Categoria: Opinião

  • Legislativas em tempos de sound bites

    Legislativas em tempos de sound bites


    O formato escolhido para os debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar foram um sopro de democracia e um vendaval de populismo.

    Se por um lado conseguimos ouvir todos, por outro, ficámos reduzidos a 12 minutos por candidato, sem tempo para trocar ideias e com minutos a mais para procurar o sound bite mortífero. Ou killer, como lhe chamavam os comentadores de serviço ao pós-debate. Aliás, essa foi outra curiosidade dos tempos vertiginosos em que vivemos. Políticos gritam durante 12 minutos, espalham equívocos e reescrevem a história. Em seguida, comentadores maioritariamente afectos à direita, explicam durante uma hora o que os políticos queriam afinal dizer. Também eles ganharam votos.

    António Costa conseguiu passar pelo cabo das tormentas sem se molhar muito. Um primeiro-ministro que ao fim de seis anos, dois deles em pandemia, consegue chegar ao fim de oito debates à frente das sondagens. Entre o mérito do próprio ou o demérito da oposição, hesito na conclusão.

    Ao centro restavam poucas dúvidas e os debates esclareceram as restantes. Costa não é o melhor primeiro-ministro que podíamos ter e Rui Rio não é sequer alternativa.

    Rio, que tinha no distanciamento à situação dos Açores a primeira missão, nem a porta ao Chega conseguiu definitivamente fechar. Ele, que mudou de opinião quanto a alianças com a extrema-direita mal cheirou a poder nos Açores, vem agora classificar o unipessoal partido de Ventura como não confiável. Conseguiu ainda discutir políticas do século XIX em dois ou três debates, a reboque do mesmo Ventura.

    Do lado dos partidos mais pequenos, na minha opinião, foi Rui Tavares quem verdadeiramente aproveitou a oportunidade para mostrar a clareza de um raciocínio que merece estar no parlamento.
    Catarina Martins também se preparou bem e aguentou um registo que sabemos não ser o seu, mas foi eficaz. De igual forma e para um eleitorado muito específico, Francisco Rodrigues dos Santos não esteve muito mal. É certo que falou essencialmente para toureiros, forcados, caçadores e famílias de Cascais com montes no Alentejo, mas, para quem ainda pensa que está em 1956 a explorar africanos na sanzala, aquele discurso esteve sempre afinado.

    Boletim de voto para o distrito de Lisboa

    Já João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e André Ventura, perderam mais uma oportunidade para agarrarem o palco. O líder da IL, apesar de bem falante, calmo e educado na troca de ideias, raramente foge do registo da “liberdade individual e menos Estado”, e, quando lhe perguntam como se paga essa liberdade, invariavelmente concluímos que é o mesmo Estado que ele não quer ver.

    Há alguns anos que a IL nos vende cartazes coloridos e países onde o liberalismo é maravilhoso (menos os EUA, aí parece que correu pior), mas, por mais tinta que metam nas telas, para quem os ouve fica sempre a ideia que o cálice sagrado está na transferência de dinheiro do Orçamento de Estado para negócios privados.

    Inês Sousa Real perdeu-se no monotema e na constante repetição das contradições verdes. Transição energética para o lítio, mas sem estragar o solo para o obter. Menos carne de vaca e mais soja sem mexer nas florestas. Fecho de centrais energéticas sem alternativa para os trabalhadores. Falta de ideologia política oferecendo-se para ser bengala tanto a PS como a PSD. Vale ao PAN a vontade férrea de Costa para uma nova geringonça.

    André Ventura foi o maior derrotado destes debates porque 12 minutos x 7 são incrivelmente difíceis de preencher com fotocópias, Mercedes à porta de ciganos, RSI para uma percentagem mínima da população ou conversas com Deus. A pobreza de ideias e a limitação do discurso de André Ventura ficou à vista de todos e isso, a bem da democracia, foi uma boa notícia. Quando digo todos não me refiro, obviamente, à Parrachita, ao Tilly e ao Calafate da TVI/CNN. Para esses, o pastor “arrasou” sempre.

    Falta Jerónimo, o homem que passou ao lado dos debates. Desde logo porque, em direto, nos mostrou que já não devia ali estar, e que a sua era, respeitada por militantes e adversários, já passou. Há muito. Valeu a Jerónimo e ao PCP, primeiro, João Oliveira e depois, o facto de a base eleitoral ser fiel e não abanar muito ao ritmo das TVs. É tempo de renovação na Soeiro Pereira Gomes. Ontem já era tarde.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    Primeiro episódio da Recensão Eleitoral (16/01/2022) – Legislativas em tempos de sound bites


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Revelados pelo PÁGINA UM os relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais escondidos pela doutora Graça Freitas

    Revelados pelo PÁGINA UM os relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais escondidos pela doutora Graça Freitas


    A Direcção-Geral da Saúde tem, e segue, uma estratégia muito clara: esconder informação.

    Esconder significa qualquer uma de duas formas: não revelar informação que possui – ou deve possuir para exercer a sua função de Autoridade de Saúde Nacional – e subtrair informação que se encontrava disponível.

    Bem sabemos, porque a própria confessou – aparentemente com orgulho –, que a doutora Graça Freitas não sabe mexer num computador. Nem há conhecimento de a directora-geral da Saúde ter dado uma queda, além daquela da “Casa Feliz” do João Baião, e desligado inadvertidamente um qualquer servidor. Mas uma coisa é certa: alguém anda a fazer “limpeza” nos sites da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    A DGS tem mostrado, de facto, e de forma ostensiva, desde o início da pandemia, um comportamento activo de não conceder qualquer informação a jornalistas menos simpáticos. O PÁGINA UM, ainda com tão pouco tempo de vida, apresentou já seis queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, três das quais serão decididas na próxima semana. E agora trata mesmo de fazer desaparecer informação de sites do Estado.

    Plataforma da Mortalidade em Portugal: um dos sites “abatidos” pela DGS nos últimos dias.

    Eis ao que a doutora Graça Freitas se apresta: ser uma “janízara sanitária” que, ao serviço de um Governo – e não de um Estado e dos seus concidadãos – elimina informação e base de dados que poderiam ser comprometedoras. Eis ao que a doutora Graça Freitas se apresta: ser uma funcionária pública que julga ter jurado subserviência aos políticos em vez de jurar servir os seus concidadãos.

    Vamos a factos.

    No ano passado, a doutora Graça Freitas fez desaparecer do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) os registos de suicídios diários. Era informação disponibilizada desde 2014. A doutora Graça Freitas resolve assim, administrativamente, o problema dos suicídios provenientes da gestão da pandemia.

    Mensagem de “página não encontrada” no endereço onde se encontravam os documentos da Task Force de Ciências Comportamentais.

    Mais recentemente a DGS – leia-se, a doutora Graças Freitas – ocultou a Plataforma da Mortalidade, que permitia consultar as causas de óbitos, de forma discriminada e estruturada por idades. Ainda não possuía informação de 2020, o primeiro ano da pandemia. Essa informação existe, mas a doutora Graça Freitas também acha que não a deve libertar porque poderia comprometer o “seu” Governo.

    Na última semana, também se eclipsou a informação diária (e histórica) relacionada com a pandemia, designadamente o número e tipo de testes e de casos positivos por idade, além de outra informação relevante. A doutora Graça Freitas pode assim inventar qualquer coisa, tal como o secretário da Saúde Lacerda Sales fez com a percentagem de não-vacinados nos cuidados intensivos.

    Por fim, nos últimos dias, também os polémicos trabalhos da Task Force de Ciências Comportamentais se escafederam do site da DGS, por uma simples e evidente razão: os seus autores, reconhecidos académicos, “ensinavam” o Governo a usar o pânico e o medo na gestão da pandemia.

    A doutora Graça Freitas quando se apercebeu do estrondo possível, embora confiante de uma imprensa mainstream mansa, não se fez rogada e toca de subtrair os documentos à pressa dos olhos dos mortais.

    O PÁGINA UM questionou a DGS sobre estes desaparecimentos. Obviamente, como habitual, a doutora Graça Freitas acha que não deve responder.

    Porém – por vezes há um porém –, o PÁGINA UM teve artes para “desenterrar” os ficheiros integrais de 14 policy briefs e outros tantos relatórios. E colocou-os no seu servidor para consulta. Para todo o sempre.

    Que a doutora Graça Freitas tenha noção do que anda a fazer.



