Categoria: Política

  • Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Com o nome oficial de Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a marca Nova SBE tem atravessado fronteiras pela excelência do ensino e investigação. Porém, nesta ‘casa de economistas’ optou-se por uma estratégia pouco ortodoxa, que espantaria um merceeiro, a partir de uma fundação mista (pública e privada) com vista à construção e gestão do campus de Carcavelos. Resultado, em menos de uma década, a Fundação Alfredo de Sousa soma prejuízos de quase 9 milhões de euros, fluxos financeiros absurdos, um vazio de liderança e os relatórios e contas de 2022 e 2023 sem estarem aprovados, quando já se está na segunda metade de 2024. Neste caso, uma ‘herança’ deixada por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas, que foi presidente (CEO) da fundação entre 2021 e início deste ano, mas que ocupava já um cargo de administrador desde 2017. João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, também renunciou à presidência do Conselho de Curadores. Ninguém quis esclarecer ou comentar as trapalhadas detectadas pelo PÁGINA UM.


    Em casa de ferreiro, se o forjador for adepto de Frei Tomás – aquele frade que bem pregava o que fazer, mas que não fazia –, só de pau se espera um espeto. Já da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – ou mais propriamente da fundação que gere desde 2018 o campus de Carcavelos –, uma das mais conceituadas escolas superiores públicas nacionais e internacionais de Economia e Finanças, poder-se-ia imaginar, num cenário tenebroso, que, enfim, nos fossem apresentadas ‘contas de merceeiro’. Porém, nem isso sucede, porque, em abono da verdade, e do rigor, estando o relógio universal a começar a segunda semana de Agosto de 2024, as contas dos exercícios de 2022 e 2023 ainda nem foram sequer aprovadas.

    Nesses anos, essa tal fundação – baptizada Alfredo de Sousa, em homenagem ao primeiro reitor da UNL – foi presidida por Miguel Pinto Luz, então vice-presidente da autarquia de Cascais e agora ministro das Infraestruturas e Habitação. Pinto Luz ocupou o cargo de administrador desta entidade pelo menos desde 2017, assistindo assim ao acumular de prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Porém, embora este seja o ‘problema’ mais sonante, muitos mais acumula o modelo de negócio gizado há cerca de uma década para gerir as modernas instalações da Nova SBE. E surgem mesmo indicadores sobre uma ‘dissolução’ desta Fundação, que serviu sobretudo para acelerar a construção do campus sem passar pelas ‘burocracias’ do Código dos Contratos Públicos.

    Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

    Criada em Dezembro de 2015, a Fundação Alfredo de Sousa teve como fundadores empresas privadas, nomeadamente o Banco Santander – que prometia entrar com donativos para o fundo patrimonial de 6,3 milhões de euros, mas que tem sobretudo ganho bom dinheiro com juros de empréstimos –, a Jerónimo Martins – que avançou com 5 milhões de euros – e a Sindcom (actual Arica, da família Soares dos Santos, que disponibilizou um milhão de euros –, bem como pequenas participações da própria Nova SBE (10 mil euros), e da autarquia de Cascais (162.400 euros). Neste último caso, a ‘comparticipação’ do município foi em espécie, sob a forma de cedência por 50 anos dos terrenos para a instalação do campus universitário defronte ao mar. Esse valor, por força de um processo judicial relacionado com o baixo valor da expropriação daqueles terrenos, acabaria por implicar um reforço da ‘participação’ da Câmara Municipal de Cascais, uma vez que se viu ‘obrigada’ a revalorizar os terrenos para cerca de 9,7 milhões de euros.

    Independentemente desta questiúncula, o projecto de construção do campus da Nova SBE em Carcavelos avançou rapidamente, até porque a Fundação Alfredo de Sousa não tinha de cumprir as normas do Código dos Contratos Públicos. As obras de maior monta foram directamente entregues às construtoras Alves Ribeiro e HCI. Inicialmente, o projecto entusiasmou muitos mecenas, que, com ou sem interesses futuros, foram sendo generosos em donativos. Só em 2016, a Fundação recebeu doações de mais de 2,5 milhões de euros para aplicar na construção do campus.

    Em Setembro do ano seguinte, o projecto, que tinha uma estimativa inicial de custos da ordem dos 50 milhões de euros, levaria mais um ‘balão de oxigénio’ com um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 16 milhões de euros. A cerimónia de assinatura desse contrato contou mesmo com a presença do então comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, e do vice-presidente do BEI, Román Escolano. A sintonia entre o director da Nova SBE, Daniel Traça, do então presidente da Fundação Alfredo de Sousa, Pedro Santa Clara, e do presidente da autarquia de Cascais, Carlos Carreiras, era evidente: todos remavam no mesmo sentido.

    Banco Europeu de Investimento e Santander foram as instituições bancárias, que a par de doadores, permitiram a construção do campus de Carcavelos em moldes poucos usuais.

    Mas nem só de empréstimos do BEI e de donativos foi vivendo a Fundação. Em 2017 teve duas importantes ‘injecções’: um financiamento de 12,5 milhões de euros do Santander – que, só por aí, pelos juros a receber, beneficiou de ser um fundador – e um adiantamento de quase 9,9 milhões de euros por parte da Nova SBE relativo a um contrato de promessa de compra e venda da fracção do campus. Nesse ano de 2017, os donativos atingiram cerca de 1,3 milhões de euros. Por via do empréstimo, o Santander ficou com a hipoteca dos direitos de cedência do terrenos camarários. Saliente-se que, neste período, o presidente (dean) da Nova SBE era Daniel Traça, que a partir de 2018 acumulou com as funções de administrador do Santander.

    Já com Miguel Pinto Luz na administração da Fundação, como vogal, o campus de Carcavelos teve inauguração com ‘festa rija’ e presença de Marcelo Rebelo de Sousa. E à boa moda portuguesa acabou por custar 63 milhões de euros, mais 13 milhões do que inicialmente previsto, entre construção (55 milhões), tecnologias de informação (5,2 milhões) e mobiliário e painéis fotovoltaicos (2,6 milhões). Mas como foi ano de inauguração, a derrapagem foi compensada com quase 18,5 milhões de euros em donativos do mundo corporativo e de antigos alunos.

    Mas depois da festa, começaram a vir as receitas. Mas poucas, ou pelo menos poucas em comparações com os custos e outros gastos. Sem meios humanos e know-how para fazer autonomamente a gestão do campus – que passaria a ser a sua única receita, porque as propinas dos alunos mantiveram-se na Nova SBE –, a Fundação Alfredo de Sousa concessionou grande parte dos espaços do ‘seu’ campus a empresas privadas, recebendo também rendas da própria Nova SBE. Nesse ano, esta instituição sem fins lucrativos – ou seja, não distribui dividendos se tiver lucros – obteve receitas da ordem dos 1,5 milhões de euros, mas isso mais do que se esfumou em fornecimentos externos e em depreciações. Resultado: no seu primeiro ano de actividade operacional, a Fundação aumentou mais 635 mil euros os prejuízos.

    Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.

    Apesar de ter ficado estabelecido a reformulação do modelo de governo do campus de Carcavelos, aparentemente tudo ficou na mesma, o que significa que 2019, o primeiro ano completo de gestão por parte da Fundação, acabou no vermelho: prejuízo de quase 1,8 milhões de receitas, porque os rendimentos não chegaram aos 3,6 milhões de euros, sobretudo por via de rendas, mas com os fornecimentos e serviços externos (2,7 milhões de euros), as depreciações (1,9 milhões de euros) e os juros (mais de 950 mil euros) a pesarem muito negativamente nas contas.

    Um ‘merceeiro’ diria logo que isto se mostrava insustentável, mas pouco ou nada se mudou no ano seguinte. Na verdade, só piorou, por causa da pandemia, embora o então presidente do Conselho de Curadores da Fundação Alfredo de Sousa, João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, se mostrasse optimista e orgulhoso dos resultados da Nova SBE nos rankings da especialidade. E também do reconhecimento do estatuto de utilidade pública pelo Governo, o que implicava, a partir daí, vantagens fiscais, mas também obrigações de transparência, a começar com a divulgação pública das contas.

    E as contas de 2020 ainda foram divulgadas. Então com Nuno Fernandes Thomaz a presidir – que viria a falecer no ano seguinte – e ainda com Miguel Pinto Luz como vogal, a Fundação, que já não andava com contas saudáveis, acabou por ter a ‘obrigação’ de conceder donativos à própria Nova SBE. Nesse ano atingiram cerca de 1,65 milhões de euros. Mesmo com os custos dos serviços externos a diminuírem significativamente por força dos lockdowns e demais restrições da pandemia, as contas da Fundação em 2020 derraparam mais uma vez: prejuízo de cerca de 1,95 milhões de euros.

    Espaço exterior do campus de Carcavelos. (Foto: D.R.)

    Em Maio de 2021, Miguel Pinto Luz assumiria a presidência (CEO) da Fundação, e foi mais do mesmo. Ou seja, mais prejuízos: cerca de 1,3 milhões de euros, mantendo-se o passivo em nível bastante elevado (quase 39 milhões de euros). Nesse ano, a Fundação doou cerca de um milhão de euros à Nova SBE, o que se mostra absurdo numa instituição sem fins lucrativos, que nem sequer podem distribuir ‘dividendos’ quando der lucro, mas que, neste estranho modelo, pode doar dinheiro a um fundador minoritário quando tem prejuízos acumulados. Aliás, o absurdo é ainda mais sabendo-se que a Nova SBE é, na verdade, formalmente a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, que é fundação pública
    com regime de direito privado.

