Categoria: Opinião

  • Mais armas, menos crimes

    Mais armas, menos crimes


    No conforto das nossas casas e na segurança ilusória de um Estado paternalista, é fácil acreditar que a polícia está sempre pronta para nos salvar. No entanto, essa crença não resiste ao teste da realidade. Em situações de perigo iminente, onde a vida e a morte se decidem em segundos, a polícia – com todo o respeito aos seus esforços – chega invariavelmente tarde demais. Para o cidadão comum, esta realidade deveria ser suficiente para repensar a questão do livre porte de armas. Afinal, como se proteger quando o auxílio oficial simplesmente não chega a tempo?

    Em tempos de crescente insegurança, é curioso observar como a sociedade portuguesa ainda prefere confiar cegamente na protecção estatal enquanto os índices de violência crescem. O livre porte de armas para os cidadãos, um tema tabu nas conversas ditas “civilizadas”, oferece uma solução que os detractores, movidos por emoções e não por lógica, insistem em ignorar. Contudo, há evidências robustas que demonstram como cidadãos armados contribuem significativamente para a diminuição da criminalidade.

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    O monopólio da violência pelo Estado é um conceito aceite, mas raramente questionado. Enquanto isso, os cidadãos são deixados à mercê de criminosos que não têm qualquer respeito pelas leis restritivas de armas. Portugal, que se orgulha da sua baixa criminalidade, cerca de 0,8 homicídios por 100 mil habitantes, precisa urgentemente de uma revisão das suas leis. Apesar de ser um país onde as armas de fogo têm uma elevada penetração, cerca de 22 armas de fogo por 100 habitantes, metade são ilegais.

    Estatísticas globais indicam que a posse de armas de fogo não está necessariamente associada a maiores taxas de homicídio ou violência. Vejamos alguns exemplos ilustrativos, conforme apresentado na Figura 1. A Suíça, com uma taxa de 0,49 homicídios por 100 mil habitantes — inferior à de Portugal —, possui 27 armas de fogo por 100 habitantes. A Sérvia, com 1,02 homicídios por 100 mil habitantes, um valor ligeiramente superior ao de Portugal, apresenta uma elevada posse de armas: 39,1 por 100 habitantes. Já os Estados Unidos, um caso extremo, contam com 120,5 armas de fogo por 100 habitantes e uma taxa de 6,38 homicídios por 100 mil — elevada, mas longe dos piores índices globais.

    Contrastemos isso com o Brasil, que, com apenas 8,3 armas de fogo por 100 habitantes, sofre uma impressionante taxa de 21,26 homicídios por 100 mil habitantes. Ainda mais alarmante é a Jamaica, onde, mesmo com uma baixa posse de armas de fogo, os homicídios atingem níveis exorbitantes. Esses dados evidenciam que o aumento na posse de armas não resulta necessariamente em maior violência, contrariando o discurso simplista de que legislações restritivas são o caminho único para a segurança. Essa realidade desafia a crença de que leis, meros enunciados num papel, oferecem maior protecção do que a capacidade de autodefesa de um cidadão preparado.

    Armas por 100 habitantes vs. Homicídios anuais por 100 mil habitantes. Fonte: World Population Review. Análise do autor.

    O Estado português, com as suas taxas de criminalidade relativamente baixas, vende aos seus cidadãos a narrativa de que não precisam de armas para se proteger. O Estado cuidará de tudo. Mas a matemática não mente: com uma densidade de aproximadamente 4,56 polícias por 1.000 habitantes, a quarta mais elevada da União Europeia (EU) – é evidente que não necessitamos de mais polícia, ao contrário do propagado pela “direita” – e, mesmo assim, é impossível garantir a presença policial em todos os locais de risco. Nos momentos críticos, a polícia é mais frequentemente um serviço de documentação pós-crime do que uma força de intervenção preventiva.

    Não se trata de desrespeitar o trabalho das autoridades, mas sim de encarar a limitação logística que caracteriza os sistemas de segurança modernos. A verdade nua e crua é que ninguém, excepto o próprio cidadão, está na linha de frente da sua defesa pessoal, da sua propriedade e família.

    As emergências não esperam pela burocracia. Durante um assalto, uma tentativa de homicídio ou um acto de violência doméstica, as vítimas têm apenas segundos para reagir. O que resta a um cidadão sem meios de defesa? Suplicar pela misericórdia de um criminoso? O sistema estatal é incapaz de prevenir a violência em tempo real. Isso porque, por natureza, a polícia não é omnipresente e resulta de uma contratação colectiva paga com o confisco à população. Na verdade, não são mais que funcionários de um grupo de mafiosos organizados em partidos políticos.

    Estudos realizados indicam que o tempo médio de resposta policial varia entre 10 e 15 minutos em zonas urbanas. Em áreas rurais, esse número pode chegar a 30 minutos ou mais. Agora considere: o que pode acontecer em 15 minutos? Para quem é vítima de um ataque, 15 minutos não são uma eternidade. São uma sentença.

    Número de polícias por 1.000 habitantes para diferentes países europeus em 2022. Fonte: Eurostat. Análise do autor.

    Embora a legislação de armas em Portugal seja rigorosa, a criminalidade não é inexistente. Segundo dados recentes, os assaltos violentos e os crimes cometidos com armas ilegais estão em ascensão. Mesmo em países com baixa criminalidade, como a Suíça e a Noruega, a posse de armas entre cidadãos comuns é reconhecida como uma ferramenta legítima para a defesa pessoal. Nestes países, a confiança no cidadão armado como parte da segurança colectiva é maior, e os resultados são claros: taxas de homicídios extremamente baixas e uma cultura de responsabilidade.

    Nos Estados Unidos, observa-se que estados com legislações mais permissivas quanto ao porte de armas frequentemente registam taxas de criminalidade mais baixas do que aqueles com restrições mais severas. Em Vermont, onde o porte de armas é amplamente permitido, a taxa de homicídios é de apenas 1,8 por 100 mil habitantes. Em contrapartida, Illinois, um estado conhecido por um controlo rigoroso de armas, apresenta uma realidade distinta: Chicago, uma das suas principais cidades, destaca-se como um epicentro de violência. Esses dados sugerem que a rigidez legislativa nem sempre se traduz em maior segurança pública.

    Os críticos do porte de armas frequentemente sustentam que sua presença aumenta os conflitos violentos. Embora esse argumento possua apelo emocional, carece de fundamentação nos dados disponíveis. Países como o Japão, onde as armas de fogo são praticamente inexistentes, apresentam taxas de homicídio semelhantes às da Suíça, onde a posse é amplamente difundida. A variável determinante não é a arma em si, mas sim a cultura de responsabilidade e a formação associada ao seu uso.

    Em Portugal, a insistência no monopólio estatal da força deixa os cidadãos em posição vulnerável. Enquanto armas ilegais continuam a circular livremente entre criminosos, o cidadão comum permanece desarmado pela força da lei. Um caso emblemático ilustra essa realidade: o proprietário de uma ourivesaria, que agiu em legítima defesa ao disparar contra um assaltante, foi detido pelas autoridades. A legislação portuguesa, ao exigir um rigoroso critério de proporcionalidade na reacção defensiva, coloca limites questionáveis à protecção da vida, da propriedade e da família. Essa abordagem, além de insuficiente, desconsidera a necessidade de assegurar aos cidadãos o direito pleno à autodefesa.

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    No cerne desta discussão reside uma questão moral fundamental: um cidadão tem o direito de defender a sua vida e a dos seus entes queridos? A resposta é clara, mas a legislação vigente ignora esse direito essencial, transferindo a responsabilidade pela protecção individual para um Estado que, na prática, opera como a organização mais eficiente na extracção compulsória de recursos, oferecendo aos cidadãos apenas a ilusão de que tal arrecadação serve para protegê-los.

    Quando um agressor invade uma residência, o cidadão enfrenta duas escolhas: esperar pela polícia ou agir. A primeira é uma aposta arriscada, semelhante a uma roleta russa; a segunda, sem acesso a ferramentas adequadas de autodefesa, equivale a uma missão suicida. Nesse cenário, a arma de fogo deixa de ser um símbolo de violência para tornar-se um instrumento de igualdade, equilibrando a balança entre o cidadão e o criminoso. A protecção da vida não pode ser uma concessão estatal; é um direito inalienável que exige meios concretos para a sua garantia.

    No Brasil, onde a criminalidade é endémica, estudos indicam que a posse responsável de armas por civis teve um impacto positivo na redução de homicídios em algumas regiões. Nos EUA, estima-se que armas de fogo sejam usadas para defesa pessoal entre 500 mil e 3 milhões de vezes por ano, muitas dessas sem disparos, mas como mera dissuasão.

    E em Portugal? As vítimas de crimes violentos podem apenas esperar. Esperar por uma força policial sobrecarregada. Esperar por uma burocracia que trata cada cidadão como culpado até prova em contrário. Esperar, enquanto a sua segurança é comprometida por legislações criadas para “proteger”, mas que na prática desarmam a pessoa errada.

    Proprietários de armas por 100 habitantes vs. Homicídios anuais por 100 mil habitantes nos diferentes estados dos EUA. Fonte: World Population Review. Análise do autor.