    Policy Brief n.º 1Contexto escolar e COVID-19

    Policy Brief n.º 2O uso de imagens na promoção de comportamentos de saúde

    Policy Brief n.º 3Eventos desportivos: relevância no contexto da pandemia e dinâmicas dos grupos/multidões envolvidos

    Policy Brief n.º 4Determinantes da intenção para a vacinação contra a COVID-19

    Policy Brief n.º 4Determinantes da intenção para a vacinação contra a COVID-19 (material suplementar)

    Policy Brief n.º 5Preditores de distanciamento físico em contexto da pandemia de COVID-19

    Policy Brief n.º 6Determinantes de comunicação efetiva por decisores políticos e autoridades de saúde em contextos de crise de saúde pública

    Policy Brief n.º 7O papel das emoções em campanhas de promoção de comportamentos de saúde

    Policy Brief n.º 8Confiança em tempos de pandemia

    Policy Brief n.º 9Determinantes do uso de máscara para proteção contra infeção de SARS-CoV-2

    Policy Brief n.º 10Determinantes do comportamento de arejamento de espaços fechados

    Policy Brief nº 11 – Teletrabalho: determinantes de bem-estar laboral e de risco psicossocial

    Policy Brief n.º 12Saúde mental dos jovens no contexto da pandemia

    Policy Brief n.º 13Construção de normas sociais

    Policy Brief n.º 14Saúde mental dos adultos em contexto da pandemia

    Policy Brief n.º 15 – Boas práticas de políticas de promoção de comportamentos saudáveis a nível comunitário – não disponível


    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 1

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 2

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 3

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 4

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 5

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 6

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 7

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 8

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 9

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 10

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 11

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 12

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 13

    Prioridades de ação baseada na evidência | Relatório n.º 14


  • O medo ao serviço de um regime (muito pouco) democrático

    O medo ao serviço de um regime (muito pouco) democrático


    José Saramago (1922-2010) escreveu em 1997, o seguinte: “Tudo se discute neste mundo. Menos uma coisa que não se discute, a democracia. A democracia está aí, como se fosse uma espécie de santo no altar, de quem já não se espera milagres. E não se repara que a democracia que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada porque o poder do cidadão, de cada um de nós, limita-se na esfera política – repito, na esfera política – a tirar um governo de que não gostamos e pôr outro que, talvez, venhamos a gostar. Nada Mais!”

    Volvidos 25 anos, com uma pandemia que já celebrou dois aniversários, pouco faltando para soprar as velas para seguir o terceiro, e com eleições legislativas à porta, parece-me pertinente, se alguma vez o deixou de ser, refletir sobre o regime político português, e se este continua a ser, de facto, democrático.
    A democracia é o regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente, diretamente ou através de representantes eleitos, na proposta, no desenvolvimento, e na criação de leis, exercendo o poder de governação através do sufrágio universal.

    Contrariamente, o autoritarismo é uma forma de governo caracterizada pela obediência absoluta ou cega à autoridade, oposição à liberdade individual, e pela expectativa de obediência inquestionável da população. Tais definições bastariam, ou deveriam bastar, para que fosse impossível qualquer sobreposição entre estes dois regimes políticos.

    O famoso psicanalista alemão Erich Seligmann Fromm (1900-1980) defendeu que, em períodos de crise, durante os quais as pessoas sentem mais medo, o conflito entre os valores de liberdade e de segurança torna-se mais agudo, e mais fértil se mostra o terreno para o avanço do autoritarismo.

    Quando assisti ao nosso actual primeiro-ministro, António Costa, socialista segundo se afirma, questionar o seu oponente, num debate eleitoral em pleno canal público, sobre se já havia ou não tomado a vacina contra a covid-19, questionei-me: estava ele preocupado com a segurança do seu opositor, e de nós portugueses, ou estava mais arreliado com o exercício de liberdade de escolha, que nos é garantido a todos pela Constituição da República Portuguesa.

    Após uma pequena (e penosa) incursão pelas redes sociais, percebi que, de facto, um grande número de pessoas está bastante interessado em saber quem são os vacinados (puros) ou os não vacinados (impuros) deste país.

    Ao estudar as relações entre o nazismo e o autoritarismo, Fromm afirmou que a personalidade autoritária é imbuída de uma orientação ambivalente entre autoridade e poder. Disse ele que o indivíduo autoritário é, em simultâneo, submisso em relação àqueles que percebe como mais fortes – a autoridade – e dominador diante daqueles que julga mais fracos.

    Seguindo esta lógica, parti do ponto de vista de um “vacinado autoritário”, para argumentar e contra-argumentar (tal como a democracia incentiva) a razão que leva a este medo (já transformado em discriminação) contra aqueles que escolheram não ser inoculados.

    man's hand and chains

    1º argumento: os não-vacinados aumentam os contágios!

    Contra-argumento: não existem provas científicas de que existe uma maior propensão de transmissão do vírus pelos não vacinados do que pelos vacinados.

    2º argumento: a vacina reduz a possibilidade de doença grave e de morte!

    Contra-argumento: independentemente de os números (sobre os quais eu tenho bastantes reservas) comprovarem essa realidade, a vacina protege apenas quem a tomou. De igual forma, quem não a tomou, e seguindo-se o raciocínio apresentado, está apenas a colocar a sua própria vida em risco.

    3º argumento: os não vacinados atrofiam o serviço nacional de saúde!

    Contra-argumento: os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) colocavam, no top da lista das mortes normais – isto é, provocadas por doenças – as doenças do aparelho circulatório e os tumores malignos. Existindo actualmente um amplo conhecimento sobre medidas preventivas destes tipos de doenças (ter uma alimentação saudável, praticar actividades físicas, controlar o peso, evitar cigarros e consumo de bebidas alcoólicas), passaria pela cabeça de alguém, mesmo assim, acusar estas pessoas de entupirem os hospitais ou de levarem o staff médico à exaustão? Parece-me muito pouco provável.

    Mas então como chegamos a este estado de preconceito e discriminação com os não-vacinados? Talvez toda a propaganda de medo feita em torno da covid-19 nos tenha tornado a todos, de forma sub-reptícia, o polícia do nosso próximo, em prol de um bem comum (ainda a identificar).

    Fomos a isso incentivados desde o início: primeiro, com o elogio perante o uso da máscara (mais tarde tornada obrigatória) e a crítica perante aquele que demonstrava falta de civismo, de solidariedade, e de “noção” por se recusar a usá-la; de seguida, através de incentivos à vacinação que iria salvar o mundo e permitir-nos a todos regressar à normalidade, e a consequente caça às bruxas aos que não aderiram às filas indianas ordeiramente criadas pelo novo salvador da pátria; e por fim, com a imposição de um certificado digital para aceder a qualquer espaço público, a medalha de bom comportamento atribuída apenas àqueles que demonstraram ser cidadãos de bem e pelo bem comunitário.

    Assim sendo, porque é que existe tanto medo e discriminação contra os não-vacinados? Ou a lógica me falha, ou então falha o pensamento crítico de muita gente que por aí se passeia. Alguns deles até participaram, no ano de 2020, em manifestações contra a discriminação aquando da morte de George Floyd.

    Tenho para mim que ser-se ou não discriminador se transformou num buffet de comida chinesa em que cada um põe no prato aquilo que lhe apetecer comer. Neste caso, as pessoas estão a escolher que preconceitos e discriminações colocam nos seus pratos, e na impossibilidade de devoração, há que domesticá-los ou excluí-los.

    Quando leio afirmações do tipo “as regras são para cumprir”, e “são iguais para todos” – e, portanto, se o Novak Djokovic não está vacinado, então tem é de voltar “para a terra dele” – pergunto-me se as pessoas já se esqueceram que a democracia no nosso país se deve ao facto de alguns terem contrariado as regras do regime autoritário vigente. Os chamados revolucionários não concordaram com as “regras” e levaram a cabo um golpe militar, a revolução do 25 de Abril de 1974.

    Como julgo ter ficado demonstrado neste texto, sou uma pessoa de dúvidas, de questionamentos, de inquietações, mas vou tendo também algumas certezas. Uma delas é que, enquanto permanecer este costume, antigo e mesquinho, de apontar o dedo aos outros, de criar bodes expiatórios, e de os culpar pelos males comuns, reinará também a incitação à discriminação, ao ódio, e à violência, e assim vamo-nos tornando cada vez mais estranhos e alheios à condição dos “outros”, que são os nossos semelhantes.