    Depois de 2021, deixou então de haver relatórios e contas, contrariando a lei das entidades de utilidade pública. O PÁGINA UM solicitou na segunda-feira passada o acesso às contas de 2022 e 2023 da instituição – que, formalmente, tem apenas dois empregados, mas conta nove administradores, sem remuneração fixa –, quer à própria Fundação Alfredo de Sousa quer à Nova SBE. Na terça-feira à tarde, fonte oficial da Nova SBE remeteu os dois relatórios de 2022 e 2023, ambos datados de Abril deste ano, mas ainda sem todas as assinaturas de todos os administradores, o que constitui condição para aprovação. E, aparentemente, sem o necessário parecer prévio do Conselho de Curadores, que foi presidido pelo reitor da UNL, João Sàágua, mas que se demitiu desse cargo em Fevereiro deste ano, sem se conhecer a causa. E sem haver substituto conhecido.

    De igual modo, actualmente existe um vazio na própria liderança da Fundação Alfredo de Sousa, após a entrada de Miguel Pinto Luz no Governo Montenegro em Abril passado. Os relatórios não formalmente aprovados de 2022 e 2023 já não têm sequer o nome do actual ministro das Infraestruturas. Contudo, pelo menos, o primeiro destes relatórios, referente a 2022, deveria ser por si assumido, bem como a falha pela sua não-aprovação em devido tempo, ou seja, na primeira metade de 2023.

    Daniel Traça, antigo presidente da Nova SBE, foi o grande impulsionador do modelo de gestão assumido pela Fundação Alfredo de Sousa para o campus de Carcavelos, que acabou por ser um bom negócio para o Santander, instituição bancária onde exerce as funções de administrador . (Foto: D.R.)

    Na análise desses relatórios (não aprovados), mostra-se que os prejuízos continuaram, embora tenham passado de 867 mil euros em 2022 para apenas 8.587 euros no ano passado, muito por via da revogação de despesas anteriormente assumidas pela Fundação na realização de mestrados, que transitaram para a Nova SBE, sem se saber se foi ‘decisão’ pacífica. No relatório não aprovado de 2023 faz-se referência a um “novo modelo de governo entre a Nova SBE e a Fundação Alfredo de Sousa, tendo sido constituído ao abrigo do mesmo um Conselho Consultivo entre as duas instituições”.

    De qualquer modo, além da actual situação financeira da Fundação Alfredo de Sousa ser pouco saudável, com prejuízos acumulados de 8,7 milhões de euros e um passivo de 31 milhões de euros – nada elogiosa para uma universidade que se coloca na elite das escolas das ciências económicas a nível mundial –, acresce o vazio da sua liderança, sem presidente (CEO) do Conselho de Administração desde Abril, e o aparente desinteresse tanto da Nova SBE como da ‘casa-mãe’, a UNL.

    Com efeito, além da renúncia de João Sàágua do Conselho de Curadores – que tem um papel de orientação relevante na estratégia da instituição –, o actual presidente da Nova SBE, Pedro Oliveira, nunca quis, ao contrário do seu antecessor (Daniel Traça), assumir qualquer lugar na administração da Fundação Alfredo de Sousa.

    Desinteresse evidente, e aí generalizado, abrangeu todos os responsáveis associados às matérias aqui expostas pelo PÁGINA UM. Apesar de ter, mesmo sem presidente, oito membros do Conselho de Administração em funções, ninguém da Fundação Alfredo de Sousa quis prestar esclarecimentos. De igual modo, alegando fonte oficial o decurso do período de férias, ninguém da Nova SBE se mostrou disponível. Em todo o caso, o actual dean desta instituição universitária, Pedro Oliveira, esteve esta segunda-feira na rádio Observador numa longa entrevista sobre inteligência artificial,

    Pedro Oliveira, actual presidente da Nova SBE, nem sequer ocupa, por opção, o cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa.

    Por sua vez, não houve também resposta do gabinete do reitor da UNL aos pedidos de comentário do PÁGINA UM, ficando-se assim sem saber os motivos para João Sàágua nem sequer mostrar curiosidade em saber qual a estratégia futura da fundação gestora do campus de Carcavelos, uma vez que saiu do Conselho de Curadores. Da parte de Miguel Pinto Luz, que foi sempre o ‘operacional’ da autarquia de Cascais na Fundação Alfredo de Sousa – e é o responsável máximo pelos atrasos da aprovação das contas de 2022 e 2023 –, veio o silêncio.

    Saliente-se que, apesar de existir a referência à renúncia deste governante nos relatórios ainda não aprovados, o nome do actual ministro das Infraestruturas ainda consta na lista dos beneficiários efectivos da Fundação Alfredo de Sousa, não havendo também qualquer informação da sua renúncia ao cargo nos registos dos actos societários e de outras entidades, consultados pelo PÁGINA UM.

    N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.


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  • Empresa de Durão Barroso movimentou meio milhão para trazer Clube de Bilderberg para Lisboa

    Empresa de Durão Barroso movimentou meio milhão para trazer Clube de Bilderberg para Lisboa

    A selecta e semi-secreta reunião anual do Clube de Bilderberg teve Lisboa como palco em 2023, sob a batuta de Durão Barroso. Apesar de o site do Bilderberg Meetings afirmar que cada um dos participantes custeou as deslocações e alojamento, certo é que foi criada em 2022 uma empresa, com um capital social de 20 euros, por Durão Barroso e o seu antigo ‘fiel ministro’ José Luís Arnaut, que movimentou em dois anos quase meio milhão de euros para organizar o evento. Para suportar os encargos da Bild – Encontro Internacional 2023 Lda., cerca de 150 mil euros vieram de donativos e um pouco mais de 360 mil pela prestação de (ignotos) serviços, uma vez que a empresa não tem empregados, estando sedeada no escritório da sociedade de advogados de Arnaut.


    Trazer para Lisboa a reunião no ano passado do Clube de Bilderberg custou quase meio milhão de euros à empresa criada especificamente para organizar o evento, que tem como sócios Durão Barroso e José Luís Arnaut.

    Criada em 2022, a empresa Bild – Encontro Internacional 2023 Lda. apresentou as contas anuais no final do ano passado, e ficou assim finalmente a saber-se os custos totais de trazer cerca de 130 líderes políticos e empresariais ao Hotel Pestana entre os dias 18 e 21 de Maio do ano passado para discutir, entre outros assuntos mais ou menos secretos, a inteligência artificial, o sistema bancário, a transição energética, a guerra russo-ucraniana e a liderança norte-americana.

    Os encontros do Clube de Bilderberg ‘têm alimentando, desde 1954, as mais diversas teorias, e até já foram mais secretas – e também selectas –, arrastando uma aura de mistério e conspiração. Oficialmente, as reuniões anuais – este ano foram em Madrid – servem apenas para debater assuntos de interesse global. No seu site, o Bilderberg Meetings afiança que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

    Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política. Sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

    Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional no ano passado – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira). No entanto, este ano, além de Durão Barroso e Duarte Moreira, só houve mais uma presença portuguesa: Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica.

    Também oficialmente, os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

    Hotel Pestana, em Lisboa, local da reunião do Clube de Bilderberg em Maio do ano passado.

    Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

    Contudo, nas contas dos dois exercícios anuis da empresa Bild – que tem duas quotas de apenas 10 euros dos sócios Barroso e Arnaut – fica-se a saber que foram contabilizados, como vendas ou prestações de serviços, um total de 361.800 euros, havendo ainda rendimentos suplementares de 152.664 euros, que poderão ter sido sob a forma de donativos. Ou seja, no total, a empresa do antigo primeiro-ministro português e ex-presidente da Comissão Europeia teve um ‘bolo financeiro’ de mais de 514 mil euros. Não o gastou todo, mas quase.

    Analisando os dois exercícios, incluindo o do ano da realização do evento – cujas contas foram depositadas no final da semana passada –, a Bld teve gastos da ordem dos 476 mil euros, para pagamentos de fornecedores e serviços externos, não sendo identificado nas demonstrações financeiras a quem se dirigiu. Em todo o caso, não incluirá, a atender à informação do Bilderberg Meetings, os custos de viagem e acomodação nem tão-pouco ao pagamento de salários.

    Com efeito, a Bild não refere qualquer empregado e a própria sede é a da sociedade de advogados de Arnaut, a CSM Rui Pena & Arnaut, na selecta Rua Castilho, em Lisboa.

    Depois do encontro de Maio, a empresa, que terminou o ano de 2023 com um pequeno prejuízo de 25 mil euros, não foi dissolvida nem existem indicação para tal, até porque isso poderia fazer perder um activo de cerca de 27 mil euros respeitante a impostos diferidos.

    O documento consultado pelo PÁGINA UM da Informação Empresarial Simplificada (IES) não adianta também muito sobre o futuro da empresa. Embora não aponte para a sua dissolução, surge um trecho algo anacrónico se se considerar que se trata de contas de 2023. Ou talvez não, se se considerar que Durão Barroso é, actualmente, o  presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance.

    José Luís Arnaut

    Com efeito, os dois sócios, além de destacarem não terem impostos em atraso, recordam que “tendo por base a reavaliação da situação epidemiológica no país, o Governo português em 13 de janeiro de 2021, a exemplo de outros Estados, determinou um conjunto de medidas extraordinárias que têm por objectivo limitar a propagação da pandemia e proteger a saúde pública, que se consubstanciam numa restrição significativa da circulação de pessoas que conduzirá a uma forte retração da economia”, acrescentando que “como consequência desta situação, a economia revela atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis” E concluem assim que, “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa [Bild], estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.”

