Começo por dizer que valorizo a coragem de quem consegue argumentar em frente a uma câmara de televisão, pressionado pelo tempo e sabendo que milhares de pessoas, no século que tudo regista e armazena, estão à escuta.
Dito isto, acrescento, que sob a capa de serviço público e suposto favor à democracia, a RTP serviu-nos ontem, em horário nobre, um espectáculo de horrores.
É um facto que, mesmo na era das redes sociais, um partido que não tenha tempo de antena numa televisão dificilmente passa a sua mensagem. Mas colocar onze pessoas numa sala, dar meia dúzia de minutos a cada um, e misturar malucos com pessoas que têm algo para dizer, dificilmente acrescenta alternativas ao debate político.
Eu não percebo, por exemplo, como se explicam as décadas de intervenção política de José Pinto Coelho, e aquele papel de odioso de serviço a que ele se dedica desde sempre. Menos ainda, como é que aquele discurso tem cinco minutos de antena pagos por todos nós. Mesmo que apenas de quatro em quatro anos, como ele se queixou, é tempo a mais para um partido de ideologia nazi que pura e simplesmente devia ser ilegal. Em 2022 ainda temos saudosistas de 1939 em horário nobre.
Em sentido oposto estavam o recém-criado Volt, com uma ideia europeísta interessante, e os dissidentes do Bloco de Esquerda reunidos no MAS. Dois projectos políticos que teriam algum interesse de serem ouvidos em confronto com outros intervenientes. Assim, no meio de elefantes, tubarões e golfinhos, destacaram-se apenas por não terem um discurso risível.
Carlos Daniel fez o que sabe e bem. Distribuiu jogo com a classe de Valdo na década de 80. Deu uns empurrões ao Tino quando o discurso falhava, aturou com paciência as teorias sobre o grande reset, e ainda ouviu que os testes da covid-19 eram uma enorme desculpa para evitar jantar com as sogras. Menos a minha, disse ele, beijinhos para a dona Fernanda, acho que era esse o nome.
Eu ainda tentei tirar notas, mas também não as percebo no dia em que escrevo. O caos instalou-se. Os emigrantes, tema tão caro nestes tempos, foram referidos por duas vezes. Pelo MPT (Movimento Partido da Terra), para que não se fossem embora, numa referência à dramática perda de mão-de-obra qualificada. E pelo Ergue-te, para que não entrassem e não viessem roubar os empregos dos portugueses. Isto, num país que nem preenche a sua quota de refugiados. Ninguém quer vir para o nosso cantinho à beira-mar plantado. Porque será?
O representante madeirense do JPP falou da necessidade de baixar a dívida pública, sem explicar se os calotes do Alberto João ao erário nacional seriam contabilizados. O Partido Trabalhista afirmou que já não havia RSI nos Açores, e que o tubarão se encaminhava agora para Lisboa, restando ao PTP a nossa defesa com golfinhos.
Tino de Rans disse que as empresas de sondagens lhe pediriam desculpas no dia 31, e, ao fim de 20 anos, ainda não conseguiu arranjar uma ideia.
O senhor do Aliança, ainda órfão de Santana, começou por se distanciar de CDS, IL, PSD e CHEGA. Por pouco não se confundiu com o PCP.
Cavalgando a onda de militares que são óptimos em logística e na organização de eventos, o senhor dos NÓS fez questão de dizer que era contra tudo e o seu contrário, mas que, tal como o outro camarada, também ele era oficial da Armada e iria resolver tudo. Não esclareceu se o passo seguinte seria a Presidência da República.
A representante do MRPP cumpriu o objectivo da noite, que era usar a palavra “burguês” pelo menos três vezes. O PREC foi um período lindo, estamos de acordo, mas era bom que avisassem o PCTP-MRPP que já acabou.
O momento de humor da noite aconteceu quando Carlos Daniel perguntou a José Pinto Coelho se este era racista. Julgo que JPC terá ficado ofendido com a mais pequena dúvida sobre esse orgulho que carrega na lapela.
A única coisa que verdadeiramente retirei deste debate foi a curiosidade de ir ver o que VOLT e MAS tinham para dizer fora daquele estúdio. São projectos interessantes, e, pelo menos, no caso do VOLT, acho que poderão ambicionar chegar à Assembleia da República em poucos anos.
Foi o que se conseguiu ouvir de uma noite recheada, essencialmente, de vergonha alheia.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Quarto episódio da Recensão Eleitoral (19/01/2022) – O debate dos pequenos ou o espectáculo dos horrores
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O senhor Filipe Caetano é membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (SJ). O senhor Filipe Caetano (CP 2797) é também editor da secção Internacional da CNN Portugal (e antes da TVI). A CNN Portugal, como se sabe, mimoseou-me com vários epítetos, e fez uma escabrosa notícia difamatória sobre o PÁGINA UM em 23 de Dezembro passado.
Ora, hoje recebo um e-mail do senhor Filipe Caetano, em nome do Conselho Deontológico do SJ (ver conteúdo integral em baixo), informando-me que estão a “analisar uma situação que o envolve relativa à eventual violação do Código Deontológico de Jornalista” (sic).
O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e circunstancialmente membro do Conselho Deontológico do SJ, não identifica o queixoso nem sequer identifica um único artigo ou opinião por mim publicado como jornalista no PÁGINA UM.
Filipe Caetano (à esquerda, sem máscara, no interior de um edifício), editor da CNN Portugal e membro do Conselho Deontológico do SJ, em entrevista de trabalho com Gouveia e Melo, transmitida em 15 de Dezembro de 2021.
O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, diz apenas que “a queixa está relacionada com a alegada mistura entre factos e opinião”, acrescentando ainda, sob a forma de afirmação sua, que “tanto na sua conta aberta no Facebook (nas publicações relativas a promoção de notícias), como no site ‘Página Um’, existem considerações em textos que aparentam ser noticiosos.”
O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, nem sequer mostra respeito pelo PÁGINA UM, que não é um site; é um jornal digital, um órgão de comunicação social.
E opina ainda o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, que esse “ponto é essencial”. Depois, envia-me duas questões, onde subjaz já a sua opinião.
O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, só pode ser um brincalhão, porque também me envia, em anexo, “os elementos servidos como exemplo pelo queixoso”. O ignoto queixoso, acrescento eu. E elementos de uma queixa, cujo conteúdo ele próprio “decepa”, não a divulgando na íntegra.
E que elementos são esses enviados pelo senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, que, na minha prática jornalística, como jornalista e director do PÁGINA UM, são susceptíveis de caírem na alçada de um Conselho Deontológico?
Ora, pasmem-se! O senhor Filipe Caetano, editor da CNN e et cetera, envia-me:
Primeiro “elemento” do processo do Conselho Deontológico, que é um abaixo-assinado de profissionais de saúde
1 – Um trecho de um texto do qual nem sequer sou eu o autor. Na verdade, é um extracto de um abaixo assinado de médicos e outros profissionais de saúde, publicado originalmente no jornal Público em 8 de Julho do ano passado. Entre os subscritores estão, por exemplo, os médicos Germano de Sousa (antigo bastonário da Ordem dos Médicos), Jorge Torgal e António Ferreira, e outros catedráticos de faculdades de Medicina, e ainda a bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins. Esse abaixo-assinado critica, aliás, a gestão da pandemia.
