Categoria: Imprensa

  • Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Numa ‘guerra fraticida’ que tem ‘liquidado’ a credibilidade dos títulos da Global Media, os quatro sócios da empresa maioritária, a Páginas Civilizadas – onde ainda se insere o fundo das Bahamas ‘chumbado’ pelo regulador por questões de transparência –, acharam por bem arranjar um local expedito enquanto decorrem as negociações entre Marco Galinha e o World Opportunity Fund para uma saída airosa de um negócio rocambolesco. Não é um ‘vão de escada’; mas é uma ‘caixa de correio’ num espaço de cowork, em open space, no primeiro piso de um prédio no Saldanha. O PÁGINA UM foi visitar o espaço, enquanto se anunciava a nomeação dos novos administradores da Global Media e se retirava da discussão um aumento de capital de cinco milhões de euros. Perspectiva-se assim um rápido desmembramento do grupo de media, restando saber quem fica com a dívida de 7,5 milhões de euros ao Estado e com o Diário de Notícias, que vende menos de 1200 exemplares em banca.


    No epicentro de uma ‘guerra’ de accionistas sobre a gestão da Global Media, a accionista maioritária – a Páginas Civilizadas, ainda controlada pela World Opportuny Fund, em negociações com o Marco Galinha para a sua saída desta empresa – está remetida não para uma sede de ‘vão de escada’, mas quase.

    Depois da demissão no final de Janeiro de José Paulo Fafe de CEO da Global Media, cargo para o qual tinha sido indicado pelo fundo das Bahamas, os sócios da Páginas Civilizadas – WOF (51%), Grupo Bel (10,21%), Norma Erudita (28,57%) e Palavras de Prestígio (10,22%) – não encontraram melhor solução do que meter a sede social no primeiro andar do número 6 da Avenida da República, em Lisboa, saindo do Taguspark.

    Nova sede da Páginas Civilizadas, accionista maioritária da Global Media, no número 6 da Avenida da República, num ‘cowork’, que lhe serve apenas para receber correspondência.

    A localização parece bastante central, tem mesmo uma saída do metro do Saldanha literalmente à porta, mas trata-se de um movimentado cowork gerido pela Avila Spaces, com um open space e algumas salas de reunião para entre cinco e 10 pessoas. Mas o uso que a Páginas Civilizadas tem neste cowork, segundo apurou o PÁGINA UM, que visitou o local esta tarde, será apenas o de escritório virtual, um serviço que custa entre 60 e 87 euros por mês. O valor mínimo permite a recepção de correspondência e o uso de morada para efeitos de sede social. Foi no passado dia 9 que os sócios da Páginas Civilizadas – que tem um capital social de cerca de 2,8 milhões de euros – passaram a assumir o cowork da Avila Spaces como sede social.

    Recorde-se que, conforme o PÁGINA UM revelou em investigação feita em Outubro do ano passado, a Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, começando por ter a sua sede no mesmo edifício do Grupo Bel. Aliás, serviu desde sempre como veículo financeiro para Marco Galinha estar na Global Media. Ao contrário de Kevin Ho e João Pedro Soeiro – os outros dois accionistas de referência –, Marco Galinha nunca quis ser accionista directo da Global Media, metendo o dedo através da Páginas Civilizadas, permitindo assim uma contabilidade ‘paralela’.

    Tanto assim que, apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta, a Páginas Civilizadas apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.

    Localização da sede da Páginas Civilizadas é excelente: tem à porta, literalmente, uma saída (e entrada) para o metropolitano do Saldanha.

    A entrada do WOF em Setembro do ano passado trouxe apenas uma redefinição da estrutura accionista da Páginas Civilizadas, que dois meses antes, em 21 de Julho,  já sofrera alterações indirectas, por via da compra por Marco Galinha das participações detidas na Palavras de Prestígio pela Parsoc e Ilíria.

    Estas duas empresas, curiosamente, colocam-se agora como a solução para a crise da Global Media, integrando o ‘consórcio’ de interessados na compra do Jornal de Notícias, O Jogo, Revistas JN História, Notícias Magazine, Evasões e Volta ao Mundo. As duas últimas revistas são já, actualmente, propriedade da Palavras de Prestígio, no seguimente do acordo em Setembro passado com a WOF.

    Certo é que a situação financeira da Páginas Civilizadas estará agora em piores condições do que no final de 2022, meses antes da aquisição da maioria do capital pelo WOF, que agora estará a tentar desfazer-se do investimento depois da decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em lhe retirar os direitos de voto por causa da Lei da Transparência dos Media. Em 2022, o passivo da Páginas Civilizadas era de 6,1 milhões de euros.

    Marco Galinha fundou a Páginas Civilizadas em 2020, e em 2022 já ia com um passivo de mais de seis milhões de euros. A empresa começou por estar sediada no edifício do Grupo Bel, passou depois para o Taguspark (com a compra da quota maioritária pelo fundo das Bahamas) e agora acaba de se ‘estabelecer’ num movimentado cowork em pleno Saldanha.

    A nomeação de uma nova administração da Global Media – onde pontifica como CEO o ex-padre Vítor Coutinho, antigo vice-reitor do Santuário de Fátima – deixa mais dúvidas do que certezas quanto ao destino da Global Media como grupo íntegro, sobretudo porque caiu, na ordem de trabalhos da assembleia geral de hoje, um aumento de capital de cinco milhões de euros para atenuar mais um ano de prejuízos.

    Ganha assim força um desmembramento a curto prazo da Global Media, com a venda dos títulos que, do ponto de vista da contabilidade analítica, ainda dão lucro, com o Jornal de Notícias á cabeça. Isso pode significar, se as autoridades de regulação o permitirem, que a Global Media fique apenas com os títulos com prejuízo e economicamente inviáveis, como o Diário de Notícias (que vende menos de 1200 exemplares diários em banca), me ainda grande parte do passivo, entre o qual se encontra uma dívida assumida de 7,5 milhões ao Estado e mais 647 mil euros de serviços à Lusa não pagos.


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  • World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas confirma-se duas semanas depois: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retrou os direitos de voto ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, a Global Media. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência.


    Era a decisão esperada, já antecipada pelo PÁGINA UM no passado dia 31 de Janeiro, e saiu esta noite: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retirou os poderes de voto ao World Opportunity Fund, o fundo de investimentos das Bahamas que, através da empresa Páginas Civilizadas, controla a Global Media, detentora, entre outros, dos periódicos Diário de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF. O fundo das Bahamas ainda terá 15 dias para recorrer dessa decisão para se tornar definitiva.