    O livre porte de armas não é uma solução para todos os males da sociedade, mas é uma ferramenta essencial para garantir que o cidadão tenha a capacidade de proteger-se a si mesmo quando mais precisa. Portugal deve reavaliar o seu compromisso com a segurança dos seus cidadãos e entender que o Estado, por mais eficiente que seja, não pode estar presente em todos os momentos críticos. O Estado português desarmou a população e não pretende reverter essa posição, pois cidadãos armados são sempre um perigo para mafiosos e ladrões.

    Deixar a população desarmada enquanto se confia cegamente num sistema imperfeito é não apenas ingénuo, mas perigoso. Quando segundos contam, o cidadão precisa de mais do que boas intenções: precisa de meios. Afinal, quem melhor para garantir a nossa segurança do que nós mesmos?

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • Tanatoceno: parte I

    Tanatoceno: parte I

    O mundo vivo está sob ameaça grave. Este texto dedica-se a escrutiná-la. Identificamos as principais ameaças que lhe são dirigidas, a nível macroestrutural, em questões de biopolítica global, tanto quanto em aspetos micro estruturais da distinção entre vida orgânica natural e vida ou inteligência artificiais. A distopia generalizada que estamos a viver ocupa-nos num primeiro momento deste texto. Completa-o, num segundo momento, a abordagem de questões científicas que especificam e ilustram essa circunstância civilizacional, com referência a diversos fatores gravosos de intoxicação ambiental.

    [Esta segunda parte será publicada na próxima edição]

    Passaram cinquenta anos sobre a revolução do 25 de Abril e quase um século sobre a instauração do regime fascista em Portugal, que desvitalizou e empobreceu física, cultural e animicamente o seu povo, durante meio século. Hoje os modelos totalitários não têm fronteiras: são globais e globalizados e tanto mais ameaçadores quanto mais dissimulados em formas ocas de democracia. Os países estão a perder a soberania em praticamente tudo, e os indivíduos, a liberdade. Vejamos como e porquê.


    I

    A MATRIZ DISTÓPICA

    A natureza do crime

    O contexto ideológico que conduziu o mundo à Segunda Grande Guerra revelou-se tão profundamente hediondo que nenhum discurso a seu favor voltou a parecer declaradamente possível a não ser em grupos de extrema-direita emergentes na última década, apesar de tudo minoritários à escala planetária.

    A partir dos anos de 1950 foi necessário deslocar as palavras, os conceitos e as ideias dessa matriz para zonas subterrâneas e escondidas onde continuassem o seu labor constante e de onde ressurgissem sob a máscara de novas palavras, métodos, propaganda e renovada abrangência. Muitos médicos e cientistas alemães do regime emigraram após a guerra e a sua experimentação radicalmente perversa sobre humanos, a par da sua imaginação eugenista delirante prolongaram raízes noutros países[1].

    A natureza do crime contra a humanidade que a matriz consubstancia, aquilo que veio a ser designado por “mal radical”, era e é duma espessura, duma densidade e duma latência tão ancoradas e esmagadoras que a imaginação da distopia claudica perante ela, no comum dos mortais ­– não há energia vital para ela, não há oxigénio, não há reservas de lucidez. O conceito precisou de uma economia, duma política, duma medicina e duma filosofia que lhe dessem expressão à escala global. Paciente e paulatinamente reuniu armas e esforços nos seguidores de Milton Friedman, no lobby farmacêutico, agroquímico e alimentar, na indústria e na pesquisa científica da guerra, nas sociedades secretas e nos clubes de países ricos, tanto quanto nos modelos totalitaristas[2], nos media, na ciência com resultados encomendados e em Sillicon Valley.

    As décadas de 1960 a 1990 foram tendencialmente hedonistas nas sociedades ocidentais ditas “civilizadas” e apesar das muitas revoluções e descolonizações e da alegria efémera da aparente liberdade, os seres humanos foram progressivamente orientados no sentido do consumo, do deslumbramento, do progresso tecnológico e da atomização crescente do conhecimento. Inebriado com a sua performance intelectual e artística, com o conforto e com a comunicação globalizada, o ocidental foi perdendo, sem dar por isso, o sentimento mais profundo de si, da sua razão de ser e de estar vivo. Perdeu raízes na terra (outra matriz) e no céu (outra semente). Insistiu no patriarcado, apesar das vozes femininas que se levantaram.

    No caminho em que se foram apagando muitas das suas estrelas, foi encontrando lampadários de néon e tungsténio que o confundiram e aceitou, sem resistência e com preguiça, todas as inevitabilidades artificiais propostas ao seu território anímico desertificado.

    Colapso iminente?

    No início dos anos de 2000, o coletivo de vários países estava disposto a acolher os grandes empreendimentos sustentados desde os anos de 1950 pelo paradigma distópico, só aparentemente adormecido, que estamos a referir: a aceleração da desigualdade (1% da população mais rica que os outros 99%, aquela que está destinada a fundir-se com as máquinas, desprezando a “fraqueza” duma maioria a subalternizar ou eliminar), a corrida a todas as formas de armamento convencionais e não convencionais (químicas, biológicas, psicotrónicas, eletromagnéticas, nucleares, agroquímicas, aditivas, genéticas), a criação artificial de problemas para imposição de soluções sociais pretendidas (a estratégia do choque[3] várias vezes utilizada em países ditos menos desenvolvidos), a criação especulativa de valor monetário sem qualquer correspondência com riqueza real (o sistema bancário, as Bolsas, a moeda digital), a fragilização das classes médias, a livre expressão de hierarquias religiosas no exercício da manipulação, do poder, da guerrilha e da falsa espiritualidade e a concomitante perseguição de todas as minorias e formas alternativas da sua procura, a imposição biopolítica de modelos médicos exclusivamente baseados na indústria química de moléculas artificiais que escamoteiam causas profundas das doenças, eliminando sintomas sem procurar causas profundas e, sobretudo, criando efeitos colaterais na necessária manutenção da doença, o segundo maior negócio do mundo.

    A toxicidade dos modelos ambientais, alimentares, terapêuticos[4], bélicos e acima de tudo discursivos (hegemonia mediática, egrégoras do medo e da insegurança, financiamento ideologicamente direcionado da investigação e divulgação científicas e estatísticas) encontrou dois fortes aliados nos modelos falsamente democráticos e na sujeição tecnológica que fomos aprendendo a ver como um privilégio. Por um lado, participamos em eleições livres e temos a ilusão da autodeterminação. Por outro lado, tudo se organiza para que a nossa pegada digital nos inscreva cada vez mais nos centros de controlo que há muito preparam a nossa entrega voluntária e incondicional à hipervigilância[5].

    A revolução que trouxe a democracia a Portugal em 1974 expõe-se agora a uma reversibilidade histórica trágica, a da perda da liberdade.

    Nos últimos anos, os colapsonautas têm escrito acerca do colapso iminente do nosso modelo civilizacional[6]: porque o planeta atingiu o seu limite, porque a falsidade e os verdadeiros interesses nunca foram tão descaradamente exibidos, porque o caos nunca foi tão gritante a todos os níveis.

    Os níveis de consciência da grande maioria são terrivelmente baixos. Assim foram mantidos, é certo, com particular eficácia, nas últimas décadas. Mesmo assim, os lançadores de alerta proliferam assim como os esforços de corajosas minorias na tessitura de outros modelos e na denúncia daquilo que nos destrói.

    Silicolonização do Mundo

    Transhumanismo é o nome assumido pela matriz distópica que temos vindo a apontar, no tempo presente, uma vez que persegue, no âmago do seu propósito, um ideal eugenista de eliminação dos mais fracos e manipulação genética dos restantes, para “melhoria da espécie”, procurando uma condição pós-humana[7]. A “silicolonização” do Mundo está a ser realizada há muito[8], dando agora passos de gigante em direção à meta final pretendida: as cidades inteligentes, a internet das coisas, dos corpos e das mentes, o domínio das tecnologias NBIC[9], a fusão do Homem com a máquina na construção do Homem 2, do cyborg, do transhumano, que supostamente vence a morte celular e desprograma doenças, se desliga do género e da sexualidade, esfria a sua recetividade emocional e se sujeita à obediência inescapável, já sem alma, sem liberdade, sem responsabilidade e tendo entregado de bandeja toda a sua energia vital e criativa.

    É este projeto que precisa da elevada performance das redes de telecomunicações, da nanotecnologia, das pandemias experimentais e da justificação do controlo. Que precisa da fragilização imunitária, desaconselhando os suplementos vitamínicos e desacreditando as terapias naturais; que espalha alumínio e outros metais pesados na atmosfera (geo-engenharia), na água canalizada e nas vacinas; que precisa de patentear sementes (OGM e transgénicos) e de destruir a agricultura tradicional e local; de envenenar alimentos com perturbadores endócrinos (caso do célebre glifosato); de extrair lítio para fabricar carros elétricos cujas baterias serão tão poluentes em fim de linha como lixo nuclear; que realiza o fracking em gigantescos crimes ambientais; que a pretexto da energia “limpa” promove o recurso à biomassa, conduzindo à destruição de gigantescas florestas[10]; que utiliza populações de regiões ou países inteiros como cobaias de experimentos médicos e tecnológicos[11]. “O Antropoceno é também o Tanatoceno”, escreve Edgar Morin[12].