    Outra é a de que, se aceitarmos sem questionamento, as regras e restrições normalmente contraditórias, cientificamente infundamentadas, e muitas vezes insultuosas – que nos são impostas pelos mesmos políticos que propagam a cultura do medo –, estamos a compactuar com uma aproximação perigosa a um sistema autoritário, e isso sim devia ser motivo para medo.

    Termino esta crónica da mesma forma que a comecei citando José Saramago, não em jeito de derrotismo, mas sim de esperança, porque essa persiste, e continua a persistir, em ser a última a morrer: “Eu acredito no respeito pelas crenças de todas as pessoas, mas gostaria que as crenças de todas as pessoas fossem capazes de respeitar as crenças de todas as pessoas.”

    Professora universitária


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Da ‘ética’ dos doutores de Ética e dos jornalistas sobre o estado vacinal de internados

    Da ‘ética’ dos doutores de Ética e dos jornalistas sobre o estado vacinal de internados


    O PÁGINA UM decidiu, mais uma vez, divulgar, num artigo de investigação, alguns dados anonimizados de doentes-covid, desta vez para consubstanciar a veracidade e rigor da investigação sobre os internados por quedas e outros acidentes similares que acabaram classificados como doentes-covid, e mesmo como óbitos causados pelo SARS-CoV-2 em caso de desfechos fatais.

    Tem o PÁGINA UM a perfeita consciência e convicção da legalidade nesta divulgação, do interesse público nesta divulgação e do cumprimento escrupuloso dos princípios éticos e deontológicos dos jornalistas nesta divulgação.

    Noutros tempos, com outro tipo de jornalismo e com outro género de jornalistas, a investigação do PÁGINA UM seria invejada mas elogiada.

    Agora, provavelmente, as recentes investigações do PÁGINA UM serão criticadas de forma desabrida, mesmo entre os seus pares: a imprensa e os jornalistas.

    Não será algo inédito.

    Como se sabe, no dia 23 de Dezembro passado, alguns órgãos de comunicação social – como o Expresso, o Observador e a Lusa, cujo take foi replicado pelo Público e Correio da Manhã – não tiveram pejo em seguir a linha de uma sórdida notícia da CNN Portugal que acusou o PÁGINA UM, sem o mencionar, de ser uma “página anti-vacinas no Facebook” de um grupo de “negacionistas”. Classificaram-me assim como “negacionista”, um labéu que, ainda há dias, era destacado pelo publisher do Observador, o experiente jornalista José Manuel Fernandes, ex-director do Público.

    Lista de notícias publicadas na imprensa revelando dados clínicos de uma grávida não vacinada ligada a ECMO no Hospital de São João (Porto). Fonte: Google News (08/01/2022)

    Na notícia da CNN Portugal, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino (TP 886) – cuja editora é a jornalista Catarina Guerreiro (CP 2630) e o director Nuno Santos (CP 7185) – omitiu intencionalmente que o PÁGINA UM era um órgão de comunicação social para, desse modo, melhor fazer passar a escroque ideia de se estar perante um “crime” e de falsas notícias perpetrado por um incógnito e malévolo jornalista.

    Na verdade, tratava-se tão-só de jornalismo de investigação, que em qualquer parte do Mundo enobrece esta arte de informar.

    Por o PÁGINA UM revelar dados anonimizados, houve uma clara tentativa, contra mim, de assassinato de carácter, da qual esteve por detrás, sem sequer se esconder, a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, que sabe estar eu a investigar o donativo de 380.000 euros concedido pela Merck para uma alegada campanha de distribuição de máscaras. O pedido de acesso à documentação foi recusado pela Ordem dos Médicos, e uma queixa do PÁGINA UM seguiu já para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Curiosamente, apesar da Comissão Nacional de Protecção de Dados ter já garantido que a divulgação de dados anonimizados é legal – porque, obviamente, “não há identidades reveladas” –, a Ordem dos Médicos apresentou supostamente uma queixa e instigou à abertura de uma investigação. Na “peça” manipuladora da CNN Portugal surgem vários médicos a criticarem a divulgação de dados feita pelo PÁGINA UM: Alexandre Lourenço (presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), Cristina Camilo (presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos Pediátricos), Jorge Roque da Cunha (Sindicato Independente dos Médicos) e Filipe Almeida (director do Serviço de Humanização e Ética do Hospital de São João).

    As declarações deste director do Hospital de São João, que é também membro da Comissão de Ética para a Investigação Clínica, são devera interessantes. Assegurou ele que a partilha dos dados serviam “intuitos que não perseguem o bem-estar da criança”, beneficiando “apenas uma política do negacionismo” e que era “um aproveitamento indevido do ponto de vista ético”.

    A directora de Obstetrícia do Hospital de São João divulgou dados clínicos, incluindo estado vacinal, de grávida não identificada pelo nome.

    Ora, este fim-de-semana, foi divulgado exactamente por uma fonte do Hospital de São João – a unidade de saúde do mui ético doutor Filipe Almeida – que ali estava internada uma mulher de 35 anos, grávida de 33 semanas, e ligada a ECMO (extra corporeal membrane oxygenation), proveniente do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, mais precisamente do Hospital de Penafiel. O take da Lusa complementava, segundo a mesma fonte do Hospital de São João, que a mulher estava “estável” e que o feto “se encontra bem”.

    A notícia da Lusa foi replicada, ou ampliada, pelo Público, Diário de Notícias, Observador, SIC Notícias, RTP, CNN Portugal, TVI, Jornal de Notícias e Correio da Manhã. Pelo menos por estes.

    E destacando sempre, com excepção do Correio da Manhã (mas apenas na edição online), que a mulher não estava vacinada.

    Não sejamos inocentes nem ingénuos: a situação vacinal da grávida era o “ponto essencial”, daí estar invariavelmente nos títulos das notícias. O objectivo não foi apenas informar; era também alarmar.

    Note-se que fizeram declarações às televisões, referindo dados clínicos da paciente, os seguintes médicos do Hospital de São João: Marina Moucho (directora de Obstetrícia), na RTP, e Roberto Roncon (director de Medicina Intensiva e professor da Faculdade de Medicina do Porto), tanto na CNN Portugal como na TVI.

    Mas, por certo, o doutor mui ético Filipe Almeida (colega da doutora Mouchão e do doutor Roncon), a Ordem dos Médicos, o seu bastonário e muitos médicos, considerarão que esta divulgação em concreto – esta divulgação de dados clínicos de uma pessoa que não concedeu autorização para tal, sobretudo para destacar o seu estado vacinal – é legal, de interesse público e cumpriu escrupulosamente os princípios éticos e deontológicos dos jornalistas.

    E muitos jornalistas concordarão também que assim é que se deve fazer.

    Perante isto, as críticas aos trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM serão sempre asquerosas. Ponto. Pelo menos.

  • Dos ataques soezes ao Página Um: o caso José Manuel Fernandes no Observador

    Dos ataques soezes ao Página Um: o caso José Manuel Fernandes no Observador


    Esta manhã, na rubrica Contra-Corrente da Rádio Observador, José Manuel Fernandes – publisher do Observador – teceu considerações profundamente mentirosas sobre o PÁGINA UM.

    Disse José Manuel Fernandes a partir da 1h32m11s – alto e bom som – o seguinte: “(..) É o caso, por exemplo, de uma publicação que é promovida por um jornalista com carteira, que é o Pedro Almeida Vieira, que a Entidade Reguladora [para a Comunicação Social] não quer, aparentemente, reconhecer como sendo uma publicação jornalística, precisamente porque ele é (ou talvez, não sei se é precisamente; é talvez) por Pedro Almeida Vieira ser muito visto como negacionista (…)”.

    NUNCA, repito: NUNCA o PÁGINA UM – e eu, em particular – teve qualquer problema com a aprovação do registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)

    O pedido de registo do PÁGINA UM na ERC deu entrada no dia 5 de Novembro de 2021. E foi naturalmente deferido no dia 11 de Novembro de 2021, tendo o número 127661. Demorou, portanto, 6 dias a ser concedida autorização.

    De igual modo, não tive qualquer problema pessoal para recuperar a minha carteira profissional de jornalista junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, a qual tinha sido suspensa a meu pedido em 2011. Fiz o pedido em 16 de Setembro de 2021; foi deferido no dia 30 de Setembro de 2021. Demorou, portanto, 14 dias a ser concedida a carteira profissional.

    Lamento profundamente que José Manuel Fernandes – que conhece o meu trabalho jornalístico há mais de duas décadas – contribua também para alimentar a ideia de eu ser um “negacionista”, mesmo que de forma velada, atribuindo isso a outros.