    É a primeira vez que o regulador toma esta posição que, na prática, concede aos restantes accionistas da empresa de media (João Pedro Soeiro e Kevin Ho) o total controlo dos destinos sem qualquer intervenção da Páginas Civilizadas. Por ironia, o empresário Marco Galinha, que continua a querer assumir um papel de charneira na resolução da crise financeira do grupo de media, com a decisão da ERC também perdeu, formalmente, o direito de intervir em decisões magnas, uma vez que a sua participação na Global Media é indirecta, através da Páginas Civiizadas.

    Recorde-se que a estrutura accionista da Global Media não se modificara com a entrada do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas; na verdade, a única alteração societária, que veio da descambar numa ‘tempestade mediática’, resultou na decisão de Marco Galinha em vender, em Setembro do ano passado, uma parte substancial da sua quota na Páginas Civilizadas, permitindo, ademais, que o World Opportunity Fund nomeasse dois dos seus três gerentes da empresa que já era a principal accionista da Global Media.

    No comunicado divulgado esta noite – e ainda a tempo de influir na assembleia geral da Global Media marcada para a próxima segunda feira, conforme o PÁGINA UM já antecipara –, a ERC salienta que “não sendo sanadas as dúvidas” colocadas sobre os investidores do World Opportunity Fund, se declarou uma “falta de transparência”. Nesses termos, e de acordo com a legislação, “os termos do artigo 14.º, n.º 4, da Lei da Transparência, a partir desta publicitação formal, “no limite das consequências legalmente previstas, ficará ‘imediata e automaticamente suspenso o exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada em causa’” do fundo das Bahamas, “até que a situação de falta de transparência da titularidade das participações qualificadas se encontra corrigida”.

    Conforme noticiado no final de Janeiro, o PÁGINA UM tivera acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado pelo então representante do World Opportunity Fund em Portugal, José Paulo Fafe, onde se justificava que a UCAP Bahamas detinha 0,002% do capital do fundo, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”.

    Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não [tinham] direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo. Porém, recusara-se a identificar os investidores que, de acordo com a estrutura deste tipo de fundos, seriam, no máximo, 50 pessoas ou instituições.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário de José Paulo Fafe sobre esta matéria, mas não foi possível. Aliás, o antigo CEO da Global Media, que se demitiu em 31 de Janeiro, já nem sequer é o representante do fundo das Bahmas desde o passado dia 3 de Fevereiro, sendo que quem responderá agora será Clement Ducasse. Na verdade, tanto Fafe como o outro gerente nomeado pelo World Opportunity Fund, Filipe Nascimento, renunciaram aos cargos da Páginas Civilizadas, não se sabendo ainda se o fundo das Bahamas já os substituiu. Marco Galinha é o terceiro gerente, em minoria, da Páginas Civilizadas, por via de ser o sócio com maior participação naquela empresa a seguir ao World Opportunity Fund.


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  • ERC considera lícito detalhes mórbidos de crimes de ‘faca e alguidar’ em programas da manhã

    ERC considera lícito detalhes mórbidos de crimes de ‘faca e alguidar’ em programas da manhã

    Descrições macabras de um homicídio e afirmações sobre uma alegada maior prevalência da violência em casais homossexuais numa rubrica criminal integrada num programa matinal da SIC, então apresentado por Cristina Ferreira há cinco anos, teve agora um epílogo. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou não ser afinal chocante o uso dessa linguagem se for enquadrada por especialistas, mas em 2020 o anterior conselho regulador tecera críticas contundentes à SIC, também por usar jornalistas em programas de entretenimento, e acusou mesmo Hernâni Carvalho de deturpar um estudo, alimentando os mitos em redor da violência entre casais homossexuais.


    Cinco anos depois dos factos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) arquivou um processo de contra-ordenação contra a SIC aberto em 2020 por uma rubrica de crimes, integrada no então programa matinal de Cristina Ferreira, detalhar um homicídio envolvendo um casal homossexual, onde se chegou a afirmar que “as relações homossexuais têm um tipo de violência muito maior”. A decisão foi tomada no final do mês passado e divulgada hoje.

    O novo conselho regulador, agora presidido por Helena Sousa, veio assim contrariar a interpretação do anterior conselho, então presidido pelo juiz Sebastião Póvoas – e então ainda com Mário Mesquita como vice-presidente –, que instaurara um processo contra o canal televisivo do Grupo Impresa por, sendo orientado por jornalistas, a rubrica sustentar-se em comentários e descrições macabras, além de se ter tecido comentários susceptíveis de discriminação por orientação sexual, e até divulgados “a morada completa e por escrito da vítima, bem como outros dados pessoais dos visados”.

    Em causa estava a rubrica “Crónica Criminal” de 14 de Fevereiro de 2019, integrada no “Programa da Cristina”, num modelo que a ERC então criticou por constituir “a inserção de um conteúdo ou género jornalístico num programa anunciado como pertencendo ao macrogénero ‘entretenimento’”, imprimindo-lhe assim “um carácter híbrido, tornando mais escorregadias as fronteiras entre os géneros discursivos talk-show e entrevista jornalística e funções a que estão associadas”.

    Na rubrica daquele dia, apresentada pelo jornalista Luís Maia (que não tem actualmente a carteira profissional activa), esteve em debate um homicídio no seio de um casal homossexual, pormenorizando-se repetidamente o número de facadas e outros pormenores mórbidos, algo que o regulador em 2020 considerou não ser compatível com um programa matinal classificado para todas as idades.

    Porém, mais do que isso, um dos comentadores, o também jornalista Hernâni Carvalho (actualmente com carteira activa), mas apresentado como especialista em Psicologia Forense, fez considerações sobre uma alegada maior violência nas relações homossexuais. Na sua intervenção, Hernâni Carvalho referiu textualmente que «as relações homossexuais têm um tipo de violência muito maior», algo que em 2020 a ERC considerou que “pode ser entendida como dando corpo a uma visão estereotipada, construindo definições generalizadoras sobre determinados comportamentos sociais”.

    Em 2020, ERC foi bastante crítica na mistura do género jornalístico em programas de entretenimento. O Programa da Cristina integrava uma rubrica criminal com dois jornalistas.

    Com efeito, na sua primeira análise em 2020, o regulador é bastante crítico sobre a postura de Hernâni Carvalho por aquele até ter alegado que a sua afirmação se basearia num estudo concluído em 2006 intitulado “Mitos e estereótipos sobre a violência nas relações homossexuais”. A ERC constatou que, afinal, “os comentadores e em particular Hernâni Carvalho produziu “um discurso que é totalmente divergente e mesmo contrário às conclusões [desse] estudo em que se diz basear, apesar de recorrer a números que o estudo indica, para depois deturpar por completo o seu sentido”.