    Frédéric Groz[13] propõe-nos pensar até que ponto desobedecer pode ser uma vitória contra a inércia do mundo e a sua profunda injustiça. A educação prepara à resignação política, mas desobedecer pode ser uma declaração de humanidade. Antígona escolhe desobedecer em nome duma obediência superior. Em Nuremberga, pela primeira vez, alguns homens foram punidos por ter obedecido. Que mérito existe em obedecer a leis monstruosas? O obediente por excelência é o escravo. Como tão bem explica La Boétie[14], a servidão torna-se uma segunda natureza do homem, com a força do hábito e do conformismo.

    Antonio Kehl ilustra ‘O Privilégio da Servidão’ de Ricardo Antunes. © Boitempo, 2018, 2020

    Num mundo tecno-burocrático, cada um concentra-se na sua parcela de atividade e especialização e a monstruosidade do conjunto deixa de ser visível. A origem duma lei ou diretiva (a tradição, o governo eleito, o senso comum, as determinações da OMS, os vizinhos, a família, a televisão…) justifica toda e qualquer barbárie? Hannah Arendt explica que a banalidade do mal é essa capacidade de se tornar a si mesmo um corpo desligado da alma, empenhado em não saber[15]. Preferimos a segurança à justiça e o consentimento sela a obediência, num contexto em que a justiça dos homens tem sido quase sempre a mesma farsa: o interesse do mais forte disfarçado de bem comum.

    Na sua conferência publicada Pourquoi Obéir?, Didi-Huberman afirma: “Quando me interroguei sobre as emoções fascistas, interroguei-me sobre a sua origem e percebi que a obediência estava no cerne da questão”[16].

    Objecção de consciência

    When injustice becomes law, resistance becomes duty[17]

    Thomas Jefferson

    Ousar saber reclama audácia; querer fazer bem significa pensar no futuro da espécie; a resistência e a desobediência civil podem manifestar uma democracia transcendental e o sentido nobre da política. A desobediência pode ser um dever de integridade espiritual, porque há um EU indenegável. “Se eu não for Eu quem o será por mim?” pergunta David Thoreau[18].

    Vivemos o tempo estreito em que podemos e devemos desobedecer em espírito (expressão de ideias, manifesta tomada de consciência) antes que seja necessário desobedecer em ato. A estratégia do choque, o molde infalível do medo, a manipulação fácil da informação e do seu efeito nocebo (inverso de placebo), as brechas da desorientação política, o trabalho voluntário e já antigo de fragilização da imunidade das pessoas, reforçado, durante a pandemia que atravessámos, com a subtracção ao sol, à natureza e ao efeito curativo dos laços afetivos e da alegria, têm trabalhado incansavelmente de mãos dadas com o vírus mais famoso dos três últimos anos, também ele, ao que tudo indica, fabricado[19]. Chegam agora ao palco de muitos países, os arautos da “necessária” revisão constitucional, favorável à perseguição individual, ao internamento compulsivo[20], à destruição do direito à privacidade e à sujeição totalitária, propostas como “protetoras”. A OMS, uma organização não eleita e financiada por interesses privados, sobrepõe-se à soberania de cada país, nas decisões sobre saúde pública[21]. Não aprendemos nada com a História, pelos vistos tão inútil, e esquecemos as frases preferidas de qualquer ditador: ” eu é que sei o que é melhor para ti” e “o interesse coletivo está acima do interesse individual”.

    É nesta faixa estreita de tempo em que agora vivemos, entre uma sensação porventura provisória de desconfinamento e a ameaça de novas recidivas pandémicas, que temos de realizar grandes tomadas de consciência. A denúncia e a objecção de consciência serão passos importantes para a dissolução da distopia que se estendeu no planeta sob a face progressista do transhumanismo e dos seus múltiplos consortes: o jornalismo enfeudado, os governos e parlamentos obedientes a grandes agendas, as multinacionais da perversidade eco e homicida, os bancos centrais e os psicopatas, tanto quanto os ingénuos, que protagonizam a aplicação do programa.

    As forças que verdadeiramente governam o mundo financiam e promovem publicamente a visão inflexivelmente materialista da realidade, da ciência e da medicina (aquela que desliga as massas da memória e da evidência de outra realidade, que não é material), mas recorrem da forma mais invertida e criminosa aos adquiridos das ciências ocultas, dos saberes tradicionais, da ufologia, da parapsicologia e da realidade quântica para o fabrico de armas invisíveis, da sujeição coletiva e do envenenamento dos seres vivos. Huxley e Orwell sabiam o que estava a ser preparado quando escreveram “ficção”.

    A revolução necessária é esta e é individual: querer, ousar, saber, informar, educar, intervir. Faça você mesmo. Por si e pelos outros, por todos os que estão a chegar e merecem outra vida, outro planeta e outra humanidade. A isto também se chama, vulgarmente, amar.

    Leonor Nazaré é curadora de arte contemporânea.

    NOTA: Este texto tem continuidade numa segunda parte a publicar na próxima edição.


    [1] Annie Jacobson ; Operation Paperclip. The Secret Intelligence Program that brought nazi scientists to America, Ed. Litle, Brown Book Group, 2015; (PDF) “The American Breed”: Nazi eugenics and the origins of the Pioneer Fund (researchgate.net), 2002; The Eugenics Crusade at 1080p (rumble.com), 2017

    [2] Cf. Arianne Bhileran, Psycho-pathologie du totalitarisme, Guy Trédaniel, 2023.

    [3] Cf. conferência de Naomi Klein em 2009 sobre esta estratégia, frequentemente utilizada ao longo do século XX.

    [4] Ver nota 36

    [5] Mathieu Terence, Le Transhumanisme est un Intégrisme, Paris, Les Editions du Cerf, 2016 ; Allain Gallerand, Qu’est-ce que le transhumanisme, Paris : Editions Vrin, 2021.

    Para um ponto de vista otimista fundamentado ver o trabalho do cientista Philippe Guillemant, em particular Le Grand Virage de l’Humanité. De la déroute du tanshumanisme à l’éveil de la Conscience, Paris: Ed. Guy Trénadiel, 2021.

    [6] Ver a título de exemplo, Yves Cocher, Devant l’Effondrement, Essai de Collapsologie, Paris: Éditions Les liens qui libèrent, 2019 ou Pablo Servigne, Paris: Une Autre fin du monde est possible, Éditions du Seuil, 2018.

    [7] Cf. Daniel Robin, Le Règne de l’intelligence artificielle. La fin de l’Anthropocène et l’avènement des posthumains, Grenoble : Le Mercure Dauphinois, 2022. Mathieu Terence opus cit. ; Allain Gallerand, opus cit., 2021.

    [8] Éric Sadin, La Silicolonisation du monde. L’irrésistible expansion du libéralisme numérique. Paris: Éditions L’Échapée, 2016.

    [9] Nano e biotecnologias, informática e ciências cognitivas.

    [10] Cf. o documentário de Michael Moore, Planet of the Humans, 2020.

    [11] James Corbet, The Corbet Report, 2020.

    [12] « L’Anthropocène est aussi le Thanatocène » : Edgard Morin, em Réveillons-nous ! Paris : Éditions Denöel, 2022, p. 39

    [13] Fréderic Gros, Désobéir, Paris, Albin Michel, 2017

    [14] Étienne de La Boétie, Discours de la servitude volontaire, 1574-1576.

    [15] No livro Eichmann em Jerusalém, 1960. Ver também o seu livro Desobediência Civil, 1972.

    [16] « Au moment où je me suis posé la question des émotions fascistes je me suis demandé d’où elles venaient, et j’ai compris que l’obéissance était au cœur de tout ça », em Georges Didi-Huberman, Pour quoi obéir?, Paris : Ed. Bayard, 2022. 

    [17] Atribuído a Thomas Jefferson, Papers of Thomas Jefferson, digital edition.

    [18] Inspirado em Fréderic Gros quando cita Thoreau, opus cit., ps. 111, 127, 143, 155, 160 e 173.

    [19] Ver, por exemplo, Patrick Jaulent, Jacky Cassou, Faux Virus. Fausse Pandemie. Vrais Coupables, Paris : Ed. Patrick Jaulent, 2021. Ver também o documentário Planet Lockdown, de James Patrick, 2022.

    [20] No contexto das propostas de revisão constitucional apresentadas em Portugal, está a ser ponderada a criação de uma alínea suplementar ao nº 3 do artigo 27 da Constituição, relativo ao direito à liberdade e à segurança, na qual se preveja o internamento compulsivo de pessoas consideradas em situação de infecção contagiosa. Recorde-se que a atual legislação, refletindo o Estatuto de Roma ratificado por Portugal em 1998, prevê pena de prisão para a imposição de um ato médico não consentido.

    [21] A proposta de um Tratado Pandémico que retira esta soberania aos países vai ser votada em maio deste ano.


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  • Quo vadis, PÁGINA UM?

    Quo vadis, PÁGINA UM?


    O PÁGINA UM caminha para o seu terceiro aniversário, no próximo dia 21 de Dezembro, atingindo este mês o seu período de maior impacte. Ainda faltando dois dias para o término do mês, e publicando agora a nossa edição quinzenal, ultrapassámos já, neste período de 28 dias, um total de mais de 550 mil visualizações.

    Registámos uma notícia com mais de 305 mil leituras, um recorde que constitui um número impressionante mesmo na imprensa mainstream, e isto com uma notícia que teve impacte nulo nos outros órgãos de comunicação social, o que é revelador do estado da imprensa e do desvio do foco dos assuntos mediáticos. Temos conseguido consistentemente diversas notícias com impacte, como se verificou recentemente com o ‘furo’ conseguido pelo jornalista Frederico Duarte Carvalho, que fotografou o ministro da Defesa e o Almirante Gouveia e Melo a entrarem num bar num furtivo encontro nocturno.