    Tendo em consideração que, no ano passado, José Luís Arnaut não respondeu a pedidos de esclarecimento adicionais, o PÁGINA UM considerou não ser necessário solicitar novos comentários, ademais atendendo que esta notícia se baseia sobretudo em factos contabilísticos.


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  • Governo paga salários milionários a consultores da Ernst & Young

    Governo paga salários milionários a consultores da Ernst & Young

    Uma das mais conhecidas consultoras internacionais, a Ernst & Young – ou simplesmente EY – tem muitos motivos para sorrir, e mais ainda para rir: está a facturar como nunca em contratos com entidades públicas. No primeiro semestre de 2024, a ‘máquina registadora’ já superou mais de 4 milhões de euros em contratos públicos, quase tanto quanto todo o ano passado. O trabalho tem estado agora concentrado sobretudo na gestão de projectos associados ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), como é o caso do ajuste directo assinado anteontem com o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN). Através de um ‘estratagema’ que ainda tem de ser validado pelo Tribunal de Contas, a EY vai receber de ‘mão-beijada’, em apenas quatro meses, um total de 350 mil euros por prestação de serviços, o que resulta num ‘salário’ médio por consultor a tempo inteiro de 16 mil euros por mês. As relações políticas com esta consultora vêm de longe, mas consolidaram-se com o actual Governo: o próprio ministro da Economia, Pedro Reis, nem se importou este mês de participar num vídeo institucional da própria EY.


    O Governo contratou por ajuste directo, através do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), a consultora Ernst & Young (EY) para controlar e monitorizar um dos programas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que visa promover a transição digital na componente de justiça económica e ambiente de negócios. O ajuste directo, no montante total (com IVA) de 350.697,60 euros, tem uma vigência de apenas quatro meses, servindo para pagamento a quatro consultores a tempo inteiro e a dois consultores seniores a 75% do tempo – ou seja, dará um pagamento médio mensal por consultor de quase 16 mil euros.

    Para um ajuste directo de montante tão elevado – e que necessita ainda de visto do Tribunal de Contas –, o IRN usou um dos mais estapafúrdios esquemas para contornar um concurso público, que implicaria concorrência indesejável à EY e a formação de um preço justo: a urgência imperiosa. Com efeito, de acordo com o contrato assinado anteontem, fundamentou-se o ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, neste caso pelo INR, e simultaneamente por não ser possível cumprir os prazos inerentes aos demais procedimentos. Mas isso também só pode ser invocado se as circunstâncias “não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    O ministro Pedro Reis ao lado de Rosália Amorim, directora de marketing da EY, este mês, num evento na sede da consultora. Foto: EY (Facebook)

    Ora, não apenas o PRR já há muito está em fase de implementação, mas longe de estar concluído, como, no caso concreto da principal tarefa agora a desenvolver pelos consultores da EY – “controlo e monitorização, em articulação com o IRN, I.P., do programa da componente C18 [relativo à] Justiça Económica e Ambiente de Negócios no âmbito do PRR e dos projetos associados” –, as actividades estavam já concretamente previstas desde Fevereiro de 2021, ou seja, há mais de três anos. Por outro lado, teria de ser provado que a entidade pública não teria capacidade, com os seus meios humanos, de executar as tarefas.

    Além de apoios à transição digital nos tribunais e nos processos de recuperação de créditos, recuperação de empresas e de insolvência, também desde 2021 estavam previstas intervenções no âmbito do PRR nas área do IRN, designadamente o desenvolvimento do sistema de informação Empresa 2-0, uma nova plataforma englobando a criação, gestão e encerramento de empresas, e o e-Residency, destinada a empresas estrangeira que tenham o propósito de estabelecer sede em Portugal. A plataforma Empresa 2.0 até já teve a sua primeira versão lançada há mais de um ano, em Maio de 2023.

    De acordo com o caderno de encargos deste ajuste directo, a EY vai fazer basicamente trabalho que, em princípio, poderia ser desenvolvido por técnicos próprios da Administração Pública, o que permitiria não apenas poupanças ao erário público mas também evitaria a transferência de informação para uma consultora que trabalha sobretudo para o sector privado. Com efeito, de entre as tarefas dos seis consultores – ou ‘cinco e meio’, uma vez que os seniores estarão a 75% do tempo efectivo – está a conceção ou revisão da metodologia de gestão, acompanhamento e controlo de programas e projetos no IRN, assim como a implementação e utilização de ferramentas ou aplicações informáticas associadas a essa função, bem como a elaboração de diversos relatórios.

    Evolução dos montantes (em euros) dos contratos públicos da EY desde 2009 por data de celebração. Valores de 2024 dizem respeito aos contratos já publicitados até 26 de Junho. Fonte: Portal Base.

    Existem também tarefas bastante ambíguas no caderno de encargos – ou mesmo ‘esotéricas’ por não terem um significado concreto – como seja “promover uma dinâmica de permanente colaboração e interação entre as diversas unidades orgânicas do IRN, I.P., com os restantes organismos do Ministério da Justiça e eventualmente de outras entidades envolvidas no âmbito da execução do PRR”.

    Noutros casos, aparentemente, os consultores da EY serão ‘espiões’, uma vez que ficam responsáveis pelo “desenho dos fluxos de processos, mapeamento das jornadas dos utilizadores (cidadãos e trabalhadores do IRN) e a especificações funcionais e desenho da experiência associados aos processos transversais aos diferentes ciclos de vida, designadamente Gestão de Utilizadores, Reporting, Notificações e Agendamentos, entre outros, essenciais para dotarem as equipas de desenvolvimento de Sistemas”.

    A facilidade com que as empresas de consultadoria ‘entram’ na acção administrativa e governativa causou recentemente uma pequena celeuma política quando o Ministério da Saúde contratou uma consultora para a auxiliar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde, tendo o PÁGINA UM revelado que a IQVIA estabelecera 54 contratos durante os Governos Costa.

    No caso da EY, o ano de 2024 tem sido de ouro, com muito euro da Administração Pública à mistura. Até este mês, e apenas para os contratos já publicados até hoje no Portal Base a EY já garantiu de entidades públicas contratos no valor de 4,1 milhões de euros, destacando-se o contrato de quase 2,7 milhões de euros (neste caso ganho em concurso público) celebrado com o Instituto de Informática para aquisição de serviços de implementação e subscrição SAAS para a Plataforma Integrada de Gestão do Risco. Note-se que 14 dos 21 contratos obtidos pela EY foram de ‘mão-beijada’, incluindo mesmo um que teve como objectivo o “apoio à realização da ‘Avaliação do Risco de Fraude e Medidas Antifraude Eficazes e Proporcionais’ no âmbito dos projetos de financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”, o que se mostra, no mínimo irónico e absurdo.

    O desempenho da EY tem-se reforçado com o actual Governo, contando já com 12 contratos, e ainda recentemente o ministro da Economia, Pedro Reis, participou no evento e disponibilizou-se mesmo para gravar um vídeo institucional para a consultora. O primeiro semestre deste ano perspectiva assim uma facturação com a Administração Pública bem superior ao ano passado. Nos 12 meses de 2023 cifrou-se nos 4,6 milhões de euros. Este valor já suplantava qualquer um dos anos anteriores. Antes de 2018, a facturação da EY em contratos com a Administração Pública não chegava ao patamar anual de um milhão de euros.

    Em simultâneo ao ‘assalto aos contratos públicos’ sem haver sequer questionamento público, a EY tem apostado fortemente em parcerias com os principais grupos de media, como tem sucedido com o Expresso e o Jornal Económico – onde, aliás, a ex-directora do Diário de Notícias e TSF e actual directora de marketing desta consultora, Rosália Amorim, é colunista, apesar de não se identificar como funcionária da EY.


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  • Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    Jantar da Presidência: 54 mil euros deu para alguns encherem ‘a barriga de Camões’

    No célebre poema Cena do Ódio, escrito de um jorro em 1915, Almada Negreiros vociferava: “E inda há quem faça propaganda disto: a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões”. Exageros de vate à parte, até por os versos seguintes fazerem referências pouco abonatórias, e injustas, à beleza das mulheres portuguesas, na verdade nem todos enchem “a barriga de Camões”; mas quem a enche, enche-a bem. Eis uma história exemplar de um repasto escondido (e irregular) no Dia de Portugal e de Camões, que custou quase 54 mil euros à Presidência da República, na coimbrã Quinta das Lágrimas, ligada à família da ministra da Justiça, Rita Júdice, e que está numa situação financeira de ‘ir às lágrimas’. Está em falência técnica.


    No âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no início deste mês a Presidência da República destacava que teriam lugar em Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Coimbra e em Genebra, Berna e Zurique, na Suíça. No caso da cidade do Mondego, a nota salientava que, acompanhado por Luís Montenegro, Marcelo Rebelo de Sousa visitaria a Biblioteca Joanina e presidiria à Cerimónia Evocativa dos 500 anos de Camões, que se realizou na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, “terminando o dia com um espectáculo musical no Páteo das Escolas”.  

    No próprio dia 10 de Junho, a Presidência da República divulgava, em destaque o cerimonial na Universidade de Coimbra, que demorou uma hora e meia, profusamente fotografado, e também o concerto nocturno “Eram tudo memórias de alegria”, no Pátio das Escolas. Mas nada se referiu nem se fotografou nas horas de intervalo entre o cerimonial e o tal concerto. E não foi por ter sido período particularmente desagradável, pelo contrário.

