Categoria: Imprensa

  • Novo empréstimo da SIC vai custar-lhe 11,4 milhões só em juros

    Novo empréstimo da SIC vai custar-lhe 11,4 milhões só em juros

    Após ter aumentado a sua recente emissão de dívida obrigacionista, a SIC deverá encaixar perto de 46 milhões de euros com o novo empréstimo feito junto de investidores particulares. Mas a gestora dos canais televisivos do grupo Impresa prepara-se para pagar a taxa anual bruta mais elevada deste ano no mercado de obrigações empresariais, na Euronext Lisbon. No total, neste empréstimo a quatro anos, a SIC propõe-se a pagar um total de 11,4 milhões de euros de juros, tendo em conta o risco de crédito “significativo”, que representa o risco de default (de não pagamento). O prazo para subscrever a emissão terminou hoje e os resultados da operação serão conhecidos formalmente no dia 1 de Julho.


    Quando a fruta é muita, o povo desconfia. Mas na mais recente emissão de dívida da SIC, o povo não desconfiou, e aparentemente aderiu em força, o que levou a empresa do grupo Impresa a aumentar em 18 milhões de euros o valor a pedir emprestado aos investidores particulares dispostos a subscrever as novas obrigações (ou a trocar títulos de dívida da anterior emissão pela actual). Inicialmente, a empresa do canal televisivo estava a pensar emitir até 30 milhões de euros, pelo que este aumento, anunciado anteontem, antecipa que a procura superou a oferta. O prazo de subscrição terminou hoje, às 15 horas, e os resultados oficiais da operação serão conhecidos na sessão especial de apuramento no dia 1 de Julho.

    Mas se pode parecer uma boa notícia empresarial o sucesso de uma emissão de obrigações que representará um encaixe líquido de até 46 milhões de euros, há um ‘reverso’: este novo endividamente da SIC vai-lhe custar 11,4 milhões de euros só em juros até ao fim do prazo das obrigações em 2028, altura em que terá também de devolver aos subscritores o valor integral do empréstimo de 48 milhões de euros. Tudo junto, são quase 60 milhões de euros para receber, na verdade, cerca de 46 milhões de euros.

    Anúncio relativo ao empréstimo obrigacionista da SIC. O canal televisivo utilizou as suas ‘caras’ para apelar à subscrição.

    De facto, a emissão, sabe-se agora, irá até aos 48 milhões de euros, mas deste valor serão deduzidas as comissões de coordenação global – liderada pelo Caixa BI e Novo Banco –, de colocação e respectivos impostos (cerca de 1.747.200 euros), os custos com consultores, auditores e publicidade, no montante de 285.575 euros, e ainda os custos cobrados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a Interbolsa e a Euronext, que rondarão os 49.202 euros.

    Esta emissão inclui também a possibilidade de troca das 1.000.000 obrigações, com o valor nominal
    unitário de 30 euros, emitidas pela SIC em 11 de junho de 2021, com data de reembolso em Junho de 2025, cuja taxa de juro fixa bruta é de 3,95%.

    Dado o seu elevado risco de crédito, e para conseguir cativar investidores, a SIC propôs-se a pagar a taxa de juro mais elevada no conjunto das emissões de dívida empresariais registadas este ano no mercado português, a Euronext. São 5,95% ao ano, o que significa que está acima da taxa paga pela Sporting SAD (5,75%) e da Benfica SAD (5,1%), sociedades desportivas que apresentam um alto nível de risco para os obrigacionistas. Além disso, as obrigações da SIC estão indexadas a metas de sustentabilidade, incluindo conteúdo com língua gestual portuguesa e redução de emissões de gases de efeito de estufa. Se a empresa não as cumprir terá de pagar uma remuneração extra aos subscritores na data de reembolso dos títulos.

    Para a empresa, os 11,4 milhões de euros que terá de ‘produzir’ ao longo de quatro anos só para pagar juros de um empréstimo de 46 milhões de euros constitui um esforço muito significativo, apesar da emissão ser um ‘balão de oxigénio’ necessário. E para os investidores, a quem foi oferecida uma taxa de juro elevada, a operação, apesar de apetecível, também acarreta riscos relevantes.

    “O investidor deve sempre ter cautela ao considerar a subscrição de obrigações, e nestas recordamos o potencial de risco de crédito em que a situação financeira do grupo Impresa, incluindo a SIC, sugere um risco de crédito significativo”, afirmou ao PÁGINA UM João Queiroz, director de negociação do Banco Carregosa. Recordou que “a empresa apresentou resultados financeiros desafiadores em 2023, com redução nas receitas, aumento da dívida líquida e resultados líquidos negativos”. No ano passado, a Impresa registou um prejuízo de dois milhões de euros, depois de ter tido um lucro de 1,1 milhões de euros no ano anterior.

    Além disso, “o diferencial entre passivo corrente e ativo corrente aponta para potenciais problemas de liquidez que poderiam afetar a capacidade da empresa honrar suas obrigações financeiras no curto prazo e a volatilidade do setor em que a dependência de receitas publicitárias e os riscos operacionais associados ao setor de media acrescentam um nível de incerteza ao investimento”. Ou seja, “o quadro está longe de ser severo ou agudo mas o investidor avisado e consciente deverá monitorizar e acompanhara esta exposição”, recomendou João Queiroz.

    Emissões de obrigações na Euronext Lisbon em 2024, excluindo Obrigações do Tesouro. (Fonte: Euronext)

    A própria SIC refere, numa área no documento formal que acompanha a emissão (prospecto) referente aos riscos, que terminou 2023 com um activo corrente de 46.425.582 euros, enquanto o passivo corrente ascendeu a 95.400.652 euros. Ou seja, o seu passivo foi superior ao ativo corrente em 48.975.070 euros dada a “particularidade do ciclo financeiro de exploração das empresas do setor de media, em virtude de o prazo médio dos recebimentos ser substancialmente inferior ao prazo médio dos pagamentos”. Certo é que “a existência de um passivo corrente superior ao ativo corrente tem consequências adversas no que respeita à liquidez financeira” da empresa, na medida em que “poderá não dispor da liquidez necessária para fazer face aos seus compromissos de curto prazo”.

    Mas, apesar do risco, a taxa de juro fixa bruta de 5,95% interessa aos investidores que procurem rendimentos fixos num contexto em que o Banco Central Europeu iniciou um novo ciclo de descidas de juros. Por outro lado, as obrigações têm objetivos de sustentabilidade, um chamariz para certo tipo de investidor. “Porém, se é um investidor com elevada aversão ao risco e prefere cotadas com balanços mais robustos e menos incerteza operacional, poderá ter que ponderar alguns eventuais cenários adversos da economia”, alertou o responsável de negociação do Banco Carregosa.

    Para os investidores, se a inflação se mantiver estável e próxima dos 2.5%, terão um rendimento real esperado de 3.45%, tendo em conta despesas bancárias e os elevados impostos sobre os rendimentos de particulares. Mas, abaixo 10.000 euros, subscrever este empréstimo já não valia tanto a pena, não só devido aos custos e aos impostos, mas também tendo em conta a incerteza e os riscos associados à SIC e ao grupo Impresa.

    O ‘show’ continua, com novo empréstimo obrigacionista, numa altura em que as contas da Impresa já tiveram melhores dias. (Foto: D.R.)

    Os problemas da dona da SIC não são de agora, mas agravaram-se em 2023, tendo pagado já mais de 10 milhões de euros em juros. Não é caso único no sector dos media, como se tem visto com o desmembramento da Global Media e a crise na dona da revista Visão, a Trust in News (TiN). De resto, como o PÁGINA UM destacou, a Impresa assumiu que não vai receber 2,5 milhões de euros da TiN referentes à venda do portfólio de revistas em 2018, nem se sabe ao certo quanto é que já recebeu dessa alienação. Enquanto isso, crescem os ‘zunzuns’ para que pressionar a que sejam colocadas verbas dos contribuintes para ‘salvar’ o sector.

    Mas, enquanto o dinheiro público e o ‘salvamento’ estatal não chega, vai-se recorrendo à dívida. No caso deste empréstimo da SIC, para quem podia ‘enterrar’ mais de 50.000 euros nesta emissão, o risco pode compensar. Haverá sempre a possibilidade de uma nova emissão de obrigações daqui a três ou quatro anos, com tanta ou mais ‘fruta’ do que esta.


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  • ‘Amar depois de Amar’: Suicídio de jovem em novela custa 15 mil euros à TVI

    ‘Amar depois de Amar’: Suicídio de jovem em novela custa 15 mil euros à TVI

    Demorou cinco anos mas o regulador dos media decidiu castigar a TVI por ter emitido um suicídio de um jovem numa novela em horário nobre, violando a Lei da Televisão, no que se refere à protecção de crianças e adolescentes face a conteúdos impróprios para a sua idade. Ainda assim, a ERC foi branda e a multa aplicada, de 15.000 euros, é próxima do montante mínimo previsto. Para sustentar a condenação, o regulador considera que a TVI foi negligente e violou a Lei. Além disso, tem “antecedentes contraordenacionais”, com coimas aplicadas. O regulador defende, na sua deliberação, que “a atuação da ERC não preconiza uma higienização do espaço público relativamente a matérias como o suicídio ou outra, numa atitude paternalista perante crianças e adolescentes”, mas defende que “cabe aos cuidadores destes decidir sobre os conteúdos a que estes podem assistir, de acordo com os valores de cada indivíduo”. Não foi possível apurar se a TVI recorreu judicialmente da condenação da ERC. Recorde-se que um dos protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ foi o conhecido actor Pedro Lima, que tragicamente morreu de aparente suicídio em 20 de Junho de 2020.


    A multa podia chegar aos 75.000 euros mas o regulador dos media foi brando na aplicação de uma sanção, quando decidiu condenar a TVI, da Media Capital, pela violação da Lei da Televisão, após a estação de Queluz ter emitido conteúdo considerado impróprio para crianças e adolescentes numa telenovela emitida em horário nobre.

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a TVI a pagar uma coima de apenas 15.000 euros (o mínimo possível seria 10.000 euros) por ter emitido um suicídio de um jovem (interpretado pelo actor Lucas Dutra), num dos episódios da telenovela ‘Amar depois de Amar’ em horário nobre, num programa que tinha apenas a classificação de ser apropriado para maiores de 12 anos.

    Além da multa próxima do valor mínimo, o regulador tomou a decisão quase cinco anos após o ocorrido, já que a cena polémica foi para o ‘ar’ no episódio 31 daquela novela, no dia 29 de Julho de 2019. A ERC tomou a actual deliberação na sequência de uma queixa do IAC-Instituto de Apoio à Criança, que deu entrada no regulador a 2 de Agosto de 2019. A queixa surgiu depois de o IAC ter recebido uma denúncia no seu serviço SOS – Criança relativa a conteúdos exibidos na telenovela ‘Amar depois de Amar’, alegadamente “impróprios ao público infantil”, refere a ERC na deliberação adoptada em 15 de Maio mas só agora divulgada.

    Na cena do suicídio, o jovem personagem ‘Tiago’ começa por surgir a preparar-se e a vestir-se antes de suicidar.
    (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    A ERC deu como provado que a TVI violou, “a título negligente”, o artigo 27º da ‘Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido’ (LTSAP) referente aos ‘Limites à liberdade de programação’, mais concretamente o número 4 deste artigo, o qual determina que “a emissão televisiva de quaisquer outros programas susceptíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes deve ser acompanhada da difusão permanente de um identificativo visual apropriado e só pode ter lugar entre as 22 horas e 30 minutos e as 6 horas”. Isto porque a cena potencialmente chocante foi emitida antes das 22H30.