    Editorial

    Mas essa é a parte visível do PÁGINA UM. Os ‘bastidores’ não são tão idílicos, porque, numa estrutura tão pequena, qualquer imponderável, qualquer investigação mais dificultosa, qualquer processo em tribunal – e ainda ontem tive de me deslocar ao DIAP para prestar declarações por um aditamento a uma queixa da actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins (que tem á sua disposição uma das firmas de advogados mais caras do país, a Morais Leitão) –, qualquer tentativa soez de nos difamar, causa enormes dificuldades logísticas e financeiras.

    Mesmo sem qualquer receio – orgulho-me de não ter jamais recusado abordar qualquer tema –, a pressão é, contudo, constante, pois numa redacção com recursos tão limitados, cada obstáculo tem o potencial de desviar o foco do essencial: investigar, informar e publicar com rigor e independência.

    Cada deslocação, cada novo dado a verificar, cada exigência burocrática ou legal representa tempo e esforço que, numa grande redacção, poderiam ser diluídos por uma equipa alargada. Aqui, no entanto, não: tudo recai sobre um núcleo reduzido, onde cada jornalista acumula múltiplas funções e enfrenta desafios que vão muito além do mero trabalho editorial. Acresce ainda que, fruto do nosso trabalho, cada vez nos chegam mais denúncias, esperanças de que possamos abordar temas que os outros calam ou subvalorizam. Arrisco que a nossa incapacidade humana de dar resposta se confunda, aos olhos desses leitores, com indiferença. Não é: e por cada denúncia que não posso confirmar, há um lamento e uma certa frustração.

    Caros leitores, a independência jornalística tem um custo – e esse custo não é apenas financeiro, é também humano, logístico e emocional. No PÁGINA UM, lutamos todos os dias para trazer a verdade até vós, enfrentando desafios que muitas vezes nos colocam à beira do impossível. Não temos grandes grupos económicos por trás, nem interesses políticos a ditar o que publicamos. Mas isso também significa que dependemos cada vez mais dos leitores, apenas dos leitores, do seu apoio, da sua confiança, para continuar a ser a voz livre que te informa com rigor e coragem.

    persons right foot on white wall

    Hoje, mais do que nunca, a pergunta impõe-se: para onde vai o PÁGINA UM? Quo vadis? A resposta está nas suas mãos. Num mundo da comunicação que se desmorona e descredibiliza, se acredita na importância de um jornalismo independente, sem medo de questionar o poder, ajude-nos a resistir e a crescer. Temos conseguido até agora sobreviver – mas sobreviver não é viver nem é crescer, e para atingirmos objectivos não basta fazer ‘cócegas’, não se mostra produtivo entrar num desgaste cíclico. Por isso, cada vez mais, desafiamo-nos a crescer, mas isso apenas se alcança com o seu contributo, o único garante para que continuemos a investigar, a denunciar, a informar.

    Subscreva, partilhe, divulgue e apoie o PÁGINA UM. Porque sem si, o nosso caminho pode terminar mais cedo do que gostaríamos. O PÁGINA UM deseja, cada vez mais, ser a página de informação e de reflexão de um, de muitos, de todos; é de todos aqueles que ainda acreditam na força da jornalismo como um dos pilares da democracia e do livre pensamento, mesmo se incómodo, mesmo daquele que possa não tem razão mas que detém o direito de se expor perante os outros, até porque… pode ter razão, ou pelo menos ajuda a consolidar a nossa opinião.


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    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

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  • Fazer jornalismo incomoda os lacraus

    Fazer jornalismo incomoda os lacraus


    O ‘agente de comunicação’ Luís Paixão Martins, fundador da LPM, diz-se reformado, mas vai espalhando as suas ferroadas venenosas, discretamente, e agora sem filtro no canal Now.

    Ora, ontem à noite, a pretexto de comentar o encontro entre Gouveia e Melo e o ministro da Defesa, Nuno Melo, veio Luís Paixão Martins chamar-me negacionista das vacinas e outros mimos. Luís Paixão Martins, e os da sua laia, sabem bem como tentar conspurcar o PÁGINA UM que, cada vez mais, incomoda em muitos assuntos, apesar de termos uma redacção pequena e poucos meios humanos. Incomodamos em todas as áreas, e também ainda sobre o que se passou na pandemia, que a muitos beneficiou, havendo agora muitos interesses em colocar pedras sobre o assunto. Mas o PÁGINA UM não lhes tem feito esse favor.

    Temos ainda em curso processos no tribunal administrativo para obter os contratos das vacinas; temos ainda em curso pressões para o Infarmed disponibilizar toda a informação sobre as reações adversas das vacinas, fomos o jornal que revelou que Gouveia e Melo se mancomunou com a Ordem dos Médicos para serem vacinados médicos não prioritários; fomos o jornal que revelou que o ex-bastonário da Ordem dos Médicos Miguel Guimarães, actual deputado do PSD, escondeu pareceres do Colégio de Pediatria que em 2021 recomendava não se vacinarem menores saudáveis; fomos o jornal que denunciou a gestão ilegal de uma campanha de solidariedade financiada por farmacêuticas por parte da actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de Miguel Guimarães e de Eurico Castro Alves. E muito mais.

    Isto não é ser negacionista. Isto é ser jornalista. Isto é ser jornalista a questionar e escrutinar os poderes. Não fazer isso seria sim, como muitos fazem, negar os princípios do jornalismo.

    Eu sei que isto incomoda – e sei também como se contratam lacraus para tentar denegrir a minha imagem e a do PÁGINA UM. Chamarem-me negacionista não é só um ultraje; é querer intencionalmente negar aquilo que busco como jornalista: verdade e transparência.

    Não sei se este lacrau mercenário [Luís paixão Martins] terá sido pago para intencionalmente me denegrir, desinformando e semeando mentiras. Provavelmente, não. Talvez tenha feito a patifaria de borla para se vingar de duas notícias que o PÁGINA UM escreveu sobre a forma como a ‘sua’ LPM come da mão do poder.

    Uma das notícias revelou que a LPM tinha vencido o concurso para prestação de serviços de assessoria de imprensa da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), apesar de manter, no seu portfólio de clientes privados, sete farmacêuticas e mais uma dezena de empresas e entidades do sector da saúde, entre as quais um hospital privado, uma empresa de homeopatia, três sociedades médicas, uma empresa e uma associação de empresas de diagnóstico médico, uma fundação e duas instituições não governamentais. Esta notícia sobre a contratação da empresa fundada pelo conhecido consultor de marketing político do Partido Socialista, levou a que fossem pedidas explicações ao então ministro da Saúde, Manuel Pizarro, sobre as promiscuidades na estratégia de comunicação do SNS.

    O caso surgiu de uma investigação do PÁGINA UM aos contratos públicos para a contratação de serviços de assessoria de comunicação, que denunciou que apenas três em cada 100 contratos são feitos por concurso público, demonstrando que prevalece uma relação de uma proximidade e ‘amiguismo’ entre ‘agentes de comunicação’ e entidades públicas, na hora da contratação.

    Ou então pode não ser um acto de vingança de Luís Paixão Martins e este está apenas a posicionar-se para se candidatar a preparar a candidatura de um putativo candidato às presidenciais…

    P.S.: As imagens reveladas pelo PÁGINA UM sobre o encontro no bar Cockpit foram obtidas por um jornalista acreditado e a notícia foi escrita por mim. Não foram obtidas por um mirone nem obra do acaso, como sugeriu Luís Paixão Martins; foi sim obra da nobre arte do jornalismo.

    P.P.S.: A directora de informação da agência Lusa, Luísa Meireles, num comentário a uma publicação de Luís Paixão Martins, na rede X, mostrou-se muito preocupada em saber quem teria avisado o PÁGINA UM sobre o encontro. Que a directora da Lusa vá para uma rede social questionar ou lançar suspeitas sobre as fontes de um órgão de comunicação social já seria lamentável. Mas, pior ainda, é a Lusa, uma agência noticiosa pública, insistir em referir-se ao PÁGINA UM como “site” e às suas notícias como “publicações”. Além de lamentável esta atitude é profundamente deselegante, tendo em conta que fomos colegas no Expresso há cerca de duas décadas.


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  • Trump, o ambientalista acidental

    Trump, o ambientalista acidental


    Vale a pena começar pelo básico. A poluição é um termo em Ecologia associado ao processo de introdução de substâncias ou energia no Ambiente que causem efeitos negativos nos ecossistemas e na saúde humana, desregulando-os, tanto a curto como a longo prazo. Nessa medida, somente nas últimas décadas, o dióxido de carbono passou a considerar-se um poluente, em sentido lato, não por causar um efeito imediato ou ser tóxico, mas pela influência que terá no clima.

    Porém, antes disso, os processos de combustão – as principais fontes de emissão de dióxido de carbono, havendo também outros gases com o chamado ‘efeito de estufa’ – não devem ser olhados apenas nessa perspectiva climática. É um erro crasso – e por eu, que comecei a minha actividade jornalística nos anos 90 sobre questões ambientais, exaspero-me agora, e irrito-me deveras, com o monotema mediático das alterações climáticas no contexto ambiental, como se nada mais houvesse, ‘sequestrado’ que foi por políticos e empresas que encontraram aí ‘fermento’ para o ‘greenwashing’, transformando a Ecologia num negócio e numa espécie de culto onde vale mais parecer do que ser. A Ecologia passou a ser política. E na política usam-se demasiadas vezes artimanhas de desresponsabilização, sendo que um dos truques é encontrar bodes expiatórios.