Por que carga de água me foi esse elemento enviado, ignoro. O senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, lá deve ter tido as suas razões. Deduzo que não é incompetente nem age de má-fé, mas isso não lhe retira pelo menos a parvoíce.
2 – Dois trechos de posts da minha página pessoal do Facebook – repito, da minha página pessoal – em que abordo questões relacionadas com o Doutor Gustavo Carona, uma das quais uma crítica à não resposta de um requerimento que fizera ao presidente do Conselho de Administração do Hospital Pedro Hispano.
Por que carga de água o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, acha que o seu Conselho Deontológico deve analisar textos pessoais no Facebook, onde nem sequer me identifico como jornalista, ignoro.
Sei sim – e não posso ignorar – que eu e o PÁGINA UM temos incomodado muita gente, incluindo muitos jornalistas que, rasgando princípios éticos e deontológicos, têm andado a mercadejar o jornalismo, com parcerias comerciais escabrosas, com promiscuidades asquerosas, e com enviesamentos perniciosos. Sobre isto o senhor Filipe Caetano e o Conselho Deontológico do SJ não se debruçam.
Fui, e tenho orgulho dessa função, membro do Conselho Deontológico do SJ (2007-2008). Nunca imaginaria sequer poder-se abrir um processo de averiguação sem revelar ao requerido quem era o queixoso, e sem lhe enviar o conteúdo integral da queixa e os pressupostos subjacentes.
Não tenho a mínima dúvida das intenções mais do que evidenciadas do senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, quando me escreve o seu e-mail. Ele nem sequer identifica as falhas, ele alega que existem alegados delitos, sem expor o corpo do delito, sem sequer identificar onde está o delito.
Segundo “elemento” do processo do Conselho Deontológico: um post do Facebook.
Pode o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, desejar ardentemente censurar o meu trabalho de jornalista – para assim arvorar a censura numa estaca para glória dos “seus”, como se fazia antes com as cabeças decepadas dos criminosos. Mas se é o quer fazer, pelo menos tente dar uma ideia que o faz bem, mostrando na aparência que eu me porto mal. Que procure ele, pelo menos fazer as “coisas” aparentando umas réstias de decência.
Que vá ele buscar, sim, artigos noticiosos e artigos de opinião da minha autoria no PÁGINA UM – e, então, sim, se necessário for, invente, fabule, engendre ou forje umas quaisquer violações ao Código Deontológico dos Jornalistas.
Fora disso, é tontice. Como mostra querer fazer – com “elementos” do quilate de um texto que nem sequer é da minha autoria, e com dois posts de Facebook –, apenas conspurcará o Conselho Deontológico do SJ e o passado da classe jornalística.
A Inquisição, saiba o Conselho Deontológico do SJ, já acabou no início do século XIX.
E, além disto, o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, em vez de me chatear com a ameaça de uma censura do Conselho Deontológico do SJ (por causa de textos no meu mural pessoal do Facebook), pode ir fazer mais umas entrevistas fofinhas, com máscara ou sem máscara – como a que realizou recentemente ao vice-almirante Gouveia e Melo, em Dezembro passado, e onde lhe perguntou como ele “lida (..) no seu dia-a-dia” com o “facto de ser considerado um herói nacional”. Isso sim, para o senhor Filipe Caetano, editor da CNN Portugal e et cetera, será, por certo, fazer bom jornalismo. Para mim, não é. E isto é a minha opinião. E também um facto. E dos verdadeiros.
E-mail integral enviado pelo senhor Filipe Caetano
Caro Pedro Almeida Vieira,
O meu nome é Filipe Caetano e sou um dos elementos do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas. Fomos recentemente contactados para analisar uma situação que o envolve relativa à eventual violação do Código Deontológico de Jornalista.
Terceiro “elemento” do processo do Conselho Deontológico: um post do Facebook.
A queixa está relacionada com a alegada mistura entre factos e opinião, e por isso é relevante dar-lhe oportunidade de responder a estas questões, para que fique totalmente esclarecida a situação. Em várias das suas publicações, tanto na sua conta aberta no Facebook (nas publicações relativas a promoção de notícias), como no site “Página Um”, existem considerações em textos que aparentam ser noticiosos.
Este ponto é essencial, considerando o artigo 1 do Código Deontológico: “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público”.
Enviamos em anexo os elementos servidos como exemplo pelo queixoso e fazemos as seguintes questões:
Considerando que nas suas publicações invoca o seu estatuto de jornalista, procura separar as suas publicações entre notícia e opinião?
A eventual mistura entre opinião vs factos poderá gerar no leitor alguma confusão, afastando-se da veracidade dos factos. Como procura atenuar ou eliminar essa eventual confusão, tendo em consideração o artigo 2 do Código Deontológico (“O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais”)?
Estamos dispostos a mais esclarecimentos e abertos às suas respostas, cientes da importância do trabalho jornalístico, com o rigor e isenção, correspondente ao Código que nos orienta.
Quando, no fim do debate de ontem, entre todos os partidos com assento parlamentar, a opinião, mais ou menos unânime, de que o Carlos Daniel tinha sido o vencedor, ficamos elucidados sobre aquela hora que jamais recuperaremos.
Começo pelo fim. Pelo momento em que todos se juntaram em amena cavaqueira ainda com as câmaras da RTP3 ligadas. Costa e Ventura. Rui Tavares, Rio, Chico e Catarina Martins. Gosto da civilidade depois do calor do debate. Mas gosto ainda mais da realidade. Pessoas que representam um papel, defendem uma ideologia, demonizam o parceiro do lado. Mas no fim, tal como qualquer um de nós, estão apenas a fazer uma entrevista de trabalho. Neste caso em directo.
Costa levou pancada de todos os lados e aguentou. Meteu-se a jeito com a sua versão de “a história me julgará” e Cotrim aproveitou. Foram dele os momentos mais inteligentes na noite do Capitólio. Para além da habitual venda de unicórnios, aproveitou os poucos minutos disponíveis para atacar António Costa, a falta de clareza na política de alianças e claro, o sempre miserável crescimento económico.
João Oliveira sabe que não está na lista de preferidos, mas explicou, para quem ainda não tinha percebido, como é que se evitou um novo mandato de Passos Coelho. E deixou claro que o PCP voltará a dizer presente.
Já no campo oposto, e sobre este tema, Francisco do mundo rural usou a palavra “bolchevique” e, só por isso, conseguiu mais 7 votos na Quinta da Marinha.
Rio voltou às conversas de café. Calmo, bem-disposto, prático na essência de dizer que se junta com todos. Até com o PS. Sem a chama que nunca teve, portanto, coerente.