    Em causa, está uma cena em que o personagem ‘Tiago’ se suicida devido a um desgosto amoroso provocado por ‘Aline’ (interpretada pela actriz Teresa Tavares). Segundo a ERC, “pelas 21h54m15s, aos 00h03m:00s da emissão do episódio 31.º visualiza a cena em que o jovem de 16 anos, enquanto ouve música, arranja-se em frente ao espelho. Veste uma t-shirt de desporto que tem o seu nome nas costas e coloca perfume. Depois, com expressão fechada, dirige-se para outra divisão da casa, onde é visível uma corda pendurada no teto de onde pende uma laçada feita com corda e uns collants pretos”.

    A seguir, “aos 00h04m15s da emissão, a cena mostra o jovem a subir para uma cadeira para ficar ao alcance da laçada e coloca-a sobre o rosto para sentir o cheiro dos collants. Retira o telemóvel do bolso e olha por alguns instantes para a fotografia de uma mulher (com cerca de 40 anos, com quem o jovem tivera uma relação amorosa e que motivou o desgosto de amor). O jovem acaricia a fotografia no ecrã e deixa que o telemóvel caia no chão, para colocar a laçada no pescoço.”

    O suicídio do personagem ‘Tiago’ foi emitido no episódio 31 da novela “Amar depois de Amar”, no dia 29 de Julho de 2019. O personagem sobe a uma cadeira e enforca-se devido a um desgosto amoroso. Nesta cena, o jovem é encontrado pelo pai, Ângelo, quando já se encontra morto. O episódio polémico foi retirado do site da TVI mas a cena do suicídio está disponível na página da TVI no Facebok. (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    A cena prosseguem e o “corpo do jovem é então encontrado pelo progenitor, aos 00h05m56s da emissão
    do episódio 31. Às 22h11m, é visível, por breves segundos, a imagem do rosto do jovem, morto, com a laçada ao pescoço […], sendo o jovem abraçado pelo progenitor [‘Ângelo’, interpretado pelo actor Pedro Almendra] que, em pranto e desespero, segura o queixo do jovem”.

    Na sua defesa junto da ERC, a TVI requereu “o arquivamento dos presentes autos por entender que não
    praticou qualquer infração”. Sustentou que “o episódio aqui em causa não desconsidera a elevada sensibilidade da temática do suicídio, não exibe detalhes do momento do suicídio, não é excessivo, não
    apresenta o suicídio como uma solução para os problemas da vida, nem omite o contexto de dor emocional causada a terceiros com tal comportamento”. Adiantou que o “programa em causa não é direcionado, nem total nem parcialmente, a crianças e jovens.

    Os argumentos caíram em ‘saco roto’, já que a ERC condenou a TVI por considerar que “os factos ocorreram porque a Arguida não foi diligente na análise da conformidade do conteúdo do programa com a legislação em vigor, não tendo conduzido o procedimento de verificação e validação com o zelo que podia e que era capaz”. Além disso, “a Arguida possui antecedentes contraordenacionais, tendo já sofrido as seguintes condenações, por decisões transitadas em julgado”.

    O regulador explica que “a atuação da ERC não preconiza uma higienização do espaço público relativamente a matérias como o suicídio ou outra, numa atitude paternalista perante crianças e adolescentes”. Salienta que “o que se defende é que, respeitando a programação os limites balizados pelos direitos, liberdades e garantias individuais e pelo livre desenvolvimento da personalidade dos menores, cabe aos cuidadores destes decidir sobre os conteúdos a que estes podem assistir, de acordo com os valores de cada indivíduo”.

    Um dos principais protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ foi o conhecido actor Pedro Lima (à esquerda), que faleceu tragicamente por aparente suicídio na Praia do Abano, em Cascais, a 20 de junho de 2020. (Foto: D.R./TVI)

    O regulador sustenta que, “analisado o conteúdo da cena respeitante ao episódio 31.º da novela ‘Amar depois de Amar’, à sua transmissão pelas 21h50mn do dia 29 de julho de 2019 e atendendo” a várias normas de protecção de crianças e adolescentes, “verifica-se assim o preenchimento de vários desses critérios, comprovando a violação do artigo 27.º, n.º 4” da LTSAP.

    As normas invocadas pela ERC são: o dever de proteção da formação da personalidade de crianças e adolescentes versus a exibição de uma cena de um comportamento de suicídio, em que se visualiza os meios para a realização do mesmo e sendo perceptível o motivo subjacente à decisão de opção pelo suicídio, apresentado como a única solução sem haver elementos de discussão ou introdução estratégicas para lidar com este comportamento imitável; o género televisivo em causa – telenovela de horário nobre; e ainda ao enredo que abordava vários temas sensíveis em que sua a transmissão carecia de especial cuidado e acompanhamento.

    Excerto da deliberação da ERC adoptada em 15 de Maio mas só agora conhecida.

    Não foi possível apurar até ao momento se a TVI recorreu da decisão da ERC mas consultado o portal online onde consta a distribuição de processos, não se encontrou uma acção da estação de Queluz contra o regulador dos media. Sabe-se é que o episódio 31 daquela novela foi mesmo apagado do site da estação de Queluz. Contudo, a cena do suicídio mantém-se disponível, de forma destaca do episódio 31, na página da estação de TV na rede social Facebook.

    Como recorda a ERC, a referida novela incluía “a aposição da sinalética etária “12 AP”, o que significa que é um programa destinado a indivíduos com mais de 12 anos, recomendando-se o aconselhamento parental (AP) de acordo com a Classificação de Programas de Televisão assumida no âmbito de um Acordo de Autorregulação subscrito pelos operadores SIC, RTP e TVI”.

    Mas esta novela, como outras, contém diversas cenas chocantes para públicos sensíveis, incluindo crianças e jovens. Logo no episódio 32 da mesma novela, ‘Ângelo’, o ‘pai de Tiago’ enfia uma arma de fogo na boca da amante do filho, Aline e, mais adiante, acaba por disparar três tiros para ‘desfazer’ o pé da antiga amante do filho.

    Numa cena violenta emitida no episódio 32 da novela ‘Amar depois de Amar’, o ‘pai’ de ‘Tiago’, ‘Ângelo’, coloca uma arma de fogo e ameaça matar a antiga namorada do filho, ‘Aline’, acabando por lhe desferir 3 tiros para um dos pés. ‘Aline’ acabará por se suicidar mais tarde, num outro episódio da novela. Não foi possível confirmar a que horas foram emitidas estas cenas também susceptíveis de chocar crianças e adolescentes. (Foto: Captura de imagem do vídeo da novela da TVI)

    No episódio 63, ‘Aline’ acaba por se suicidar, numa cena carregada de desespero e choro, com a personagem a recordar ‘Tiago’, com fotos do jovem a serem projectadas numa parede. Não foi possível ao PÁGINA UM confirmar a hora a que estas outras cenas violentas foram emitidas pela TVI. Contudo, é frequente haver cenas carregadas de drama e violência em novelas na TV.

    Recorde-se que um dos principais protagonistas da novela ‘Amar depois de Amar’ era o conhecido actor Pedro Lima, que faleceu tragicamente por aparente suicídio na Praia do Abano, em Cascais, a 20 de junho de 2020, num caso que se foi amplamente divulgado nos media.


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  • Negócios: Promiscuidade entre farmacêuticas e media mantém-se nas ‘barbas’ do Infarmed

    Negócios: Promiscuidade entre farmacêuticas e media mantém-se nas ‘barbas’ do Infarmed

    O regime jurídico dos medicamentos obriga as farmacêuticas a revelar publicamente, numa base de dados gerida pelo Infarmed, todos os apoios financeiros em acções de marketing, incluindo aos órgãos de comunicação social, com quem, sobretudo desde a pandemia, mantêm crescentes relações comerciais sob a forma de patrocínio de eventos, de apoio a podcasts, de pagamento por serviços de media partner e outras modalidades como a publicação de conteúdos comerciais ambíguos. A promiscuidade entre farmacêuticas e media, que escondem os milhões que este negócio já representará, conta com um contribuidor de peso: o Infarmed, que não fiscaliza o incumprimento generalizado da publicitação destes eventos, incluindo o valor dos pagamentos. O ‘deboche’ é tão grande que o presidente do Infarmed até participa em eventos desta natureza. Na próxima terça-feira, Rui Santos Ivo, o líder do regulador do medicamento, vai estar em mais um, desta vez organizado pela CNN Portugal sob patrocínio da Pfizer. E os ‘mestres-de-cerimónia’ (MC) serão jornalistas, uma das quais até modera o debate onde está quem ‘paga a festa’: o CEO da sucursal portuguesa da Pfizer.


    Em Dezembro de 2021, a CNN Internacional nomeou Albert Bourla, o líder da Pfizer, como o CEO do ano. E as boas relações entre este grupo de media e a farmacêutica norte-americana continuam. Mesmo numa escala minúscula, como em Portugal: na próxima terça-feira, a Pfizer será o “main sponsor” – isto é, será quem vai pagar – a realização de uma conferência organizada pela CNN Portugal com a ‘fina nata’ da Saúde Pública portuguesa.

    No programa, que deixou de estar disponível no site da CNN Portugal [à hora da elaboração desta notícia], mas que o PÁGINA UM ‘gravou-o’ há dias (ver aqui), estará presente a ministra da Saúde Ana Paula Martins e o deputado do PSD (e ex-bastonário da Ordem dos Médicos ) – que em 2020 e 2021 receberam, em conta pessoal, cerca de 1,3 milhões de euros de farmacêuticas, incluindo a Pfizer – para gerirem uma campanha solidária durante a pandemia –, bem como a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, e o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo. E, claro, não faltará a presença do CEO da sucursal da Pfizer, Paulo Teixeira, para justificar o ‘cheque’. Todos os eventos integrados nesta conferência no luxuoso Hotel Pestana, em Lisboa, serão moderados por quatro jornalistas da ‘casa’: Anselmo Crespo – identificado como “director de novos conteúdos TVI / CNN Portugal” na sua página do LinkedIn –, Andreia Vale, Pedro Benevides e Catarina Guerreiro.

    a stethoscope on top of a pile of money

    Esta conferência ocorrerá dias depois da TVI, através do programa Exclusivo, ter abordado uma reportagem sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, onde destacou apenas um caso de uma mulher portuguesa com mielite, considerando ser “um azar de [probabilidade] de 0,0004%, ou seja, de ocorrer em uma pessoa em cada 250 mil. A investigação da TVI ignorou os processos judiciais em curso no Reino Unido, nem sequer quantificou os dados das reacções adversas da Agência Europeia do Medicamento nem tão-pouco fez quaisquer referências ao cada vez maior número de artigos científicos que têm colocado ênfase nos efeitos de um tratamento genéticos que terá também contribuído para o excesso de mortalidade nos últimos anos nos chamados países ocidentais.

    Mas independentemente das questões deontológicas por via do uso de jornalistas num evento de carácter comercial entre um grupo de media – neste caso, a Media Capital, dona da TVI e CNN Portugal – e uma farmacêutica, a conferência da próxima terça-feira confirma também, através da presença do presidente do Infarmed, que está enraizado um sistema de obscurantismo sobre os montantes envolvidos na promoção das mensagens das farmacêuticas nos órgãos de comunicação social, e da eventual influência financeira na linha editorial seguida.