    E a ERC ia em 2020 ainda mais longe nas críticas, ao dizer que “Hernâni Carvalho não apenas retira do estudo conclusões que ele não tem, como insiste no reforço dessa conclusão com a afirmação de que ‘nos casais homossexuais, há testosterona do mesmo nível nos dois lados’, e que isso justifica a mais elevada intensidade da violência”, quando “esse argumento, reiterado pela apresentadora, está totalmente ausente do estudo com que pretende justificar a sua argumentação”. E o regulador concluía então que “apesar da referência ao estudo e dos elogios a uma das suas autoras [Carla Machado], o comentador deturpou completamente as suas conclusões, tendo inclusivamente reforçado aquilo que o próprio estudo refere como ‘Mitos e estereótipos sobre a violência nas relações homossexuais’, exatamente o que, de acordo com o estudo, se deve evitar”.

    Além de tudo isto, na deliberação de 2020, com 18 páginas, o regulador considerava ainda que “a linguagem utilizada, por todos os intervenientes na ‘Crónica criminal’ (jornalista, apresentadora e comentadores), consubstanciado a exploração de um acontecimento dramático, violento e chocante, prende a atenção dos espectadores, sem séria ponderação das respetivas implicações no plano da violação da dignidade humana e da intimidade da vítima, uma inobservância dos princípios ético-legais que regem a prática do jornalismo e tem por fim acicatar o estímulo ao voyeurismo através de um sensacionalismo reprovável, tido por eficiente na captação do ‘interesse’ do espectador, o que é particularmente grave na peça jornalística apresentada”.

    Interpretação da ilicitude pela ERC modificou-se com a entrada do novo Conselho Regulador, agora presidido por Helena Sousa.

    Contudo, apesar do rol de acusações feitas na deliberação de 22 de Abril de 2020, e que abriu então o processo de contra-ordenação por violação da Lei da Televisão, o caso foi-se arrastando. Na deliberação hoje publicada, e votada por unanimidade pelo novo conselho regulador, destaca-se que a única questão abordada no processo de contra-ordenação acabou por ser a inserção da rubrica criminal e da linguagem usada num programa matinal.

    Ora, o novo conselho regulador considerou quem apesar de naquela rubrica em 2019 ter sido feita uma “descrição verbal de um crime desacompanhada de imagens gráficas de violência extrema”, o tema “teve o devido enquadramento por especialistas no espaço de comentário que se seguiu, e que as expressões utilizadas não são sequer apresentadas de forma enfatizada, detalhada ou evidenciada e foram emitidas no final da manhã de um dia de semana (quinta-feira) – e não, por exemplo, no intervalo de programas infantojuvenis”. Para a ERC isso foram “circunstâncias que contribuem para formar a convicção sobre a baixa probabilidade de a sua visualização ser suscetível de ter repercussões ou efeitos graves em crianças ou adolescentes”.

    Caso fosse condenada, a SIC poderia ter de pagar uma coima entre os 20 mil e os 150 mil euros.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário de Hernâni Carvalho sobre este caso e a decisão definitiva da ERC, mas ainda não obteve resposta.


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  • ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    A demissão de José Paulo Fafe da liderança executiva da Global Media – que detém os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e ainda a rádio TSF – abre portas à ‘bomba atómica’ nunca usada antes pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social: a suspensão dos direitos de voto do World Opportunity Fund. O PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados pelo fundo das Bahamas ao regulador, onde se persiste em não identificar o nome dos investidores, permitindo assim à entidade liderada por Helena Sousa não apenas retirar os direitos de voto à UCAP Bahamas (que gere o WOF) como também confiscar os bens patrimoniais. Resta saber como reagirá o WOF, que aparentemente já investiu 12 milhões de euros na Global Media.


    Foram cinco atribulados meses, e hoje mais um episódio se concluiu, e com o habitual estrondo: José Paulo Fafe, CEO da Global Media indicado pelo World Opportunity Fund (WOF) – o fundo de investimento das Bahamas que controla este grupo de media – demitiu-se das suas funções de presidente da comissão executiva (CEO). Em comunicado, o antigo jornalista que era a única face visível do WOF justifica a demissão por “considerar estarem esgotadas as condições para exercer essas funções, nomeadamente os pressupostos essenciais, nomeadamente o necessário entendimento entre acionistas, para levar a cabo a reestruturação editorial que há muito este grupo necessita, único caminho possível para o reposicionamento dos seus principais títulos e marcas, condição indispensável para o seu crescimento e expansão.“

    Fafe estava já completamente isolado num Conselho de Administração que perdeu, desde Dezembro, cinco membros: Filipe Nascimento, Paulo Lima Carvalho, Victor Menezes, Diogo Agostinho e Carlos Beja. Na verdade, resta agora apenas o presidente (não-executivo), Marcos Galinha, apesar de deter uma posição na Global Media de forma indirecta e sem direito sequer a voto, uma vez que é parceiro minoritário (49%) do WOF na empresa Páginas Civilizadas. Ou seja, o empresário do Grupo Bel não tem, em teoria, qualquer voz activa, porquanto o fundo das Bahamas possui dois dos três gerentes na Páginas Civilizadas, pelo que é a posição maioritária nessa empresa a ser levada a uma assembleia geral da Global Media.

    José Paulo Fafe demitiu-se hoje de CEO da Global Media, mas não revela as intenções do World Opportunity Fund que arrisca muito perder os direitos de voto e ter mesmo os bens ‘confiscados’.

    No entanto, embora se ignore ainda se José Paulo Fafe se manterá como gerente das Páginas Civilizadas – que continua a ser o accionista maioritário da Global Media –, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está na iminência de retirar os direitos de voto do WOF, uma vez que o fundo de investimento mantém a recusa de divulgar a lista nominativa dos seus investidores.

    Com efeito, o PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado na quarta-feira da semana passada – e que está em análise por um núcleo muito restrito de pessoas que integram o regulador – onde Fafe justifica que a UCAP Bahamas detem 0,002% do capital da WOF, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”. Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não têm direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo.

    No entanto, o PÁGINA UM sabe que a ERC não vai aceitar como válidos estes argumentos, sobretudo porque como o WOF mantém a intenção de não revelar a lista nominativa de investidores – que serão 50, no máximo, conforme se revelou em primeira mão no passado dia 9 – estará a violar claramente a Lei da Transparência dos Media. Além disso, de forma clara, também o WOF não está a cumprir as regras da identificação do beneficiário efectivo, tendo indicado Clement Ducasse como seu administrador, mas sem acrescentar qualquer “beneficiário da entidade“.