Foi Cotrim quem, de facto, fez as despesas da direita no ataque ao governo e à geringonça. O Chico estava entretido com o cheque-farmácia, o Ventura com os que não fazem nada e a Inês fazia contas para perceber onde ficava o centro.
Rio assistia ao espectáculo, pensando, ora aqui está um bom ministro da Economia.
Valeu a António Costa que Rui Tavares estava lá e, ao contrário de mim, ainda acordado. Foi ele que interrompeu a venda no bazar liberal das ilusões sobre o SNS, trocando por miúdos o que significava o exemplo holandês na saúde e como, de repente, poderíamos acabar no caso búlgaro. A chamada roleta da saúde.
Foi também o líder do Livre que tomou as rédeas da esquerda para ripostar.
Os generais descansaram à sombra da azinheira, cansados e com a fita gasta, deixando campo aberto para que os capitães marcassem o seu espaço.
E estes, bem, aproveitaram.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Terceiro episódio da Recensão Eleitoral (18/01/2022) – A hora dos capitães
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Consta por aí, pelos mentideros – palavra castelhana que significa lugar onde se agrupam pessoas para conversar, mas que aportuguesando passa a ser sítio onde se propagam boatos e mentiras –, que sou negacionista da covid-19. Basicamente – e, nessa querela, jamais interessa dirimir argumentos, porque os epítetos servem para rechaçar o debate –, porque sempre contestei a estratégia de gestão da pandemia; sempre defendi que a gravidade da doença dependia de diversas variáveis – sendo a idade, o sexo (mulheres mais fortes) e certas morbilidades as principais – e que, nessa linha, face às características, “juventude” e limitações das vacinas, os programas de inoculação deveriam depender da necessária ponderação entre precaução, risco, benefício e incerteza.
Em seriedade – que hoje, num mundo maniqueísta, já é palavra vã –, ninguém jamais me poderia acusar de negacionismo. Mas acusaram. E muito menos depois de Junho do ano passado. Mas acusam. E mesmo depois daquilo que estou a escrever, também me acusarão.
Pois bem, que seja.
Talvez seja o meu segredo mais mal guardado – porque nunca neguei nem nunca confirmei, embora ainda há poucos dias falei en passant –, mas é mesmo verdade: já tive covid-19. Não é algo surpreendente: se considerarmos apenas os casos positivos, já foi atingida quase 20% da população portuguesa. Presumo, pelo que foram mostrando algumas estimativas com base em estudos serológicos, que poucos serão hoje os portugueses ainda “virgens”.
Enfim, mas apanhei mesmo: foi no ano passado, em finais de Maio.
Não estava vacinado.
Nessa altura, não tinham ainda chamado as pessoas da minha idade (51 anos).
Não vou ser hipócrita: não ponderava vacinar-me.
Não por negar os benefícios das vacinas em geral, nem por não defender que podem ser uma das “ferramentas” de combate, sobretudo nas populações mais idosas, em função de uma análise risco-benefício.
Para o meu caso em concreto, baseava-me então numa livre escolha de base científica e probabilística, tendo ademais em consideração a impossibilidade de imunidade de grupo, a incerteza sobre efeitos adversos a longo prazo da vacina. Conhecia, além disso, com detalhe, o “perfil” da doença, e não me considerava com comorbilidades relevantes, excepto ser ex-fumador (com sete anos de abstinência) e estar com um pouco de colesterol em excesso (efeitos da sedentarização pandémica).
Como sempre tive acesso a informação relevante, sabia que das cerca de 5.100 pessoas da minha idade que tinham apanhado covid-19, desde o início da pandemia até Maio de 2021, 10% tinham necessitado de internamento (510) – embora em muitos casos por causa de outras maleitas – e 0,6% acabaram por falecer (31).
Não se pense que é valor demasiado elevado: o quociente de mortalidade (por todas as causas) de homens da minha idade é, segundo o Instituto Nacional de Estatística, de quase 0,52%, ou seja, o risco de morte no prazo de um ano é de 1 em 200. Tem de se saber viver com esse risco – e felizes os que vivem sem o conhecer. Se se considerar a população masculina da minha idade (cerca de 70 mil homens), então a taxa de mortalidade por covid-19 afigurava-se bastante reduzida: 31 homens caídos em cerca de 70 mil dá apenas 0,044%.
Enfim, o melhor que se pode fazer, nestes casos, é tentar não estar do lado dos mais vulneráveis – cuidando da saúde o melhor possível sem demasiados pecadilhos – e ter algumas precauções para evitar os azares da vida.
Enfim, mas apanhei com o SARS-CoV-2 antes de ter de tomar a decisão, pelo que o meu desfecho seria, presumo, igual em qualquer dos casos.
Terei, pelo que desconfio, sido infectado em finais de Maio, pois comecei com sintomas em 2 de Junho. Ao dia 4 telefonei para o SNS24, desconfiando da maleita. Porém, como mantive olfacto e paladar, descartaram a possibilidade de ser covid-19. Ben-u-ron para cima. Não passou. Entretanto, era 6 de Junho e já não podia em mim – com dores, alguma tosse e um quadro de alguma confusão –, e veio por fim a confirmação de um caso positivo de amigo próximo, com quem estivera. Novo telefonema para o SNS24, marcação de testes para o dia seguinte. Da Rua de São Lázaro, no centro de testagem, já nem fui a pé para o Hospital de São José.
Só em 7 de Julho, salvo erro, regressei à vida civil, depois de estadia para o Hospital Curry Cabral – onde até escrevi posts sem me recordar como –, regresso ao Hospital de São José, para cuidados especiais, e uma última passagem, já em recuperação, no Hospital dos Capuchos. Só praticamente nesta última unidade de saúde recuperei completa consciência de mim. Dos outros dias, apenas vos posso dizer que fiquei com experiências entre o terrífico e surreal. Não guardo dores nem traumas; pelo contrário. Se tivesse partido, seguia sem dores.
Segundo consta, nos momentos de consciência, entre a lucidez e a loucura, portei-me mal e bem, agradeci e maldisse muita gente que me tratava, fiquei com a plena consciência que quem faz mexer os hospitais são os enfermeiras e enfermeiros, bem como os auxiliares. Médicos vi-os pouco, mesmo sabendo que muitos contribuíram para me salvar.
Salvaram-me todos da covid-19?
Sim, oficialmente, sim. Se tivesse morrido, seria essa a causa do meu certificado de óbito.
Porém, do hospital público teriam, porventura, esquecido de informar a minha família e amigos que, ao 11º dia de internamento (e ao 16º dia de infecção), me descobriram uma pneumonia bacteriana causada por Staphylococcus aureus. Foi infecção nosocomial, mas, não sendo incomum, ainda hoje pergunto porque demoraram tanto tempo a fazer análises a outras tantas coisas para saber a razão do agravamento do meu estado de saúde.