    Lamento profundamente que o publisher do Observador tenha descartado responsabilidade pela publicação, no passado dia 23 de Dezembro, de um artigo infame do Observador que fazia referências implícitas ao PÁGINA UM como sendo um “site de um negacionista da Covid-19”. Aliás, seguiu esta semana uma queixa exactamente para a ERC sobre esta matéria contra o Observador e outros órgãos de comunicação social.

    Lamento que o PÁGINA UM esteja a incomodar muitos jornalistas… E eu lamento-os, e digo mais: vou continuar. Talvez para lamento de muitos “Josés Manuéis Fernandes”. Compreendo o seu nervosismo por aquilo que o PÁGINA UM (já) tem feito e mostrado contra muitos dos jornalistas que, nos últimos anos, “negam” os princípios do jornalismo.

  • Da liberdade para informar e do espeto de pau do Expresso

    Da liberdade para informar e do espeto de pau do Expresso


    O ataque informático que atingiu os servidores da Impresa constitui, mais do que um ataque de pirataria informática, um ataque à liberdade de expressão, à liberdade de informação, pilares de todos os sistemas democráticos.

    O PÁGINA UM não poderia, assim, ficar indiferente ao sucedido na última semana, pelo que convida todos os seus leitores a visitar o site provisório do Expresso.

    O PÁGINA UM também se solidariza com o lema seguido pelo Expresso, nas suas páginas nas redes sociais, através do ashtag #liberdadeparainformar.

    Porém, o PÁGINA UM jamais será um órgão de comunicação hipócrita. E, por isso, deve vincar aqui que o Expresso foi um dos órgãos de comunicação social – além da CNN Portugal, Observador, Público, Lusa e Correio da Manhã – que participou numa campanha de divulgação de informação e enxovalho sobre o PÁGINA UM, logo na fase do seu nascimento.

    A respeito de um artigo noticioso sobre internamento de crianças com covid-19, devidamente fundamentado com informação oficial escondida das autoridades de Saúde – mas com o cuidado de se anonimizar os dados clínicos –, o PÁGINA UM foi brindado com epítetos de “pagina negacionista” ou “página antivacinas”, entre outros. O Expresso, de forma infame, assumiu como verdade que a notícia do PÁGINA UM, era uma mera “página antivacinas no Facebook“. Isto foi feito por jornalistas que agiram de má-fé ou nem sequer se deram ao trabalho de analisar o conteúdo desse artigo ou do corpus do PÁGINA UM. Preferiram o sensacionalismo à (breve) investigação para apurar os factos e a sua veracidade. A liberdade para informar é também um dever de informar bem.

    O PÁGINA UM também deve relembrar ao director do Expresso, João Vieira Pereira, que dias antes do ataque dos hackers – que impedem a liberdade de expressão –, ele recusou publicar um direito de resposta e esclarecimento do PÁGINA UM sobre um artigo calunioso que ele permitiu que fosse publicado no seu site. Aliás, tal como sucedeu com os outros órgãos de comunicação social.

    A defesa da liberdade de expressão mostra-se, ou não, em comportamentos como os do Expresso perante o PÁGINA UM, que nasce agora.

    Obviamente, o PÁGINA UM teve de recorrer à Entidade Reguladora para a Comunicação Social para que a sua liberdade de expressão seja permitida sem constrangimentos e sem infâmia lançada pelo Expresso e por outros órgãos de comunicação social. Mas fê-lo com um lamento: não deveria ser necessário um órgão de comunicação social, perante os seus “colegas”, ter de recorrer a uma entidade reguladora, estatal, para defender o livre direito de informar.

    Mas, apesar disso, o PÁGINA UM sempre defenderá, para o Expresso e para toda a imprensa, a #liberdadeparainformar.

    E deseja que, em breve, o site do Expresso fique operacional.

  • Vacinar idosos e não vacinar jovens: a (mesma) opção lógica com base numa análise comparativa

    Vacinar idosos e não vacinar jovens: a (mesma) opção lógica com base numa análise comparativa

    Imaginemos, por absurdo, que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução da taxa de afogamentos para níveis próximos de zero. Nessa linha, impunham que toda e qualquer pessoa, em qualquer circunstância, teria de usar braçadeiras e bóias. No limite, mesmo que não estivesse próxima de algum espaço aquático, não fosse, por exemplo, uma conduta de água rebentar acidentalmente e causar uma inundação. Mesmo um Michael Phelps seria obrigado a usar bóia e braçadeiras; todos os nadadores, mesmo em provas olímpicas. Quem não aceitasse, seria discriminado.

    girl swims on swimming pool

    No final, a avaliação desta política revelaria, por certo, uma diminuição considerável das mortes por afogamento das pessoas que não sabiam nadar. Porém, para o extenso grupo de pessoas que sabia nadar, a aplicação destas medidas nenhum benefício traria; e talvez mesmo causasse transtornos e prejuízos. Acidentes, até. Não será, por certo, fácil conduzir um carro com braçadeiras e bóia.

    Imaginemos também, por absurdo, que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução da incidência de melanomas para níveis próximos de zero. E decretavam então que todos as pessoas, desde os mais esbranquiçados celtas até aos negros do Senegal, tivessem obrigatoriamente de usar protector solar factor 50, tanto no Verão como no Inverno, tanto nas chuvosas terras de Albion como na arizonense Yuma, conhecida por ser a mais soalheira cidade do Mundo. Quem não aceitasse, seria discriminado.

    No final, a avaliação desta política revelaria, por certo, uma diminuição considerável dos cancros de pele, mas introduziria um desperdício de recursos económicos incomportável e desnecessário. Sem contar, tendo em conta o uso massivo e intenso desses produtos, com os efeitos adversos, desde a simples irritação e acne até outros problemas dermatológicos mais graves.

    Agora, por fim, imaginemos que os governos mundiais decidiam implementar uma política de redução, para níveis próximos do zero, da taxa de mortalidade de uma certa infecção viral, que se manifesta(va), em termos de agressividade, de formas muito distintas. Ou seja, a maior ou menor susceptibilidade depende da idade, do sexo, das comorbilidades associadas e até das condições vivenciadas nas diferentes comunidades.

    Ora, dever-se-ia, nesse caso, depois de se fabricar um fármaco em tempo recorde, inocular toda e qualquer pessoa? Forçar todas pessoas a tomarem uma vacina, acenando ser voluntária, mas recorrendo depois a mecanismos pouco ortodoxos de coacção e discriminação?

    A resposta a estas perguntas deveria ser dada enquanto ainda se reflectisse sobre os exemplos das bóias e do protector solar.

    O risco e a incerteza

    As vacinas contra a covid-19 são, tecnicamente, medicamentos profilácticos que protegem cada pessoa inoculada de desenvolver doença grave ou de morrer. Não concedem imunidade de grupo. São como a bóia para quem não sabe nadar; o protector solar para quem é caucasiano. Talvez sejam um pouco mais: reduzem a transmissibilidade se o vacinado ficar infectado – embora num período muito curto –, mas trazem consigo uma desvantagem: a incerteza sobre os efeitos a longo prazo.

    Em Saúde Pública – que é uma vasta área que depende de muitas especialidades, e talvez, na verdade, até mais de Ciências Sociais do que de Medicina (no sentido de prática clínica) –, importam sobretudo dois aspectos fundamentais: a prudência e os custos-benefícios-incerteza, estando estes todos associados de forma íntima. E importa também, no meio de tudo isto, uma adequada gestão de recursos financeiros. O dinheiro, parecendo, não é elástico.

    Manda sempre a prudência – aplicada tantos aos cuidados de saúde como à gestão do quotidiano – que se pondere se uma solução no presente não se transforma num problema futuro. Note-se que a prudência tem em conta tanto o risco como a incerteza – que, muitas vezes, de forma equívoca, são considerados sinónimos. Não são. Muito pelo contrário.

    man standing on rock in the middle of clip

    Um risco constitui uma probabilidade conhecida em relação ao futuro. A incerteza mede o grau de ignorância sobre o futuro. O risco é uma probabilidade; tem sempre um número a si associado. Se não tem, é uma falácia. Quanto à incerteza, não se consegue quantificar, e muitas vezes nem se sabe muito bem o que seja ou possa vir a ser. É um buraco negro, mesmo se desconfiarmos daquilo que tenha dentro.

