigos alunos.
Mas depois da festa, começaram a vir as receitas. Mas poucas, ou pelo menos poucas em comparações com os custos e outros gastos. Sem meios humanos e know-how para fazer autonomamente a gestão do campus – que passaria a ser a sua única receita, porque as propinas dos alunos mantiveram-se na Nova SBE –, a Fundação Alfredo de Sousa concessionou grande parte dos espaços do ‘seu’ campus a empresas privadas, recebendo também rendas da própria Nova SBE. Nesse ano, esta instituição sem fins lucrativos – ou seja, não distribui dividendos se tiver lucros – obteve receitas da ordem dos 1,5 milhões de euros, mas isso mais do que se esfumou em fornecimentos externos e em depreciações. Resultado: no seu primeiro ano de actividade operacional, a Fundação aumentou mais 635 mil euros os prejuízos.
Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.
Apesar de ter ficado estabelecido a reformulação do modelo de governo do campus de Carcavelos, aparentemente tudo ficou na mesma, o que significa que 2019, o primeiro ano completo de gestão por parte da Fundação, acabou no vermelho: prejuízo de quase 1,8 milhões de receitas, porque os rendimentos não chegaram aos 3,6 milhões de euros, sobretudo por via de rendas, mas com os fornecimentos e serviços externos (2,7 milhões de euros), as depreciações (1,9 milhões de euros) e os juros (mais de 950 mil euros) a pesarem muito negativamente nas contas.
Um ‘merceeiro’ diria logo que isto se mostrava insustentável, mas pouco ou nada se mudou no ano seguinte. Na verdade, só piorou, por causa da pandemia, embora o então presidente do Conselho de Curadores da Fundação Alfredo de Sousa, João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, se mostrasse optimista e orgulhoso dos resultados da Nova SBE nos rankings da especialidade. E também do reconhecimento do estatuto de utilidade pública pelo Governo, o que implicava, a partir daí, vantagens fiscais, mas também obrigações de transparência, a começar com a divulgação pública das contas.
E as contas de 2020 ainda foram divulgadas. Então com Nuno Fernandes Thomaz a presidir – que viria a falecer no ano seguinte – e ainda com Miguel Pinto Luz como vogal, a Fundação, que já não andava com contas saudáveis, acabou por ter a ‘obrigação’ de conceder donativos à própria Nova SBE. Nesse ano atingiram cerca de 1,65 milhões de euros. Mesmo com os custos dos serviços externos a diminuírem significativamente por força dos lockdowns e demais restrições da pandemia, as contas da Fundação em 2020 derraparam mais uma vez: prejuízo de cerca de 1,95 milhões de euros.
Espaço exterior do campus de Carcavelos. (Foto: D.R.)
Em Maio de 2021, Miguel Pinto Luz assumiria a presidência (CEO) da Fundação, e foi mais do mesmo. Ou seja, mais prejuízos: cerca de 1,3 milhões de euros, mantendo-se o passivo em nível bastante elevado (quase 39 milhões de euros). Nesse ano, a Fundação doou cerca de um milhão de euros à Nova SBE, o que se mostra absurdo numa instituição sem fins lucrativos, que nem sequer podem distribuir ‘dividendos’ quando der lucro, mas que, neste estranho modelo, pode doar dinheiro a um fundador minoritário quando tem prejuízos acumulados. Aliás, o absurdo é ainda mais sabendo-se que a Nova SBE é, na verdade, formalmente a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, que é fundação pública com regime de direito privado.
Depois de 2021, deixou então de haver relatórios e contas, contrariando a lei das entidades de utilidade pública. O PÁGINA UM solicitou na segunda-feira passada o acesso às contas de 2022 e 2023 da instituição – que, formalmente, tem apenas dois empregados, mas conta nove administradores, sem remuneração fixa –, quer à própria Fundação Alfredo de Sousa quer à Nova SBE. Na terça-feira à tarde, fonte oficial da Nova SBE remeteu os dois relatórios de 2022 e 2023, ambos datados de Abril deste ano, mas ainda sem todas as assinaturas de todos os administradores, o que constitui condição para aprovação. E, aparentemente, sem o necessário parecer prévio do Conselho de Curadores, que foi presidido pelo reitor da UNL, João Sàágua, mas que se demitiu desse cargo em Fevereiro deste ano, sem se conhecer a causa. E sem haver substituto conhecido.