Do hospital público também teriam, porventura, esquecido de informar a minha família e amigos que um médico interno (estagiário), não devidamente supervisionado, se esqueceu de retirar o fio-guia do cateter quando aplicou a técnica de Seldinger, nem notou que não o tinha nos “despojos”, e assim andei – ou deitado estive – com o dito literalmente enrodilhado entre aurículo e ventrículo por meia dúzia de dias, até que um TAC ao coração o detectou, e um excelente médico de intervenção do Hospital de Santa Marta o lá foi buscar sem necessidade de me abrir. Pelo que soube muito mais tarde, fui um dos dois desafortunados em 10.000 pacientes que já ficaram com um fio-guia do cateter a passear-se pelo interior do coração.
Enfim, não estou aqui a escrever para me queixar de erros médicos – que os há, e muitos que os sofrem nem podem escrever já sobre eles –, porque estes, a terem existido no meu caso, não foram suficientes para se sobreporem aos bons procedimentos clínicos ministrados, de sorte que, aqui estou, ainda por cima sem long covid, contrariando as “estatísticas” do Doutor Filipe Froes.
Estou aqui, sim, a queixar-me porque, na verdade, o Estado – na pessoa da presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central Rosa Matos Zorrinho, que até já foi secretária de Estado da Saúde (2017-2018), e é casada com o eurodeputado socialista – acha que não tem nada que me disponibilizar os meus dados clínicos nem assumir quem e como me foram prestados cuidados médicos em unidades do Serviço Nacional de Saúde.
Faço este relato, porque considero inadmissível esta postura. Diria mesmo criminosa, de ocultação.
E faço esta denúncia porque desconfio ser esta uma prática comum de encobrimento de actos de negligência médica, que funcionam sobretudo se os visados não conhecem os mecanismos de defesa dos seus direitos.
Vamos então relatar como se tem portado o CHULC, e mais a sua principal responsável, em relação à cedência de informação que me pertence por direito.
Fiz um primeiro requerimento à CHULC em 15 de Julho de 2021, solicitando cópia de todos procedimentos médicos com “indicação precisa em termos cronológicos”.
No dia seguinte, o CHULC envia um e-mail para que preencha um formulário, onde me exigem que preencha um formulário em que indique o “destino da informação”. Uma das opções seria “Processo Judicial”. Respondo que não tenho de justificar o motivo para aceder aos meus dados clínicos, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
Enrolaram. Não me deram os dados requeridos. Apenas a nota de alta, que nada refere em concreto sobre o que se passara durante o internamento.
Apresento queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos em 9 de Agosto.
Por pressão da CADA, o CHULC enviou alguns documentos, mas em linguagem quase sempre codificada, e sem referir pormenores identificativos dos intervenientes do famigerado fio-guia no coração. Mesmo sobre a infecção nosocomial, muito pouco ou quase nada.
Volto a insistir com a CADA, informando que a informação está absolutamente incompleta.
Finalmente, no dia 20 de Dezembro – quase quatro meses e meio depois da minha queixa –, a CADA concedeu o seu parecer sobre o meu caso, referindo que “deverá a entidade requerida [CHULC] facultar a informação solicitada existente que esteja por facultar”, e acrescentando que isso deveria ser comunicado “no prazo de 10 dias”.
Que fez o CHULC e a sua presidente do Conselho de Administração?
Nada! Ainda.
Um país decente, ou não, vê-se pela forma como trata estes “pormenores”.
Seguem-se, em breve, mais capítulos, mas por aqui se entende as razões para a culpa em Portugal morrer tantas vezes solteira.
P.S. Em breve saberão quais foram os motivos para nunca ter usado o certificado digital de recuperado e porque não me vacinei entretanto. Não foi por negacionismo; foi por Ciência.
Ana Maria Azevedo Vasconcelos Correia é médica de Saúde Pública e directora da delegação do Porto do Instituto Nacional de Saúde Pública. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.
António Carlos Megre Eugénio Sarmento é médico, professor da Faculdade de Medicina do Porto e director do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de São João. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Diana Raquel da Silva Costa é farmacêutica e investigadora da Nova SBE – Health Economics & Management Knowledge Center. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
João Pedro Fidalgo Rocha é farmacêutico e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.
Luís Ricardo Simões da Silva Graça é médico imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Luísa Maria Duarte Sousa Rocha Vaz é médica e coordenadora da Unidade de Saúde Familiar da Cova da Piedade. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Maria de Fátima Vieira Ventura é farmacêutica, professora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e membro da Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Maria Lurdes Silva é enfermeira, investigadora coordenadora do Instituto Nacional de Saúde e professora convidada da Universidade do Porto. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Marta Valente Pinto é médica e assistente de pediatria no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Manuel do Carmo Gomes é biólogo e professor do Departamento de Biologia vegetal da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 para crianças dos 5 aos 11 anos.
Raquel Margarida Mendes Ribeiro Nunes Guiomar Moreira é virologista e Responsável pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe do Instituto Nacional de Saúde (INSA). É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Teresa Maria Alves Fernandes é bióloga, técnica superior da Direcção-Geral da Saúde e coordenadora do Programa Nacional de Vacinação. É uma das signatárias do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 de crianças dos 5 aos 11 anos.
Válter Bruno Ribeiro Fonseca é médico, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e director do Departamento de Qualidade da Saúde da Direcção-Geral da Saúde. É um dos signatários do parecer que recomendou a vacinação contra a covid-19 a crianças dos 5 aos 11 anos.
Estes são os 13 nomes que integram a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
Relembremos que o seu parecer, assinado em 10 de Dezembro de 2021, considerou, “com base nos dados disponíveis, que a avaliação de risco-benefício é favorável à vacinação universal das crianças com 5 a 11 anos”, conforme página 27.
Foi este o parecer desejado pela Direcção-Geral da Saúde.
Foi este o parecer desejado pelo Governo.
Foi este o parecer desejado pela imprensa mainstream.
Antecedendo este parecer, um grupo de pediatras elaborara em 2 de Dezembro um outro parecer no qual recomendava “ser prudente aguardar por mais evidência científica antes de ser tomada uma decisão final de vacinação universal deste grupo etário.”
O parecer da CTVC referia dois aspectos fundamentais sobre quais eram os “dados disponíveis” sobre o impacte da covid-19 e sobre o impacte das vacinas contra a covid-19 nas crianças, a saber:
a) “Um estudo em crianças inglesas com PCR positiva para SARS-COV-2 estimou uma taxa de mortalidade devido a infeção por SARS-CoV-2 em 2 óbitos por milhão, sendo que de todas as crianças que testaram positivo para SARS-COV-2, 99.995% sobreviveram, estando de acordo com os dados reportados noutros países”, conforme página 7.
b) “Os riscos, a longo prazo, associados à administração da vacina, nas idades 5-11 anos, não são ainda definitivamente conhecidos”, conforme página 18.
Como referi em artigo publicado em 12 de Dezembro, a CTCV baseou a recomendação para vacinação universal de crianças entre os 5 e os 11 anos apenas em estudos de avaliação a curto prazo em adolescentes e jovens adultos, mas que nem sequer estavam publicados ou revistos pelos pares (peer review). Ou seja, nem avaliação de curto prazo tinham.