    Com efeito, este diploma de 2015 determina que qualquer pessoa ou entidade tem de declarar num portal gerido pela ERC uma participação “igual ou superior a 5% do capital social ou dos direitos de voto de entidades que prosseguem actividades de comunicação social”. Ora, se a UCAP Bahamas declara porque detém direitos de voto acima de 5% (na verdade, a totalidade), o próprio fundo – que tem, aliás, um número de identificação fiscal em Portugal –, também terá de demonstrar que não há ninguém de entre os investidores do WOF (empresa ou pessoa) que tenha mais de 5% do capital.

    A persistência do WOF em ‘esconder’ algum ou alguns dos investidores pode assim custar-lhe bem caro, porque a ERC está na iminência de usar a ‘bomba atómica’ nunca antes usada (mas explicitamente prevista) na Lei da Transparência dos Media: a suspensão imediata do “exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada” do WOF. E basta uma publicação no site a anunciar formalmente dúvidas sobre os investidores.

    Ou seja, a concretizar-se a aplicação deste normativo, o fundo das Bahamas deixará sequer de poder votar – abrindo assim as portas ao controlo tripartido da Global Media por parte de Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho –, e até ficará sujeito a uma espécie de ‘confisco temporário’ de bens, uma vez que a lei determina que os direitos patrimoniais “que caibam à participação qualificada afetada são depositados em conta individualizada aberta junto de instituição de crédito habilitada a receber depósitos em território português, sendo proibida a sua movimentação a débito enquanto durar a suspensão”.

    Segundo o PÁGINA UM apurou, uma decisão do regulador deverá ser tomada ainda antes do dia 19 de Fevereiro, data de uma assembleia geral da Global Media, agendada pelo seu presidente, o advogado Fernando Aguilar de Carvalho, que curiosamente tem as mesma funções no Banco Atlântico Europa. Formalmente, a ERC adiantou ao PÁGINA UM apenas que “não é possível para já apresentar uma data final para a tomada de decisão, face às diligências ainda em curso”. O vazio na Global Media com a saída de José Paulo Fafe será, com elevado grau de probabilidade, a ‘espoleta’ para uma decisão já nos primeiros dias de Fevereiro que se inicia amanhã.

    Recorde-se que esta instituição bancária suspendeu em meados de Dezembro passado as contas da Global Media, incluindo a retenção das contas da Vasp, invocando o impacte mediático do plano de reestruturação então anunciado por José Paulo Fafe. Saliente-se também que Aguilar de Carvalho é sócio da sociedade de advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho. Por sua vez, Daniel Proença de Carvalho foi, recorde-se também, presidente do Conselho de Administração da Global Media, tendo saído em Agosto de 2020. Foi durante a sua presidência no grupo de media que se concretizaria a venda da simbólica sede do Diário de Notícias, na lisboeta Avenida da Liberdade. Outra nota: sabendo-se que o WOF terá já feito entrar 12 milhões de euros, não será previsível que o assunto Global Media se pacifique nos próximos tempos.


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  • Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços

    Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços


    A Agência Lusa deixou a sua accionista minoritária, a Global Media, acumular dívidas de serviços noticiosos até chegar aos 647 mil euros. E nunca teve suspensão da subscrição nem lhe foi aplicadas acções de execução, como sucede com outras empresas detentoras de órgãos de comunicação social. Joaquim Carreira, presidente da empresa de capitais maioritariamente públicos, garante, porém, que não haverá qualquer perdão, e que se se mantiver essa dívida poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.


    São 647 mil euros, cerca de metade da dívida de clientes. A Agência Lusa diz que não vai perdoar a dívida da Global Media por serviços noticiosos e fotográficos usados pelos seus órgãos de comunicação social, como o Jornal de Notícias, e que deixaram de ser pagos.

    A garantia foi dada ao PÁGINA UM por Joaquim Carreira, presidente da administração da agência noticiosa de capitais maioritariamente públicos (50,15% detido pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças), e que tem, entre outros accionistas muito minoritários (Empresa do Diário do Minho, NP, Público e RTP), a própria Global Media e a Páginas Civilizadas com participações relevantes (23,36% e 22,35%)

    Recordando que a “liquidação da dívida era uma das condições do negócio que não se concretizou em 30 de Novembro do ano transato” – quando a Global Media e a Páginas Civilizadas tentaram vender as suas participações ao Estado, mas que não avançou alegadamente por falta de consenso político –, Joaquim Carreira assegura que “desde esse momento e sem prejuízo da instabilidade interna e mediática que o grupo GMG [Global Media] tem vivido, e do período das festividades, foram efetuados contactos, com o administrador financeiro [daquela empresas] para regularizar a divida vencida não liquidada”.

    Essas tentativas surgem, aliás, no seguimento de um plano de regularização assinado pelos anteriores administradores da Global Media no início de 2023, que segundo fonte da Global Media está a ser paga, embora o PÁGINA UM não tenha conseguido confirmar. A Agência Lusa não responde em concreto à pergunta do PÁGINA UM sobre se está a ser ponderada a suspensão dos serviços aos periódicos da Global Media se se mantiver essa dívida, acrescentando apenas que se poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.

    Além das compensações atribuídas pelo Estado à Agência Lusa, que ultrapassaram os 13,4 milhões de euros em 2022, a venda de serviços noticiosos a outros órgãos de comunicação social é uma importante fonte de receita. Em 2022 atingiu cerca de 3,8 milhões de euros em serviços, sendo que cerca de metade proveio dos denominados grandes órgãos de comunicação social (GOCS). As subscrições têm, contudo, diminuído por força da crise financeira dos media. Neste momento, para diversos serviços da Lusa, no final de 2022 havia um total de 300 subscrições de órgãos de comunicação social, quando no ano anterior eram 353.

    Joaquim Carreira, presidente da Agência Lusa, garante que não haverá perdão da dívida à Global Media.

    No último relatório e contas da Agência Lusa fala-se mesmo da “consistente pressão de renegociação em baixa dos contratos existentes”. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, avançou que, caso se tivesse concretizado a compra das participações da Global Media e Páginas Civilizadas, era intenção do Governo disponibilizar gratuitamente os serviços da Lusa aos outros órgãos de comunicação social, reforçando a compensação em seis milhões de euros.

    Embora o PÁGINA UM não tenha conseguido apurar desde quando Global Media começou a deixar acumular a dívida à Lusa, certo é que a empresa pública nunca suspendeu o acesso aos periódicos da Global Media nem sequer intentou, nos anos mais recentes, acções executivas. Em 2022, a agência Lusa tinha em curso seis processos para cobrança de dívidas em contencioso no valor de 166 mil euros, a maior das quais contra o Diário dos Açores no valor de quase 55 mil euros.