    Se houvesse, globalmente, políticas sustentáveis de promoção de tecnologias, de eficiência energética, de mobilidade e transporte, de produção industrial, de comércio internacional e de planeamento urbanístico – onde os políticos falham redondamente – não seria preciso estar constantemente a ‘massacrar’ as pessoas de que vem aí o ‘diabo’, e de criar bodes expiatórios. Com boas políticas feitos com bons políticos, a redução das emissões de gases de efeito não seriam o objecto mas a consequência de um uso sustentável, equilibrado e eficiente dos recursos.  

    Mas nada disso tem interessado.

    Tem interessado, sim, criar um circo mediático, de que a Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP), já na vigésima nona edição, é o símbolo máximo da inépcia e do faz-de-conta. E criar sobretudo bodes expiatórios.

    O renovado bode expiatório chama-se Donald Trump. Nada há a dizer de muito favorável ao próximo presidente dos Estados Unidos em termos de políticas e sensibilidades ambientais. No seu primeiro mandato, entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2021, era conhecido o seu (mais do que) cepticismo sobre a causa humana das alterações climáticas e quis mesmo abandonar a ‘mesa de negociação’ do Acordo de Paris. Não quero discutir aqui esse aspecto, mas tão-só relativizar (e enquadrar) a sua acção: nos anos do seu primeiro mandato, os Estados Unidos até registaram uma redução relevante nas emissões (-7,3%), passando de 6,07 Gton em 2016 para 5,63 Gton em 2020. Os valores conhecidos nos primeiros dois anos da Administração Biden mostram, hélas, um crescimento de 13%, passando para 6,0 Gton em 2022. Quem diria, não é?

    Mas a questão essencial, que todos procuram ignorar, é a existência de um gigantesco elefante no meio da sala – e que, por pudor, receio ou interesse comercia, os políticos não falam, porque convém diabolizar Trump: a China.

    Em 1970, a China emitia apenas 1,83 Gton de gases de efeito de estufa. Duas décadas depois subiu para as 4,41 Gton, superando os Estados Unidos em 2004 como o país com maiores emissões. Nesse ano, em virtude do forte crescimento económico baseado na queima de carvão e no aumento das exportações, a China emitiu 7,03 Gton. Uma ‘coisa’ de nada, se observarmos que 18 anos depois, em 2022, as quantidades tinham mais do que duplicado, para impressionantes 13,94 Gton, mais do que os três países juntos nas posições seguintes: Estados Unidos (6,0 Gton), India (4,05 Gton) e Rússia (2,29 Gton).

    Por esse motivo, paradoxalmente, a intenção de Donald Trump de reduzir o fluxo de exportações da China para os Estados Unidos poderá, afinal, ter um impacto significativo nas emissões de gases de efeito de estufa, especialmente se considerarmos o peso do país asiático no comércio global e em tecnologias, frequentemente obsoletas e poluentes, que utiliza nas suas cadeias produtivas. Aliás, diversas análises confirmam que as exportações da China para os Estados Unidos representam um défice de custos ambientais para o país asiático, já que os produtos chineses, de menor valor agregado e alta intensidade de carbono, custam àquele país 74% mais emissões por unidade económica do que os bens que os Estados Unidos exportam para a China.

    Num mundo globalizado, a produção e o transporte de mercadorias acarretam também custos ambientais elevados. Grande parte dos produtos exportados pela China utilizam métodos de produção intensivos em carbono, com uma pegada ecológica que abrange desde a extracção de matérias-primas até o transporte.

    a group of people standing in a foggy area

    Reduzindo-se as exportações a partir da China, e promovendo a produção local (leia-se, Estados Unidos), de forma “acidental” estará Trump também a contribuir para uma redução global nada negligenciável na redução dos gases com efeito de estufa. Não apenas porque os Estados Unidos têm tecnlogias mais limpas, mas também porque se reduzirá o transporte marítimo, responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Assim, uma redução do volume de importações da China para os Estados Unidos até poderia aumentar as emissões do país americano, mas reduziria o impacte directo global, por ‘cortar’ nas emissões do transporte e da produção chinesa com maior pegada ecológica.

    Deste modo, numa perspectiva de descarbonização, Trump arrisca ser um autêntico ambientalista, mesmo se acidental. Para desespero de muitos, que jamais apontam o dedo à China. Afinal, convém manter bem alimentados um bom bode expiatório, enquanto também se ‘culpam’ as pessoas, e os políticos continuam a passear-se ‘verdejantes’.


    N.D. Foi feito um pedido expresso, que decidimos acolher, para divulgar um pequeno mas relevante manifesto de um grupo de pessoas que trabalharam ou colaboraram em publicações do actual grupo Trust in News. Os subscritores iniciais são os seguintes: João Gobern, José Silva Pinto, Inácio Ludgero, Fernando Dacosta, Manuel Vilas-Boas, Rui Pregal da Cunha e Carlos Oliveira Santos.

    As novas subscrições devem ser dirigidas ao email costerra1953@gmail.com.

    Os signatários, tendo trabalhado ou colaborado com publicações atualmente integradas no grupo Trust In News, vêm manifestar a sua indignação pela incúria e irresponsabilidade a que chegou este importante grupo de comunicação social, e solidarizam-se com os seus trabalhadores, desejando a positiva continuidade das respetivas publicações.


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  • Brasil: entre a amnistia e a democracia

    Brasil: entre a amnistia e a democracia


    Na língua portuguesa, o vocábulo “amnistia” adquiriu ao longo do tempo feições diferentes. De inspiração divina, a noção de amnistia está de certo modo associada à idéia de perdão. Quando Pedro pergunta-lhe se deveria perdoar até sete vezes o irmão que pecasse contra si, Jesus responde-lhe: “Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete” (MT 18:21-22).

    No contexto histórico, o termo quase sempre esteve associado a transições pacíficas de poder, quando um sistema autoritário cedia passo – por pressão ou por exaustão – a regimes democráticos. Foi assim que a Espanha deu adeus ao franquismo (1977). Foi assim que o Uruguai despediu-se de quinze anos de ditadura (1986). E foi assim que a África do Sul conseguiu superar, sem enfrentar uma guerra civil, a pesada herança do Apartheid (1995).

    O Brasil, contudo, preferiu outra toada. Ou, por outra, levou ao paroxismo o conceito de amnistia. Como se quisesse dar razão à canção de Chico Buarque, o Brasil adotou o lema segundo o qual não há pecados ao sul do equador. Tudo valia para olvidar o passado, desde que não fosse necessário encarar suas cicatrizes históricas. Por pior que fosse o delito, sempre haveria uma pedra para colocar em cima do assunto.

    Christ Redeemer statue, Brazil

    A “teoria da pedra” era, a um só tempo, simples e sedutora. Simples, porque resolvia numa só canetada todas os imbróglios que porventura existissem entre diferentes facções políticas. E sedutora porque, não sendo possível punir infratores, dispensavam-se os próceres do novo regime de contrariar poderosos. Daí, por exemplo, a amnistia aos golpistas de 1955, que se levantaram contra a eleição de Juscelino Kubitschek, impedidos tão-somente pelo contragolpe do Marechal Henrique Teixeira Lott. Daí, também, a amnistia aos sediciosos da Força Aérea, que tentaram derrubar o mesmo JK alguns meses depois, na Revolta de Jacareacanga, no Pará.

    Foi com esse mesmo espírito que se arquitetou o último perdão da qual se tem registro no Brasil: a amnistia de 1979. Uma vez que a ditadura não estivesse fraca o suficiente para sucumbir, nem a oposição forte o suficiente para derrubá-la, o retorno à normalidade democrática ficou vinculado a um arranjo de bastidores entre a turma da caserna e aquela liderada por Tancredo Neves. Coube a Tancredo negociar um arreglo através do qual se aceitava a autoamnistia requerida pelos militares, condicionada a uma transição pacífica de poder após o fim do governo de João Figueiredo.

    Os militares, claro, cumpriram apenas parcialmente o prometido. Dois anos depois da Lei da Amnistia, integrantes da linha dura do Exército tentaram literalmente explodir a abertura política, ao colocar uma bomba no show de 1 de Maio de 1981. Enterrado sem exéquias em um inquérito policial-militar de fancaria, o atentado do RioCentro entraria com desonras no panteão de maiores vergonhas da historiografia nacional. A morte dos incompetentes militares terroristas – que deixaram a bomba explodir ainda dentro do carro que guiavam – foi atribuída a “elementos de esquerda” e nunca mais investigada, a despeito de ser cronologicamente impossível que o crime estivesse sob o abrigo da lei de 1979.