Extracto do parecer da CTVC que confessa o desconhecimento dos efeitos da vacina em crianças a longo prazo.
Recorde-se também que o PÁGINA UM revelou, em notícia exclusiva em 7 de Janeiro passado, que, nos primeiros 15 meses da pandemia, quatro em cada 10 menores hospitalizados com covid-19 foram internados por outras causas.
Até à data do avanço do programa de vacinação de crianças entre os 5 e os 11 anos, nenhuma tinha morrido por esta doença. Todos os três menores de idade que tinha falecido – um com 4 anos e dois com menos de 1 ano – sofriam de gravíssimas comorbilidades. No caso dos recém-nascidos seria até muito duvidoso que sobrevivessem mesmo sem covid-19.
Estes eram, repito, os “dados disponíveis”. Os médicos e os técnicos que compõem a CTVC fizeram um parecer político, rasgando todos os princípios da prudência e da deontologia. Venderam os seus princípios – se é que os tinham – por um punhado de reconhecimento das autoridades.
Trocaram zero mortes por uma incerteza, que agora aparenta ser uma certeza: a morte de uma criança.
Pode ser pouco, mas mostra sobretudo que, em tempos de Ciência, afinal se escreve um parecer que nada teve de científico. Foi político. “Que se tenha noção” que alguns dos membros desta CTVC são professores universitários e que escreveram um parecer e tiraram conclusões que envergonhariam, e chumbariam, um aluno universitário.
E que ficou agora manchado com sangue.
Esperemos que seja apenas uma.
E que essa morte sirva para cada um destes membros reflictam sobre o próximo parecer, ou frete, que lhe encomendarem.
Quanto ao Governo, tem agora uma só opção: suspender imediatamente o programa de vacinação das crianças.
Hoje, o PÁGINA UM revelou que alguns milhares de pessoas que deram entrada nas urgências hospitalares com problemas cardíacos acabaram rotulados como doentes-covid, sendo que, nos casos de desfechos fatais, foram considerados oficialmente como vítimas da pandemia.
Esta denúncia, quantificada, foi completamente ignorada pela imprensa mainstream, tal como os outros casos que o PÁGINA UM tem vindo, paulatinamente, a desvendar, assentes em dados oficiais nunca divulgados pelas autoridades de Saúde. Não é por acaso que tal sucede.
Toda a gestão da crise pandémica em Portugal e no Mundo se tem baseado na promoção do medo e no controlo da informação, com a qual a comunicação social mainstream – dependente cada vez mais dos poderes políticos para sobreviver financeiramente – tem pactuado. Mais papista do que o Papa, os jornalistas mainstream fomentam esse pânico ad nauseam.
A recente morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria é reveladora deste contributo nojento – já não há outra expressão justa – da comunicação social tradicional.
Note-se: a criança faleceu no domingo, dia 16, num quadro de crise cardíaca fulminante, e segundo as informações do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte chegara no dia anterior às urgências “com um quadro de paragem cardiorrespiratória”. Foi-lhe feito um teste à covid-19, que deu positivo, e sabe-se ainda que tinha tomado uma dose da vacina da Pfizer.
Entretanto, e apesar de contrariar as suas normas até há pouco seguidas, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por não incluir esse óbito nas estatísticas da covid-19. Porém, isso já pouco interessa para a comunicação social mainstream. Nenhuma refere que a DGS não incluiu essa morte nas estatísticas; ao invés, dá a ideia de que tal sucedeu.
Com efeito, para a generalidade da imprensa, os títulos remetem para uma criança que morreu “com covid-19” ou “infectada com covid-19”, como se pode observar nas notícias da Rádio Renascença, Diário de Notícias, Jornal I, Sábado ou CNN Portugal. Alguns órgãos de comunicação social não titulam dessa forma, mas enviesam a informação, orientando os leitores para entenderem a morte como tendo sido causada pela covid-19, e não pela vacina.
Que devia, nestas circunstâncias, fazer um verdadeiro jornalista, um que não queira ser pé de microfone ou de servir uma narrativa oficial?
Assumir, primeiro, que ninguém sabe ainda qual a causa. Na verdade, nas actuais circunstâncias, um teste positivo nada diz, nem a toma de uma dose de vacina nada diz. Porém, há muito trabalho que um verdadeiro jornalista pode e deve fazer.
Deve, primeiro, saber que o papel da comunicação social, na sua função mais nobre, é sobretudo questionar, investigar, obrigar que as autoridades de Saúde sejam mais transparentes, que justifiquem acções e clarifiquem aspectos fundamentais da gestão da pandemia.
Isso não está a ser feito, intencionalmente, e por responsabilidade das direcções editoriais e de jornalistas mansos.
A função da comunicação social nunca pode ser de promoção do medo nem de orientar a população. Deveria fazer corar de vergonha uma sociedade de um país democrático saber que 92,2% dos jornalistas confessaram que, durante uma crise sanitária, tiveram “uma preocupação permanente em orientar comportamentos”, assumindo que fizeram isso “através do próprio agendamento noticioso”, conforme revelou um estudo da Universidade do Minho.
Não, meus senhores. Não, minhas senhoras. Não, meus camaradas jornalistas. Aquilo que se tem andado a fazer, aquilo que vocês têm andado a fazer, não é jornalismo.
Vocês, para fazerem verdadeiro jornalismo, têm de fazer mais e melhor. Têm de questionar. Têm de exigir transparência. Têm de denunciar. Têm de, com mais questões, com mais transparência, com mais denúncias, pugnar por uma sociedade mais democrática. De contrário, ganham o vosso salário, mas não cumprem a vossa função.
Eu não desejo ensinar ninguém, apenas mostrar como trabalho no actual ambiente de falta de transparência e dificuldades de acesso à informação. E isto como outsider num ambiente onde questionar a narrativa oficial facilmente é um passaporte para o ostracismo e um bilhete para perseguição e assassinato de carácter, mesmo entre os pares.
O PÁGINA UM tem questionado, questionado e questionado as autoridades a revelarem informação pública.
Vamos ao exemplo da malograda criança de seis anos.
Para saber se uma morte deste género é coisa rara, eu conseguia apurar facilmente, até há poucas semanas, quantas crianças morriam de ataque cardíaco por ano, através da Plataforma da Mortalidade. Conhecer isso permitiria enquadrar este recente infeliz evento no seu devido contexto.
Porém, a doutora Graça Freitas tratou, entretanto, de eliminar este site dos olhos dos incómodos jornalistas e cidadãos. O site eclipsou-se na última semana. Alguém, além do PÁGINA UM, denunciou isto? Ou denunciou o “apagão” da informação diária sobre a pandemia, dos suicídios no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) ou dos relatórios da Task Force de Ciências Comportamentais? Não me consta.
Mas, além de denunciar estas situações de falta de transparência de uma funcionária pública – é isso que a doutora Graça Freitas é, e deve ser tratada como tal –, que está ao serviço de um Governo, um verdadeiro jornalista deve saber lutar e contornar o obscurantismo. Deveriam saber os jornalistas, por exemplo, pesquisar na labiríntica base de dados do Instituto Nacional de Estatística, para aí descobrirem alternativas a alguma informação escondida pela DGS.