    Porém, ao longo dos anos, a Agência Lusa teve de assumir imparidades no valor de 505.779 euros por se ter mostrado impossível cobrar as dívidas de clientes, dos quais mais de 118 mil euros em 2021. Não foi possível saber se algum deste montante se deveu a ‘perdões’ à Global Media, que parece ter beneficiado de ser accionista da agência noticiosa pública.


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  • Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros

    Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros


    Por mais congressos apologéticos, apoios públicos que se clame, e bateres de peito sobre credibilidade, o cenário da transparência dos media mostra-se aterrador. O Portal da Transparência dos Media – que serve não apenas para identificar accionistas e sócios de empresas de media, mas também para saber quem, na sombra, pode influenciar linhas editoriais, quer emprestando dinheiro, quer não cobrando dívidas, quer sendo um cliente relevante – é uma anedota. Depois de ter já apanhado a Global Media, a Trust in News, a Inevitável e Fundamental (Polígrafo) e a Parem as Máquinas (Tal&Qual) na ‘rede de mentiras’ que inunda este portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o PÁGINA UM apanhou mais um caso: a Observador On Time, dona do Observador. Além de injectar sucessivos ‘balões de oxigénio’ sob a forma de aumentos de capital, a empresa pediu relevantes empréstimos bancários em 2020, que nunca declarou no Portal da Transparência dos Media. Além disso, no registo do beneficiário efectivo nem sequer consta o nome do (suposto) principal accionista, Luís Amaral, e até os dados do presidente do Conselho de Administração, António Carrapatoso, estão errados.


    A Observador On Time, detentora do jornal digital e da rádio Observador, é mais uma das empresas que omite dados financeiros relevantes no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Este é o quinto caso detectado pelo PÁGINA UM nos últimos meses de erros e omissões de informação relevante em termos de transparência e de relevância económica e financeira, apanhando sempre o regulador a ‘ver navios”.

    Numa análise do PÁGINA UM às últimas demonstrações financeiras conhecidas, relativas ao ano de 2022, o Observador On Time – que também tem participações na empresa Cinco Um Zero (em parceria com uma empresa do comentador e ex-jornalista João Miguel Tavares) e na Rádio Baía – tinha um passivo de cerca de 2,9 milhões de euros, identificando-se, porém, na declaração da informação empresarial simplificada (IES), valores de empréstimos bancários junto do Millenium BCP e da Caixa Geral de Depósitos que ultrapassam em muito a fasquia dos 10% do passivo.

    A lei da transparência dos media obriga à identificação das entidades que detenham mais de 10% do passivo total, de modo a ser conhecida a eventual existência de dependências financeiras para além da dos próprios accionistas ou sócios. Ou seja, ao contrário do que possa ser transmitido para a opinião pública, não são apenas os sócios ou accionistas (detentores dos capitais próprios) que podem eventualmente influenciar uma linha editorial, mas também os detentores relevantes do passivo, quer sejam instituições financeiras, obrigacionistas ou até o Estado (por via de dívidas fiscais ou de Segurança Social).

    Exemplo flagrante disso é a Trust in News, detentora da revista Visão e de mais 16 títulos: Luís Delgado é o único sócio da empresa, mas os capitais sociais só representam 0,12% do activo. O resto está nas ‘mãos’ de bancos, da própria Impresa (de Pinto Balsemão), de fornecedores e até do próprio Estado. A Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do passivo da Trust in News, ou seja, 11,4 milhões de euros, como revelou o PÁGINA UM em primeira mão em Julho do ano passado.

    No caso do Observador on Time, a situação não se mostra tão dramática em comparação com a Trust in News (e também a Global Media), sobretudo porque os accionistas, em grande número, têm realizado sucessivos aumentos de capital nos últimos anos. Só no ano passado foram dois, num valor total de 2,1 milhões de euros, acompanhados principalmente pela Amaral y Hijas Holding, do empresário Luís Amaral, que já se terá tornado, entretanto, o accionista maioritário com 54,57% do capital social e 52,56% dos direitos de voto – de acordo com a informação constante, neste momento, no Portal da Transparência dos Media.

    No entanto, conforme consta no mais recente IES, “em 2020 o Observador obteve dois empréstimos genéricos de financiamento à atividade empresarial”, revelando-se, além de garantias financeiras, um empréstimo específico do Millenium BCP de 500.000 euros e outro de 1.000.000 euros proveniente da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘gere’ um portal da transparência ‘inundado’ de omissões e declarações falsas relevantes que escondem dívidas e interesses.

    Esses dois empréstimos surgem indirectamente reflectidos nos indicadores financeiros do Observador On Time relativos ao ano de 2020 no Portal da Transparência dos Media, uma vez que o passivo sobe para cerca de 3,64 milhões de euros, mais 1,8 milhões de euros do que no ano anterior. Mas apesar de, por via desses empréstimos, a CGD deter cerca de 27% do passivo da Observador On Time e o Millenium BCP cerca de 13%, a empresa omitiu essa informação na base de dados da ERC. O mesmo sucedeu em 2021 e também em 2022, mesmo se os empréstimos foram sendo amortizados.

    Analisando o IES de 2022, a empresa detentora do Observador, sem identificar outras instituições além das duas já referidas, indica que, no final desse ano, o valor do empréstimo corrente era de 521.050,29 euros (a pagar num prazo inferior a 365 dias) e não-corrente de 800.000 euros, o que indica que tanto a CGD, um banco público, como o Millenium BCP continuavam a deter mais de 10% do passivo.

    Um outro indicador que chama a atenção no mais recente balanço disponível – as contas de 2023 só estarão disponíveis em Julho próximo – é a dívida ao Estado por parte da Observador On Time, que era, em final de 2022, de um pouco mais de 300 mil euros, o que ultrapassa também a fasquia dos 10% do passivo total. Resta saber se esta dívida, que pode ser transitória, se aplicava apenas a uma única entidade estatal.

    Saliente-se que desde a sua fundação, em 2014, a empresa detentora do Observador nunca apresentou qualquer ano com lucro e acumulava prejuízos no final de 2022 de quase 8,4 milhões de euros. O descalabro financeiro só não se mostra evidente porque os accionistas têm injectado contínuos reforços sob a forma de aumentos de capital: desde 2018 foram já mais de 5,6 milhões de euros. Sendo certo que as receitas têm aumentado consideravelmente desde 2017, os resultados operacionais são ainda largamente negativos. Em 2020, para vendas e prestações de serviços de 6,6 milhões de euros, os resultados operacionais foram negativos em quase 590 mil euros, ou seja, um prejuízo mensal de quase 50 mil euros. A empresa declarou um número médio de 128 empregados em 2022.