    Obviamente, as sucessivas amnistias retiraram dos golpistas tupiniquins a percepção de perigo. Como as ações ilegais praticadas por paisanos ou militares golpistas jamais eram punidas, o risco de ir para a cadeia deixou de ser considerado nessa equação. Ao contrário da Argentina, onde os militares foram condenados em um julgamento histórico, aqui a idéia sempre foi a de colocar uma pedra em cima do assunto e simplesmente esquecê-lo. Com todas as desgraças que já se abateram sobre nuestros hermanos desde a última ditadura – e elas não foram poucas –, nunca se ouviu sequer sussurro de gente propondo golpe de Estado por aquelas bandas. Por quê? Porque Jorge Rafael Videla, o mais emblemático dos presidentes-generais portenhos, morreu aos 87 anos sozinho e esquecido na prisão, sentado em um vaso sanitário imundo e fétido, siderado por uma diarréia.

    A close up of a barbed wire with a blurry background

    Cá no Brasil, ao contrário, ao invés de ser exorcizado, o fantasma da intervenção militar ficou apenas trancado no armário. Bastava alguém disposto a abri-lo para que ele voltasse a assombrar-nos. Foi exatamente o que aconteceu com a eleição de Jair Bolsonaro, ele próprio um elemento subversivo da tropa, “expulso a convite” depois de um julgamento absolutamente bizarro do Superior Tribunal Militar, por ameaçar colocar bombas em quartéis e na adutora do Guandu, no Rio de Janeiro (para quem quiser se aprofundar no assunto, recomenda-se a leitura do livro O cadete e o capitão: a vida de Jair Bolsonaro no quartel, de Luiz Maklouf Carvalho). Tudo que se sucedeu no país após sua eleição é reflexo directo dessa “cultura do perdão” expressa na “teoria da pedra”.

    Que houve uma tentativa de golpe no dia 8 de Janeiro de 2023, parece inteiramente fora de questão. O roteiro para a ação golpista – e, portanto, criminosa – é claro como água de bica: os “patriotas” invadiriam a Praça dos Três Poderes, detonariam tudo e clamariam pela “intervenção militar constitucional”. No melhor cenário (para os golpistas), os comandantes mandariam tirar seus homens dos quartéis, tomariam de assalto (literalmente) o poder e prenderiam Lula e todo o seu governo. Bolsonaro, então, faria um regresso triunfal do seu autoexílio na Disney, descendo ao campo de batalha para “matar os feridos”, isto é, iniciar o expurgo contra a ordem derrubada. O primeiro da lista, evidentemente, seria Alexandre “Xandão” de Moraes. Depois dele, Luís Roberto “Boca de Veludo” Barroso e Edson “Advogado do MST” Fachin. O resto a combinar.

    No “pior cenário”, os militares não dariam um golpe clássico, mas o governo – pego de calças curtas pela destruição das sedes dos três poderes – convocá-los-ia através de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (as famosas GLOs) para “pôr ordem na casa”. Nesse caso, depois de ver a ordem restabelecida pelos mesmos militares a quem os golpistas pediam intervenção, Lula estaria magnificamente emparedado. Ou bem seria obrigado a renunciar, em prol de uma suposta “pacificação nacional”; ou então ficaria na Presidência como um animal empalhado, sem poder algum, tutelado pelo pessoal da caserna. Felizmente, contudo, ocorreu o “pior pior cenário” para os golpistas: o golpe malogrou e a maioria foi em cana. O que se desenrola, agora, é a tentativa de saber até onde vai a responsabilidade de cada um pelo que sucedeu naquela fatídica data.

    Mesmo a saber de tudo isso, parte da mídia especializada e da classe política insiste na concessão de uma amnistia à cúpula do golpismo. Segundo essa gente, somente assim seria possível “moderar” o bolsonarismo e diminuir a temperatura da polarização política que nos aflige. É o tipo do raciocínio que só pode ser produto de tabagismo com cannabis apodrecida. A uma, porque não existe “bolsonarismo moderado”, eis que o próprio movimento depende, para sobreviver, de um estado de tensão e provocação institucional permanentes. A duas, porque o que modera golpista é cadeia. Repetindo: CADEIA. Bolsonaro não foi condenado quando capitão. Deu no que deu. Donald Trump saiu ileso da intentona golpista do 6 de Janeiro. Deu no que está dando.

    A esperança de que uma amnistia traga um futuro melhor, de calma e tranquilidade, já foi desmentida vez após vez. Ela só funciona – quando funciona – se for fruto de um pacto genuíno em que a parte amnistiada exerce um ato sincero de contrição. Isso no Brasil nunca houve. Em todos os casos, a amnistia serviu apenas de muleta jurídica para resolver sem grandes traumas nosso crônico problema de accountability.  Deixar impunes os pecados pretéritos não representa senão um convite à repetição desses mesmos pecados no futuro. Errar é humano. Insistir no erro tem outro nome.

    Por todas essas razões, se, ao final do processo, ficar comprovado que Bolsonaro e seus generais estiveram de facto envolvidos numa tentativa de golpe de Estado, que a espada da Justiça caia sobre as suas cabeças com todo o rigor que dela se pode exigir. Não se pede nada além disso. Não estamos mais em 1964. Não estamos mais em 1979.

    Amnistia?

    Nunca mais.

    Arthur Maximus é advogado no Brasil e doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


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  • X e o ‘Guardian-costas’ da censura

    X e o ‘Guardian-costas’ da censura


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 11º episódio, analisa-se o anúncio do jornal britânico The Guardian de sair da rede social X (antigo Twitter), depois da vitória do candidato republicano, Donald Trump, nas presidenciais norte-americanas. No tempo em que o Twitter censurava vozes conservadoras e até jornalistas o The Guardian nunca viu problema nenhum naquela rede social…

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Mariana Mortágua propõe novo roubo

    Mariana Mortágua propõe novo roubo


    Esta semana, a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, em mais um brilhante acto de altruísmo estatal, presenteou-nos com uma proposta de espoliação renovada. Dividida em duas nobres frentes, a primeira visa as empresas que, desavergonhadamente, ousam lucrar com os dados dos utilizadores – esses ingratos que, por algum milagre de raciocínio, nunca estranham a gratuidade do serviço, esquecendo que, sendo grátis, o produto são eles mesmos.

    A segunda investida recai sobre as temíveis fortunas acima de três milhões de euros, os culpados favoritos da narrativa redistributiva. Naturalmente, os órgãos de propaganda, fiéis escudeiros desta nobre cruzada, rejubilaram de entusiasmo, conferindo-lhe, como era de esperar, o devido e obsequioso destaque.

    De que proposta se trata? Um imposto com uma taxa de 1,7% para patrimónios entre três e cinco milhões de euros, 2,1% para aqueles entre cinco e 10 milhões de euros e, a partir dos 10 milhões de euros, uma taxa majestosa de 3,5%. Eis aqui mais um tiro de misericórdia no agonizante conceito de propriedade privada. Preparemo-nos, pois, para dissecar esta última inovação fiscal com a deferência que tão brilhante ideia merece.

    É digno de nota que o Estado se revele um verdadeiro virtuoso na arte de inflacionar a sua própria moeda, em resultado do seu monopólio na produção de dinheiro, garantido pelo seu todo-poderoso Banco Central e bancos comerciais subordinados. Esta prodigiosa capacidade de criar dinheiro do nada gera um efeito interessante: a escalada generalizada dos preços – como vimos na falsa pandemia – que, em seguida, é habilmente confiscada através de um novo imposto sobre as grandes fortunas. É uma obra-prima de criatividade: roubar, para poder roubar outra vez!

    Outro aspecto fascinante desta proposta é a seguinte questão: como o Estado pretende determinar o valor dos bens de um cidadão? Imaginemos, por exemplo, um dos nossos “afortunados” milionários, detentor de uma sociedade não cotada em bolsa. Como se calculará o valor desse activo? Será que o Estado recorrerá ao auxílio de burocratas iluminados, adivinhos experientes, peritos ou talvez místicos fiscais para fazer este serviço? No improvável caso de um erro na avaliação, quem ressarcirá o montante cobrado em excesso?

    Agora, consideremos aqueles bens móveis que, pela sua própria natureza, são facilmente ocultáveis: obras de arte, jóias e, claro, criptomoedas. Como será que o Estado pretende avaliar o valor desses tesouros? Podemos imaginar os nossos zelosos fiscalizadores a mobilizar esquadrões especializados para vasculhar cofres pessoais, munidos de tabelas de valores e instrumentos de precisão patrimonial; ou, quem sabe, de arma em punho, prontos para exigir a chave privada da carteira digital da vítima. Uma autêntica caça ao tesouro, tudo, é claro, em nome do bem comum!

    O próximo ponto encantador é a linha de corte absolutamente arbitrária que decide quem paga e quem escapa a novo assalto. Se é um dos “sortudos”, com exactamente 3 milhões de euros em património, prepare-se para abrir a carteira em prol do “bem comum”. Mas, caso o seu património seja “apenas” de 2,99 milhões de euros, respire de alívio! Está a salvo de um assalto anual superior a 50 mil euros, isto se deixar de trabalhar para não correr o risco de enriquecer ou sofrer uma nova onda de inflação que o eleve à categoria de feliz assaltado.

    Propostas do Bloco de Esquerda

    Vamos agora reflectir sobre a moralidade implícita nesse tributo. O cidadão que acumulou património por meio de trocas pacíficas, voluntárias, sem recorrer à coerção ou à violência, vê-se agora alvo da mais pura e destemida violência estatal. No fundo, a lógica é clara: qualquer riqueza que não foi roubada pelo Estado, seja através de impostos sobre o rendimento, sobre mais-valias ou sobre propriedade, ainda é potencialmente confiscável.