    Por exemplo, podemos hoje conhecer, com base no passado, qual o risco de ataque cardíaco de uma pessoa de determinada idade que andou a comer fast food durante anos. Por uma simples razão: existe um histórico; sabe-se que, no passado, X pessoas de um grupo de Y com maus hábitos alimentares tiveram essa consequência.

    No caso das vacinas contra a covid-19 – ainda mais por a maioria usar uma tecnologia nunca aplicada em larga escala em humano – , esse histórico é pequeno, demasiado curto. Tem pouco mais de um ano. Ou seja, no curto prazo até podemos estimar, com razoabilidade, uma razão custo-benefício muito favorável ao benefício, mas o longo prazo é uma incógnita absoluta.

    A história das outras vacinas não conta. Em Ciência, como na teologia, o hábito não faz o monge. Não houve tempo suficiente de observações empíricas. Ponto. O longo prazo é, assim, incerto. Pode ser nada; pode ser tudo. É como se aceitássemos um benefício (não ter doença grave ou evitar a morte numa certa probabilidade) por troca da compra de um bilhete para se jogar roleta russa no futuro, não se sabendo sequer se haverá revólver, se existe gatilho ou se afinal, dramaticamente, o carregador está cheio de balas. Há quem aposte, se o benefício em causa for relevante; outros não, se o ganho potencial poder ser muito menor do que a perda hipotética. A Psicologia e a Economia têm tratados sobre o assunto.

    Além de tudo isto, devemos enquadrar o conceito de longo prazo. Em Economia, o longo prazo são cinco anos. Em Saúde, ou em Demografia, aos 85 anos de idade, o longo prazo já nem quase faz sentido. Ultrapassado o limiar da esperança de vida, cinco anos pode ser muito. Para um adolescente de 15 anos, o longo prazo mede-se por década, podem ser 20, 30 ou até 70 anos. “Que se tenha noção”, como diria o outro.

    Perante isto, mas reconhecendo uma emergência sanitária decorrente desta pandemia (ou já endemia), que fazer se se tem um fármaco disponível, como as actuais vacinas, e impactes muitos distintos da covid-19 nos diferentes grupos populacionais? E que fazer quando a incerteza de longo prazo não aconselharia uma vacinação massiva?

    Ora, dever-se-ia olhar para os seus benefícios, analisar o custo-benefício, ponderar com prudência sobre as incertezas. Tudo em função do custo e do benefício, das opções individuais, mais ainda após se constatar que a imunidade de grupo se tornou uma quimera. Enfim, raciocinar e debater.

    Algo que jamais sucedeu quando se decidiu implementar os programas vacinais contra a covid-19. A politização da ciência e a ciência política dominaram e, hélas, tiraram aquilo que mais nobre tinha a Ciência: o permanente debate e questionamento.

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    A gravidade da covid-19 sempre foi apresentada – pelas autoridades de saúde, seus peritos, e pela imprensa mainstream – como se fosse similar para qualquer pessoa. Como se o risco fosse quase semelhante. Não é, nem nunca foi. Nesta, e em qualquer outra doença.

    A iliteracia científica permitiu, em parte, esta situação. Achou-se que, se qualquer pessoa podia ser infectada pelo SARS-CoV-2, então qualquer pessoa pode morrer de covid-19. E pode: só que entre o pode e o não vai morrer surge um fosso enorme quando olhamos individualmente as pessoas ou os grupos etários.

    Na verdade, felizmente, a covid-19 não apresenta um padrão extraordinário. A sua taxa de letalidade mostra uma perfeita diferenciação em função da idade, do sexo e das comorbilidades (que entram em linha com a idade e o sexo). Entre países haverá, por certo, idiossincrasias, talvez por razões genéticas, também porventura por motivos meteorológicos. E há também razões sociais: basta olhar para as taxas de mortalidade diferentes nos Estados Unidos entre brancos, hispânicos e negros. Ou entre os Estados mais ricos do Brasil e os mais pobres.

    Porém, em cada país ou região, há padrões facilmente identificáveis. A covid-19, em termos globais, de impacte, não é surpreendente, nem registou uma evolução que cause espanto. Aliás, como todos os outros vírus, o SARS-CoV-2 adaptar-se-á aos seres humanos; não os extinguirá nem matará uma franja significativa da população. Esquecemo-nos que vivemos na melhor época da Humanidade para enfrentarmos uma pandemia. Graças à Ciência.

    Portanto, nesse aspecto, se colocarmos a letalidade da covid-19 por idade ao lado do quociente de mortalidade no prazo de um ano também por idade, veremos curvas praticamente paralelas. A covid-19 tem-se mostrado, neste aspecto, muito previsível. Quase não mata população jovem; mata que se farta pessoas muito, muito idosas. Mata sobretudo pessoas que ultrapassaram a expectativa de vida. Há um sem-número de outras doenças e afecções com padrões similares, garanto.

    Em Portugal, no caso de um idoso de mais de 80 anos, sabe-se hoje que a taxa de letalidade atribuída à covid-19 ronda os 15% (em cada 100 casos positivos, morrem 15). Convém referir que, antes da pandemia, a probabilidade de morte nessas idades era praticamente semelhante. Uma pessoa de 90 anos tem um risco de morte de 20% no prazo de um ano.

    Voltando à covid-19. No grupo etário dos 70 aos 79 anos, a taxa de letalidade já anda pelos 5,6%. E baixa ainda mais à medida que se caminha para os jovens e crianças. Na faixa dos 30 aos 39 anos é somente de 0,027%. Nos 20 aos 29 anos é de 0,07%. E mais se reduz nos menores de 20 anos. Neste grupo não é um risco que se veja. A pneumonia, sendo rara nestas idades, chega a ser mais perigosa.

    A probabilidade de morte (risco) por covid-19 de um idoso com mais de 80 anos é, assim, mais de 4.000 vezes superior ao de um menor de 10 anos. E chega a ser superior a 9.500 vezes se confrontada com o grupo dos 10-19 anos. São dados nacionais, oficiais, indesmentíveis. Já escrevi sobre isto.

    Significa então que o risco é zero nos mais jovens? Não. Como nunca houve com nenhuma outra doença anterior à pandemia.

    A vida abre a possibilidade de se ficar morto – eis a célebre verdade do senhor de La Palice, cujos soldados cantaram a sua morte dizendo que ele ainda respirava antes mesmo de ficar morto. Mas a probabilidade de tal suceder é incomensuravelmente diferente em função da idade ou de outras características. Actualmente, a probabilidade do Michael Phelps morrer afogado não é zero, mas é tão improvável que seria estúpido obrigá-lo a munir-se de uma bóia na piscina. Mas se calhar, quando ele tiver uns 100 anos, porventura já será uma ideia a ponderar, embora talvez não seja eticamente muito correcto forçá-lo a tal.

    Uma análise comparativa

    Vou agora assumir uma premissa temerária para justificar a razão do título deste texto, porque necessito da argumentação das autoridades de saúde, dos muitos peritos e da imprensa mainstream. Fiz então um exercício académico, mas útil, assumindo ser a vacina eficaz, e a única causa para se registar agora uma variação muito favorável na mortalidade por covid-19 entre o ano de 2020 e o ano de 2021. E assumo também que esse efeito é global e se estende, por igual, a todos os grupos etários.

    Não vou sequer, portanto, sugerir que haja agora uma menor virulência do SARS-CoV-2, nem que há factores meteorológicos explicativos nem que a população potencialmente de maior vulnerabilidade, sobretudo idosos, foi em parte fatalmente “eliminada ao longo” de dois anos de pandemia, marcada também por um excesso na mortalidade por todas as causas. E nem sequer irei discutir se foram alterados os critérios para se “decretar” a covid-19 como causa de morte.

    Para esse exercício, não me bastou assim analisar e comparar valores absolutos. Morrer uma pessoa num grupo de 10 é pior do que morrerem 10 num grupo de um milhão. Por isso, além de desagregar os óbitos por covid-19, por grupo etário e sexo (porque o impacte desta doença é muito distinto entre homens e mulheres), procedi a uma padronização. Essa operação permite criar uma taxa de mortalidade, tendo como unidade o número de óbitos por 100.000 habitantes em cada um dos grupos. Isto possibilita assim comparações diacrónicas, entre grupos etários e entre sexos.