    Hoje, o Portal Base revela o que se passou entre esses dois momentos: um jantar de gala na Quinta das Lágrimas, um local ligado a Camões – por ser o poeta que eternizou a fonte ligada aos amores de Pedro e Inês –, mas também à actual ministra da Justiça, por via da família Júdice, que gere a empresa que beneficiou do ajuste directo no valor de 53.924,93 euros.

    De acordo com Portal Base, o contrato foi adjudicado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no passado dia 29 de Maio por ajuste directo, alegando-se uma norma do Código dos Contratos Público que não poderia ser invocada, porque apenas se aplica a contratos de valor inferior a 20 mil euros, sendo que o contrato ficou próximo dos 54 mil euros. No limite, a Presidência da República teria sempre pelo menos de fazer uma consulta prévia a pelo menos três entidades, tendo em conta que tal já se pode aplicar quando os contratos são inferiores, como foi o caso, a 75 mil euros.

    Não se sabe também, até pela ausência de fotografias, quantos convidados estiveram presentes, uma vez que não houve sequer contrato escrito, justificando-se essa ausência, impedindo assim o estabelecimento de um preço unitário, com recurso a mais uma norma de excepção que prescinde desse acto de transparência se a aquisição de serviços se fizer no prazo máximo de 20 dias e for de imediato consumido.

    Jantar ‘oferecido’ na Quinta das Lágrimas foi exclusivo para académicos, políticos e diplomatas presentes nas efeméride do Dia do Camões.

    A única informação oficial é a breve descrição do objecto do contrato: “Jantar de abertura das comemorações dos 500 Anos de Camões oferecido por SEXA PR ao Corpo Diplomático e entidades académicas da Universidade de Coimbra – Catering, palamenta, iluminação, som e estruturas”.

    Saliente-se que a empresa Quinta das Lágrimas, fundada nos anos 90 por José Miguel Júdice, deixou de ser familiar, estando agora sob controlo (60%) pela Oxy Capital, uma sociedade gestora detida por Miguel Callé Lucas, que também tem participações na imprensa regional, surgindo mesmo como director-adjunto do Diário de Leiria. No entanto, o administrador-delegado continua a ser Miguel Júdice, filho de Luís Miguel Júdice e irmão da ministra da Justiça, Rita Júdice, que há pouco mais de uma década chegou a ser administradora da Quinta das Lágrimas.

    A empresa Quinta das Lágrimas já viveu, aliás, tempos muito mais bonançosos, que teve o seu auge no início do século quando chegou a ter o seu restaurante Arcadas com uma estrela Michelin. Embora ainda não tenha apresentado contas referentes ao ano passado, os prejuízos de 2022, superiores a 423 mil euros, apenas contribuíram para agravar uma situação financeira desesperante.

    Mesmo escolhida para um ajuste directo irregular pela Presidência da República, a empresa da Quinta das Lágrimas está em falência técnica.

    A empresa manteve-se em falência técnica, já com um capital próprio negativo em 2022 a superar os 3,8 milhões de euros, apresentando um passivo de 18,1 milhões de euros. Grande parte deste montante, cerca de 14 milhões de euros, era financiamento bancário, o que torna o seu futuro praticamente insustentável. Em 2022, quando as taxas ainda estavam baixas, a empresa teve de desembolsar mais de 347 mil euros em juros.

    O jantar da Presidência da República, por isso, não vai, em abono da verdade, salvar a situação financeira da Quinta das Lágrimas que, pela análise das demonstrações financeiras, é quase de ‘ir às lágrimas’.


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  • União Europeia debate regulação polémica sobre vigilância automática de mensagens

    União Europeia debate regulação polémica sobre vigilância automática de mensagens

    Com o objectivo de combater a partilha de conteúdos relativos a abuso e exploração sexual de menores, o Conselho Europeu iria decidir esta quinta-feira se dava o aval à nova legislação proposta pela Comissão von der Leyen. Mas a proposta acabou por ser retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. A iniciativa tem, intrinsecamente, objectivos nobres, mas também um ‘senão’ que causa polémica: abre a porta ao fim da privacidade das comunicações online dos europeus – que existe e é protegida constitucionalmente nas comunicações analógicas (como as cartas) – e põe em causa a protecção de dados, incluindo nas aplicações de encriptação. Os críticos da legislação alertam que a nova regulação acabará por ser eventualmente usada para instalar um mecanismo de vigilância em massa similar ao que sucede na China. Também alertam que as alterações criarão uma vulnerabilidade explorável por piratas informáticos ou por países hostis para roubar dados, incluindo segredos de Estado. Empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, como a Signal, já sinalizaram que abandonarão o mercado europeu se a legislação vir a luz do dia.


    O Conselho Europeu tinha agendada para esta quinta-feira, dia 20 de Junho, a análise de uma proposta de nova legislação comunitária que visa combater a partilha de conteúdos relacionados com abuso sexual de menores por meios digitais. Mas a proposta foi retirada da ordem de trabalhos de hoje à última hora. Apesar da bondade da nova regulação – conhecida por ‘Chat Control 2.0’–, a proposta está a receber críticas por ser um ‘cavalo de Tróia’ que implicará a vigilância em massa, sem prévia autorização judicial, de todo os europeus e não apenas dos criminosos e pedófilos.

    Além disso, a ser aprovada esta legislação, que sob a forma de directiva terá de ser transposta a legislação de todos os países comunitários, pode ainda aumentar os riscos de roubos de dados e ataques de piratas informáticos ou uso da vulnerabilidade criada por parte de países hostis, afectando mesmo segredos de Estado. Por outro, a possibilidade de aceder a qualquer tipo de mensagens digitais de qualquer pessoa coloca em causa aspectos de privacidade e colide mesmo, pelo menos no caso português, com o Código Penal.

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    Com efeito, o artigo 194º do Código Penal português, sobre os crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, prevê que “quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido, ou tomar conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias”. E, em seguida, salienta que “na mesma pena incorre quem, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicação ou dele tomar conhecimento”.

    A nova regulação comunitária, a ser aprovada, abrange todo o tipo de comunicações, incluindo fotografias e mensagens privadas trocadas através de aplicações. Uma reunião dos ministros do Interior dos países comunitários já teve lugar na quinta-feira da semana passada para debater o tema e a Presidência do Conselho Europeu já anunciou que amanhã haverá amanhã uma proposta actualizada na reunião com representantes dos Governos dos Estados-membro.

    Recorde-se que a proposta inicial da Comissão Europeia foi apresentada em 2022 e já sofreu diversas alterações para amenizar as preocupações em torno da invasão de privacidade, mas, aparentemente, não conseguiu eliminar os receios sobre o fim absoluto da privacidade digital na União Europeia. As principais empresas que operam plataformas de mensagens encriptadas, nomeadamente a norte-americana Signal e suíça Threema, ameaçam deixar de operar no espaço europeu se a nova regulação entrar em vigor.

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    Caso seja aprovadas, as novas regras substituirão o chamado ‘Chat Control 1.0‘, aprovado em 2021 – – que já permitia às plataformas digitais vigiarem comunicações dos seus utilizadores para detectar e combater o abuso sexual de menores no espaço digital. Mas a proposta conhecida aponta para a implementação de pesquisas automáticas a todas as pessoas, independentemente de qualquer suspeita, bem como a rastreio de ‘chats’ privados em busca de conteúdos ilegais. Esta pesquisa generalizadas implicará, na prática, o fim absoluto do segredo de qualquer partilha de mensagens, de fotografias e de conteúdos, incluindo em plataformas com encriptação ponta-a-ponta. É certo que qualquer utilizador de uma plataforma pode recusar este controlo, chamado ‘upload moderation’, das suas conversas privadas, mas nesse caso ficará impedido de enviar ou receber imagens, vídeos e ligações para páginas na Internet (URLs).

    Além de plataformas de mensagens, também outros críticos da proposta fizeram alertas sobre a violação de privacidade e de direitos fundamentais e sobre o facto de que a nova regulação choca com legislação em vigor no espaço europeu. Cerca de cinco dezenas de políticos de países europeus, incluindo da Alemanha, da Áustria e do Luxemburgo, de partidos que vão dos Verdes ao Volt, publicaram uma carta dirigida aos respectivos governos a pedir que recusassem a proposta.

    Em comunicado divulgado anteontem, a presidente da Signal, Meredith Whittaker, foi taxativa sobre esta intenção da Comissão Europeia, destacando que “obrigar que se vigie em massa as comunicações prejudica, fundamentalmente a encriptação”, independentemente do modelo, criticando também os jogos de semântica. “Podemos chamar-lhe um ‘backdoor’, uma porta da frente ou ‘upload moderation’, mas seja o que for que lhe chamemos, cada uma destas abordagens cria uma vulnerabilidade a ser explorada por hackers e países hostis, removendo a protecção e colocando em seu lugar uma vulnerabilidade de alto valor”, argumentou a líder desta plataforma lançada por uma fundação norte-americana em 2018 e que conta com 40 milhões de utilizadores a nível mundial, acrescentando que, ao contrário do que têm defendido muitos políticos, a “criptografia de ponta-a-ponta protege todos e consagra a segurança e privacidade”.

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    Edward Snowden, que denunciou o programa ilegal de vigilância da agência norte-americana NSA, classificou a proposta “uma medida terrível de vigilância em massa”. (Foto: D.R.)

    Por sua vez, Will Cathcart, director do Whatsapp, detido pela Meta, também deixou um aviso sobre o risco de um ‘scan’ das mensagens dos utilizadores acabar com a encriptação. “Pelas mesmas razões de antes, a análise de mensagens de pessoas como a União Europeia está a propor elimina a encriptação. É vigilância e é um caminho perigoso”, afirmou numa publicação na rede X.