De igual modo, actualmente existe um vazio na própria liderança da Fundação Alfredo de Sousa, após a entrada de Miguel Pinto Luz no Governo Montenegro em Abril passado. Os relatórios não formalmente aprovados de 2022 e 2023 já não têm sequer o nome do actual ministro das Infraestruturas. Contudo, pelo menos, o primeiro destes relatórios, referente a 2022, deveria ser por si assumido, bem como a falha pela sua não-aprovação em devido tempo, ou seja, na primeira metade de 2023.
Daniel Traça, antigo presidente da Nova SBE, foi o grande impulsionador do modelo de gestão assumido pela Fundação Alfredo de Sousa para o campus de Carcavelos, que acabou por ser um bom negócio para o Santander, instituição bancária onde exerce as funções de administrador . (Foto: D.R.)
Na análise desses relatórios (não aprovados), mostra-se que os prejuízos continuaram, embora tenham passado de 867 mil euros em 2022 para apenas 8.587 euros no ano passado, muito por via da revogação de despesas anteriormente assumidas pela Fundação na realização de mestrados, que transitaram para a Nova SBE, sem se saber se foi ‘decisão’ pacífica. No relatório não aprovado de 2023 faz-se referência a um “novo modelo de governo entre a Nova SBE e a Fundação Alfredo de Sousa, tendo sido constituído ao abrigo do mesmo um Conselho Consultivo entre as duas instituições”.
De qualquer modo, além da actual situação financeira da Fundação Alfredo de Sousa ser pouco saudável, com prejuízos acumulados de 8,7 milhões de euros e um passivo de 31 milhões de euros – nada elogiosa para uma universidade que se coloca na elite das escolas das ciências económicas a nível mundial –, acresce o vazio da sua liderança, sem presidente (CEO) do Conselho de Administração desde Abril, e o aparente desinteresse tanto da Nova SBE como da ‘casa-mãe’, a UNL.
Com efeito, além da renúncia de João Sàágua do Conselho de Curadores – que tem um papel de orientação relevante na estratégia da instituição –, o actual presidente da Nova SBE, Pedro Oliveira, nunca quis, ao contrário do seu antecessor (Daniel Traça), assumir qualquer lugar na administração da Fundação Alfredo de Sousa.
Desinteresse evidente, e aí generalizado, abrangeu todos os responsáveis associados às matérias aqui expostas pelo PÁGINA UM. Apesar de ter, mesmo sem presidente, oito membros do Conselho de Administração em funções, ninguém da Fundação Alfredo de Sousa quis prestar esclarecimentos. De igual modo, alegando fonte oficial o decurso do período de férias, ninguém da Nova SBE se mostrou disponível. Em todo o caso, o actual dean desta instituição universitária, Pedro Oliveira, esteve esta segunda-feira na rádio Observador numa longa entrevista sobre inteligência artificial,
Pedro Oliveira, actual presidente da Nova SBE, nem sequer ocupa, por opção, o cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa.
Por sua vez, não houve também resposta do gabinete do reitor da UNL aos pedidos de comentário do PÁGINA UM, ficando-se assim sem saber os motivos para João Sàágua nem sequer mostrar curiosidade em saber qual a estratégia futura da fundação gestora do campus de Carcavelos, uma vez que saiu do Conselho de Curadores. Da parte de Miguel Pinto Luz, que foi sempre o ‘operacional’ da autarquia de Cascais na Fundação Alfredo de Sousa – e é o responsável máximo pelos atrasos da aprovação das contas de 2022 e 2023 –, veio o silêncio.
Saliente-se que, apesar de existir a referência à renúncia deste governante nos relatórios ainda não aprovados, o nome do actual ministro das Infraestruturas ainda consta na lista dos beneficiários efectivos da Fundação Alfredo de Sousa, não havendo também qualquer informação da sua renúncia ao cargo nos registos dos actos societários e de outras entidades, consultados pelo PÁGINA UM.
N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.
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