    Peguei assim nas estimativas da população, por grupo etário e sexo, feitas pelo Instituto Nacional de Estatística para os anos de 2019 e 2020, e apliquei-as, respectivamente aos anos de 2020 e 2021, para determinar, com base no número de óbitos por covid-19, as taxas de mortalidade desta doença. Em cada um dos anos e em cada grupo etário e sexo. Fiz isso para três períodos distintos: 13-26 de Dezembro (duas semanas), Dezembro (26 primeiros dias) e Novembro (30 dias).

    Taxa de mortalidade por covid-19 por grupo etário e sexo em Dezembro (até dia 26) de 2020 e 2021 (unidade: óbitos por 100.000 habitantes do grupo etário) – Fontes: INE e DGS.

    Ora, este “trabalho” – que demora não demasiado tempo – permite logo fazer luz sobre uma evidente, mas “escamoteada”, verdade: a vacina pode até ser eficaz e justificar-se em idades mais avançadas, mas um programa vacinal massivo nas populações mais jovens constitui um desperdício de recursos. E também introduz uma incerteza desnecessária.

    Os resultados que obtive para os três períodos são proporcionalmente similares, por isso decidi somente apresentar e escalpelizar o mês de Dezembro (até ao dia 26).

    Desde logo se constata, muito facilmente, uma acentuadíssima descida da taxa de mortalidade por covid-19 entre 2020 e 2021, mas somente nos grupos dos maiores de 65 anos.

    No caso dos homens de mais de 80 anos, em Dezembro de 2020 registaram-se 265 óbitos em cada 100.000 habitantes (nesse grupo etário) – ou seja, 0,265% –, enquanto em 2021, no período homólogo, se contabilizaram apenas 50. É uma redução relativa superior a 80%, o que é muito – e é muito bom. São 215 óbitos a menos por cada 100.000 pessoas.

    No grupo das mulheres desta faixa etária, a diferença também se mostra muito relevante, embora inferior: de quase 178 no ano de 2020 passou-se para 28 óbitos por 100.000 habitantes em 2021, ou seja, uma redução de 150 vidas por 100.000 habitantes.

    No grupo dos 70 aos 79 anos, tanto no caso dos homens como nos das mulheres, a redução foi inferior, embora ainda significativa, também porque a letalidade é muito menor. Entre 2020 e 2021, para o período analisado do mês de Dezembro, os óbitos nos homens desceram de 63 para apenas 17 por 100.000 habitantes; nas mulheres de 26 para 8.

    Nas faixas etárias subsequentes, a diferença começa a ser cada vez menos expressiva. Nos homens entre os 60 e 69 anos, a variação entre 2020 e 2021 foi quase de 13 mortes por 100.000 habitantes, sendo de apenas 1,7 no grupo dos 50 aos 59 anos. No caso das mulheres, este rácio ainda é mais baixo: entre os 60 e os 69 anos a diferença entre os dois anos foi apenas de 4,2 por 100.000 pessoas, e desceu para 1,7 entre os 50 e 59 anos.

    Abaixo dos 40 anos, a diferença entre 2020 (ainda sem vacina) e 2021 (com vacina) é estatisticamente nula, ou seja, nem sequer chega à unidade por 100.000 habitantes. No grupo dos 20 aos 29 anos, bem como nos menores de 10 anos, tanto nos homens como nas mulheres, a diferença é mesmo zero: quer em 2020 quer em 2021, durante o mês de Dezembro (até ao dia 26) não morreu ninguém por covid-19.

    Diferença de número de óbitos (por 100.000 habitantes), em Dezembro (até dia 26), entre os anos de 2020 (sem vacinas) e 2021 (com vacinas). Fontes: INE e DGS.

    Se considerarmos os valores absolutos em Dezembro de 2020 e 2021, o risco de morte por covid-19 antes dos 40 anos é ínfima, para não dizer praticamente improvável, sobretudo quando comparado com o risco em idades mais velhas.

    Por exemplo, no mês de Dezembro de 2021 (até ao dia 26) morreram por esta doença 70 homens com mais de 80 anos, sendo que este é um grupo constituído por cerca de 243 mil pessoas. No caso das mulheres – que são mais resistentes –, é certo que morreram em maior número absoluto neste período (99), mas também são muitas mais (cerca de 436 mil pessoas), portanto o risco relativo até foi bastante inferior ao dos homens da mesma idade.

    No total, nos 26 primeiros dias de Dezembro de 2021 morreram, no conjunto, 169 idosos com mais de 80 anos, numa população de mais de 681 mil pessoas. Significa isto que, em quase um mês, se registou uma taxa de mortalidade de 0,025%. No mesmo período de 2020, a taxa foi de 0,202%. Ou seja, sem dúvida, a situação no período “com vacina” foi claramente melhor do que no período “sem vacina”.

    Vamos então assumir que isto sucedeu apenas por causa da vacina, e sigamos na análise.

    Se, para o mesmo período, confrontarmos então estes números dos mais idosos com, por exemplo, os adultos entre os 30 e 39 anos, já olharemos para o impacte das vacinas com outros olhos. Neste grupo de jovens adultos apenas se registaram três óbitos por covid-19 em Dezembro de 2020 (até dia 26) e no mês de Dezembro de 2021 apenas um óbito. Isto tudo num grupo constituído por cerca de 1,2 milhões de pessoas, o que dá assim uma taxa de mortalidade atribuída a covid-19 de 0,00024% em Dezembro de 2020, e de 0,00008% no mesmo período de 2021.

    Foi por causa da vacinação que se passou de 0,00024% para 0.00008%? Se sim: bravo!

    Não valerá muito a pena “massacrar” com os valores para os grupos etários ainda mais jovens, porque apresentar as taxas de mortalidade quer em 2020 quer em 2021 necessitaria de muitas casas decimais antes de surgir um outro algarismo que não o zero para as quantificar. Em alguns grupos etários até é zero para ambos os anos.

    man standing in the middle of woods

    Enfim, julgo que este exercício servirá sobretudo para uma conclusão.

    Se se defende que a vacinação contra a covid-19 é o principal motivo para a descida acentuada da mortalidade dos mais idosos – e, pessoalmente, julgo que contribui, mas não é o factor único –, então dever-se-ia concluir, seguindo a mesma linha de raciocínio, não ser sequer razoável, do ponto de vista da Saúde Pública (e mesmo de protecção individual), um processo massivo de vacinação da população mais jovem.

    De facto, sendo certo que há sempre vidas que se podem salvar da covid-19 – mas nos menores de 40 anos poucas serão, porque poucas estiveram efectivamente em risco mesmo antes das vacinas –, também não é menos verdade que os custos de toda a ordem para potencialmente se salvar tão poucas vidas (de jovens) não compensa. E essa ausência de benefício nada tem a ver com a desconsideração pelas vida perdidas para a covid-19. Não, não e não. Tem a ver com as vidas suplementares que se podem salvar se os investimentos financeiros para a Saúde forem reorientados para onde possam alcançar melhores resultados. Mais vidas mantidas.

    Sejamos claros: vacinar ou não vacinar não é um acto “inócuo”. Estou, desta vez, a falar em Economia. E em Saúde. Vacinar massivamente tem custos enormes. Brutais. Por exemplo, se os montantes dispendidos nos programas de vacinação contra a covid-19 em menores de 40 anos, em situação saudável, fossem destinadas para outras áreas da saúde em défice, garanto que se salvariam mais vidas, dar-se-iam mais anos de vida a muita gente, e de uma forma mais sustentável.

    Não se está a ser demagógico, mas sim realista. Os menores de 40 anos são um grupo populacional de 4,25 milhões de pessoas, mais de 40% da população portuguesa. Quase a sua totalidade sobreviverá à covid-19 sem vacina – e aquelas que estão em risco, por comorbilidades prévias, podem e devem ser vacinadas. A vacina, para este vasto grupo, apenas constituiu uma despesa pública inútil, e nunca um investimento de protecção da vida e da promoção da Saúde Pública. Os custos de internamento por covid-19 dos menores de 40 anos são uma gota de água, porque os doentes que são internados são extremamente minoritários. Convinha, em todo o caso, o Ministério da Saúde mostrar-nos a “factura”, jogar o “jogo da transparência democrática”.

    Imaginem assim que se desviava, suponhamos, o dinheiro de seis milhões de vacinas – ou seja, neste grupo etário, não se inoculavam três milhões de pessoas – para outros sectores de Saúde, desde a pediatria até à geriatria. Não estou a contabilizar a poupança em termos logísticos. O processo de vacinação, incluindo pagamentos a empresas que forneceram pessoal de enfermagem, custou muitos milhões de euros.