    Com efeito, sobretudo desde a pandemia da covid-19, as farmacêuticas têm estado cada vez mais activas na criação de eventos ou parcerias com órgão de comunicação social, onde a ambiguidade entre jornalismo e publicidade é explorada ao máximo. E generalizou-se sem qualquer controlo nem conhecimento dos montantes envolvidos.

    Anselmo Crespo, Pedro Benevides, Andreia Vale e Catarina Guerreiro são jornalistas da CNN Portugal que serão ‘mestres-cerimónia’ de uma evento organizado pelo canal da Media Capital com patrocínio da Pfizer na próxima terça-feira. Andreia Vale será a moderadora do debate onde estará quem paga a conta: o CEO da sucursal portuguesa da Pfizer.

    Por exemplo, desde 2020, o jornal Expresso teve tido diversas parcerias, usando mesmo jornalistas, com diversas farmacêuticas, entre as quais a GSK, a MSD, a AbbVie, a Pfizer e a Sanofi – e isto só para referir os ‘serviços’ prestados pelo Expresso nas últimas duas semanas. Se recuarmos ao período da pandemia, o semanário publicou várias dezenas de conteúdos pagos por farmacêuticas sem explicitar sequer que se tratava de publicidade, ainda mais grave por os textos serem assinados por jornalistas.

    O jornal do Grupo Impresa tem vindo a defender que, nestas circunstâncias, os escritos dos jornalistas – que, obviamente, estão condicionados a uma ‘agenda’ pré-definida, e sendo obrigatório por contrato que façam uma cobertura pré-determinada – são sempre independentes e rigorosos, mas, seja como for, há uma aspecto fulcral nesta relação que falha: as farmacêuticas estão obrigadas por lei a revelar os montantes pagos em todas as acções de promoção. Mas isso não está a ocorrer.

    Com efeito, o regime jurídico dos medicamentos de uso humano determina que o patrocínio de congressos, simpósios ou quaisquer acções ou eventos de cariz científico ou de divulgação, directa ou indirecta, de medicamentos, deve ser mantida durante cinco ano, incluindo mapa das despesas, e que os montantes devem ser registados na Plataforma da Transparência e Publicidade, gerida pelo Infarmed. A obrigação de transmissão dessa informação financeira é das farmacêuticas, mas ninguém, a começar pelo Infarmed, que tem funções de fiscalização, se interessa em pressionar os faltosos a cumprir as regras. O PÁGINA UM Já identificou pelo menos três eventos que deveriam ter sido publicitados, com os montantes envolvidos na Plataforma da Transparência e Publicidade, que até tiveram a presença do próprio presidente do Infarmed.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, chega a participar em eventos organizados pelos media financiados pelas farmacêuticas que não registam os valores pagos numa plataforma gerida pelo regulador. Apesar da obrigação legal de fazer cumprir uma norma legal, o Infarmed tem pactuado com a manutenção do obscurantismo de um negócios de milhões.

    Numa consulta do PÁGINA UM a esta base de dados do Infarmed, apenas há um caso em que uma farmacêutica divulgou um apoio monetário a uma empresa de media: a Sanofi à Cofina (actual Medialivre) para apoio aos Prémios Saúde Sustentável, dinamizado pelo Jornal de Negócios, mas apenas surge em dois anos. Em 2021 surgem três apoios no valor global de cerca de 100 mil euros, e no ano seguinte de 90 mil euros. Contudo, este primeiro mantém-se e antes daqueles dois anos e depois não surgem os valores dos apoios.

    De resto, apenas se detectou dois simbólicos casos de pagamento de dois médicos – Fernando Maltez e Teresa Camilo Branco –, no valor de 1.230 euros, cada, para participarem num podcast do rádio Observador. No entanto, nesta base de dados não surge, como devia, o valor pago pela Gilead ao Observador on Time.  

    Das diversas vezes que o PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao Infarmed por ausência de transmissão dos apoios de farmacêuticas no Portal da Transparência e Publicidade, o silêncio tem sido a resposta, como sucedeu agora com o patrocínio da Pfizer no evento da CNN Portugal, que ainda não está registado. A única vez que respondeu, em Novembro do ano passado, o Conselho Directivo do Infarmed garantiu que “está empenhado e tudo fará para o esclarecimento cabal deste processo [dos vários casos apontados pelo PÁGINA UM]”, salientando, contudo, ser da “inteira responsabilidade das empresas a transmissão da informação e respectivo conteúdo que é ‘lançado’ na Plataforma relativa aos benefícios/apoios que concedem aos seus destinatários, cabendo a estes a respetiva confirmação (expressa ou tácita)”.

    São raríssimos os registos no Portal da Transparência e Publicidade que revelam pagamentos directos ou indirectos das farmacêuticas aos media. Um dos poucos que surgem é esclarecedor: dois convidados para um podcast do Observador foram pagos pela farmacêutica Gilead, mas não surge quanto a empresa de media recebeu.

     E o regulador liderado por Rui Santos Ivo – um dos oradores do evento patrocinado pela Pfizer – prometia então, em Novembro passado, que “sempre que existam razões para crer que assim não acontece ou sempre que chega ao nosso conhecimento, por qualquer meio, (inspeção, denúncias ou outras, etc.) que este procedimento não foi cumprido”, desencadearia “um procedimento de responsabilização, incluindo, a responsabilização contraordenacional, nos termos legais aplicáveis”.

    Certo é que, até agora, nada sucedeu. E as relações comerciais à margem da lei mantêm-se, e estão longe de estar circunscritas aos exemplos acima referidos, envolvendo a CNN Portugal, Expresso e o Observador. Por exemplo, o Público tem vindo a usar o seu Estúdio P para ‘para dar largas’ à promoção de farmacêuticas e dos seus serviços, através de textos em estilo jornalístico não assinados, muitas vezes cobrindo eventos, que funcionam sempre como ‘agenda-setting’.

    Este ano, o Observador, um dos órgãos de comunicação social com maior parcerias comerciais com farmacêuticas, criou um projecto editorial – o Arterial –, envolvendo participação de jornalistas, com o patrocínio da Novartis, sobre doenças cérebro-cardiovasculares. No ano passado, o Observador teve um projecto similar sobre doenças mentais, mas desta vez patrocinado pelo Hospital da Luz e a FLAD.

    Os títulos da Global Media – como o Diário de Notícias e a TSF – também têm dado palco às farmacêuticas com sucessivos programas editoriais, como “Ciência e Inovação”, que já vai no quinto ano, sempre com o apoio financeiro de uma farmacêutica, neste caso a GSK.  

    Em Janeiro passado, um debate sobre um projecto financiado pela Novartis e Fidelidade teve honras de debate em prime time na SIC Notícias, logo na abertura do noticiário. O montante do apoio da farmacêutica à Impresa nunca foi declarado.

    Mas, na verdade, praticamente todos os órgãos de comunicação social usam o modelo de financiamento directo ou indirecto de farmacêuticas, desenvolvendo parcerias mais ou menos óbvias, com jornalistas próximos da função de marketeer. Um exemplo claro é o da jornalista Cláudia Pinto que se assume como coordenadora editorial do Arterial – o tal projecto do Observador patrocinado pela Novartis –, como coordenadora da newsletter EcoSaúde, do jornal digital Eco, e ainda colabora com a revista Visão.

    A influência destes projectos financiados por farmacêuticas atingiu já um momento inédito quando em Janeiro último, em pleno prime time, a SIC Notícias decidiu, em pleno Jornal da Noite das 20h00, fazer um debate sobre longevidade patrocinado pela farmacêutica Novartis e a seguradora Fidelidade, que teve a participação, entre outros, de Marta Temido, ex-ministra da Saúde e recém-eleita eurodeputada pelo Partido Socialista. Este foi mais um evento sem registo dos valores envolvidos na Plataforma da Publicidade e Transparência, e não houve qualquer intervenção do regulador dos media (ERC) e dos jornalistas (CCPJ) pela participação de uma jornalista neste evento.


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  • TV: Cristina Ferreira facturou, em média, 230 mil euros por mês desde 2019

    TV: Cristina Ferreira facturou, em média, 230 mil euros por mês desde 2019

    A sentença que condenou a empresa de Cristina Ferreira a pagar 3,3 milhões de euros por quebra de contrato da SIC está agora no ‘segredo dos deuses’, mas há muito que se pode saber do ‘mundo das televisões’, através da análise das contas da Amor Ponto. Apesar de ir lhe ‘custar’ caro a saída tempestuosa do canal da Impresa, não se pode dizer que Cristina Ferreira se tenha saído mal na mediática troca de canais: antes de ir para a SIC, a Amor Ponto facturava pouco mais de 110 mil euros por mês; e a partir de 2019, com alto e baixos, a média mensal subiu para impressionantes 230 mil euros. Além do salário de gerente, nos últimos cinco anos, só através da Amor Ponto, o património pessoal de Cristina Ferreira aumentou mais de oito milhões de euros. Isto mesmo depois de um ‘percalço’ causado por uma inspecção tributária às contas do período de 2015 a 2018.


    O secretismo da sentença que condenou a empresa da apresentadora Cristina Ferreira, agora na TVI, a pagar cerca de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra contratual, não permite esconder um mundo de salários milionários nas televisões portuguesas se se analisar, como fez o PÁGINA UM, as demonstrações financeiras da Amor Ponto.

    Apesar de Cristina Ferreira ter conseguido que o Tribunal de Sintra não revelasse pormenores sobre os contratos que foi estabelecendo com a SIC e a TVI, o PÁGINA UM apurou que, apesar do turbilhão mediático, Cristina Ferreira não se saiu nada mal nas sucessivas trocas de canal, mesmo se agora tenha uma penalização pouco meiga. Em 2017, quando estava na TVI a apresentar o “Você na TV” com Manuel Luís Goucha, a sua empresa Amor Ponto – nome que somente passou a adoptar a partir de Abril de 2019 – facturou 1,39 milhões de euros, quase tudo em prestações de serviços. O valor foi um pouco superior aos 1,3 milhões de euros que facturaria em 2018. Contas feitas, e descontando IVA, a Amor Ponto facturou uma média de 112 mil euros por mês.

    Porém, nesse ano de 2018, a receita de Cristina Ferreira já não veio somente da TVI, porque em Setembro anunciou, com pompa e circunstância, a sua ida para a SIC, apresentando-se ao lado de Francisco Balsemão em modo de gargalhada.

    “É oficial: a SIC é o futuro. O meu. A minha casa. A sua casa. Onde o desafio é o maior alimento do sonho. Estou feliz. Muito. A dois dias de fazer 41, abro a porta do entusiasmo e da surpresa. Com a certeza deste ser o meu caminho. O melhor ainda está por ver. Juntos. ❤”. E o melhor veio para ambos os lados.

    A ida de Cristina Ferreira para a SIC implicou um aumento da facturação da Amor Ponto em 2019, a par dos bons resultados da contratação pela estação da Impresa. O “Programa da Cristina”, com início em Janeiro de 2010, recolocou a liderança nas manhãs com 33,8% de share e 5.0% de audiência média, o que corresponde a 486 mil telespectadores. E quanto á empresa de Cristina Ferreira, a facturação subiu para os 2,3 milhões de euros, e pela primeira vez o lucro subiu a fasquia de um milhão de euros. Em termos médios, a facturação da empresa de Cristina Ferreira subiu para um pouco mais de 190 mil euros por mês. Saliente-se que estes valores, por serem facturados como prestação de serviços, são ainda acrescidos de IVA a 23%, que pode ser dedutível.