    Também Edward Snowden – o conhecido ex-analista da CIA que denunciou a campanha de vigilância ilegal da agência norte-americana NSA – , alertou, numa publicação na rede social X (antigo Twitter), que a proposta da Comissão Europeia representa “uma medida terrível de vigilância em massa”. Num comentário ontem ao comunicado da presidente do Signal, Snowden não poupou palavras: “Os apparatchiks da União Europeia pretendem introduzir sorrateiramente uma terrível medida de vigilância em massa, apesar da oposição pública UNIVERSAL (nenhuma pessoa pensante quer isso), INVENTANDO UMA NOVA PALAVRA para isso – ‘moderation upload‘ – e esperando que ninguém aprenda o que significa até que seja tarde demais. Travem-nos, Europa!”.

    [Notícia actualizada esta quinta-feira com a informação de que a votação da proposta foi adiada, não tenho ainda nova data agendada.]


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  • Método de Hondt: o ‘milagre’ improvável que salvou a noite do Bloco e dos comunistas

    Método de Hondt: o ‘milagre’ improvável que salvou a noite do Bloco e dos comunistas


    Tão criticado por ser um método de alocação de deputados que beneficia os maiores partidos com o objectivo claro de promover maiorias, o método de Hondt acabou nas eleições de ontem em Portugal por beneficiar, de forma clara, o Bloco de Esquerda e a Coligação Democrática Unitária.

    E deveu-se a um ‘milagre’ extremamente improvável, fruto de diversos condicionalismos, dependentes da distribuição dos votos entre as duas principais forças partidárias (que rondaram, ambas os 32%), entre o terceiro e o quarto (Chega e Iniciativa Liberal, que rondaram os 9-10% e também mesmo de um peso relativamente significativos dos partidos que não elegeram, em particular o Livre, o ADN e o PAN. Só estes três últimos representaram 6,3% dos votos.

    Qualquer que fosse a distribuição dos votos pelas diversas forças partidárias, sabia-se que só era garantido um partido eleger em Portugal, com direito agora a 21 eurodeputados, se tivesse uma votação acima de pelo menos 4,762% (divisão de 100 por 21). Isso sucede desde as eleições europeias de 2014. Antes, em 2009 a fasquia era de 4,546%, quando Portugal teve 22 lugares; nas eleições de 2004, 1987 e 1988 era de 4,167%, quando tivemos 24 lugares; e nas eleições de 1994 e 199 era de 4%, quando tivemos 25 assentos no Parlamento Europeu.

    Ter menos do que esta fasquia não era, com efeito, sinónimo de derrota evidente, mas certo é que nas oito primeiras eleições para o Parlamento Europeu, somente o Bloco de Esquerda tinha conseguido eleger, em 2014, abaixo da fasquia: para ter garantia de um eurodeputado precisava de 4,762% e obteve 4,56%, reelegendo Marisa Matias. No entanto, note-se: a diferença foi de cerca de 0,2 pontos percentuais.

    Ora, nas eleições de ontem, é certo que o Partido Socialista beneficiou, como está no âmago, do método de Hondt, porque teve com 32.08%, o que dá um rácio de 6,7/21, mas obteve oito deputados. A Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal beneficiaram de um mero ‘arredondamento’: o primeiro teve um rácio de 6,53/21 e o segundo de 1,9/21, elegendo respectivamente sete e dois eurodeputados. O Chega não se pode dizer que foi prejudicado pelo método de Hondt, pois recebeu dois deputados face ao rácio de 2,05/21.

    Desta vez, de entre os partidos mais votados, o Partido Socialista foi o único a beneficiar do método de Hondt, elegendo mais um do que a proporcionalidade de votos lhe daria.

    A distribuição afortunada dos votos dos eleitores pelas diferentes forças partidárias, mesmo daquelas que nada ganharam, foi a causa fundamental para que, desta vez, e de forma completamente insólita, não um mas logo dois partidos abaixo da tal ‘garantia mínima’ tivessem direito a um singelo assento no Parlamento Europeu. E, ao contrário do que sucedeu com Marisa Matias em 2014, nem sequer com uma votação relativamente próxima da tal fasquia. Ontem, o Bloco de Esquerda (com 4,26%) ficou aquém cerca de 0,5 pontos percentuais do limite de eleição garantida, o que significa que precisou de apenas 89,5% dos votos teoricamente necessários, enquanto a CDU ficou aquém de cerca de 0,64 pontos percentuais do limite de eleição garantida, significando, no seu caso, que necessitou somente de 86.5% dos votos teoricamente necessários.

    Não deixa assim de ser curioso como um método de distribuição de assentos tão pouco benevolente, em regra, para os pequenos partidos, foi desta vez a salvação de dois, ainda mais em simultâneo. Por um triz, as eleições de ontem não foram uma hecatombe histórica para o Bloco de Esquerda e a CDU.


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  • Europeias: terramoto em França e na Alemanha. PS vence em Portugal

    Europeias: terramoto em França e na Alemanha. PS vence em Portugal

    O presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz são dois dos grandes derrotados das eleições para o Parlamento Europeu, que ficam marcadas pelo avanço de partidos populistas e da extrema-direita. Macron surpreendeu com o anúncio de que vai dissolver o Parlamento e convocar eleições, depois dos nacionalistas da Frente Nacional, de Marine Le Pen, terem alcançado o melhor resultado de sempre nestas eleições, conquistando 31,5% dos votos em França, um aumento de 10 pontos percentuais face às eleições de 2019. O partido centrista de Macron alcançou em redor dos 14% dos votos. Partidos populistas e de extrema direita também alcançaram ganhos na Alemanha, Áustria e Países Baixos. Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo anunciou que vai apresentar a sua demissão amanhã depois do seu partido, Open VLD, ter sido amplamente derrotado nas eleições regionais, nacionais e europeias, que decorreram hoje em simultâneo no país. Em Portugal, o PS venceu as europeias, seguido da coligação AD (PSD/CDS), com o Chega a conquistar 2 mandatos, a ficar aquém do apontado por sondagens.


    Tal como já era esperado, as eleições para o Parlamento Europeu ditaram uma viragem para a direita mais dura, conservadora e nacionalista nomeadamente em França, Alemanha, Áustria e Países Baixos. Portugal não acompanhou essa tendência já que os partidos do arco de governação PS e PSD (através da coligação AD, com o CDS) lideraram nos votos conquistados.

    Em França, o presidente Emmanuel Macron anunciou a dissolução do parlamento e vai convocar eleições legislativas antecipadas, depois de a Frente Nacional de Marine le Penn ter alcançado cerca de 31,5% dos votos nas eleições europeias, mais do dobro dos 14% que terão sido alcançados pelo partido centrista de Macron.

    Na Bélgica, o primeiro-ministro Alexander De Croo, um liberal, afirmou que vai pedir a sua demissão amanhã, após os resultados desastrosos nas eleições regionais, nacionais e europeias que decorreram hoje em simultâneo. O partido de direita N-VA foi o principal vencedor das eleições, seguido do Vlaams Belang, de extrema-direita.

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    Na Alemanha, o partido de extrema-direita Alternative für Deutschland (AfD) conquistou mais votos, crescendo para cima dos 14,2% face aos 11% alcançados em 2019. Os partidos da coligação do Chanceler Olaf Scholz registaram resultados desastrosos, com cerca de 14,6% dos votos. Na liderança, a coligação de partidos de centro-direita liderou na urnas, com um resultado em torno dos 30,9%.

    Em Portugal, já com todas as freguesias apuradas, o PS venceu, elegendo 8 dos 21 deputados portugueses que irão para o Parlamento Europeu. A coligação PSD/CDS elegeu 7 deputados, o Chega terá 2 eurodeputados, tal como a Iniciativa Liberal enquanto o Bloco de Esquerda e a CDU (PCP/PEV) conseguiram eleger um deputado cada. Votaram 37,9% dos 10,5 milhões de eleitores inscritos, acima dos 31,5% em 2019, quando o PS elegeu nove eurodeputados, o PSD seis, o Bloco de Esquerda e a CDU dois cada, e o CDS e o PAN um cada.

    Nas eleições europeias em Portugal, o dia de hoje ficou marcado por polémicas afirmações de Marta Temido, ao fazer apelos directos ao voto em dia de eleições. O caso gerou duas queixas junto na Comissão Nacional de Eleições, a qual anunciou que a cabeça-de-lista do PS pode ter feito propaganda eleitoral, o que não era permitido quando os portugueses estavam a a votar.

    Em termos gerais, o Partido Popular Europeu mantém-se como o maior partido no Parlamento Europeu, com 191 dos 720 eurodeputados eleitos, o que coloca num bom caminho um eventual segundo mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia. Mas a antiga ministra da Defesa da Alemanha terá de convencer mais grupos políticos para obter a maioria de 361 votos necessários para a sua recondução no cargo.


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  • Isaltino dá de uma penada 350 mil euros a uma associação privada criada por um ex-ministro do PSD e um ex-dirigente do Chega

    Isaltino dá de uma penada 350 mil euros a uma associação privada criada por um ex-ministro do PSD e um ex-dirigente do Chega

    A autarquia de Oeiras é accionista de referência da Taguspark e possui um departamento municipal de promoção ao investimento, mas achou por bem ‘apadrinhar’ uma associação privada criada por Martins da Cruz – ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e colega de Isaltino Morais no Governo de Durão Barroso – e por Tiago Sousa Dias, que era, à data da escritura, secretário-geral do Chega. Apadrinhar é uma força de expressão, porque em cerca de um ano, a Oeiras Valley Investment Agency (OVIA) – que até usa um logótipo similar ao da autarquia – já recebeu sede, computadores, material de escritório e agora um ‘presente’ de 350 mil euros, aprovado em tempo recorde esta quarta-feira, para satisfazer sobretudo os salários dos administradores. Mas o mais impressionante, na breve história desta associação privada, são as pessoas que se encontram neste (pequeno) meio: uma das administradoras da OVIA é filha do arquitecto Tomás Taveira, que, por sua vez, é avençado da autarquia desde 2018; e o presidente da assembleia geral é o histórico socialista José Lamego.