Se se dessem ao trabalho – ou soubessem pesquisar –, talvez assim ficassem a conhecer que as doenças isquémicas do coração – aparentemente a causa de morte da criança no Hospital de Santa Maria – é algo muito raro, para não dizer de probabilidade remota. Tanto assim que desde 2015 até 2019 não há qualquer óbito registado em menores de nove anos. Algum jornalista mainstream fez isto? Não me consta.
Mas um verdadeiro jornalista deveria fazer mais. Tem de fazer mais. Devia pressionar o Infarmed – que parece mais preocupado em patrocinar cursos de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing na Indústria Farmacêutica do que em revelar informação sensível sobre fármacos – para disponibilizar o acesso às bases de dados de farmacovigilância. Até agora, os jornalistas mainstream têm-se satisfeito com relatórios simplistas feitos à medida de adolescentes do secundário.
Captura de ecrã de base de dados do Instituto Nacional de Estatística revelando ausência de óbitos por doenças isquémicas do coração em menores de 9 anos entre 2015 e 2019.
Que eu saiba, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que solicitou acesso para dois casos em concreto: vacinas contra a covid-19 e para o remdesivir, fármaco da Gilead. Aliás, se houvesse mais jornalistas, por certo o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, não acharia que poderia ignorar olimpicamente essas solicitações. Diga-se, de passagem, que já seguiram duas queixas para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Algum outro jornalista mainstream fez isto? Não me consta.
Enfim, por vezes, questiono-me como muitos jornalistas conseguem dormir de consciência tranquila. Eu tenho dormido. E acordo, no dia seguinte, pronto para questionar mais. Para informar melhor.
Rui Rio não ficou contente com a trapalhada sobre a TAP no debate com António Costa e resolveu voltar à carga.
Disse, e cito, “a TAP é uma empresa que não só não é estratégica como não serve os interesses de Portugal. Não serve o resto do país, porque só pensa em Lisboa, e não serve Lisboa porque prefere Madrid ou qualquer outra cidade estrangeira.”
Quando meteu os pés pelas mãos com a história dos voos entre Lisboa ou Madrid, com destino São Francisco, eu ainda dei o benefício da dúvida. Poderia ser simples ignorância de quem o ajudou a preparar o debate, e enfim, como tantos outros, ter tido um momento infeliz em directo.
Contudo, depois de toda a discussão que o debate gerou e com explicações oferecidas de todo o lado, já não há grande espaço para acreditar que não exista uma alma no PSD capaz de explicar que qualquer companhia aérea cobra menos por um voo com escala do que por um voo direto.
A Lufthansa, da sempre estimada referência alemã utilizada por Rio em cada esquina, cobra quase o dobro a um alemão que vá de Frankfurt a Los Angeles directamente, se comparado com um sueco que inicie a mesma viagem, mas em Estocolmo. Será a Lufthansa uma companhia que não serve Alemanha? Claro que Rio sabe o que está a dizer e a fazer. Chama-se populismo barato. Mas não fica por aqui. Rio diz que a TAP não serve Portugal porque só pensa em Lisboa, isto, apesar da companhia de bandeira portuguesa ligar todos os aeroportos do país ao seu hub.
Eu não sei se Rui Rio alguma vez saiu de Portugal e andou de avião, mas também não foi a TAP que inventou a história dos hubs e muito menos a sua localização. Um dia que tenha tempo, Rio poderá pedir a um assessor que conte o número de voos da Iberia em Barcelona, da KLM em Roterdão, da Air France em Marselha, da SAS em Gotemburgo ou da Lufthansa em Hamburgo.
Compreendo que seja necessário estimular o eleitorado de direita com o fantasma do despesismo público e, neste caso, a TAP presta-se ao papel. Isto porque, obviamente, a banca privada onde gravitam os barões do PSD ficou esquecida nos ataques de Rui Rio. Calculo, pois, que seja estratégica para alguém que não Portugal ou a sua classe média.
Rio defende nova privatização da TAP, quiçá como a anterior feita no governo de Passos Coelho e elogiada pelo atual líder do PSD. Se for para pagarem novamente a alguém para ficar com a TAP e garantirem a margem de lucro, espero que metam o anúncio no jornal. Há, pelo menos, 10 milhões de portugueses interessados em borlas de 3 milhões de euros.
Nas eternas discussões sobre a TAP e, em particular, no ataque contínuo da direita à companhia de bandeira de um país periférico, pobre e com 5 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, há um argumento que me faz sorrir. O de que o mercado ocuparia os slots das rotas da emigração. Sim, sim. O mercado que se regula pela maximização do lucro e que altera rotas mal a faturação se veja atingida pela turbulência, iria assegurar ligações a cidades secundárias, países mais remotos ou zonas onde vivem poucos milhares de portugueses.
É preciso estar no conforto de casa, ver o Atlântico pela janela e nunca ter dependido das ligações da TAP para ir a Portugal, para dizer esta cascata de disparates.
Bem sei que estamos em tempo de vale tudo na caça ao voto e Rio discute eleitores com a Iniciativa Liberal, mas a comunidade portuguesa a viver no exterior não pode servir apenas para o ramalhete do 10 de junho ou para o envio de remessas. Exige-se mais algum respeito.
Por nós e pela TAP.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Segundo episódio da Recensão Eleitoral (17/01/2022) – Rio e o fetiche da TAP
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O formato escolhido para os debates entre os líderes dos partidos com assento parlamentar foram um sopro de democracia e um vendaval de populismo.
Se por um lado conseguimos ouvir todos, por outro, ficámos reduzidos a 12 minutos por candidato, sem tempo para trocar ideias e com minutos a mais para procurar o sound bite mortífero. Ou killer, como lhe chamavam os comentadores de serviço ao pós-debate. Aliás, essa foi outra curiosidade dos tempos vertiginosos em que vivemos. Políticos gritam durante 12 minutos, espalham equívocos e reescrevem a história. Em seguida, comentadores maioritariamente afectos à direita, explicam durante uma hora o que os políticos queriam afinal dizer. Também eles ganharam votos.
António Costa conseguiu passar pelo cabo das tormentas sem se molhar muito. Um primeiro-ministro que ao fim de seis anos, dois deles em pandemia, consegue chegar ao fim de oito debates à frente das sondagens. Entre o mérito do próprio ou o demérito da oposição, hesito na conclusão.
Ao centro restavam poucas dúvidas e os debates esclareceram as restantes. Costa não é o melhor primeiro-ministro que podíamos ter e Rui Rio não é sequer alternativa.
Rio, que tinha no distanciamento à situação dos Açores a primeira missão, nem a porta ao Chega conseguiu definitivamente fechar. Ele, que mudou de opinião quanto a alianças com a extrema-direita mal cheirou a poder nos Açores, vem agora classificar o unipessoal partido de Ventura como não confiável. Conseguiu ainda discutir políticas do século XIX em dois ou três debates, a reboque do mesmo Ventura.