    Tudo parecia correr sobre rodas, mas em meados de Julho de 2020, Cristina Ferreira decidiu, de forma abrupta, cortar a sua ligação à SIC para regressar à TVI, concretizada em Setembro desse mesmo ano. O contrato com a estação da família Balsemão deveria durar 30 de Novembro de 2022, o que levou a ser accionado um processo judicial que veio agora culminar com a indemnização de 3,3 milhões de euros a pagar pela Amor Ponto.

    Em 2019, as gargalhadas entre Cristina Ferreira e Pinto Balsemão não perspectivavam um processo que condenou a apresentadora a pagar 3,3 milhões de euros de indemnização por quebra de contrato.

    A apresentadora voltou para a TVI mas assumiu novos papéis, passando também a ser administradora e accionista da Media Capital. Em Setembro de 2020, a Media Capital anunciava em comunicado divulgado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) que a empresa DoCasal Investimentos – que é outra empresa detida por Cristina Ferreira, e que tem a quota largamente maioritária da Amor Ponto – adquirira 2,5% do capital social da empresa dona da TVI.

    Embora não se saiba as partes pagas por cada estação na facturação de 2020, deduz-se que este regresso à TVI não foi apenas por ‘amor’, porque a Amor Ponto registou nesse ano um volume de negócios recorde, superior a 3,2 milhões de euros, dos quais quase 3,1 milhões em prestação se serviços. No ano de 2021, a empresa de Cristina Ferreira até aumentou ligeiramente a facturação para 3,3 milhões de euros. Ou seja, comparando 2017, antes da sua passagem pela SIC, com 2021, assiste-se a um incremento de cerca de 137% da facturação. Ou seja, a Amor Ponto – custo activo fundamental é a própria Cristina – contabilizou receitas em 2021 de cerca de 277 mil euros por mês.

    Os dois anos seguintes não têm sido tão proveitosos, mas mesmo assim ainda acima de 2017 e 2018. Há dois ano, a Amor Ponto registou vendas e  prestações de serviços no valor de 2,5 milhões de euros e no ano passado ficou pouco além dos 2,3 milhões de euros.

    Em todo o caso, nos últimos cinco anos, além dos salários como gerente da sua própria empresa (que, por exemplo, no ano passado foi de 141 mil euros, ou seja, 10 mil euros líquidos, Cristina Ferreira apresentou lucros muito relevantes, superando os 7 milhões de euros nos últimos cinco anos. De entre este lucro, e já depois da colocação do processo judicial pela SIC, Cristina Ferreira decidiu todos os anos distribuir dividendos sem constituir provisões para garantir recursos para pagar à Impresa em caso de derrota, como sucedeu.

    Na análise do PÁGINA UM a todas as demonstrações financeiras entre 2017 e 2023, verifica-se que a Amor Ponto distribuiu 1,5 milhões de euros em 2020 aos sócios (leia-se, Cristina Ferreira e uma pequena quota simbólica detida pelo pai), repetindo o montante no ano seguinte. Em 2022 com a redução dos lucros, a distribuição de dividendos baixou para os 700 mil euros, e a assembleia geral da sociedade decidiu, já este ano, dar aos sócios mais 400 mil. Ou seja, desde o processo instaurado pela SIC por quebra contratual, Cristina Ferreira ‘sacou’ 4,1 milhões de euros, mais do que suficiente para pagar à indemnização à Impresa.

    Mas antes desse processo, ainda relativamente às contas de 2019, Cristina Ferreira decidira distribuir (para si) quase 4,5 milhões de euros em dividendos e reservas livres (de resultados transitados), o que significa que o património pessoal da apresentadora da TVI só através da Amor Ponto ‘engordou’ cerca de 8,6 milhões de euros.

    Uma nota final para um pormenor. Nas demonstrações de 2020 surge a referência a terem sido efectuadas correcções resultantes da inspecção tributária aos exercícios de 2015 a 2018” da Amor Ponto, mas não se mostra possível aferir, pela falta de dados da demonstração de fluxos de caixa, o  montante em causa, mas aparenta ter envolvido algumas centenas de milhares de euros, atendendo que no passivo de 2019 constava uma dívida ao Estado e outros entes públicos de quase 575 mil euros, valor que baixaria substancialmente no balanço dos anos seguintes.


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  • Cristina Ferreira está a descapitalizar a Amor Ponto, condenada a pagar 3,3 milhões de euros à SIC

    Cristina Ferreira está a descapitalizar a Amor Ponto, condenada a pagar 3,3 milhões de euros à SIC

    Uma análise contabilística do PÁGINA UM às contas da Amor Ponto, a empresa da apresentadora Cristina Ferreira condenada a pagar 3,3 milhões à SIC por quebra de contrato em 2020, revelam que foram desviados nos últimos dois anos, sob a forma de dividendos, cerca de 2,2 milhões de euros. A operação é controversa, e mesmo de legalidade duvidosa, porque essa saída de dinheiro da esfera da empresa só se realizou porque Cristina Ferreira não constituiu uma provisão para garantir o pagamento no caso de perder a acção contra a SIC. Apesar de ainda ter aparentemente activos, à pele, para pagar a indemnização, entre edifícios, investimentos e ‘dinheiro fresco’ (1,1 milhões de euros no final de 2023), a Amor Ponto aparenta caminhar para o ‘ponto final’. Por isso, se a SIC não se preocupar em parar o processo de descapitalização em curso daquela empresa, arrisca a ficar com uma mão-cheia de nada, porque não pode tocar no património pessoal de Cristina Ferreira.


    No conflito entre a SIC e Cristina Ferreira, a sua Amor Ponto é que vai pagar, e não terá escapatória, mas a apresentadora da TVI tem estado a descapitalizar a empresa, porque como não constituiu uma provisão, continua a dar lucros. Segundo a análise do PÁGINA UM, entre 2021 e 2023, Cristina Ferreira terá já desviado da empresa, que compartilha com o seu pai, um total de 2,2 milhões de euros.

    Apesar disso, a Amor Ponto, agora condenada pelo Tribunal de Sintra a pagar mais de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra de contrato, possui ainda, de acordo com as demonstrações financeiras relativas ao ano passado, consultadas pelo PÁGINA UM, activos de cerca de 5,6 milhões de euros – mais do que suficientes para ‘saldar’ a indemnização à SIC –, mas o passivo, onde constam dívidas bancárias (282 mil euros) e diversas contas a pagar (superiores a dois milhões de euros) colocarão a empresa em situação aflitiva, uma vez que foi retirados 2,2 milhões de euros em dividendos.

    Cristina Ferreira / DR

    Ao contrário daquilo se seria de supor, a Amor Ponto nem sequer previu, do ponto de vista contabilístico, vir a perder a acção contra a SIC, pois não constituiu provisões em qualquer um dos três últimos exercícios analisados pelo PÁGINA UM. Essa opção não terá sido um acaso ou uma ingenuidade – e o contabilista oficial poderá também vir a ser responsabilizado –, pois se tivesse sido feita, a Amor Ponto dificilmente apresentaria os lucros que contabilizou em 2021, 2022 e 2023, respectivamente de 1,9 milhões de 991 mil e de 980 mil euros.

    Significaria assim que se fossem seguidas as regras da prudência contabilística, com uma provisão, a Amor Ponto dificilmente apresentaria lucros que lhe permitisse distribuir dividendos aos sócios, que são a própria Cristina Ferreira (que detém directamente apenas 2,9%), o seu pai, António Jorge Ferreira (1,1%) e a empresa Docasal (96%, detida maioritariamente por Cristina Ferreira, com o seu pai com uma pequena quota). Apesar de não terem sido preenchidos elementos da alteração do capital social e das demonstrações de fluxo de caixa, uma análise contabilística feita pelo PÁGINA UM concluiu que a empresa de Cristina Ferreira ‘sacou’ 2,2 milhões de euros da Amor Ponto ao longo do ano passado sob a forma de dividendos. Isto deduz-se a partir da diferença entre o somatório do capital próprio em 2020 com os lucros do triénio 2021-2023 (5,3 milhões de euros) e o efectivo capital próprio no final de 2023 (3,1 milhões de euros).

    Apesar desta elevada ‘descapitalização’, de acordo com as contas de 2023, já publicadas, a Amor Ponto ainda tem ‘dinheiro fresco’ no banco (mais de 1,1 milhões de euros) e também activos facilmente convertíveis, nomeadamente quase 2,4 milhões de euros em activos fixos tangíveis e cerca de 1,2 milhões de euros em activos financeiros. De entre os activos tangíveis, quase tudo (2,28 milhões de euros) referem-se a edifícios e outras construções. A SIC pode vir a solicitar, em caso de recurso, que seja vedada à Amor Próprio outra qualquer distribuição de dividendos, sob pena de Cristina Ferreira poder ser condenada por falência fraudulenta.

    Tribunal considerou que contrato de Cristina Ferreira com a SIC era um contrato mercantil com a Amor Ponto, que nunca constitui provisões, permitindo a sua descapitalização, através de distribuição de dividendos.

    Se Cristina Ferreira, como detentora maioritária da Amor Ponto, decidir pagar de imediato a indemnização de 3,5 milhões de euros à SIC, esta sua empresa – que tem seis trabalhadores – terá bastantes dificuldades em cumprir depois as suas obrigações, mesmo dando um lucro anual próximo de um milhão de euros com vendas a rondarem os 2,5 milhões de euros em cada um dos últimos dois anos. Com efeito, apesar de ter um nível de endividamento baixo – e até inexplicável face ao dinheiro à ordem que possuía no final do ano passado –, a Amor Ponto tem compromissos de curto prazo (a pagar em menos de um ano) de mais de 2,2 milhões de euros.

    Quanto à opção de recorrer desta decisão, os efeitos podem ser piores, uma vez aquilo que está em causa, conforme o Tribunal de Sintra determinou, é um mercantil entre a SIC e a Amor Ponto, que não foi cumprido. Se Cristina Ferreira insistir em recorrer e perder daqui a três ou quatro anos, a dívida pode subir facilmente para mais de cinco milhões de euros – e aí dificilmente a SIC aceitará que a Amor Ponto não constitua uma provisão, única garantia de haver capital suficiente para pagar se houver nova derrota.

    Recorde-se que este conflito surgiu com a saída repentina de Cristina Ferreira da SIC em Julho de 2020, quando se anunciou o seu regresso à TVI como directora e pequena accionista da Media Capital.

    Para garantir a indemnização, SIC tem de garantir que a Amor Ponto não fica descapitalizada.

    De acordo com uma nota de imprensa hoje divulgada, depois de quase quatro anos de conflito, o Tribunal de Sintra condenou a Amor Ponto a “proceder ao pagamento à autora SIC – Sociedade Independente de Comunicação S.A. da quantia de 3.315.998,67 euros, acrescida de juros, à taxa comercial, desde a citação até efetivo e integral pagamento”. No total, o valor será de 3.536.666,67 euros, mas o tribunal reconheceu um crédito de 220.668 da Amor Ponto à SIC, devido a “valores titulados por facturas emitidas e vencidas, respeitante a pagamentos de comissões de publicidade e de passatempos”.

    O PÁGINA UM tentou contactar a apresentadora Cristina Ferreira, mas não foi ainda possível obter qualquer comentário, que, a ocorrer, será inserido. Em todo o caso, para outros órgãos de comunicação social, Cristina Ferreira ainda não teve qualquer reacções sobre a condenação no Tribunal de Sintra.