    Prejuízos e aumentos de capital (em euros) da Observador On Time desde 2017. Resultados de 2023 ainda não são conhecidos. Fonte: ERC e Ministério da Justiça. Análise: PÁGINA UM.

    O PÁGINA UM contactou o Observador On Time, através do endereço que consta na identificação dos beneficiários efectivos – que, aliás, está completamente errada, omitindo mesmo o nome do accionista maioritário, e falseando as pequenas participações dos actuais administradores –, para obter esclarecimentos e informações, mas não obteve resposta.

    Instada a comentar mais uma situação de falsas declarações no Portal da Transparência dos Media, desta vez por parte do Observador On Time, a ERC diz que a empresa apenas “inseriu o Balanço e as Demonstração de Resultados, dos quais não constam os detalhes sobre os devedores constantes na IES”. Questionado sobre a sucessão de falsas declarações, o regulador defende que o reporte é da responsabilidade das empresas, e que as “verificações dos elementos comunicados [por parte da ERC são] realizadas por amostragem ou em sequência de exposição / denúncia”.

    Apesar de uma evidente passividade na gestão do Portal da Transparência dos Media – o PÁGINA UM, com simples análise ao IES (cuja obtenção custa 5 euros por cada exercício), detectou já erros ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual), e agora no Observador On Time –, a ERC garante que “sindicou cerca de 170 entidades”. Note-se que a Parem as Máquinas havia preenchido recentemente o registo de 2022, após um processo de contra-ordenação levantado pelo regulador, mas indicou dados que escondiam a situação de falência técnica. O caso foi mais uma vez detectado pelo PÁGINA UM, e a empresa só na última semana colocou os dados verídicos. Recorde-se que José Paulo Fafe, em audição no Parlamento, chegou a negar que a Parem as Máquinas, de quem foi sócio maioritário, estava em falência técnica. Mas está mesmo.

    António Carrapatoso, através da Orientempo é accionista da Observador On Time, e também seu presidente do Conselho de Administração. Porém, apesar de indicar no Portal da Transparência dos Media, que detém 7,83% das acções e 8,64% dos direitos de voto, no registo do beneficiário efectivo esse dados estão a zero. No passado dia 18 escreveu um ensaio no Observador sobre a situação dos media em Portugal.

    Porém, tendo sido pedido que referisse quantas irregularidades detectou e de que tipo, a ERC acrescenta apenas que os casos são “muito díspar[es] e com níveis de gravidade muito distintos”, acrescentando que “algumas situações podem resultar de meros lapsos/ desatenções, outras das entidades não conseguirem facultar informação tida como final em virtude de estarem numa fase de transição/ alteração da sua estrutura, e outras por inação deliberada dos mandatários”.

    Faltará aqui, nestes exemplos dados pelo regulador, os casos de ocultação de dívidas ao Estado e a dependência financeira a instituições bancárias ou de financiadores (clientes). O regulador presidido por Helena Sousa acrescenta ainda que “pela diversidade de situações, a ERC não procede a uma quantificação das regularidades e irregularidades que identifica”. Ou seja, nem sequer existe, nem sequer interessa que exista, uma noção concreta das flagrantes falhas de uma base de dados da transparência dos media que, na verdade, está a servir mais para ‘apanhar’ empresas mentirosas do que para revelar, de forma transparente, as finanças de um sector que, dia após dia, perde a sua credibilidade e reputação exactamente por não ser rigoroso na hora de fazer e mostrar as contas.


    N.D. O PÁGINA UM tem consciência de que, perante uma complexa miríade de normas e preciosismos absurdos exigidos pelo regulador (como, por exemplo, a necessidade de se inserir a morada do responsável editorial do jornal, e não do proprietário, na ficha técnica, o que obriga a que este registe que ‘mora’ na redacção para não divulgar publicamente o endereço da sua residência, como fui ‘obrigado’ a fazer pela ERC), podem ocorrer pequenas falhas ou lacunas no preenchimento dos registos do Portal da Transparência dos Media. Porém, curiosamente, os casos que o PÁGINA UM tem detectado não são, não podem ser, lapsos, tendo em conta a relevância da informação escondida e a dimensão das empresas. Mesmo sendo uma pequena empresa de media, o Página Um, Lda. – detentora do PÁGINA UM – jamais esconderia qualquer informação das suas demonstrações financeiras, porque isso é a base da sua confiança. Por isso, nunca sequer se imaginou, por exemplo, omitir que o irrelevante passivo de 804,60 euros a 31 de Dezembro de 2022 resultava apenas de IRS (porque não temos dívidas a fornecedores nem empréstimos) , ou seja, 100% do passivo (804,60 euros) nesse dia era ‘detido’ pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dívida que seria saldada nos dias seguintes, em Janeiro de 2023. Colocar essa informação pode ser considerada absurda, pelo contexto, mas dura lex, sed lex. E colocámos. Achar que uma empresa de media pode alegremente fazer falsas declarações ou omitir porque sim é, no cenário actual de descredibilização, só comparável com o laxismo do regulador, que acha que com ‘paninhos quentes’ a coisa passa. Não passa.


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  • Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF

    Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF


    Não é tanto um ‘dividir para reinar’, mas mais um ‘dividir para sobreviver’. O World Opportunity Fund abriu o jogo entre os accionistas directos e indirectos da Global Media: quer sair deste grupo e criar sozinho um novo, levando consigo o Diário de Notícias, a TSF, o Açoriano Oriental e outros títulos icónicos, que pretende ‘revitalizar’, entre os quais a Grande Reportagem. Para Marco Galinha e os accionistas minoritários da Global Media ficarão o Jornal de Notícias e O Jogo, e ainda as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira. O PÁGINA UM teve acesso a documentos internos, onde se garante que se as negociações chegarem a bom termo, o fundo das Bahamas paga de imediato os salários em atraso de Dezembro, no valor de cerca de um milhão de euros. Depois, tudo dividido, será ‘cada um por si’.


    Dividir para sobreviver. O World Opportunity Fund (WOF) quer desfazer-se do controlo da Global Media, através da cedência da sua posição na Páginas Civilizadas, tendo proposto, como contrapartida, ficar com o Diário de Notícias, a TSF e o Açoriano Oriental, bem como alguns títulos como o Motor24, o Tal & Qual e ainda o 24 Horas e a Grande Reportagem, já extintos.