    Não foi com uma mão à frente e outra atrás, mas com as duas mãos bem à frente – ou melhor, com quatro mãos – que um ex-ministro do PSD e um ex-secretário-geral do Chega conseguiram esta quarta-feira, através de uma associação por eles criada oficialmente em Março de 2022, arrecadar 350 mil euros da autarquia de Oeiras, por obra e graça dos empenho de Isaltino Morais, o presidente da edilidade. O montante, que servirá até cobrir despesas de funcionamento, incluindo pagamentos aos dirigentes da associação, terá efeitos retroactivos, ou seja, aplica-se já ao início do ano. E antevê que o financiamento seja para continuar, tanto mais que até a sede e computadores já foram cedidos pela Câmara Municipal.

    Mesmo no cenário de Oeiras, onde tudo aparenta ser possível sob a capa de uma maioria mais do que absoluta – o movimento independente de Isaltino tem oito em 11 vereadores –, sem que a ética seja ouvida, a forma como a denominada Oeiras Valley Investiment Agency (OVIA) foi contemplada com um ‘bolo’ de 350 mil euros é um ‘case study’ sobre as ligações promíscuas com base em relacionamentos pessoais sempre com dinheiros públicos à mistura.

    Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras.

    Tudo começou, na verdade, na Rua dos Sapateiros, na Baixa lisboeta, em 20 de Outubro de 2021, quando António Martins da Cruz e Tiago Sousa Dias se dirigiram ao notário para registarem, somente eles, uma associação pomposamente denominada Oeiras Valley Investment Agency, que recebeu o acrónimo OVIA. Os signatários não tinham ainda sede, mas na constituição da associação garantiam que seria no rés-do-chão do Edifício Novartis, no Taguspark, tendo por fim “contribuir para o desenvolvimento e inovação de Oeiras nos domínios da internacionalização, da inovação tecnológica e do investimento”. Na verdade, nunca tiveram sede nesse edifício da sucursal portuguesa da farmacêutica suíça.

    Ambições todas as associações e empresas possuem à nascença, mas a OVIA mostra apenas ter relações pessoais. Durante um ano, entre 2002 e 2003, Martins da Cruz, embaixador de carreira e ocupando a pasta dos Negócios Estrangeiros, foi colega no Conselho de Ministros, no ‘consulado’ de Durão Barroso, de Isaltino Morais, então na pasta do Ambiente. Nenhum dos dois aqueceu o lugar até ao fim desse Governo interrompido com a saída de Barroso para Bruxelas: Isaltino Morais demitiu-se na sequência da descoberta de uma conta bancária suspeita em Abril de 2003 – que espoletaria o processo judicial que o levaria à prisão por pouco mais de um ano em Abril de 2013. Já Martins da Cruz ‘sobreviveu’ como ministro mais sete meses, demitindo-se por uma polémica relacionada com a entrada da filha em Medicina na Universidade Nova de Lisboa.

    Por razões diversas, ambos se desfiliariam do PSD pouco depois, sendo que Martins da Cruz acompanhou Santana Lopes quando o efémero sucessor de Durão Barroso à frente do Governo PSD-CDS decidiu criar um novo partido em 2018, o Aliança. Foi aí que Martins da Cruz conheceu Tiago Sousa Dias, mas com o insucesso dos santanistas na Aliança, cada um foi para o seu lado. Tiago Dias – que até concorreu pelo Aliança no círculo Fora da Europa nas eleições de Outubro de 2019 – saltaria em Maio do ano seguinte para o ‘barco’ do Chega, e André Ventura acabaria por lhe entregar o cargo de secretário-geral em Setembro de 2020. Foi, portanto, como secretário-geral do Chega que Tiago Sousa Dias foi com Martins da Cruz constituir a associação OVIA na Rua dos Sapateiros em Outubro de 2021.

    Martins da Cruz, como presidente do Conselho de Administração da associação ‘apadrinhada’ por Isaltino, que criou com um dirigente do Chega, tem sido particularmente activo em ligações ao mundo empresarial da China.

    No Chega, Tiago Sousa Dias não teve grande sucesso – sairia do cargo no início de Fevereiro de 2022, agastado, e lançando mais tarde ataques ao partido de André Ventura, reputando-o de “taberna onde os grunhos se embebedam”. Mas na OVIA teve sucesso, e muito – arranjou um emprego.

    Advogado de formação, Tiago Dias e Martins da Cruz dedicaram 2022 a preparar o lançamento oficial da OVIA – e foi a partir desse momento que se passou a sentir que a associação seria uma espécie de ‘braço informal’ de Isaltino Morais. Ao longo desse ano, por simples despacho, o presidente de Oeiras cedeu não apenas instalações para a OVIA, num edifício camarário na Fundição de Oeiras, como diverso material informático e de escritório. E a associação criada na Rua dos Sapateiros foi lançando ‘pontes’ de influência em todos os quadrantes ideológicos.

    Assim, Martins da Cruz assumiu a liderança da associação, como presidente do Conselho de Administração, enquanto Tiago Dias ficou com a parte operacional, de secretário-geral. Para vice do antigo embaixador foi escolhida Sílvia Taveira de Almeida, professora de empreendedorismo da Universidade Católica.

    O facto de esta economista, conhecida pelo seu site de health coach, ser filha do arquitecto Tomás Taveira seria apenas uma curiosidade irrelevante para a investigação do PÁGINA UM, se não fosse o caso de o arquitecto das Torres das Amoreiras, aos 85 anos, manter uma avença da autarquia de Oeiras, que dura ininterruptamente desde 2018. Os cinco contratos do pai da vice-presidente da OVIA – feitos por ajuste directo ou suposta consulta prévia (para contornar ilegalidades) com a autarquia – já somam mais de 205 mil euros (com IVA) nos últimos seis anos, e o mais recente foi celebrado no mês passado, garantindo a Taveira o recebimento de 2.000 euros de avença mensal até meados de Fevereiro do próximo ano.

    Tiago Sousa Dias, em Março de 2021, como secretário-geral do Chega, em conversa com André Ventura. Zangou-se com o partido já com a OVIA criada com Martins da Cruz..

    O outro vice-presidente da OVIA é Pedro Matias, presidente do Instituto de Soldadura e Qualidade, que esteve na direcção do IAPMEI, tendo diversas passagens por gabinetes governamentais. A última foi entre finais de 2015 e meados de 2017, no primeiro Governo Costa, como chefe de gabinete do secretário de Estado da Indústria João Vasconcelos (entretanto falecido, aos 43 anos), que se viria a demitir-se por causa do Galpgate, desencadeado pelo pagamento pela Galp Energia de viagens, refeições e bilhetes para o Euro 2016 a três governantes e adjuntos.

    Porém, foi na Assembleia Geral da OVIA que o ‘namoro’ com o PS se mostrou mais evidente, porque para aí, como presidente, foi escolhido o histórico José Lamego, professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, por diversas vezes deputado e antigo secretário de Estados dos Negócios Estrangeiros.

    Este estreitamento das relações políticas e pessoais entre a autarquia de Oeiras e uma associação privada, criada por duas pessoas num cartório da lisboeta Rua dos Sapateiros, descambam mesmo em ambiguidades que aparentemente interessam a ambas as entidades. Quem não explora as origens da OVIA será induzido a pensar que integra o mundo autárquico, a começar pela sua denominação, que usa a expressão “Oeiras Valley”, uma marca oficial do município registada pela autarquia no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2008. Mas, para além desta sinonímia, a OVIA passou a usar um logótipo igual ao da autarquia, com o V estilizado. Também aqui este logótipo está registado no INPI, desde 2020, em nome do município, pelo que se a OVIA tentasse registar um pedido expresso para o seu logótipo receberia um indeferimento. Mas ao usar este logótipo do município, a OVIA só teria problemas se a autarquia se queixasse. Também curioso é saber que Martins da Cruz foi um dos apresentadores em Fevereiro de 2020 da marca Oeiras Valley onde surgia o logótipo ‘copiado’ dois anos depois para a OVIA.

    Não surpreende assim que, em 17 de Novembro do ano passado, tenha sido Isaltino Morais o cicerone do lançamento da OVIA. No próprio site do município, a associação privada recebe os maiores elogios, destacando-se ter sido fundada por 19 entidades, entre as quais “consta[va]m o Millenium BCP, a Altice, o Taguspark e o Laboratório Edol, entre outros”. O “entre outros” não inclui, estranhamente, a Câmara Municipal de Oeiras. Ou não: se fosse a autarquia fosse sócia, Isaltino estaria legalmente impedido de conceder apoios e subsídios à OVIA, para além do pagamento da quota.

    A vantagem e a oportunidade da existência da OVIA para o município de Oeiras não aparenta ser nada evidente. A autarquia é um dos accionistas de referência do Taguspark, com 19,16% , a empresa que gere o parque tecnológico, com serviços de marketing e promoção ao investimento. Integra em si, aliás, o know how tecnológico e os contactos e parcerias decorrentes de ter, entre os accionistas, diversas instituições universitárias (IST, Universidade de Lisboa e INESC), entidades da Administração Pública (IAPMEI e FCT), bancos (BPI e BCP), empresas de comunicação (Altice e Meo) e diversas outras empresas, entre as quais a Emerica, da empresária chinesa Ming-Chu Hsu, para além da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e o Imamat Ismaili.