    Deste modo, teríamos assim à “disposição”, assumindo um preço de 20 euros por dose, pelo menos 120 milhões de euros. Isto sem falar em doses de reforço. Que “milagres” se poderiam concretizar com 120 milhões de euros no sector da Saúde?

    Talvez dar médicos de família a muita gente que ainda não tem. Talvez reforçar os exames e cirurgias que deixaram de se realizar durante a pandemia. Talvez humanizar mais os lares de idosos. Talvez abandonar as políticas discriminatórias e de aberrante autoritarismo que envergonham a Democracia. Talvez decidir que, afinal, o Michael Phelps não precisa de bóia para entrar na piscina. Talvez começar a pensar com racionalidade. Talvez viver sem pânico.

  • A necessária recusa de um ilegítimo direito de resposta por uma comissão com conflitos de interesse

    A necessária recusa de um ilegítimo direito de resposta por uma comissão com conflitos de interesse


    Na sequência da notícia “Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media”, o PÁGINA UM recebeu uma (suposta) mensagem (eventualmente) da CCPJ que, a ser verídica, constitui uma torpe tentativa de descredibilização.

    Com efeito, através de um simples e-mail, a CCPJ – cuja presidente é Leonete Botelho, grande repórter do jornal Público – terá solicitado, sem qualquer assinatura a atestar, a publicação de um direito de resposta no site do PÁGINA UM, para supostamente desmentir “algumas das afirmações contidas no artigo”. Com isto, claro, pretende dar a ideia que eu cometi erros graves logo aos primeiros dias de existência deste jornal. O tal pedido invoca a Lei da Imprensa.

    Analisando o (alegado) texto da CCPJ, relembro duas questões essenciais, que nem sempre os leitores têm noção plena.

    Primeiro, de acordo com o artigo 24º da Lei da Imprensa, “tem direito de resposta nas publicações periódicas qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, que tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama.” Cumulativamente, esse direito de resposta só pode ser invocado se tiverem “sido feitas referências de facto inverídicas ou erróneas que lhes digam respeito.”

    Ora, o PÁGINA UM titulou que a CCPJ tinha aberto “processos a directores editoriais do Público e da Global Media”, seguindo textualmente aquilo que estava expresso na mensagem por e-mail transmitida por aquela entidade. A CCPJ vem dizer agora que um “processo de questionamento” não é um “processo”, mesmo sabendo-se que num procedimento administrativo existe uma fase inicial – instrução – que inclui, obviamente, o “questionamento” da entidade ou pessoas envolvidas.

    Aliás, o Regime de Funcionamento da CCPJ (Decreto-Lei nº 70/2008), no seu artigo 24º, é extremamente claro, estipulando que “a decisão de abertura do procedimento disciplinar é tomada oficiosamente ou na sequência de participação de pessoa que tenha sido directamente afectada pela infracção disciplinar, ou ainda do conselho de redacção do órgão de comunicação social em que esta foi cometida, quando esgotadas internamente as suas competências na matéria.”

    Aliás, vistas as suas competências legais, previstas no Decreto-Lei nº 70/2008, a CCPJ tem a incumbência de “instruir os processos de contra-ordenação por infracção aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º-A, 7.º-B, 15.º e 17.º do Estatuto do Jornalista e aplicar as respectivas coimas e sanções acessórias”, sendo que o referido artigo 3º se refere às funções incompatíveis com o jornalismo.

    Portanto, a não ser que a CCPJ afinal nada esteja a fazer – e terá assim mentido nas suas declarações ao PÁGINA UM, ou seja, não abriu processo coisíssima nenhuma e anda a brincar com as palavras –, o simples acto de se abrir um “processo de questionamento” significa, factualmente, e ao abrigo do código de procedimento administrativo, uma fase de instrução processual. E um processo é-o desde o seu início; um “processo de questionamento” é um processo, dois pontos: queira dar-se as cambalhotas que se quiser.

    Segundo, o PÁGINA UM não vislumbra também como a notícia em causa pode afectar a reputação e a boa fama da CCPJ – um dos pressupostos do direito de resposta –, quando, na verdade, a notícia apenas refere que a referida CCPJ estará a cumprir (e bem) as competências necessárias, e justificáveis para a sua existência, perante evidentes e documentadas provas da existência de incompatibilidade. O PÁGINA UM não inventou as declarações da CCPJ.

    Por fim, o PÁGINA UM também nem poderia sequer cumprir, de imediato, o solicitado pela CCPJ, mesmo na hipótese de ter razão, porquanto o seu Secretariado – constituído por jornalistas, sendo que a sua presidente, Leonete Botelho, até é licenciada em Direito – não cumpriu o estatuído pela Lei da Imprensa quando encaminhou a sua (suposta) mensagem do (suposto) desmentido. De facto, no nº 3 do Artigo 25º deste diploma, estipula-se que, para o exercício do direito de resposta, “o texto da resposta ou da rectificação, se for caso disso, acompanhado de imagem, deve ser entregue, com assinatura e identificação do autor, e através de procedimento que comprove a sua recepção, ao director da publicação em causa, invocando expressamente o direito de resposta ou o de rectificação ou as competentes disposições legais.”

    Ora, o Secretariado da CCPJ enviou apenas um e-mail ao PÁGINA UM sem sequer identificar os seus membros pelos respectivos nomes e sem sequer apor uma assinatura ou rubrica mal-amanhada. Para uma entidade tão formal como a CCPJ, exija-se então, portanto, todos os formalismos. Nesse sentido, e nestas circunstâncias, o PÁGINA UM aguarda que a CCPJ cumpra os devidos formalismos para depois levar a competente negativa, que terá, por certo, como consequência, que o caso siga para decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Em todo o caso, como o PÁGINA UM é defensor da transparência, e também advoga pela boa inteligência dos seus leitores, decide publicar, desde já, o texto integral recebido pelo (alegado) Secretariado da CCPJ. [E pondera também revelar publicamente a troca de mensagens que houve com a presidente da CCPJ, se a isso as circunstâncias obrigarem]. Assim, poder-se-á confrontar a veracidade e rigor da notícia original do PÁGINA UM, e reflectir sobre os motivos ou motivações desta agora postura da CCPJ. A negrito, inseriram-se as declarações (trechos e palavras) da CCPJ citadas ipsis verbis no artigo do PÁGINA UM.


    Exmo Senhor
    Pedro Almeida Vieira
    Director da publicação PÁGINA UM,

    Nos termos do disposto no art.º 25.º e nos n.os 1 e 3 do art.º 24.º da Lei de Imprensa, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista vem reclamar a publicação do texto infra, que desmente algumas das afirmações contidas no artigo publicado no Jornal online PÁGINA UM, na presente data, intitulado “Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media”, assinado pelo jornalista Pedro Almeida Vieira:

    “O Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) desmente ter aberto processos aos directores editoriais do Público e da Global Media tal como se depreende do título do artigo do PÁGINA UM – “Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media”.

    “O Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) desmente ter aberto processos aos directores editoriais do Público e da Global Media tal como se depreende do título do artigo do PÁGINA UM – “Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media”.

    Instado a pronunciar-se sobre alguns documentos enviados pelo próprio director do PÁGINA UM, o Secretariado da CCPJ, respondeu que, como era seu dever, iria analisar os casos e verificar se os assuntos eram da sua competência ou se deveriam merecer uma participação à ERC, assim como adiantou que iria solicitar esclarecimentos aos visados. Só depois destes procedimentos iria avaliar em particular cada uma das situações.

    Para o total esclarecimento da situação, foi esta a resposta do Secretariado da CCPJ ao director do PÁGINA UM [a negrito estão as palavras ou trechos citados pelo PÁGINA UM na sua notícia]:

    A CCPJ está a analisar as situações descritas sobre o Público, a Global Media e Domingos Andrade para avaliar os pontos que são da sua competência e quais os que, não sendo, justificam a participação à ERC. Iniciou também processos de questionamento aos referidos responsáveis.

    Mais informa que irá preservar o sigilo sobre as conclusões daí resultantes e eventuais procedimentos que se entendam por convenientes, nos termos do art.º 28.º do DL 70/2008 e das melhores práticas administrativas.