    A proposta, segundo apurou o PÁGINA UM, terá sido já apresentada na semana passada em reunião de accionistas da Global Media, onde estiveram representantes do fundo das Bahamas e os empresários Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho. De acordo com o documento da proposta, o WOF manifesta a “disponibilidade (…) na cedência imediata da sua participação nas Páginas Civilizadas), adquirida em Setembro do ano passado, que incluirá não apenas o valor das quotas como também os suprimentos já concedidos à Global Media.

    Considerando as informações veiculadas este mês pelo seu representante e actual CEO da Global Media, José Paulo Fafe, o WOF terá investido 10,2 milhões de euros desde Setembro, significa assim que o fundo das Bahamas abre mão daquela verba e pretende uma divisão dos activos (e passivos) deste grupo de media.

    Em termos mais concretos, o PÁGINA UM sabe que a estratégia do WOF passa por criar um novo grupo de media, separando-se assim da Páginas Civilizadas e, portanto, da Global Media, que ficaria com o Jornal de Notícias e jornal desportivo O Jogo, bem como com as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira (11%). E sem haver, aparentemente, contrapartidas financeiras directas, já que o WOF assume que, além do valor da quota de 51% na Páginas Civilizadas (1,02 milhoes de euros), terá ainda feito suprimentos e assumido outras despesas que totalizam os 10,2 mihões de euros.

    Na prática, caso avance esta proposta, será a concretização do desmembramento de um dos maiores grupos de media do país, embora em profunda crise financeira nos últimos meses, designadamente salários em atraso e um programa de rescisão em curso de até 200 trabalhadores. Com a entrada do WOF em Setembro do ano passado, as revistas Evasões e Volta ao Mundo já tinham formalmente saído da esfera da Global Media, passando para a empresa Palavras de Prestígio, detidas apenas por Marco Galinha.

    Se avançar esta proposta do fundo das Bahamas – que nunca revelou o valor do seu portefólio, nem quem são os investidores principais de um instrumento financeiro apenas disponível a ricos –, o novo grupo garantirá a sobrevivência da empresa que detém a TSF – a Rádio Notícias – Produções e Publicidade – e as suas cinco subsidiárias (Difusão de Ideias, Notícias 2000 FM, Pense Positivo, Rádio Comercial dos Açores, TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, e TSF – Rádio Jornal Lisboa), assumindo as dívidas e o cumprimento do Regime Excepcional de Regularização Tributária, que atingem compromissos de cerca de 1,75 milhões de euros.

    No caso do Diário de Notícias, além de assumir a tentativa de recuperar um periódico que já só vende cerca de 1.500 exemplares, o WHO quer garantir para si a posse do Arquivo Histórico e do seu acervo. Recorde-se que em finais de Julho de 2022, o Governo classificou como “tesouro nacional” o arquivo administrativo e o arquivo da redacção entre 1864 e 2003, bem como o Espólio de Alfredo da Cunha, custodiado pela Global Notícias.

    A Açormedia também estará em cima da mesa numa reunião dos accionistas que deverá ser discutida numa assembleia-geral da Global Media, também desejada pelos seus accionistas minoritários. Apesar de ser uma pequena empresa açoriana, com um volume de negócio inferior a 1,4 milhões de euros, e uma redacção de sete jornalistas, controla o mais antigo jornal português, o Açoriano Oriental, fundado em 1835.

    Por fim, o WOF que ficar também com o jornal digital Motor24, bem como três títulos icónicos da imprensa portuguesa registados em nome da Global Media no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI): 24 Horas (1998-2010), Grande Reportagem (1984-2005, com interrupções) e Tal & Qual, semanário publicado entre 1980 e 2007, mas que foi “ressuscitado” pelo próprio actual CEO da Global Media em 2021 por cedência de Marco Galinha. Em todo o caso, este título é publicado e gerido pela Parem as Máquinas, que não tem ligação à Global Media e deixou de ter Fafe como sócio.

    A proposta encaminhada para os sócios minoritários da Global Media – José Pedro (20,4%) e KNJ Global, de Kevin Ho (29,35%) – pelo WOF coloca a pressão sobre a questão salarial que atinge grande parte dos trabalhadores deste grupo de media. Em caso de concordância no negócio, o fundo das Bahamas diz que “assumiria o pagamento dos salários em dívida referentes ao mês de Dezembro, sendo que os relativos a Janeiro seriam pagos já consoante a divisão proposta”. Ou seja, desligando-se do Jornal de Notícias e de O Jogo, a WOF deixaria não só de pagar salários a partir deste ano como passaria a ‘batata quente’ do avanço ou recuo do programa de rescisões para Marco Galinha e os outros accionistas da Global Media, ou eventuais novos investidores que desejassem ficar com a quota do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas.

    O PÁGINA UM sabe que a operação necessitará de uma maioria qualificada dos accionistas da Global Media, que, saliente-se, não tem directamente capital do empresário Marco Galinha, mas como envolverá a participação da Páginas Civilizadas (onde Marco Galinha detém uma participação relevante, mas minoritária) somente deverá avançar se houver um consenso.

    Saliente-se, aliás, apesar de controlar actualmente este grupo de media por via de um acordo parassocial que lhe deu o direito de nomear dois dos três gerentes da Páginas Civilizadas, o WOF tem, na verdade, apenas uma participação efectiva de 25,63% da Global Media. Directamente, a empresa KNJ Group, de Kevin Ho, tem 29,35% e José Pedro Reis Soeiro 20,4%. De forma indirecta, através de uma empresa sócia da Páginas Civilizadas, a Norma Erudita, o empresário António Mendes Ferreira detém 7%, restando a Marco Galinha e ao seu Grupo Bel (e sempre de forma indirecta) menos de 18%.