    Por outro lado, a autarquia tem também um departamento próprio, o Gabinete de Assessoria Técnica e Promoção do Investimento (GATPI), cujas competências se sobrepõem às da OVIA. Com efeito, entre outras funções, a GATPI procura “assegurar a promoção interna e externa do Município, dos parques empresariais e de associações de empresários” e também “assegurar a ligação do tecido empresarial instalado, a instalar e de investidores junto das outras unidades orgânicas”, além de “promover as actividades inerentes ao Balcão do Investidor para dinamizar a economia local, qualquer que seja a área de investimento, com a missão de dar informação, orientação e aconselhamento a todos os que pretendam investir no concelho”.

    À esquerda, logótipo do Oeiras Valley Unvestiment Agency (OVIA), uma associação privada, não está registado, mas é semelhante ao logótipo registado no INPI pelo município de Oeiras desde 2020 (à direita). Esta similaridade mostra-se desconcertante pela ambiguidade que provoca entre privado e público.

    Para essa finalidade, o GATPI tem estabelecidos o Núcleo de Relações Internacionais e Institucionais (NRII) e o Núcleo de Apoio ao Investidor e ao Empreendedorismo (NAIE), estando dependente directamente de Isaltino Morais. Ler as funções do GAPTI fazem questionar as razões da existência da OVIA.

    Claro que quem está na OVIA terá uma opinião contrária. Apesar da completa ausência de actividade visível em 2022, para além dos preparativos para o lançamento em Novembro, certo é que as contas da OVIA apresentam logo valores de vendas prestação de serviços de 121.951 euros, que não encontram explicação pelos montantes das quotas. Uma parte desta verba será proveniente da Reformosa, uma outra empresa também detida por Ming Chu Hsu, o que não deixa de ser estranho, tendo em consideração que esta empresária tem 12,53% da Taguspark. Conhecida por filantropa – doou dois milhões de euros à Nova SBE em Carcavelos e, no início da pandemia, cerca de 4,6 milhões de euros em equipamento médico –, a empresária chinesa não tem estado isenta de polemicas. Num perfil a esta empresária, o Expresso destacou, em Abril de 2020, que o seu nome está associado aos Panama Papers, um esquema de constituição de empresas em off shores para fuga aos impostos.

    Seja como for, mesmo sem actividade relevante em 2022, a associação despachou 67.865 euros em gastos com o pessoal, sendo que mais de 47 mil euros líquidos foram parar os bolsos dos membros dos órgãos sociais, sobretudo aos três membros do Conselho de Administração. Neste ano, o número de trabalhadores da associação foi de dois… para três membros do Conselho de Administração.

    Imagem retirada da transmissão da Câmara Municipal de Oeiras ao lançamento da Oeiras Valley Investment Agency (OVI) em Novembro de 2022.

    Só em Março do ano passado, numa assembleia geral da associação, se anunciou, em concreto, “a primeira iniciativa da OVIA”, um roadshow a Londres nos dias 29, 30 e 31 desse mês, além de integrar uma missão empresarial da autarquia ao Brasil, Estados Unidos, China e Macau. Na acta a que o PÁGINA UM teve acesso diz-se que “a OVIA ir[ia] reunir com fundos de investimento interessados em investir em Portugal e em particular em Oeiras, procurando-se salientar a importância estratégica da localização de Oeiras, dos parques empresariais, do sector imobiliário e da dimensão internacional das empresas e projectos actualmente já sediados em Oeiras [sic]”. E também que a associação pretendia criar “uma incubadora de start-ups”, além de contribuir para um “Financial District e opara o aumento da oferta cultural e melhoria das condições sociais”.

    Tudo boas intenções da OVIA, mas algo redundantes face às competências da Taguspark e do GAPTI.

    Mas um dos pontos complementares em agenda foi a confirmação do pagamento de senhas de presença aos órgãos sociais, sendo que se definiu para os membros do Conselho de Administração um valor de 750 euros por cada reunião. Foi também nesta reunião que se consolidou a mudança da sede cedida por Isaltino Morais.

    Ao longo de 2023, pela leitura do relatório de actividades, a OVIA destaca-se pela realização de visitas, encontro e conferências, com a China a deter um particular destaque, não havendo qualquer avaliação do desempenho, excepção aos ‘louros que auto-atribui por, “em estreita coordenação com a Câmara Municipal de Oeiras”, ter facilitado “o projecto de construção da Cidade do Padel”, um projecto desenvolvido por um consórcio do empresário Filipe de Botton e Cristiano Ronaldo, na zona do Jamor, que tem estado a ser contestado por causa do ruído.

    As contas de 2023 mostram um perfil similar ao do ano anterior: as vendas e serviços prestados, sobretudo por via de quotas e do patrocínio da Reformosa até duplicaram, passando de quase 122 mil para perto de 250 mil euros, mas foram acompanhados por um incremento substancial de gastos com pessoal, que se cifrou nos 161 mil euros, quando fora de 68 mil no ano de 2022.

    Mas a OVIA quis mais – o que, pelo seu historial, significará que quer mais para gastar em pessoal. E tratou de obter dinheiro fácil, dirigindo-se, obviamente, a Isaltino Morais. E com uma eficácia e rapidez assombrosa. No passado dia 20 de Maio, Martins da Cruz, em nome da OVIA, escreveu a Isaltino Morais, dizendo que “tendo em consideração o apoio institucional e o prévio compromisso por parte do Município para contribuir para os objectivos da associação” lhe pedia “349.000 euros para 2024”.

    O antigo embaixador avisava o presidente da autarquia: “Permito-me recordar a desejada urgência na aprovação municipal do Pedido de Apoio do qual depende a prossecução da actividade da OVIA, desejada e fomentada aliás pela própria Câmara Municipal de Oeiras”  

    A sintonia não podia ser mais perfeita. A carta só chegou à autarquia de Oeiras no dia 24 de Maio, sexta-feira, mas Isaltino Morais não perdeu tempo, e na quarta-feira seguinte feita uma informação com uma proposta de apoio com mais mil euros de acréscimo ao que Martins da Cruz pedira, ou seja, 350 mil euros. Na informação, a que o PÁGINA UM teve acesso, Isaltino Morais propôs ao Executivo Municipal que os pagamentos fossem de periodicidade trimestral, com efeitos retroactivos, isto é, desde Janeiro deste ano.

    Isaltino Morais e Martins da Cruz: antigos colegas no Governo de Durão Barroso, continuam juntos, e agora unidos por um cheque de 350 mil euros de dinheiros públicos para, de forma redundante, atrair investimento.

    O resto já é História: e anteontem, o apoio à OVIA foi aprovado em reunião de Câmara com 10 votos a favor e apenas um voto contra da coligação Evoluir Oeiras, constituída pelo Bloco de Esquerda, Livre e Volt Portugal. O cheque chegará dentro de momentos…

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de questões tanto a Isaltino Morais como a Martins da Cruz. Silêncio absoluto.


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  • EMEL ‘encarece’ almoço de António Costa com bloqueio de automóvel em zona proibida

    EMEL ‘encarece’ almoço de António Costa com bloqueio de automóvel em zona proibida


    O antigo primeiro-ministro António Costa, saído do Governo no passado dia 2 de Abril depois de uma longa permanência de oito anos como chefe do poder executivo do Estado português, está agora a sofrer as amarguras de um cidadão comum lisboeta em automóvel: foi multado pela EMEL. Recorde-se que, pouco tempo antes da sua chegada à liderança do Governo, em Novembro de 2015, António Costa foi presidente da autarquia de Lisboa entre Agosto de 2007 e Abril de 2015, ou seja, ‘tutelando’, mesmo se de forma indirecta esta empresa municipal que regula o estacionamento da capital.

    De acordo com testemunhas contactadas pelo PÁGINA UM, o ex-primeiro-ministro foi ontem ‘caçado’ com o seu automóvel numa zona de estacionamento proibido, excepto para cargas e descargas, na Rua Ribeira Nova, no lado contrário ao número 62. junto ao Mercado da Ribeira (Time Out). Segundo se apurou, o Mercedes classe A de António Costa terá estado bloqueado durante pelo menos duas horas, durante o período do almoço, naquele local até à sua chegada.

    Foto nas redes sociais é verídica. António Costa foi mesmo multado. O PÁGINA UM retirou, por razões de privacidade, a matrícula.

    O PÁGINA UM confirmou já que uma fotografia que circula nas redes sociais, onde se vê António Costa a telefonar junto a um Mercedes bloqueado, é verídica. E, de facto, segundo testemunhas, no ‘acto de ‘libertação do automóvel’, António Costa pagou de imediato não apenas a coima mas também a taxa de desbloqueamento.

    O almoço do antigo primeiro-ministro terá assim ficado um pouco mais caro: a coima, para estes casos, é de 30 euros; a taxa de desbloqueio de 83. Tudo somado, 113 euros.