    N.D. O PÁGINA UM disponibiliza as demonstrações financeiras da Amor Ponto de 2021, 2022 e 2023, usadas para a elaboração da análise contabilística que esteve na base desta notícia.


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  • Operação Babel: Contratos promíscuos de Domingos de Andrade foram revelados pelo PÁGINA UM em 2021

    Operação Babel: Contratos promíscuos de Domingos de Andrade foram revelados pelo PÁGINA UM em 2021

    Escutas da ‘Operação Babel’ confirmam o papel de Domingos Andrade – actual diretor-geral editorial do Jornal de Notícias e da rádio TSF, e sócio de uma das empresa que está a adquirir alguns títulos da Global Media – na angariação de contratos com a autarquia de Vila Nova de Gaia alegadamente a troco de notícias. Uma parte das escutas é divulgada hoje pelo Correio da Manhã, mas desde 2021 que o PÁGINA UM tem investigado e revelado os contratos promíscuos envolvendo Domingos de Andrade e a Global Media. Mas não só. Outros grupos de comunicação social portugueses têm sido ‘apanhados’ pelas investigações do PÁGINA UM com ‘parcerias comerciais’ que envolvem a produção de notícias à medida e mesmo a realização de ‘entrevistas’. Na sequência das investigações do PÁGINA UM, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social chegou a abrir contra-ordenações a sete empresas de media por contratos promíscuos e enviou a identificação de 14 jornalistas ‘comerciais’ para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). Um ano depois, aquilo que daí saiu foi, para já, nada.


    Domingos Andrade, actual diretor-geral editorial do Jornal de Notícias e da rádio TSF – e também um dos sócios das empresas que se apresta para comprar títulos à Global Media – foi ‘apanhado’ em escutas comprometedoras no decurso das investigações do Ministério Público da chamada Operação Babel‘, envolvendo suspeitas de corrupção na autarquia de Vila Nova de Gaia e na sua empresa municipal Gaiurb. Nas escutas divulgadas hoje pelo Correio da Manhã destacam-se fortes indícios de que Domingos Andrade, que manteve sempre carteira profissional mesmo quando era gestor de empresas de media, ‘vendeu’ notícias a troco de negócios.

    Esta não é propriamente uma novidade, mas apenas uma confirmação de um modus operandi que afecta enormemente a credibilidade da imprensa: em 2021, o PÁGINA UM começou a publicar investigações sobre contratos promíscuos entre grupos de media e responsáveis editoriais, entre os quais despontava a Global Media e também, entre outras, a autarquia de Gaia, presidida pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues.

    Domingos Andrade assinou contratos comerciais apesar de, na altura, ter carteira profissional de jornalista e responsabilidades editoriais em órgãos de comunicação social do grupo Global Media. Na sequência das investigações do PÁGINA UM, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista foi forçada a aplicar uma multa de 1.000 euros ao jornalista que tem ainda activa a sua carteira profissional.
    (Foto: Captura de imagem de vídeo da audição no Parlamento)

    Foi em 26 de Dezembro de 2021 que o PÁGINA UM começou a publicar uma investigação sobre os interesses de Gaia na contratação em particular da Global Media – havendo também contratos com o Público e a Cofina, mas em valores muito inferiores: “Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica”.

    Na altura, o PÁGINA UM revelou que a Gaiurb, empresa de gestão urbanística e habitacional de Gaia, tinha efectuado três contratos com empresas da Global Media, entre as quais a TSF e o Jornal de Notícias, num total de 465.000 euros, sendo que todos os contratos foram realizados por ajuste directo, sem visto prévio do Tribunal de Contas, e contra o código de contratos públicos.

    Recorde-se que Domingos de Andrade assumiu durantes vários anos, como jornalista, funções de responsável editorial de diversos órgão de comunicação social da Global Media (DN, JN e TSF), ao mesmo tempo que era administrador da holding – sendo o braço direito executivo de Marco Galinha até ao ano passado –, e era também, de acordo com o Portal da Transparência dos Media, gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade. Acabou afastado durante o curto ‘reinado’ do World Opportunity Fund, durante a administração de José Paulo Fafe, mas regressou com grande protagonismo, não apenas ‘recuperando’ os cargos editoriais como assumindo um papel de charneira na passagem de alguns títulos da Global Media para a esfera de duas empresas-irmãs: a Notícias Ilimitadas e a Verbos Imaculados. Nesta última empresa – que quer passar a controlar o Jornal de Notícias e a TSF, apesar de ter um capital social de apenas 777 euros, Domingos Portela entra mesmo como sócio, com uma quota de 20%. É o único accionista em nome individual, visto que os outros são empresas: Parsoc (30%), OTI Investments (25%), Mesosystem (15%) e Ilíria (10%).

    Como o PÁGINA UM noticiou no final de 2021, um primeiro contrato com a Gaiurb foi assinado em Dezembro de 2020 para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”, num valor de 195.000 euros. Neste contrato, o ajuste directo foi justificado com os seguintes argumentos: “não existe alternativa ou substituto razoável”; e “inexistência de concorrência”.

    contrato foi renovado, para o mesmo fim, a 3 de Dezembro de 2021, com o mesmo valor, sem justificação para ser feito por ajuste directo. No contrato de 2020 ainda se apontavam os motivos para o ajuste directo. No segundo contrato nada se refere.

    Estes dois contratos comerciais foram assinados por Domingos de Andrade, quando era simultaneamente administrador e director de conteúdos da Global Media e director da TSF, o que é incompatível segundo o Estatuto do Jornalista. Na sequências das investigações do PÁGINA UM, Domingos de Andrade acabou por ser alvo de um processo de contra-ordenação por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que lhe aplicou uma singela multa de 1.000 euros e nada mais. Apesar da evidência da ilegalidade, Domingos de Andrade impugnou judicialmente, estando o caso para decisão desde Março do ano passado. E a sua carteira profissional do jornalista/gestor, com o número CP 1723 foi entretanto revalidada, encontrando-se activa.

    Já sem a assinatura de Domingos de Andrade, a Global Media conseguiu manter contratos para a organização e promoção das festas natalícias de Gaia com a Gaiurb, sempre sem o incómodo de qualquer concorrência, porque a Gaiurb justifica os ajustes directos da forma que melhor lhe convém, perante a passividade do Tribunal de Contas; ora uns anos por estar em causa espectáculos, ora por inexistência de concorrência por “motivos técnicos”, ora por alegadamente ser necessário proteger direitos de propriedade intelectual. Quem não está protegido são os contribuintes: só estes cinco contratos natalícios que começaram a ser garantidos por Domingos de Andrade já custaram à autarquia cerca de 1,05 milhões de euros, incluindo IVA.

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, escreveu mais de 60 artigos como colunista regular do Jornal de Notícias. (Foto: D.R.)

    De resto, além das suspeitas de favorecimento noticioso da autarquia de Vila Nova de Gaia nas publicações lideradas por Domingos de Andrade, o próprio presidente da edilidade socialista, Eduardo Vítor Rodrigues, foi um colunista regular do Jornal de Notícias, tendo começado a publicar artigos de opinião no jornal nortenho desde Junho de 2020. No total, escreveu mais de 60 artigos, que deixaram de estar disponíveis no site do jornal. O ‘apagão’ das sapientes opiniões do socialista que preside Gaia sucedeu imediatamente depois de um artigo do PÁGINA UM ter revelado em Maio do ano passado esta relação: ou seja, um presidente de uma autarquia cliente da Global Notícias tinha um espaço de opinião no Jornal de Notícias. As relações entre a Global Media e a autarquia de Gaia contrariam todas as regras da gestão adequada de dinheiros públicos, chegando ao ponto de se pagar integralmente as verbas dos ajustes directos antes mesmo da execução dos serviços.

    O PÁGINA UM tinha também detectado um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb, que foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Este contrato comercial – que possui, em nome da Global Media, a assinatura do jornalista Afonso Camões, o que constitui uma função incompatível nesta profissão – estipulava, na prática, uma subordinação editorial da TSF perante a Gaiurb.

    O contrato foi apresentado como sendo uma “parceria TSF/ Gaiurb”, tendo o programa sido intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolvido um pagamento de 75.000 euros. O programa foi conduzido por um jornalista Miguel Midões, mas sem liberdade editorial. De resto, este foi um dos 14 jornalistas identificados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em Julho de 2023, na sequência de uma investigação do PÁGINA UM que detectou 56 contratos ‘suspeitos’ assinados pelos principais media portugueses desde 2020. Os podcasts também desapareceram entretanto do site da TSF – mais uma vez após as revelações do PÁGINA UM -, mas ainda podem ser ouvidos aqui (ou confirmado a sua existência aqui, se entretanto também forem apagados). Uma parte dos episódios tinham a participação de políticos ou de entidades e personalidades de Gaia, o que revelava a existência não de jornalismo mas de promoção.

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    Além da Global Media, outros grupos de comunicação social têm assinado contratos com entidades públicas que incluem cláusulas incompatíveis com a actividade jornalística. E estes são apenas a ‘ponta do iceberg’, já que os contratos comerciais feitos com entidades privadas não são públicos, pelo que a promiscuidade entre órgãos de comunicação social e o sector empresarial e financeiro será também de relevo e é ignorada por reguladores e pelo público.

    Entre os jornalistas ‘comerciais’ que foram identificados pelo regulador dos media, constam, além de Miguel Midões, por causa dos programas da TSF relativos ao contrato da Gaiurnb, também o jornalista da Visão Luís Ribeiro (CP 3188), coordenador da secção de Ambiente da revista Visão e habitual comentador na SIC Notícias, a quem a ERC apontou a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente. Ribeiro já se tinha destacado por aceitar fazer a cobertura de uma Conferência do Clima (COP26) em finais de 2021 para a revista Visão sob o patrocínio explícito da petrolífera Galp. O Estatuto do Jornalista permite, sem penalização, o uso da cláusula de consciência, ou seja, a recusa de aceitar notícias patrocinadas que, neste caso, configuram greenwashing.

    Recorde-se que, nos processos abertos pela ERC, foram poupados directores e responsáveis editoriais de títulos que executaram contratos comerciais, incluindo: Mafalda Anjos (ex-directora da Visão), Rosália Amorim (ex-directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (ex-director do Público), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (ex- directora do Dinheiro Vivo).

    Luís Ribeiro, jornalista da revista Visão, foi um dos 14 jornalistas ‘comerciais’ identificados pela ERC. O regulador abriu, há um ano, sete processos a empresas de media por contratos comerciais assinados com entidades públicas que eram incompatíveis com a actividade jornalística. Ainda não há qualquer decisão do regula, que, na análise dos casos promíscuos divulgados pelas investigações do PÁGINA UM, poupou directores de órgãos de comunicação social, os quais também executaram projectos comerciais e de marketing, o que é incompatível com o Estatuto do Jornalista.

    As excepções foram Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina), e também o director da Exame (Trust in News), Tiago Freire. A ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.

    Isto apesar de diversos directores de media terem participado activamente na execução de contratos comerciais, nomeadamente como participantes regulares como ‘mestres-de-cerimónia’ e moderadores de eventos pagos aos respectivos grupos. E, em última análise, foram também responsáveis pela cobertura noticiosa dos eventos pagos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos, o que constitui uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa. Apesar de terem sido abertos processos de contra-ordenação pela ERC a sete empresas de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), em há um ano, ainda não foram concluídos, não sabendo assim se serão multados, ou, em alternativa, perdoadas as infracções pelo regulador, atendível a situação financeira débil da generalidade da imprensa.