    É igualmente imperativo salientar o impacto económico devastador que este imposto terá sobre o capital produtivo, sendo os mais atingidos, ironicamente, os pequenos e médios empresários. O seu património, longe de ser líquido ou especulativo, está maioritariamente imobilizado em equipamentos, infra-estruturas e outros activos indispensáveis à produção – muitas vezes concentrado em empresas não cotadas em bolsa.

    Para pagar este confisco, esses empresários serão forçados a vender parte do que possuem, comprometendo a continuidade do seu negócio. Enquanto isso, os verdadeiros milionários, com acções cotadas em bolsa, podem simplesmente liquidar parte desses activos, perdendo propriedade, mas sem qualquer impacto na capacidade produtiva.

    Aqui reside a ironia fatal: Portugal é composto por um tecido de pequenos e médios empresários, não por um escol de multimilionários ao estilo norte-americano. Contudo, a ilustre comunista Mariana, inspirando-se no ódio ao grande capital, aplica com zelo uma receita que não só saqueia a população, mas também dinamita as bases da economia nacional.

    Um imposto sobre fortunas tem o mérito questionável de desincentivar a acumulação de capital, precisamente o pilar essencial para o investimento produtivo e o crescimento económico. Em vez de poupar e reinvestir, os indivíduos passam a consumir desenfreadamente ou, como bons estrategas, a dedicar-se à arte da evasão fiscal – uma prática que, diga-se de passagem, é incentivada por políticas tão visionárias.

    O resultado é duplamente perverso: não apenas se reduz a quantidade de capital disponível para a economia, como também se distorce profundamente o comportamento daqueles que ainda ousam desejar acumular riqueza. Um verdadeiro manual de como sabotar o motor económico sob o pretexto de “justiça social”.

    stack of books on table

    Além disso, quem acumula uma fortuna geralmente possui um planeamento de longo prazo, pensando em investimento, inovação e, em muitos casos, em deixar um legado para gerações futuras. O imposto sobre fortunas interfere nesse planeamento, forçando a liquidação de activos e, muitas vezes, inviabilizando a continuidade de empresas familiares ou projectos de longo prazo.

    O imposto sobre fortunas passa a mensagem de que o sucesso e a eficiência devem ser punidos. Em lugar de reconhecer e valorizar os indivíduos que acumulam capital – e que, em última análise, financiam inovações, negócios e empregos – o imposto coloca todos os ricos como “inimigos do povo,” ignorando as suas contribuições económicas.

    Apenas indivíduos que dedicaram toda a sua existência ao parasitismo alheio, que desde os tempos em que saíram da faculdade vivem do assalto sistemático aos cidadãos produtivos, moldados por ideias trotskistas e subversivas, poderiam conceber tamanha aberração tributária. São mestres na arte de propor um roubo atrás do outro, tudo para que o monopolista da força – o Estado – possa exercer extorsão ainda maior, sempre sob o aplauso entusiástico dos habituais órgãos de propaganda.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • Trump M&M: mentiras e megalomania

    Trump M&M: mentiras e megalomania


    Este texto deveria ter sido publicado no ‘day after‘ à eleição de Donald Trump. Felizmente, o ‘Windows‘ rebentou (ou não fosse o ‘Windows‘) e o texto desapareceu, sendo substituído por uma neura que me fez desligar o computador e ir ver o Bayern – ‘Arouca’, para a Liga dos Campeões.

    E digo felizmente porque aquilo que lá estava já não aparece aqui hoje. Nesse dia estava chateado, a pensar como é que tantos milhões podem votar num criminoso condenado (é facto, já não é domínio da opinião) e, principalmente, num homem que faz do racismo, do ódio e da divisão, os seus principais argumentos. Hoje, vejo a coisa de forma ligeiramente diferente e numa perspectiva menos emocional.

    Já tinha escrito anteriormente que a escolha entre Kamala Harris e Donald Trump se resumia ao clássico ‘mal menor’, de que esta tão propalada democracia bipartidária é pródiga. De quando em vez, lembro-me que a diferença entre uma ditadura e a democracia americana está reduzida à unidade. Um partido separa-os.

    Nesta escolha do ‘mal menor’, para mim, não existiam dúvidas. Kamala, com todos os defeitos, é um ser pensante, com alguma decência e dentro do perfil de bom senso que, pelo menos eu, imagino necessário a qualquer líder. Trump é um ser abjecto, sem o mínimo de cultura ou bom senso para administrar o condomínio do prédio, quanto mais os Estados Unidos.

    Esta seria a análise fácil e aquela que escrevi antes do ‘Windows’ ter ‘eliminado’ o meu texto original. Hoje, tento colocar-me nos sapatos dos americanos que votaram, sem o habitual preconceito de serem todos ignorantes como pneus.

    De um lado, tinham Kamala Harris, simpática, bem humorada, a prometer seguir a linha de Joe Biden, sem nunca conseguir explicar algo que se parecesse a um programa. A aposta total dos democratas, depois de conseguirem correr com um desgastado Biden, foi apenas a de mostrar bondade e amor, contra o ódio irradiado por Trump. É pouco. Foi pouco.

    Trump, por seu lado, explicou exactamente ao que vinha. Inventou, mentiu, exagerou, mas disparou ideias: deportar imigrantes, acabar com as guerras que o Biden financiou, bloquear as entradas de produtos da China, descer os impostos.

    O discurso de ódio contra os imigrantes foi abraçado, de imediato… por outros imigrantes. Num país onde todos são imigrantes, nada mais popular do que dizer que é altura de mandar alguém fora, porque, se pensarmos bem, há sempre alguém descontente com o vizinho.

    Acabar com a guerra da Ucrânia com um telefonema, e antes de tomar posse, foi outra das promessas. Tendo em conta que a guerra gera emprego interno nos Estados Unidos, não sei bem se as pessoas queriam sequer esta medida ou se perceberam o seu impacto. Mas, se cumprir a promessa, já estará a dar uma ajuda aos europeus que pagam, com juros, a ‘conquista’ do Donbass e, de caminho, ainda têm de comprar energia mais cara aos Estado Unidos. Mas duvido que um norte-americano de classe média se deite a fazer estas contas ou discuta seja lá o que for que aconteça do Maine para o lado do Atlântico.

    Já a promessa de bloquear os produtos chineses pareceu-me um tiro em cheio. Enquanto chamava marxista a Kamala Harris, Trump fazia promessas socialistas, daquelas que se fossem feitas na Venezuela dariam origem a sanções. Mas, melhor do que isso, foi ver norte-americanos na rua a pedirem o fim da entrada dos produtos ‘made in China’, quando os gigantes americanos já fazem as suas produções por lá. Apple, Boeing, Ford, GM, entre tantos outros, já produzem e optimizam os seus lucros graças à China. Ao impor um bloqueio, Trump está, na prática, não só a prejudicar o investimento norte-americano como a aumentar o custo dos produtos ao consumidor final. Ou seja, diz que lhes baixa os impostos e, em simultâneo, aumenta o custo de vida.

    E as pessoas deliram, aplaudem, acreditam e… votam.

    Foi esta a grande diferença. Trump mentiu, prometeu coisas que não sabe se pode cumprir e inventou, muito. Mas disse qualquer coisa. Mostrou uma espécie de plano. Kamala andou a fazer discursos de ‘Miss Mundo‘ e, depois de quatro anos da Administração Biden, enlameada directa ou indirectamente pela guerra da Ucrânia, o genocídio em Gaza e vários problemas internos (com a Economia e a imigração à cabeça), a saturação do eleitorado atingiu o pico.

    Entre quem não diz nada, e promete a continuidade dos problemas, ou um lunático que dispara para todo o lado, as pessoas arriscam pensando: “o que há para perder?”

    Se Trump se virar para dentro e tentar isolar um pouco mais os Estados Unidos, seja no comércio, na defesa, na Economia, nos muros da imigração ou nos bloqueios imaginários a produtos americanos vindos da China, por mim tudo bem. Aliás, quanto mais problemas internos ele arranjar e menos chatear no resto do Mundo, tanto melhor. Como isso não acontecerá, e os norte-americanos continuarão a meter a colher em todas as panelas, pode ser que a Europa aproveite esta oportunidade única para voltar a ter um lugar à mesa e deixe de ser um fantoche dos Estados Unidos. Que trate da sua defesa sem depender da NATO, que faça as suas relações comerciais com quem seja mais vantajoso, que tome posição nas decisões e nos conflitos, em vez de andar a distribuir lamentos e repúdios.

    É tempo de a Europa assumir, novamente, o seu potencial. É certo que a tarefa se complica com gente como Macron, Meloni, Von Der Leyen, Orban, Scholz ou Borrell à frente dos destino europeus mas, enfim, é o que se arranja por agora.

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    Uma última nota para a hecatombe das previsões que, uma vez mais, se verificou na comunicação social portuguesa. A ‘coisa’ começa a criar alguma tradição. Andei semanas a ouvir que Kamala Harris tinha uma ligeira vantagem e, mesmo na noite eleitoral, ainda ouvi falar em empate técnico durante umas horas. Acabou numa ‘tareia republicana’ em todas as disciplinas de voto.

    Como podem esperar manter a credibilidade, a seriedade e até a atenção dos espectadores quando falhas épicas começam a ser o prato do dia? A última vez que ouvi falar em empates técnicos, durante semanas, o acto eleitoral acabou numa maioria absoluta do Partido Socialista. Pensei se, desta vez, o Sebastião Bugalho voltou a fazer análises ou se lançaram apenas os búzios aí nas redacções.