    Em abstrato, importa dizer que desde o início do atual mandato que a CCPJ identificou os conteúdos patrocinados, e as formas de promoção comercial disfarçadas de jornalismo, como um fenómeno preocupante, dado o risco de confusão entre conteúdos patrocinados e conteúdos jornalísticos. Tem sido crescente o número de denúncias generalizadas sobre jornalistas obrigados a elaborar conteúdos patrocinados sob anonimato ou sem sequer saberem que os conteúdos que lhes eram encomendados tinham na sua origem contratos comerciais ou de marketing do respetivo órgão de comunicação social. Tendo em conta essa preocupação, a CCPJ procedeu ao seguinte:

    1. Elaborou uma diretiva sobre conteúdos patrocinados (em anexo);
    2. Pediu à OberCom um estudo comparado sobre a forma como noutros países é tratado o tema dos conteúdos patrocinados, para divulgação nas redações e para inspirar propostas de alteração legislativa futuras (em anexo);
    3. Solicitou audiências com vários diretores e outros responsáveis editoriais de grandes órgãos de informação nacionais, com vista à sensibilização sobre o tema, numa atitude de cariz pedagógico para prevenção de eventuais processos de incompatibilidade sobre jornalistas precarizados que mais não fazem do que seguir as estratégias editoriais da empresa para a qual trabalham.”

    Com os melhores cumprimentos,

    O Secretariado da CCPJ

  • Do apelo à ressurreição da Razão

    Do apelo à ressurreição da Razão


    A incidência actual da covid-19 em Portugal está, actualmente, em nível similar ao do ano passado: cerca de 1% da população (aproximadamente 100.000 casos activos), sendo que em 2020 tínhamos 0% de vacinados, e agora temos 88% da população com dupla dose, dos quais 26% com tripla.

    Os óbitos diários (média móvel de 7 dias) estavam, no ano passado, nos 72; este ano estamos nos 15. Quase cinco vezes mais mortes no ano passado. Se se quiser ao contrário, este ano temos uma redução de quase 80% no número de mortes por esta doença.

    A melhoria é evidente. Inquestionável.

    Devíamos celebrar, mas não é isso que sucede. Somam-se as medidas restritivas e até discriminatórias.

    Criou-se um ambiente de culpabilização de todos aqueles que não queiram pertencer ao “clube dos puros”, formado por aqueles que nada contestam, que nada interrogam, que obedecem apenas, que não se importam pela criação de um mundo dual e maniqueísta.

    Num mundo racional, e onde a morte existe, se se registasse em Portugal, antes da pandemia, em pleno Inverno, 15 óbitos diários por aquela doença começada por G e causada pelo vírus I – assim se deve escrever no Facebook, para evitar censura, as palavras gripe e influenza –, diríamos que estava tudo ok em termos de impacte na Saúde Pública. A gripe ou as infecções subsequentes que causam pneumonias matam, em muitos Invernos, mais de uma centena de pessoas por dia.

    Ou seja, deveríamos controlar a situação, mas sem pânicos, sem enveredar por medidas esdrúxulas.

    Também se procuraria saber se o agora número baixo de óbitos por covid-19 em Portugal se deve à eficácia da vacina, se à mudança de critérios para atribuição de mortes por covid-19 ou se à muito menor taxa de letalidade da variante Ómicron. Ou, enfim, à conjugação de tudo isso.

    Mas não. Vivemos (ou morremos) agora, ou sobrevivemos agora, num Novo Normal, de histerismo e discriminação, num mundo de rótulos e clubes, de insanidade completa. O pânico não move as sociedades. Tolhe os movimentos. É nisto que nos transformámos.

    A Razão e a Ciência nunca foram tão maltratadas como nestes últimos dois anos. Vivemos uma Nova Idade das Trevas. Leiam os livros de História.


  • O Página Um, a Imprensa e a Ordem dos Médicos: esclarecimentos

    O Página Um, a Imprensa e a Ordem dos Médicos: esclarecimentos


    Segundo a Lusa – em notícia difundida hoje por outros órgãos de comunicação social, como o Expresso –, a Ordem dos Médicos terá enviado uma queixa à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) sobre, segundo o seu bastonário Miguel Guimarães, “uma publicação numa página do Facebook com dados de crianças internadas com covid-19”.

    Essa alegada “página”, classificada pela notícia da Lusa (que segue a linha difamatória iniciada pela CNN Portugal), como “página antivacinas no Facebook”, é, na verdade, o jornal PÁGINA UM, registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e dirigida por um jornalista acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Este é o site do PÁGINA UM, e, como habitual em outros órgãos de comunicação social, possui uma página na rede social Facebook.

    O artigo em causa do PÁGINA UM – que levou à alegada queixa da Ordem dos Médicos –, intitulado “Covid-19 em crianças: zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos”, encontra-se na secção ACTUAL, aqui.

    Posto isto, mostra-se conveniente mais alguns esclarecimentos:

    1 – As referências desprestigiantes e infames ao PÁGINA UM, que têm sido propaladas pela imprensa (p. ex., CNN Portugal, Público, Observador, Lusa e Expresso) são profundamente lamentáveis e terão consequências judiciais contra os seus responsáveis. O PÁGINA UM é um jornal digital dirigido por um jornalista com passagem por órgãos de comunicação social históricos e de prestígio (p. ex., Expresso, Grande Reportagem e Diário de Notícias, entre outros), que foi galardoado com diversos prémios de imprensa, que possui três licenciaturas e um mestrado, que é autor de romances e ensaios, chegou a ser membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (biénio 2007/08), e não tem cadastro.

    Notícia do Expresso, transcrita da Lusa, mantém acusações lamentáveis ao PÁGINA UM, iniciadas pela CNN Portugal

    2 – O PÁGINA UM é um jornal digital que, apesar de recente, é integralmente independente, sem publicidade nem parcerias comerciais, sendo apenas financiado por donativos directos dos leitores. Tem também um Código de Princípios e uma Declaração de Transparência do seu director, que estão publicados no site. Cumpre integralmente o Código Deontológico dos Jornalistas, em especial o seu ponto 9, que convém transcrever: “O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual.” Por esse motivo, ao contrário de muitos outros órgãos de comunicação social, o PÁGINA UM jamais rotulará pessoas ou movimentos, muito menos com termos historicamente desprezíveis. Nessa linha, jamais o PÁGINA UM tolerará que lhe sejam imputados epítetos depreciativos, ainda mais sem qualquer adesão ao jornalismo que pratica.

    3 – O PÁGINA UM aguarda, com calma e interesse, a decisão da CNPD relativamente aos dados clínicos anonimizados no decurso da queixa da Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM não consegue sequer identificar, através dos dados que divulgou, o nome das crianças nem as respectivas residências – estes, sim, dados nominativos salvaguardados por lei. Salienta-se, porém, a posição da CNPD já expressa em notícia da CNN Portugal de 23/12/2021: “A informação, embora detalhada do ponto de vista clínico, não parece de per si permitir identificar os titulares dos dados. Nesse caso, não haverá tratamento de dados pessoais”.

    4 – O PÁGINA UM reitera ser de inegável interesse público a divulgação daqueles dados clínicos – que são oficiais, e desde logo anonimizados –, por melhor enquadrarem a realidade sobre os riscos reais da covid-19 nas crianças portuguesas. O PÁGINA UM não revelará as suas fontes, nem em juízo, estando salvaguardado pela Lei da Imprensa e pelo Código Deontológico. Se Portugal deixar de ser uma democracia, então o PÁGINA UM promete repensar a sua posição, embora desde já antecipe a decisão: não divulgará as suas fontes.

    5 – O PÁGINA UM lamenta que, ainda mais num país democrático, vários órgãos de comunicação social, e mais concretamente jornalistas, mostrem atitudes censórias e persecutórias em relação à divulgação num artigo noticioso informação relevante, que, repita-se, são anonimizados, e estejam a contribuir para a estigmatização dos jornalistas que buscam e investiguem factos.

    6 – Lamenta-se profundamente a atitude do senhor bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, por contribuir, de forma extremamente activa, para a difamação do jornal PÁGINA UM. A Ordem dos Médicos sabe bem que, neste momento, existem duas queixas do PÁGINA UM na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para que o senhor Miguel Guimarães disponibilize, entre outros processos, toda a documentação relacionada com um donativo de 380.000 euros concedido este ano pela farmacêutica Merck, bem como o destino que lhe foi dado.

    7 – Informa-se também que o PÁGINA UM está em processo de finalização de uma investigação relacionada com os financiamentos das sociedades médicas, cuja publicação está prevista para a próxima semana. Não surpreende, aliás, assistir a tantos médicos interessados, agora, e desde já, em colocar no lamaçal os créditos de um jornal independente e a credibilidade de um jornalista com larga experiência de investigação.

    Pedro Almeida Vieira
    Director do PÁGINA UM