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  • Novo Banco, Impresa & Trust in News: o triângulo dos negócios de media que ‘assaltaram’ um Estado conivente

    Novo Banco, Impresa & Trust in News: o triângulo dos negócios de media que ‘assaltaram’ um Estado conivente


    Os amigos são para as ocasiões. Mas, na alta roda da imprensa nacional – ou melhor, em certos grupos de media –, haja, para além de amigos, um Estado amigo, ou mais prosaicamente, um Governo amigo.

    A história começa em 2017, quando um dos mais relevantes grupo de media em Portugal, a Impresa, fundado pelo antigo primeiro-ministro Pinto Balsemão, estava em grandes sarilhos financeiros. Longe estavam os momentos áureos da colocação em bolsa desta empresa de media – detentora do canal televisivo SIC e do semanário Expresso, e de mais de uma dezena de outras publicações.

    Em Junho de 2000, como líder incontestada no sector da comunicação social, Pinto Balsemão conseguira, com sucesso, uma oferta pública de venda (OPV) por um preço por acção a rondar os 5,6 euros (o valor de abertura em bolsa, ainda em escudos), encaixando uma verdadeira fortuna. Após essa operação financeira, e mesmo com uma posição minoritária de cerca de 30%, a família Balsemão manteve o domínio do grupo de media, e também os principais cargos (e salários) do Conselho de Administração. Mas, pouco tempo depois, o ‘sonho’ dos investidores foi colapsando. A Impresa nunca concedeu qualquer dividendo, e foi-se endividando. Sinal disso, em 2017, a cotação chegou abaixo dos 20 cêntimos, ou seja, cerca de 2% da OPV.

    Ainda chegaram a existir negociações com a Globo, mas como Balsemão não desejava ceder o controlo da Impresa, o grupo brasileiro recuou. As dificuldades de liquidez eram, porém, sufocantes. Para piorar, o banco que sempre apoiara a Impresa, o BPI, fora comprado no início de 2017 pelo catalão Caixa Bank, que terá fechado a ‘torneira do financiamento”, tanto mais que se estava então em plena crise financeira do sector bancário. O passo seguinte foi optar por uma emissão de obrigações para encaixar urgentemente 35 milhões de euros, junto de investidores institucionais. A oferta de subscrição decorreu entre 3 e 14 de Julho desse ano, mas houve um desinteresse absoluto, e a Impresa teve de desistir desta opção.

    O ano de 2017 viria a ser um annus horribilis para a família Balsemão, depois lucros de 4,0 milhões de euros em 2015 e de quase 2,7 milhões no ano seguinte: teve de reconhecer 23,2 milhões de euros em imparidades do goodwill (um activo associado ao valor dos órgãos de comunicação social). Resultado imediato: os prejuízos desse ano ascenderam aos 21,6 milhões de euros. Mesmo com a dívida em fase descendente, certo é que a Impresa quase estava então a trabalhar para os bancos: cerca de um terço das receitas serviam então para pagar juros.

    E é aqui que entra a Trust in News. Na verdade, o reconhecimento das imparidades nas contas de 2017 no valor de 23,2 milhões de euros resultou, de forma paradoxal para um leigo, de uma receita, ou seja, da venda de um portfolio de revistas – onde a Visão era o título mais sonante – que se viria a concretizar nos primeiros dias do ano de 2018. Luís Delgado – um antigo jornalista, ex-administrador da Lusa e comentador de política e que estivera no negócio da restauração (Time Out Market) – criara pouco tempo antes uma empresa unipessoal com um capital social de apenas 10 mil euros. Mas, mesmo sem mais nenhum investidor conhecido, prometia pagar à Impresa um total de 10,2 milhões de euros. Como antes da venda, nos activos da Impresa, as revistas estavam exageradamente valorizadas (33,4 milhões de euros), a venda resultou, no imediato, numa menos-valia de 23,2 milhões de euros, daí o reconhecimento das imparidades, que veio a afectar o resultado líquido, dando um prejuízo histórico nesse ano.

    Antes da venda em 2018 do portfolio das revistas à Trust in News, a Impresa, fundada por Francisco Pinto Balsemão, teve de reconhecer imparidades (prejuízos de 22 milhões de euros). A venda por 10,2 milhões de euros, nunca se concretizou por aqueles montantes e os investidores nunca foram previamente informados nem saber quanto a Impresa afinal recebeu de Luís Delgado

    Concretizado este negócio em 2 de Janeiro de 2018, não se sabe, no entanto, quanto dos 10,2 milhões de euros acabou por sair dos cofres da Trust in News para, efectivamente, saldar esta compra, porque nos sucessivos relatórios e contas da Impresa, a partir de 2018, esses montantes não são referidos. Fica-se apenas a saber de reiteradas renegociações dos planos de pagamento. Isto sem que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que supervisiona as empresas cotadas em bolsa, se tenha mostrado interessada em esclarecer uma informação relevante para os investidores.

    Em todo o caso, pelos elementos do Portal da Transparência dos Media, deduz-se que alguns milhões de euros terão entrado na Impresa em 2018 via Novo Banco. Isto porque, nos registos respeitantes a 2018, a Trust in News admite que, além de manter então ainda uma dívida de 6,2 milhões de euros à Impresa – ou seja, terá pagado no primeiro ano, quatro milhões de euros – era devedora de 2,7 milhões de euros ao Novo Banco. Ou seja, tudo indica que a operação de compra de Luís Delgado tenha sido financiada pela instituição bancária que estava em processo de intervenção estatal.

    Em 2019, o Novo Banco ainda emprestaria mais dinheiro à Trust in News. No final desse ano, a empresa de Luís Delgado já devia 3,7 milhões de euros ao Novo Banco, ou seja, a dívida para esta instituição financeira aumentara cerca de um milhão de euros. No entanto, globalmente, os financiamentos bancários à Trust in News já ascendiam aos 4,5 milhões de euros.

    Além desses alguns milhões de euros (pelo menos quatro milhões) de encaixe líquido, vindo do Novo Banco, a Impresa também conseguiu aliviar a sua folha salarial, pois só em gastos com pessoal as revistas vendidas a Luís Delgado representavam (e ainda representam) cerca de oito milhões de euros por ano. Acresce, contudo, que a Trust in News ‘herdou’ um portfolio de revistas financeiramente ‘tóxicas’. E desse modo, a empresa de Luís Delgado aumentou, ao longo dos anos, o passivo de forma descontrolada, incluindo dívidas ao Fisco, à Segurança e ao Novo Banco. Mesmo a Impresa acabou já por assumir, nas suas contas de 2023, que a Trust in News não lhe vai pagar 2,5 milhões de euros ainda em dívida.

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concretizado em dois anos e meio.

    E tudo isto se transformou num péssimo negócio para o Estado que, no decurso do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News que deu entrada no Tribunal de Sintra em Abril, só tem agora duas alternativas, ambas perdedoras: ou deixa cair a empresa de Luís Delgado para a insolvência, não havendo activos para recuperar as dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA); ou então aprova o plano de recuperação, assumindo um perdão integral ou parcial. Nos dois casos, o contribuinte sai penalizado.

    No meio deste estranho negócio que está agora, ao fim de apenas seis anos, na antecâmara da insolvência, surpreende, ou não, o silêncio mudo em torno deste negócio entre a Trust in News e a Impresa, envolvendo o Novo Banco. Afinal, não é todos os dias – uma força de expressão para dizer que é absurdo suceder – que uma instituição bancária, ainda mais o Novo Banco que estava sob alçada do Fundo de Resolução, autorizar a concessão de um empréstimo de vários milhões de euros a uma empresa com um único sócio, um capital social de 10 mil euros e para um negócio que não tem sido assim tão rentável nos tempos recentes

    Mais estranho ainda é o silêncio do Governo, tanto do actual como do anterior, que assiste sem reacção visível – a não ser promessas de apoio aos media com o dinheiro dos contribuintes – ao facto de uma empresa com capital social de 10 mil ter aumentado as suas dívidas ao Estado, em apenas cinco anos, acima dos 11,4 milhões de euros. Um autêntico ‘milagre’ inalcançável para a generalidade das empresas.

    Mais estranho é observar que a família Balsemão não parece estar chateada com Luís Delgado por este não lhe ter pagado integralmente, nem pouco mais ou menos, os 10,2 milhões de euros oficialmente acordados em 2018. Afinal, Luís Delgado mantém presença frequente no canal da SIC, pertencente ao Grupo Impresa, como comentador político.

    (Foto: D.R./ Ministério das Finanças)

    Mas a utilidade do Novo Banco para a Impresa não se circunscreveu ao negócio das revistas com a Trust in News. Também em 2018, no mês de Junho, o Novo Banco comprou a sede do Expresso (e agora da SIC) à Impresa, por 24,2 milhões de euros, apesar de a banca estar, naquela altura, a livrar-se de activos imobiliários. Este negócio envolveu a locação financeira pela Impresa por um período de 10 anos.

    Ninguém pode duvidar que a entrada nos negócios da Impresa de um banco a ser capitalizado com empréstimos do Estado só podia ser possível com o aval do Ministério das Finanças e a anuência do Fundo de Resolução. Em resumo, a intervenção do Novo Banco na compra da sede – e na ‘injecção’ de liquidez imediata – mostra ser uma intervenção política que visou dar a mão a Balsemão num momento de aflição

    Ou seja, em um ano, o Novo Banco não apenas pagou 24,2 milhões de euros à Impresa, com um retorno pela locação (que nem, sequer se encontra plasmado nas contas do grupo de media), como financiou parte da compra da ‘carteira’ de revistas por parte de Luís Delgado, que só teve de meter 10 mil euros para ser dono de 17 revistas.

    Acresce que, se a Trust in News está à beira da falência (se o Estado não lhe der a mão), a Impresa não está melhor, apresentando um passivo de 222,6 milhões de euros em 2023, dos quais mais de 128 milhões em empréstimos de curto e longo prazos. E 70% dos seus activos são goodwill referentes aos títulos da imprensa escrita e televisão, que não valerão, tal como se evidenciou na operação das revistas a Luís Delgado, aquilo que surge no balanço.

    Quanto ao terceiro protagonista desta pouco dignificante história de negócios dos media em Portugal, o Novo Banco, prossegue como se nunca tivesse tido pés de barro, graças aos muitos fios de aço feitos de dinheiros públicos, que o foram segurando ao longo dos anos. Até porque as dezenas de milhões que acabaram por beneficiar a Impresa e a Trust in News, em negócios que arriscam a acabar mal, são uma gota de água – uma gota de água num ‘oceano’ de ajudas do Estado.

    Recorde-se que este banco, que ficou supostamente com os activos ‘bons’ do BES, foi vendido em 2017 ao fundo norte-americano Lone Star que ficou com 75% do seu capital social, ficando os restantes 25% no Fundo de Resolução bancário – que está na esfera do Estado. O acordo de venda previa injecções de capital até 3.890 milhões de euros para suprir necessidades de capital devido ao registo de perdas, nomeadamente com créditos ‘maus’ herdados do BES. Assim, mesmo depois da venda, o banco continuou a receber injecções de capital estatais.