    Para a próxima é que é…

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • A falta de acento

    A falta de acento


    Forçados a uma grossa e bruta alteração climática, dez graus a mais em tão-só três horas de viagem, poderia ter ocorrido aos milionários futebolistas do Manchester City, mais aos seus brilhantes penteados, delicadas tatuagens e adubadas maçãs-de-adão, irem preparar o jogo para os areais da Caparica. Faziam uma peladinha cinco contra cinco, mais o Haaland sempre à mama, a jogar para os dois lados, a ver se resgatava o moral e reparava a autoconfiança. No final, lambuzavam-se com um arroz de polvo no Barbas, onde os atletas das camadas jovens do Benfica têm dez por cento de desconto vitalício e direito a um gelado de morango ou framboesa por conta da casa.  

    Para despeito e frustração da nação benfiquista, um já desenraizado e por consequência desarrazoado Bernardo Silva, guia turístico da equipa celeste dentro e fora dos relvados, optou por sentar os afamados craques e o catalão detentor do record de 279 cuspidelas no banco de suplentes num só jogo da Premier League, à mesa do Solar dos Presuntos. E foi assim que o dito melhor treinador deste e do mundo do além, desembrulhou a sua infalível tática, para a história da Liga dos Campeões, em todas as línguas menos o castelhano, no famoso restaurante onde os lisboetas adentram esfaimados e se retiram satisfeitos, de barriga cheia e o espírito a entornar de sonhos com uma casinha em Ponte de Lima, ou da Barca, e muitas papas de sarrabulho nos anos de reforma.

    Ai carago, no Minho é que é bom!

    Para lá da rasteira, para cartão vermelho, à devoção do hirsuto e histórico adepto das águias, o pequeno em estatura mas de alto gabarito Bernardo também começou, logo na véspera do jogo, a desperdiçar escandalosamente as fidalgas ofertas do clube anfitrião. A primeira dessas condescendências, só para amigos dispostos a colaborar na farra, teria sido uma viagem, exclusiva e personalizada com camisolas antigas do Cristiano Ronaldo e as edições do dia do Record e do Correio da Manhã, no divertido e espaçoso autocarro anfíbio HIPPOtrip, passe a publicidade, de ida e volta entre o estádio de Alvalade e a praia do CDS. O glutão da Silva, cada vez com mais olhos do que barriga e cabelos para pentear, imaginando já ter à frente os adversários, soltou um grito barulhento de guerra aos empregados, registado em acta nas páginas electrónicas da revista NiT.

    Tragam tudo o que é nacional, porque o que é nacional é que é bom!

    O referido periódico sempre-em-linha relata que começaram a sair da cozinha, logo de entradas, “pratos tipicamente portugueses” como um “Polvo à Galega” (sic).  O octópode marinho foi servido em finas rodelinhas com molho muito picante, a fim de aquecer as hemorroidas dos comensais para 90 minutos de esforços e tropelias na fofa relvinha de Alvalade.

    Nas entrelinhas da NiT, não tanto nas minhas, com este polvo à galega tipicamente português fica a sugestão ao senhor ministro da Defesa, também ele um minhoto com ares e memórias de grandes noitadas em Vigo: se justamente anseia por uma recomposição de fronteiras, não seria mais interessante a conquista do Cabo Finisterra, em detrimento do promontório seco de Olivença?

    Como segunda entrada, os refinórios cityzens chuparam com concupiscência umas ameijoas à moda do poeta Raimundo de Bulhão Pato, que tão bem antecipara em verso aquela festa vespertina – e o jogo do dia seguinte –, com a precisão dos gastrónomos de novecentos:

    Amigos, à formosura

    Que nos cerca neste instante,

    Erga-se a taça escumante

    De purpurino licor.

    Vivo enthusiasmo rebente

    Agora de nossas almas,

    Caiam palmas sobre palmas

    Cada vez com mais ardor!

    Dito o poema pelo padeiro Matheus, num acento luso-tropicalista que soa a fado em inglês, encheram-se os copos de uma “selecção” de vinhos nacionais, “ao gosto de cada um”, e a sala transbordou em entropigaitados brindes: ao nevoeiro de Manchester, à independência da Catalunha e à bola de ouro do castelhano Rodri, que tanta falta lhes tem feito no meio do campo, quanto mais à mesa.

    Os pratos principais do banquete conservaram fresca a sofisticada frugalidade dos ilustres confrades.  Bernardo declinou a célebre “foda” em favor do cabritinho assado, também “à moda de Monção”. E condescendeu num arroz, mas de lavagante, sem saber que é um prato do dia corrente e alegadamente barato nas tascas de Oeiras.

    Para uma constelação de estrelas, um pijama de sobremesas. No meio do mesmo, a espreitar ousado, pudim Abade de Priscos, outro gastrónomo minhoto, eternizado por uma tão premonitória como franciscana frase, que hoje em dia daria direito imediato a coluna permanente no jornal A Bola e lugar cativo no Estádio da Luz:

     – Todo o burro come palha, a questão é saber dar-lha!

    No Minho, no tempo de padre Manuel Rebelo, o Abade de Priscos, os velórios eram um óptimo pretexto para fartos banquetes. Os amigos reuniam-se na casa do falecido para se despedir dele e desfrutar de uma última refeição “à pala”. As famílias mais abastadas contratavam um cozinheiro para confeccionar iguarias para dezenas de pessoas. Um desses mestres em bodas de despedida para a eternidade, salvo erro de Lanhelas, terra de boas solhas e afamadas bandas de música, ficou famoso por irromper nas salas a cheirar a cera e a defunto, a anunciar os paladares mais aromáticos da chouriça e do toucinho caseiros:

     – E então, choramos ou jantamos?

    Com um inexplicável travo a vinho verde branco dos beiços à garganta, os milionários futebolistas do City largaram do Solar dos Presuntos já bem anestesiados, directamente para o xixi e cama, no mais obscuro desconhecimento da íntima relação futebolística entre bandulhos cheios e tristes resultados. Fiados na cor das camisolas e embriagados de sono, nem rezaram ao anjo da guarda nem pediram a Deus perdão pelos pecados da gula, alardeado às Portas de Santo Antão, e de exibicionismo de taças, em pleno Terreiro do Paço.

    Em campo, sofreram o castigo da metamorfose. Entraram como lobos, esfomeados mas sem maneiras. Assim que fizeram um golo, atraiçoando indecentemente um samurai pelas costas, passaram a exibir as penas como pavões.

    No estádio, começou a cheirar a queimado. Pareceu um velório aos espíritos mais fracos, a carpir Rubem Amorim por tão triste e velhaca despedida.

    Aos 38 minutos, deu-se o regresso à normalidade. Geovany Quenda dominou a bola no peito com a perícia de um anjo e articulou um passe de magia, a rasgar linhas e impossíveis. Acordou a equipa, levantou o estádio e fez disparar o cometa Gyökeres para a baliza do topo Norte, como a estrela polar.

    É golo!

    Ao intervalo, com o jogo naquele empate manhoso, Morten Hjulmand fechou a porta do balneário ao treinador e mostrou os dentes brancos e o domínio das tradições portuguesas que fazem dele o capitão:

    E então, choramos ou rebentamos com eles?

    O resultado não estava escrito nas estrelas, mas antes nas botas do mágico Pote e do Trincão, a serpente do Minho, assim como na trela invisível com que o génio Catamo enforca defesas atrás de defesas nos minutos finais de cada desafio decisivo. Num espeto luso-nórdico, os pavões cityzens assaram como cordeiros, daqueles que são servidos em Monção pela Páscoa, com muita malícia e uma pitada de limão.

    Na conferência de imprensa, à falta de explicações para a táctica do 4-1 porque não entrou no balneário, o treinador de abalada falou do plano de jogo para a sua carreira.

    Ruben é sem acento.

    Não sabíamos, jamais o poderíamos ter imaginado, mas é mesmo. Falta a Ruben o acento no “é”, de José. E as cedilhas de ambição e de confiança em si próprio, para lutar e ser campeão da Europa, com uma equipa portuguesa bem nutrida de saboroso talento, que até dá gosto ver jogar.


    N.D. Esta crónica do Carlos Enes é publicada sob protesto, e apenas graças ao meu espírito de abertura à liberdade de expressão. Não que a crónica esteja mal escrita, pelo contrário; mas por glosar em torno de comida, quando, por falta dela (lembram-se do leitão de Negrais?! Nunca mais houve nada disso naquela pequena varanda cerca do Campo Grande), fui convencido pelo Carlos Enes a ir debicar algo ao intervalo fora do estádio. Acabámos a comprar asas de frango no McDonald’s, à falta de um Solar dos Presuntos nas proximidades, ou uma roulotte de torresmos, e perdemos, à conta disso, dois golos do Sporting. Podia ser pior? Podia. Por um triz, não houve um acidente de trabalho porque alguém, aventureiro, se quis meter em atalhos, ribanceira acima, ignorando umas escadas cinco metros à frente. Mas isso é outra história. De resto, ressalvo como um benfiquista de coração conseguiu pôr tantos sportunguistas felizes e agora a suspirarem pelo seu regresso ao estilo de um D. Sebastião de Alcochete.

    Pedro Almeida Vieira


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