Do lado dos partidos mais pequenos, na minha opinião, foi Rui Tavares quem verdadeiramente aproveitou a oportunidade para mostrar a clareza de um raciocínio que merece estar no parlamento. Catarina Martins também se preparou bem e aguentou um registo que sabemos não ser o seu, mas foi eficaz. De igual forma e para um eleitorado muito específico, Francisco Rodrigues dos Santos não esteve muito mal. É certo que falou essencialmente para toureiros, forcados, caçadores e famílias de Cascais com montes no Alentejo, mas, para quem ainda pensa que está em 1956 a explorar africanos na sanzala, aquele discurso esteve sempre afinado.
Boletim de voto para o distrito de Lisboa
Já João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e André Ventura, perderam mais uma oportunidade para agarrarem o palco. O líder da IL, apesar de bem falante, calmo e educado na troca de ideias, raramente foge do registo da “liberdade individual e menos Estado”, e, quando lhe perguntam como se paga essa liberdade, invariavelmente concluímos que é o mesmo Estado que ele não quer ver.
Há alguns anos que a IL nos vende cartazes coloridos e países onde o liberalismo é maravilhoso (menos os EUA, aí parece que correu pior), mas, por mais tinta que metam nas telas, para quem os ouve fica sempre a ideia que o cálice sagrado está na transferência de dinheiro do Orçamento de Estado para negócios privados.
Inês Sousa Real perdeu-se no monotema e na constante repetição das contradições verdes. Transição energética para o lítio, mas sem estragar o solo para o obter. Menos carne de vaca e mais soja sem mexer nas florestas. Fecho de centrais energéticas sem alternativa para os trabalhadores. Falta de ideologia política oferecendo-se para ser bengala tanto a PS como a PSD. Vale ao PAN a vontade férrea de Costa para uma nova geringonça.
André Ventura foi o maior derrotado destes debates porque 12 minutos x 7 são incrivelmente difíceis de preencher com fotocópias, Mercedes à porta de ciganos, RSI para uma percentagem mínima da população ou conversas com Deus. A pobreza de ideias e a limitação do discurso de André Ventura ficou à vista de todos e isso, a bem da democracia, foi uma boa notícia. Quando digo todos não me refiro, obviamente, à Parrachita, ao Tilly e ao Calafate da TVI/CNN. Para esses, o pastor “arrasou” sempre.
Falta Jerónimo, o homem que passou ao lado dos debates. Desde logo porque, em direto, nos mostrou que já não devia ali estar, e que a sua era, respeitada por militantes e adversários, já passou. Há muito. Valeu a Jerónimo e ao PCP, primeiro, João Oliveira e depois, o facto de a base eleitoral ser fiel e não abanar muito ao ritmo das TVs. É tempo de renovação na Soeiro Pereira Gomes. Ontem já era tarde.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
Primeiro episódio da Recensão Eleitoral (16/01/2022) – Legislativas em tempos de sound bites
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A Direcção-Geral da Saúde tem, e segue, uma estratégia muito clara: esconder informação.
Esconder significa qualquer uma de duas formas: não revelar informação que possui – ou deve possuir para exercer a sua função de Autoridade de Saúde Nacional – e subtrair informação que se encontrava disponível.
Bem sabemos, porque a própria confessou – aparentemente com orgulho –, que a doutora Graça Freitas não sabe mexer num computador. Nem há conhecimento de a directora-geral da Saúde ter dado uma queda, além daquela da “Casa Feliz” do João Baião, e desligado inadvertidamente um qualquer servidor. Mas uma coisa é certa: alguém anda a fazer “limpeza” nos sites da Direcção-Geral da Saúde (DGS).
A DGS tem mostrado, de facto, e de forma ostensiva, desde o início da pandemia, um comportamento activo de não conceder qualquer informação a jornalistas menos simpáticos. O PÁGINA UM, ainda com tão pouco tempo de vida, apresentou já seis queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, três das quais serão decididas na próxima semana. E agora trata mesmo de fazer desaparecer informação de sites do Estado.
Plataforma da Mortalidade em Portugal: um dos sites “abatidos” pela DGS nos últimos dias.
Eis ao que a doutora Graça Freitas se apresta: ser uma “janízara sanitária” que, ao serviço de um Governo – e não de um Estado e dos seus concidadãos – elimina informação e base de dados que poderiam ser comprometedoras. Eis ao que a doutora Graça Freitas se apresta: ser uma funcionária pública que julga ter jurado subserviência aos políticos em vez de jurar servir os seus concidadãos.
Vamos a factos.
No ano passado, a doutora Graça Freitas fez desaparecer do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) os registos de suicídios diários. Era informação disponibilizada desde 2014. A doutora Graça Freitas resolve assim, administrativamente, o problema dos suicídios provenientes da gestão da pandemia.
Mensagem de “página não encontrada” no endereço onde se encontravam os documentos da Task Force de Ciências Comportamentais.
Mais recentemente a DGS – leia-se, a doutora Graças Freitas – ocultou a Plataforma da Mortalidade, que permitia consultar as causas de óbitos, de forma discriminada e estruturada por idades. Ainda não possuía informação de 2020, o primeiro ano da pandemia. Essa informação existe, mas a doutora Graça Freitas também acha que não a deve libertar porque poderia comprometer o “seu” Governo.
Na última semana, também se eclipsou a informação diária (e histórica) relacionada com a pandemia, designadamente o número e tipo de testes e de casos positivos por idade, além de outra informação relevante. A doutora Graça Freitas pode assim inventar qualquer coisa, tal como o secretário da Saúde Lacerda Sales fez com a percentagem de não-vacinados nos cuidados intensivos.
Por fim, nos últimos dias, também os polémicos trabalhos da Task Force de Ciências Comportamentais se escafederam do site da DGS, por uma simples e evidente razão: os seus autores, reconhecidos académicos, “ensinavam” o Governo a usar o pânico e o medo na gestão da pandemia.
A doutora Graça Freitas quando se apercebeu do estrondo possível, embora confiante de uma imprensa mainstream mansa, não se fez rogada e toca de subtrair os documentos à pressa dos olhos dos mortais.
O PÁGINA UM questionou a DGS sobre estes desaparecimentos. Obviamente, como habitual, a doutora Graça Freitas acha que não deve responder.
Porém – por vezes há um porém –, o PÁGINA UM teve artes para “desenterrar” os ficheiros integrais de 14 policy briefs e outros tantos relatórios. E colocou-os no seu servidor para consulta. Para todo o sempre.
Que a doutora Graça Freitas tenha noção do que anda a fazer.
José Saramago (1922-2010) escreveu em 1997, o seguinte: “Tudo se discute neste mundo. Menos uma coisa que não se discute, a democracia. A democracia está aí, como se fosse uma espécie de santo no altar, de quem já não se espera milagres. E não se repara que a democracia que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada porque o poder do cidadão, de cada um de nós, limita-se na esfera política – repito, na esfera política – a tirar um governo de que não gostamos e pôr outro que, talvez, venhamos a gostar. Nada Mais!”