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  • Governos Costa contrataram por 10 vezes consultores para ‘fazer’ políticas públicas

    Governos Costa contrataram por 10 vezes consultores para ‘fazer’ políticas públicas

    Um autêntico boomerang político. Pedro Nuno Santos veio criticar o Governo Montenegro pela contratação de uma consultora holandesa para ajudar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde. Mas, afinal, durante os Governos Costa, essa empresa e as suas ‘irmãs’ celebraram 55 contratos com hospitais e entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, conforme noticiou o PÁGINA UM. Mas ontem, Marta Temido ainda veio argumentar que nunca se fez, nos governos socialistas, ‘outsourcing’ para definir políticas públicas. Mentira. O PÁGINA UM revela hoje 10 contratos desde 2019, assinados pelas Secretarias-Gerais de quatro ministérios para serviços que visavam a criação de planos ou estratrégias políticas. O último foi no próprio dia da tomada de posse de Luís Montenegro. Entre os 10, há até um celebrado pelo Ministério da Saúde quando Marta Temido ainda estava em funções, e descobriu-se ainda mais quatro da Presidência do Conselho de Ministros. Tudo afinal, na prática, semelhante ao processo do Plano de Emergência da Saúde, mas em número assinalável.


    Não é afinal nada inédito a contratação de serviços de consultadoria externa para ajudar o Governo a definir políticas públicas, tanto assim que o anterior Governo socialista o fez amiúde. Numa pesquisa do PÁGINA UM, descobriram-se pelo menos uma dezena de contratos durante os Governos de António Costa que se assemelham ao mesmo modus operandi da polémica colaboração da consultora IQVIA, com sede na Holanda, que participou na definição do recente Plano de Emergência da Saúde, promovido pela ministra Ana Paula Martins.

    Recorde-se que esta polémica se iniciou na passada semana com a manifestação de estranheza do secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno, por ter sido contratada uma empresa externa ao Ministério da Saúde, sendo secundada pela antiga ministra e actual cabeça-de-lista às Europeias, Marta Temido, que se mostrou “perplexa” com a contratação de consultoras para definir estratégias políticas.

    Pedro Nuno Santos ‘levantou a lebre’, alimentada por Marta Temido, mas afinal Governo socialista fez aquilo que agora critica no Governo Montenegro.

    Ontem, o PÁGINA UM já revelara que, afinal, durante os Governos de António Costa, as empresas do grupo holandês, sobretudo a IASIST – que se encontra em processo de fusão com a sua ‘irmã’ IQVIA Solutions Portugal –, celebraram 55 contratos públicos, quase todos por ajuste directo, no valor de quase 2,1 milhões de euros, incluindo hospitais e entidades directamente tuteladas pelo Ministério da Saúde.

    Em reacção à notícia do PÁGINA UM, destacada pela SIC Notícias, e admitindo que pudesse haver contratos com “entidades do perímetro do Ministério da Saúde”, Marta Temido disse que daquilo que é o seu “conhecimento, o Ministério da Saúde [nos governos socialistas, infere-se] não recorreu a terceiros para contratação de definição de estratégias, mas não posso ir para além disso”.

    Mas o PÁGINA UM pode e pôde. E foi.

    E a partir de pesquisas de contratos assinados exclusivamente pelas Secretarias-Gerais dos diversos ministérios detectou-se um total de 10 contratos onde, de forma explícita e evidente, o objecto passou pela colaboração externa na definição de políticas públicas, designadamente na elaboração de planos ou estratégias sectoriais. De fora desta análise do PÁGINA UM estão as prestações de serviços de consultadoria para avaliação de instrumentos de políticas públicas, bastante frequentes.

    O mais recente deste tipo de contratos, para além daquele que o actual Ministério da Saúde já assumir ter celebrado com a IQVIA – e que ainda não consta do Portal Base – foi concretizado no exacto dia da tomada de posse de Luís Montenegro como primeiro-ministro, mas terá sido ainda uma ‘herança’ do Governo Costa, ou mais propriamente da antiga ministra Ana Mendes Godinho, uma vez que foi assumido pela Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

    Ministério da Saúde do último Governo socialista fez dois contratos similares aos que agora são criticados pelo secretário-geral socialistas, Pedro Nuno Santos.

    Não existem, no Portal Base, muitos elementos sobre este contrato com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sabendo-se apenas que se pagará 38.740 euros pela “realização de um estudo sobre formas de integração dos Princípios Horizontais na Implementação do Pessoas 2030”, um programa temático, com uma dotação de cerca de 5,7 mil milhões de euros, que se dedica a apoiar medidas de política pública que permitam enfrentar os desafios das qualificações da população, do emprego, da inclusão social e, transversalmente, da questão demográfica.

    Saliente-se que se sabe pouco desta participação do centro universitário que já foi liderado por Boaventura Sousa Santos, mas devia-se saber, porque existe um evidente atropelo do Código dos Contratos Públicos, uma vez que se usa uma norma para justificar a não redução a escrito do acordo entre as partas apenas passível de recorrer em montantes até 10 mil euros, mas o preço é quase quatro vezes superior.

    Mas, mesmo na área da Saúde, o Governo socialista decidiu ‘pedir ajuda externa’, com o erário pública, para a definição de estratégias políticas. Por duas vezes, uma das quais no tempo de Marta Temido na pasta.

    O mais recente contrato, sob tutela de Manuel Pizarro, foi assinado no dia 7 de Dezembro do ano passado entre a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e a Terapiailimitada, para a “aquisição de serviços técnicos na área da saúde mental, na área da prevenção do suicídio, para consolidar a estratégia da CNPSM [Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental]”. O dono desta empresa, que recebeu 19.895,21 euros, ficando assim abaixo do limiar para se prescindir de contrato escrito, é o psiquiatra Ricardo Gusmão, professor da Faculdade de Medicina do Porto, presidente nacional da Aliança Europeia contra a Depressão e ainda presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidiologia e Prevenção do Suicídio.

    Quanto ao segundo contrato da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, foi celebrado em 20 de Junho de 2022, dois meses antes da demissão de Marta Temido. Neste caso, o contrato, no valor de 15.000 euros foi celebrado com a empresa Renata Pinto Unipessoal por “consultoria de comunicação, para a elaboração e implementação do Plano Estratégico de Comunicação do Conselho Nacional de Saúde”.

    Foi, contudo, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia que, ao longo dos ‘anos socialistas’ mais recorreu a contratações externas para gizar políticas públicas. De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, em 27 de Agosto do ano passado foi contratada a sociedade anónima Keyknowledge People para “serviços especializados de consultoria no âmbito da definição de uma Estratégia e Plano de Ação para a Inovação e Transformação Digital”.

    Foram pagos 66.200 euros e, neste caso, o contrato disponível é muito explícito nas tarefas a cumprir pelos consultores externos, porque inclui as especificações técnicas. Além de tarefas de diagnóstico, os consultores tinham de realizar “entrevistas com os dirigentes da Secretaria-Geral para identificação dos problemas e necessidades em matérias de governança da Inovação e Transição Digital”, desenvolver e implementar “um sistema de governança” e ainda elaborar “o Plano de Acção detalhado para implementação da Estratégia de Inovação e Transformação Digital”. E nem faltava a obrigatoriedade de definir estratégias de comunicação e acompanhamento do progresso. Em suma, uma espécie de ‘política pública chave-na-mão’ a ser concebida por uma empresa externa.

    Poucos dias antes deste contrato, a 17 de Agosto, foi contratada a Quórum Numérico, detida por Marta Marques da Costa. A empresa unipessoal foi criada em 2020 e tem como objecto social a elaboração e desenvolvimento de projectos imobiliários, incluindo compra, venda e arrendamento, serviços de engenharia e formação, construção civil, remodelação e restauro de imóveis, empreitadas de obras públicas e particulares e exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos. Porém, a Secretaria-Geral do então ministro António Costa Silva considerou que a Quórum Numérica era a única empresa capaz, por isso um ajuste directo de 6.930 euros, para dar conselhos na “elaboração do Plano de Eficiência ECO.AP 2030 para o triénio 2022/2024”.

    Governos socialistas desde 2019 fizeram, através de quatro Secretarias-Gerais, 10 contratos com consultores externos para definir políticas públicas.

    O terceiro contrato é muito mais antigo, remontando a Fevereiro de 2019, e desta feita por contratada a GIGASIS – Consultoria e Sistemas Informáticos para “serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação da Economia” para esse ano. O preço foi de 30.848,40 euros por 11 meses de trabalho.

    Por fim, ainda durante o primeiro mandato de Costa, no período da ‘geringonça’, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia ainda assinou um contrato de 59.900 euros em finais de Julho de 2017 com a Sigmadetalhe para “aquisição de serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação”

    A própria Presidência do Conselho de Ministros, através da respectiva Secretaria-Geral, também tratou de fazer contratações externas para auxiliar a definição de políticas públicas. Em Abril de 2020 entregou 15.000 euros ao Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial – uma instituição de utilidade pública provada associada à Universidade do Porto – por serviços de “consultoria técnica com vista à elaboração de plano para promoção da neutralidade carbónica.

    Mais recentemente, em Novembro de 2023, a PressDireto, uma empresa de relações públicas, foi contratada para a “elaboração de uma Estratégia de Comunicação do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração 2030”, recebendo 19.900 euros por um serviço que durou 10 dias.

    Por fim, no lote de contratos detactados pelo PÁGINA UM, inclui-se a Secretaria de outro ministério, o do Ambente, em 19 de Novembro, contratou a empresa CAOS – Borboletas e Sustentabilidade para lhe prestar “serviços de consultadoria estratégica e técnica na preparação e acompanhamento de diversos dossiers no plano internacional e comunitário, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, e do Trio de Presidências (Alemã-Portuguesa-Eslovena) designadamente em matéria de ambiente e alterações climáticas”. Por essa prestação, a empresa pertencente ao consultor Gonçalo Cavalheiro, recebeu 95.670 euros durante um ano de trabalho.


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