    Ao todo, só entre 2014 e 2020, o Novo Banco engoliu mais de 11.200 milhões de euros, sendo que, deste total, mais de metade proveio do Estado. Os contribuintes emprestaram, assim, sem garantias absolutas de retorno, 6.030 milhões de euros ao Novo Banco, dos quais 3.900 milhões na sua constituição e 2.130 milhões de euros entre 2017 e 2020, ao abrigo do acordo de venda. Desde 2020 foram feitas novas injecções de capital ao abrigo deste acordo, o que elevou o valor global para cerca de 12.500 milhões de euros. Dos 3.890 milhões de euros do mecanismo para cobrir perdas herdadas do BES, o Novo Banco consumiu 3.400 milhões de euros. Acresce que o Fundo de Resolução bancário ‘forneceu’ 1.000 milhões ao Novo Banco em 2014 e mais 848 milhões de euros entre 2017 e 2020, num total de 1.848 milhões de euros.

    Mas atenção: o Novo Banco poderá ainda ir buscar mais 180 milhões de euros ao Estado, depois de ter vencido disputas em tribunal arbitral com o Fundo de Resolução, como noticiou o Jornal Económico. Hoje, o Fundo de Resolução anunciou que vai pagar 128 milhões de euros ao Estado para comprar mais 4,14% do capital do Novo Banco, passando a deter 13,54% do capital. Na prática, o Fundo de Resolução compra os direitos de conversão de créditos fiscais, ao abrigo do regime dos impostos diferidos. Este regime tem permitido ao Estado deter uma posição no banco convertendo créditos fiscais em capital. Ou seja, sem esta compra do Fundo de Resolução, os contribuintes portugueses iriam reforçar a sua posição no Novo Banco. Assim, ‘encaixam’ 128 milhões de euros, pagos pelo Fundo de Resolução bancário que está na esfera estatal.

    two Euro banknotes

    O Novo Banco continuará a ser detido em 75% pelo Lone Star, o Fundo de Resolução sobe a sua posição, enquanto o Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro, dilui a sua fatia para 11,46%. Certo é que, no final de 2022, o Fundo de Resolução ainda devia mais de 6.000 milhões de euros ao Estado.

    E é neste cenário de muitos milhões, para aqui e para ali, que se vai esfumando o dinheiro dos contribuintes, e se fazendo negócios dos media, sempre com prejuízos. No final, o Governo Montenegro ainda anuncia mais ajudas para continuar a beneficiar o infractor.


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  • Imprensa: Dona da Visão também deixou de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores

    Imprensa: Dona da Visão também deixou de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores

    É um case study, ou um caso de polícia. Em seis anos, uma empresa unipessoal no sector dos media, a Trust in News, com um capital social de 10 mil euros conseguiu o ‘prodígio’ de acumular dívidas já próximas dos 30 milhões de euros e sem ter problemas em falhar sucessivamente as suas obrigações junto do Estado. O PÁGINA UM soube agora, na consulta ao Processo Especial de Revitalização (PER), que afinal o empresário Luís Delgado não deu apenas um calote ao Fisco, mas deixou também de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores. A acumulação de dívidas ao Estado, que em seis anos subiram para mais de 11 milhões de euros, só foram possíveis com o beneplácito do Governo anterior. O ministro das Finanças, Miranda Sarmento, mantém-se, por agora, silencioso sobre se vai haver, no âmbito do PER, onde o Estado é o principal credor da TIN, um perdão de dívida para ‘salvar’ mais um grupo de media do colapso financeiro.


    O anterior Governo permitiu que a Trust in News (TIN) – a empresa unipessoal de Luís Delgado que detém, entre outros títulos de comunicação social, as revistas Visão e Exame – deixasse de pagar, durante anos, as contribuições para a Segurança Social dos seus trabalhadores. E agora, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), apresentado pela TIN a 23 de Abril no Juízo de Comércio de Sintra, os Ministérios das Finanças e da Segurança Social vão decidir uma solução para uma dívida ao Estado que já deverá ultrapassar os 14 milhões de euros. Em 2022, as contas da TIN revelavam que o Estado detinha já 42% do passivo total, que então rondavam os 27 milhões de euros.

    A assumpção do não pagamento das contribuições para a Segurança Social, que tem enquadramento penal sobre os gerentes da TIN, surge na identificação dos credores com direitos sobre a empresa media de Luís Delgado. Além da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Impresa e do Novo Banco – que o PÁGINA UM já identificara no ano passado –, surgem agora reveladas nos documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, os créditos reivindicados pelos CTT e também pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

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    Não são, por agora, mencionados nem conhecimentos os montantes totais dos créditos em causa para cada uma destas entidades, devendo estes ser conhecidos no final deste mês, podendo ainda haver outras que reclamem direitos. Até finais de Junho, podendo ser prorrogado por mais um mês, será elaborado um plano de recuperação pelo administrador judicial, já nomeado, que será votado: se houver acordo, com redução renegociação da dívida, a TIN mantém-se; de contrário, a insolvência segue o seu curso.

    Em qualquer caso, Luís Delgado – que só precisou de investir 10 mil euros para uma empresa a caminho de um passivo de 30 milhões de euros em seis anos – e os gerentes da TIN já estão impedidos de “praticar actos de especial relevo“, e dificilmente haverá uma futura solução de viabilização que o reponha em funções. O tribunal de Sintra já nomeou Bruno Costa Pereira, que esteve à frente do processo de insolvência da Groundforce, como administrador judicial provisório.

    Curiosamente, numa conferência no mês passado, Bruno Costa Pereira criticou o papel do Estado em processos de recuperação de empresas, “afirmando que “não ajuda nada, apenas complica”, responsabilizando até o gestor de insolvência por não conseguir equilibrar uma empresa “com graves problemas” e ao ser o primeiro a ir buscar às reservas da empresa. “O Estado responsabiliza o gestor de insolvência se este não conseguir ‘o milagre’ de recuperar uma empresa que já está toda destruída. Se isto correr mal, eu posso ser revertido fiscalmente, sou responsabilizado. E só porque tentei sou penalizado? O Estado vai correr atrás de mim? Isto leva, e bem, a que a classe [dos administradores judiciais] tenha uma predisposição para assumir desde logo que  ‘isto não vai recuperar’”, disse Bruno Costa Pereira, citado pelo Jornal Económico.

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Não pagou ainda tudo, e aumentou para níveis astronómico a dívida ao Fisco e à Segurança Social. Em seis anos, terá colocado o passivo da Trust in News próximo dos 30 milhões de euros. (Foto: D.R.)

    O caso da TIN será, porém, especial por se tratar de uma empresa de media e, sobretudo, por a sua evolução financeira, e especialmente as dívidas ao Estado, terem tido evidente cobertura política. Em 2018, logo no primeiro ano com as ex-revistas da Impresa, a TIN somava dívidas ao Estado de quase 943 mil euros. No ano seguinte subiu para cerca de 1,6 milhões, para depois mais que triplicar em 2020 situando-se em 5,1 milhões de euros.

    E continuou. Em 2021 estava já em 8,2 milhões de euros e em 2022 – último ano com contas aprovadas – encontrava-se já nos 11,4 milhões de euros. Acresce que a TIN nunca esteve na ‘lista negra’ tanto do Fisco como da Segurança Social, o que significa que se estabeleceu acordos de pagamento, mesmo autorizando o aumento das dívidas.

    Ao longo do ano passado, o PÁGINA UM tentou, por diversas vezes, obter esclarecimentos junto do então ministro das Finanças, Fernando Medina, para o ‘tratamento’ especial a uma empresa com um capital de 10 mil euros e colossais dívidas. Nunca obteve resposta.

    Registo do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News que identifica os credores.

    Já ao longo da última semana, e numa altura em que se renovam os apelos para as ajudas estatais à comunicação social em crise, o PÁGINA UM quis saber junto do novo ministro, Miranda Sarmento, se o Estado vai viabilizar a ‘recuperação’ da TIN no âmbito do PER, através de um perdão fiscal. Em suma, saber se é possível uma empresa de media com um pequeno capital social de 10 mil euros (similar à do PÁGINA UM) pode desenvolver a sua actividade endividando-se para, pouco anos mais tarde, vir a ser salva pelo Estado. Não obteve resposta.

    Ao PÁGINA UM, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, recentemente reeleito, diz desconhecer as dívidas da Segurança Social por parte da TIN, afirmando que a entidade sindical está a iniciar agora contactos para se estudar uma solução para a crise financeira na imprensa nacional, que tem agora como epicentro não apenas a Global Media como a empresa detida desde 2018 por Luís Delgado.


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  • Transparência dos media: Vodafone apanha coima histórica de 75 mil euros por esconder accionistas

    Transparência dos media: Vodafone apanha coima histórica de 75 mil euros por esconder accionistas

    Operadora de televisão por cabo e accionista da Sport TV, a sucursal portuguesa da Vodafone andou num ‘jogo do gato e do rato’ com a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) por causa da identificação dos accionistas de referência, obrigatória na Lei da Transparência dos Media. A Vodafone andou a ‘puxar’ a paciência do regulador até ao limite para não divulgar informação no Portal da Transparência que, na verdade, até constava em relatórios da ‘holding’ inglesa, onde, além da BlackRock, se fica a saber da participação da empresa de telecomunicações do Estado dos Emirados Árabes Unidos, e que tem causado polémica no Reino Unido por razões de segurança interna. O desfecho deste processo, iniciado há mais de três anos, teve agora um epílogo: uma coima de 75 mil euros, a maior deste género aplicada pelo regulador dos media.


    Foi um jogo do gato e do rato, embora o ‘rato’ seja uma multinacional inglesa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social multou este mês a Vodafone em 75 mil euros por esconder “com dolo” os accionistas de referência. Em causa estava uma obrigação, prevista na Lei da Transparência dos Media, que obriga todas as empresas de media a revelarem os sócios, accionistas ou outra entidades e pessoas com interesses directos ou indirectos superiores a 5% do capital social.

    A multa agora aplicada á Vodafone – que tem uma participação de 25% na SportTV, daí estar sobre a alçada do regulador dos media – é a maior já aplicada por violação da Lei da Transparência, e surge numa sequência de outros processos recentes que levaram já à aplicação de duas coimas de 16,700 euros (à PFM – Radiodifusão e à Popquestion), outras duas de 20 mil euros (à cooperativa Rádio Singa e à Rádio Ilha) e uma de 35 mil euros à empresa gestora da Rádio Santo António.

    Mas ao contrário destas empresas – e de outras mais que viram ser os seus processos de contra-ordenação arquivados, geralmente após correcção das falhas e lacunas apontadas pela ERC –, onde as coimas se referiam à falta de informação sobre os fluxos financeiros, no caso da Vodafone a sucursal portuguesa quis deliberadamente esconder dois dos seus accionistas de referência: a multinacional de investimentos BlackRock e uma empresa de telecomunicações detida maioritariamente pelo Estado dos Emirados Árabes Unidos, a ETISALAT.

    Na deliberação da ERC, ontem divulgada mas aprovada no passado dia 15, é historiada as insistentes tentativas do regulador em fazer a Vodafone cumprir o preceituado na lei portuguesa que exige conhecer-se mesmo os principais accionistas a montante da empresa que directamente detém um órgão de comunicação social.

    Ora, no caso da Vodafone, como se está perante uma holding em cascata, tipo matrioska, a sociedade anónima Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais está registado no Portal da Transparência como operador de distribuição e prestador de serviços audiovisuais a pedido, bem como accionista (25% do capital) da Sport TV Portugal. Mas esta é a sucursal da Vodafone Europe BV, que a detém a 100%. Por sua vez, esta empresa é detida pela Vodafone Consolidated Holdings Limited, que por sua vez é detida pela Vodafone International Operations Limited, e esta é detida pela Vodafone European Investments. No topo desta ‘cascata’ está a Vodafone Group PLC. E era sobre a origem do capital desta public limited company (PLC) – um termo que, no Reino Unido, se aplica a corporações com investimento privado, não estatal – que a ERC pretendia que fosse colocada no Portal da Transparência.