Volvidos 25 anos, com uma pandemia que já celebrou dois aniversários, pouco faltando para soprar as velas para seguir o terceiro, e com eleições legislativas à porta, parece-me pertinente, se alguma vez o deixou de ser, refletir sobre o regime político português, e se este continua a ser, de facto, democrático. A democracia é o regime político em que todos os cidadãos elegíveis participam igualmente, diretamente ou através de representantes eleitos, na proposta, no desenvolvimento, e na criação de leis, exercendo o poder de governação através do sufrágio universal.
Contrariamente, o autoritarismo é uma forma de governo caracterizada pela obediência absoluta ou cega à autoridade, oposição à liberdade individual, e pela expectativa de obediência inquestionável da população. Tais definições bastariam, ou deveriam bastar, para que fosse impossível qualquer sobreposição entre estes dois regimes políticos.
O famoso psicanalista alemão Erich Seligmann Fromm (1900-1980) defendeu que, em períodos de crise, durante os quais as pessoas sentem mais medo, o conflito entre os valores de liberdade e de segurança torna-se mais agudo, e mais fértil se mostra o terreno para o avanço do autoritarismo.
Quando assisti ao nosso actual primeiro-ministro, António Costa, socialista segundo se afirma, questionar o seu oponente, num debate eleitoral em pleno canal público, sobre se já havia ou não tomado a vacina contra a covid-19, questionei-me: estava ele preocupado com a segurança do seu opositor, e de nós portugueses, ou estava mais arreliado com o exercício de liberdade de escolha, que nos é garantido a todos pela Constituição da República Portuguesa.
Após uma pequena (e penosa) incursão pelas redes sociais, percebi que, de facto, um grande número de pessoas está bastante interessado em saber quem são os vacinados (puros) ou os não vacinados (impuros) deste país.
Ao estudar as relações entre o nazismo e o autoritarismo, Fromm afirmou que a personalidade autoritária é imbuída de uma orientação ambivalente entre autoridade e poder. Disse ele que o indivíduo autoritário é, em simultâneo, submisso em relação àqueles que percebe como mais fortes – a autoridade – e dominador diante daqueles que julga mais fracos.
Seguindo esta lógica, parti do ponto de vista de um “vacinado autoritário”, para argumentar e contra-argumentar (tal como a democracia incentiva) a razão que leva a este medo (já transformado em discriminação) contra aqueles que escolheram não ser inoculados.
1º argumento: os não-vacinados aumentam os contágios!
Contra-argumento: não existem provas científicas de que existe uma maior propensão de transmissão do vírus pelos não vacinados do que pelos vacinados.
2º argumento: a vacina reduz a possibilidade de doença grave e de morte!
Contra-argumento: independentemente de os números (sobre os quais eu tenho bastantes reservas) comprovarem essa realidade, a vacina protege apenas quem a tomou. De igual forma, quem não a tomou, e seguindo-se o raciocínio apresentado, está apenas a colocar a sua própria vida em risco.
3º argumento: os não vacinados atrofiam o serviço nacional de saúde!
Contra-argumento: os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) colocavam, no top da lista das mortes normais – isto é, provocadas por doenças – as doenças do aparelho circulatório e os tumores malignos. Existindo actualmente um amplo conhecimento sobre medidas preventivas destes tipos de doenças (ter uma alimentação saudável, praticar actividades físicas, controlar o peso, evitar cigarros e consumo de bebidas alcoólicas), passaria pela cabeça de alguém, mesmo assim, acusar estas pessoas de entupirem os hospitais ou de levarem o staff médico à exaustão? Parece-me muito pouco provável.
Mas então como chegamos a este estado de preconceito e discriminação com os não-vacinados? Talvez toda a propaganda de medo feita em torno da covid-19 nos tenha tornado a todos, de forma sub-reptícia, o polícia do nosso próximo, em prol de um bem comum (ainda a identificar).
Fomos a isso incentivados desde o início: primeiro, com o elogio perante o uso da máscara (mais tarde tornada obrigatória) e a crítica perante aquele que demonstrava falta de civismo, de solidariedade, e de “noção” por se recusar a usá-la; de seguida, através de incentivos à vacinação que iria salvar o mundo e permitir-nos a todos regressar à normalidade, e a consequente caça às bruxas aos que não aderiram às filas indianas ordeiramente criadas pelo novo salvador da pátria; e por fim, com a imposição de um certificado digital para aceder a qualquer espaço público, a medalha de bom comportamento atribuída apenas àqueles que demonstraram ser cidadãos de bem e pelo bem comunitário.
Assim sendo, porque é que existe tanto medo e discriminação contra os não-vacinados? Ou a lógica me falha, ou então falha o pensamento crítico de muita gente que por aí se passeia. Alguns deles até participaram, no ano de 2020, em manifestações contra a discriminação aquando da morte de George Floyd.
Tenho para mim que ser-se ou não discriminador se transformou num buffet de comida chinesa em que cada um põe no prato aquilo que lhe apetecer comer. Neste caso, as pessoas estão a escolher que preconceitos e discriminações colocam nos seus pratos, e na impossibilidade de devoração, há que domesticá-los ou excluí-los.
Quando leio afirmações do tipo “as regras são para cumprir”, e “são iguais para todos” – e, portanto, se o Novak Djokovic não está vacinado, então tem é de voltar “para a terra dele” – pergunto-me se as pessoas já se esqueceram que a democracia no nosso país se deve ao facto de alguns terem contrariado as regras do regime autoritário vigente. Os chamados revolucionários não concordaram com as “regras” e levaram a cabo um golpe militar, a revolução do 25 de Abril de 1974.
Como julgo ter ficado demonstrado neste texto, sou uma pessoa de dúvidas, de questionamentos, de inquietações, mas vou tendo também algumas certezas. Uma delas é que, enquanto permanecer este costume, antigo e mesquinho, de apontar o dedo aos outros, de criar bodes expiatórios, e de os culpar pelos males comuns, reinará também a incitação à discriminação, ao ódio, e à violência, e assim vamo-nos tornando cada vez mais estranhos e alheios à condição dos “outros”, que são os nossos semelhantes.
Outra é a de que, se aceitarmos sem questionamento, as regras e restrições normalmente contraditórias, cientificamente infundamentadas, e muitas vezes insultuosas – que nos são impostas pelos mesmos políticos que propagam a cultura do medo –, estamos a compactuar com uma aproximação perigosa a um sistema autoritário, e isso sim devia ser motivo para medo.
Termino esta crónica da mesma forma que a comecei citando José Saramago, não em jeito de derrotismo, mas sim de esperança, porque essa persiste, e continua a persistir, em ser a última a morrer: “Eu acredito no respeito pelas crenças de todas as pessoas, mas gostaria que as crenças de todas as pessoas fossem capazes de respeitar as crenças de todas as pessoas.”
Professora universitária
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.