    A primeira vez que o regulador detectou a ausência de informação sobre os principais accionistas da Vodafone Group PLC foi em Abril de 2021, tendo sido dado 10 dias para a correcção das falhas. Mas ao longo dos meses seguintes, com muitas trocas de mensagens de correio e contactos, a falha principal não foi corrigida. Em Novbembto de 2022 – ou seja, mais de um ano e meio depois –, a a mandatária da Vodafone informou a ERC de que a “Vodafone Group PLC, entidade cujo capital social se encontra disperso em bolsa, não sendo, consequentemente, possível proceder à identificação dos detentores do mesmo”, acrescentando que, por este mesmo motivo a Vodafone Group PLC não tem uma estrutura do capital social definida na plataforma [da transparência]”.

    Não era, porém, verdade – como os serviços da ERC detectaram, e bastaria uma consulta nos relatórios e contas da própria holding. Por exemplo, no mais recente relatório anual, embora haja uma parte significativa do capital em bolsa, a própria Vodafone Group PLC identifica, como accionistas de referência, a ETISALAT detém 14,01%, a BlackRock 6,23%, a Liberty Global 4,92% e o Norges Bank 3,00%. Para efeitos de cumprimento da Lei da Transparência dos Media somente as duas primeiras teriam de ser indicadas – mas teriam mesmo.

    Só que a sucursal portuguesa manteve o ‘braço de ferro’ com a ERC, dizendo em Fevereiro do ano passado que “na generalidade das situações em que são solicitadas informações sobre a estrutura acionista de uma determinada empresa do grupo, nunca são incluídas informações sobre os acionistas minoritários da Vodafone Group PLC (empresa-mãe do Grupo Vodafone) no respetivo organigrama, uma vez que este é elaborado de forma a abranger apenas as empresas detidas (direta ou indiretamente) por esta última entidade. Por outras palavras, os organigramas fornecidos a entidades externas só identificam empresas a partir da empresa Vodafone Group Plc para baixo”.

    A partir daí a ERC fez o serviço que lhe competia e avançou com o processo de contra-ordenação, apurando também que faltavam as participações relevantes da Black Rock, detidas pela Vanguard Group (8,65%) e a Blackrock Fund Investiments (6,53%), que continuam ainda em falta no Portal da Transparência dos Media. Note-se, aliás, que a sucursal da Vodafone, apesar de ter colocado a participação da BlackRock e da ETISALAT (desactualizada), ainda não inseriu os accionistas da holding norte-americana.

    A ERC é particularmente critica ao comportamento da Vodafone, dizendo que, “dada a sua dimensão, e o facto de operar há vários anos num sector de elevada complexidade técnica, altamente regulado, não pode ter deixado de representar que tinha o dever de indicar toda a cadeia de imputação de participações iguais ou superiores a 5% do capital social”. E acrescenta mesmo que não está em causa “uma matéria meramente teórica”, mas sim algo que “assume gravidade”. Nessa linha exemplifica, de forma explícita, com a celeuma no Reino Unido causada pela entrada da empresa de telecomunicações no capital da Vodafone, por fornecer “tecnologia sensível a departamentos e agências governamentais”.

    O regulador poderia ter optado por uma coima entre 25 mil e 125 mil euros. Acabou por escolher o valor médio: 75 mil euros, “dado o desvalor da conduta e a sua gravidade, o facto de a Arguida não mostrar qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática da infração e da culpa”.


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  • Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Nesta campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, os chamados ‘pequenos partidos’ têm clamado ainda mais forte contra a discriminação das televisões, porque ao contrário do que sucede geralmente nas eleições para a Assembleia da República, desta vez os convites não foram endereçados apenas para os partidos com eurodeputados, alargando-se ao Livre, Iniciativa Liberal e Chega. Alguns partidos sentiram-se discriminados e apresentaram queixas ou mesmo providências cautelares – como sucedeu com o ADN, RIR e Volt Portugal. No caso deste último partido, foi alegado que, sendo federalista, deveria ter sido contabilizado um eurodeputado alemão eleito em 2019. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não lhe deu razão, mas alertou para a falha da revisão da lei, que deveria ter sido feita em 2016, e da necessidade de encontrar soluções para uma melhor equilíbrio na cobertura mediática das diversas campanhas. O PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que, tanto nas anteriores legislativas como agora nas europeias, endereçou convites a todos os partidos para a realização de uma entrevista. Tudo isto sucede poucos dias depois dos 5o anos da Revolução dos Cravos.


    Aumentam as críticas dos pequenos partidos contra os critérios editoriais das televisões de inclusão dos debates para as europeias. Embora a Constituição preveja igualdade de tratamento, uma legislação criada no final do primeiro Governo de Passos Coelho em 2015, em vésperas das eleições que dariam início ao primeiro Governo de António Costa, abriu caminho à discriminação partidária, definindo que os órgãos de comunicação social deveriam convidar para os debates não apenas os partidos com “representação [obtida] nas últimas eleições” relativas ao órgão em causa (neste caso, o Parlamento Europeu), mas abrindo a possibilidade de incluírem “no exercício da liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover”.

    A polémica lei entrou em vigor para a campanha das legislativas de 2015 – que teve como principais opositores Pedro Passos Coelho e António Costa, e que depois daria origem à ‘geringonça’ – mas estava prevista uma revisão daí a um ano. Nunca foi revista, apesar de três eleições legislativas e duas eleições (com a próxima) para a Europa.

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    Na actual campanha para as eleições ao Parlamento Europeu, tem sido a aplicação desta norma legal que a causar sucessivas críticas e queixas dos pequenos partidos junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), porque as televisões generalistas (RTP, SIC, TVI e CMTV) decidiram incluir nos debates a quatro apenas os cabeças-de-lista dos partidos com assento no Parlamento Europeu (como seria obrigatório por lei), acrescentando, desta vez, também os principais candidatos da Iniciativa Liberal, Livre e Chega, que não conseguiram eleger qualquer eurodeputado em 2019. A representatividade na Assembleia da República terá sido o critério editorial para esse acréscimo, que objectivamente acaba por ‘afastar’ do enfoque mediático outros partidos sem representatividade no hemiciclo da União Europeia.

    Mas tanto as queixas para a CNE como para a ERC – para além de uma providência cautelar apresentada pela Alternativa Democrática Nacional (ADN), que tem como cabeça-de-lista Joana Amaral Dias –, têm caído em saco roto. Até agora, as decisões concluem que a lei de 2015 não viola a Constituição, e independentemente das questões éticas por detrás das opções dos órgãos de comunicação social, supostamente não subsistirá nenhuma ilegalidade.

     Mas a queixa formulada pelo Volt Portugal, junto da CNE, que a encaminhou para a ERC, originou uma deliberação do regulador dos media, divulgada hoje, que mostra bem o incómodo de uma lei absolutamente discriminatória, no sentido lato do termo. Com efeito, o Volt Portugal assume-se como integrante de um partido federalista europeu, e nessa medida o Volt Alemanha conseguiu eleger em 2019 um eurodeputado, Damian Boeselager. Ou seja, segundo a interpretação do Volt Portugal, o seu cabeça-de-lista nacional deveria ter sido convidado para os debates a quatro, não por liberalidade editorial mas por cumprimento da lei.

    Debates televisivos para as Europeias incluíram apenas alguns partidos sem eurodeputados, mas excluíram o Volt Portugal que alega que o partido federalista que integra tem um eurodeputado, eleito pelo Volt Alemanha.

    Contudo, o Conselho Regulador da ERC – cujos membros são nominalmente indicados pelo PS e PSD, com excepção de um que é cooptado – considerou que, apesar das eleições se realizaram para o Parlamento Europeu no mesmo período em todos os países comunitários, “o Volt Portugal é um partido político nacional e, por isso, pode concorrer às eleições europeias, no círculo eleitoral português, aplicando-se-lhe as mesmas regras que são aplicadas aos restantes partidos políticos portugueses, independentemente das afiliações, entendimentos ou alianças políticas que cada partido possa ter a nível internacional”. E, nessa linha, como a partir de Portugal o Volt não obteve qualquer eurodeputado em 2019, “é defensável que o critério invocado não se aplique ao Queixoso [Volt Portugal]”.

    Em todo o caso, a ERC destaca que a lei de 2015 até já deveria ter sido revista em 2016,o que nunca sucedeu, uma vez que estava prevista, num dos artigos, a sua modificação no prazo de um ano. Ou seja, esta lei apenas deveria estar em vigor durante um ano. Além disso, o regulador diz que já tem encorajado “vivamente os diferentes órgãos de comunicação social a que considerem a participação do universo das candidaturas nos diferentes debates que organizem, nos seus vários formatos, à luz dos princípios do pluralismo e da diversidade”, algo que tem caído em saco roto. A generalidade dos órgãos de comunicação social de maior dimensão nem sequer concede entrevistas a todos as candidaturas. O PÁGINA UM foi, aliás, o único órgão de comunicação social que lançou convites a todos os partidos para uma entrevista nas anteriores legislativas (PSD, PSD, Bloco de Esquerda e Livre não aceitaram então), e está a repetir essa iniciativa com todos os cabeças-de-lista.

    Curiosamente, na entrevista de hoje do PÁGINA UM será com o cabeça-de-lista do Livre, Francisco Paupério – que teve um comportamento contrário ao de Rui Tavares, nas legislativas, aceitando o convite –, a questão da igualdade de tratamento de candidaturas foi um dos aspectos abordados. Para Francisco Paupério – que surge com hipóteses de ser eleito em recentes sondagens –, “há uma discrepância muito grande na comunicação social” na cobertura jornalística dos partidos “que deve ser corrigida”, defendendo que “não devemos dar só primazia a quem já tem representação parlamentar”. Eleito nas primárias do Livre, Paupério diz que “a mensagem” dos partidos aceites pelo Tribunal Constitucional “também tem de passar mais na comunicação social.”

    Francisco Paupério, cabeça-de-lista do Livre, tenta uma eleição inédita para o seu partido. Foi convidado para os debates televisivos, apesar de o Livre ainda não ter eurodeputados, e defende a igualdade de tratamento nas campanhas.

    A questão da igualdade de oportunidades e, concomitantemente, na cobertura jornalística dos diversos partidos não é, porém, uma questão assim tão cristalina como parece à primeira vista, mesmo se consagrada na Constituição, e aparentemente ‘contrariada’ pela lei de 2015. “Desde que haja um fundamento material para a diferenciação de tratamento”, neste caso a questão da representação parlamentar e a liberdade editorial, “o Tribunal Constitucional, em princípio, não deve censurar as opções do legislador”, defende José Melo Alexandrino, constitucionalista e professor aposentado da Universidade de Lisboa.  

    Para o também colunista do PÁGINA UM, “a principal função da igualdade é a de exigir um fundamento racional ou suficiente para as diferenciações de tratamento, desenvolvendo, além disso, também funções heurísticas [procedimentos mentais simples para respostas adequadas], instrumentais, promotoras e de controlo”. Quanto à questão da norma que determinava que a lei de 2015 deveria ser revista no prazo de um ano, Melo Alexandrino diz que esse incumprimento não torna a legislação inválida: “São artigos de leis para inglês ver; há leis que estão por rever durante 30 anos”.


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