    Créditos das fotografias: Fotos 1, 2 e 3 (©somosjn) e 4 (©dnemluta)


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  • Inédito: Regulador dos media diz ser aceitável exigir pagamento a jornalistas para cobrirem eventos públicos

    Inédito: Regulador dos media diz ser aceitável exigir pagamento a jornalistas para cobrirem eventos públicos


    O V Congresso dos Jornalistas começou hoje. É um evento duplamente público: teve inscrições para jornalistas e não-jornalistas, realizando-se num espaço público (Cinema São Jorge, em Lisboa), pertencente à Câmara Municipal de Lisboa desde 2001. O Estatuto dos Jornalistas diz claramente que os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer em locais abertos ao público quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional. Mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) defende que afinal este evento de jornalistas, financiado por empresas privadas, pode exigir aquilo que nunca ninguém fez: condicionar a cobertura noticiosa de um evento público – que recebeu hoje o Presidente da República e terá mesmo deputados a debaterem a situação da imprensa – a um pagamento prévio. Numa deliberação urgente a concordar com esta cobrança inédita, a ERC comete um ‘conveniente’ erro para defender a sua tese: atribui o estatuto de “local privado” ao Cinema São Jorge para legitimar um pagamento prévio para cobertura noticiosa. Abriu uma caixa de Pandora.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que a exigência de uma inscrição prévia, em montante arbitrário, para a realização da cobertura de um evento público é uma opção válida e “não consubstancia um tratamento discriminatório”. A decisão do regulador, divulgada pelas 17h00 desta quinta-feira, através de uma deliberação de oito páginas, resulta de um pedido de intervenção do PÁGINA UM por via da exigência da Comissão Organizadora do V Congresso dos Jornalistas, que se inicia esta tarde no Cinema (público) São Jorge, e que conta com o apoio financeiro de 13 empresas e uma fundação não ligadas ao sector dos media.

    Apesar do Estatuto do Jornalista determinar que “os jornalistas têm acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa” e que somente nos “espectáculos ou outros eventos com entradas pagas [como o caso do Congresso dos Jornalistas] em que o afluxo de espectadores justifique a imposição de condicionamentos de acesso” se pode implementar “sistemas de credenciação de jornalistas” – não se conhecendo até agora a exigência de pagamento de qualquer verba, quando tal ocorre –, a ERC considera legítimo que a organização deste congresso, presidida pelo jornalista da SIC Pedro Coelho, imponha um pagamento prévio.

    Helena Sousa, presidente da ERC, na tomada de posse, cumprimentando o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

    Na sua deliberação, o regulador agora presidido por Helena Sousa começa por considerar que “o direito de acesso a locais públicos não constitui um fim em si mesmo”, mas antes uma forma de acesso à informação, o que conclui ser legítimo que o Congresso dos Jornalistas – financiado por empresas privadas fora do âmbito dos media e apoiado também pela autarquia de Lisboa, proprietária do Cinema São Jorge” – imponha um preço de entrada a jornalistas que manifestem a exclusiva intenção de cobertura noticiosa.

    A ERC considera que “a verba é exigida [pela Organização do Congresso dos Jornalistas] a todos os interessados elegíveis, em montante idêntico, sendo clara e declaradamente assumida como uma das receitas utilizadas para o financiamento do congresso”, acrescentando que não cabe ao regulador “sindicar o sentido de tal opção nem discutir se esse financiamento pode ou deve igualmente integrar contributos de entidades públicas e privadas.”

    Recorde-se que, numa altura em que a credibilidade do jornalista é colocada em causa pelas promiscuidades com empresas e poder político, o V Congresso dos Jornalistas – organizado pelo Sindicato dos Jornalistas, Casa de Imprensa e Clube de Jornalistas – decidiu não apenas solicitar inscrições aos participantes e jornalistas que queiram cobrir os eventos, mas também abrir os ‘cofres’ para à entrada de dinheiro, em quantias não divulgadas nem sob eventuais contrapartidas, do Grupo Brisa, da REN, da NOS, dos bancos Santander e Millennium BCP, da Mota-Engil, da Google, da Mercadona, da Delta, da seguradora Fidelidade, da KIA, da Xerox, do IKEA e da Fundação Oriente.

    A ERC diz que Cinema São Jorge é um local privado e que a organização do Congresso dos Jornalistas pode condicionar a cobertura noticiosa ao pagamento prévio de uma verba. Contudo, o Cinema São Jorge é um local público e o evento é público, porque estavam previstas inscrições de não-jornalistas.

    Além destas entidades privadas, o evento conta ainda com apoios institucionais, em moldes também não revelados, do Cenjor, da Agência Nacional Erasmus, da Fundação Inatel (tutelada pelo Governo), da Universidade Autónoma de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa. De entre estas 19 entidades privadas e públicas de relevância noticiosa, somente o Cenjor – um centro de formação de jornalismo – tem ligação directa a temas relacionados com a imprensa.

    Na defesa do sua tese, a ERC até considera que, “em rigor, o local [Cinema São Jorge, um espaço detido pela autarquia de Lisboa] onde se realizará o Congresso dos Jornalistas [que será inaugurado pelo Presidente da República e contará com debates onde participarão deputados e mesmo dos reguladores] não é um local aberto ao público”, apesar de o Estatuto dos Jornalistas determinar que “os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa”.

    Com efeito, e isto não é uma irrelevância, até porque repetido várias vezes na deliberação da ERC, o Cinema São Jorge não é um “espaço privado”, pois pertence à Câmara Municipal de Lisboa desde 2021, sendo gerido pela empresa municipal EGEAC. Ou seja, o Congresso dos Jornalistas é um evento duplamente público: é aberto ao público – inscrições eram feitas pelo TicketOnline, podendo os ingressos ser adquiridos até por não-jornalistas – e realiza-se num edifício público cedido por uma autarquia local. Mais público não poderia ser.

    Pedro Coelho, jornalista da SIC e presidente do V Congresso dos Jornalistas, inovou: num evento público com financiamento de 13 empresas e uma fundação, exigiu pagamento prévio para ser possível a cobertura noticiosa dos debates.

    Contudo, seguindo a tese estapafúrdia de ser o Cinema São Jorge supostamente um espaço privado (que é tão privado como a sede da ERC, na Avenida 24 de Julho em Lisboa), o regulador presidido por Helena Sousa argumenta que “o acesso ao espaço (privado)”, como repete, “em causa “é restringido a jornalistas, estudantes, professores, observadores e convidados da organização” [sendo que estes últimos não pagam], e repete um erro crasso e relevante ao reiterar, mais adiante na sua deliberação, que “o Cinema São Jorge é um espaço (…) privado”.

    Além desse incompreensível ‘erro’ sobre a propriedade do Cinema São Jorge, a ERC também tece uma tese curiosa que acaba por colocar questões deontológicas sensíveis. Com efeito, o regulador salienta que “o [na verdade público] Cinema São Jorge (…) albergará um evento destinado aos jornalistas enquanto tais, para discutir assuntos da profissão, ainda que o acesso a esse evento não lhes seja assegurado com vista ao desempenho da sua actividade de cobertura noticiosa” ressalvando, contudo, que “uma vez nele presente, [os jornalistas] possam, no todo ou em parte, exercitar essa sua atividade típica”.

    Ora, ao inscrever-se e adquirirem o direito de participar na votação de moções, esses jornalistas deveriam estar, por princípio, impedidos de fazerem a cobertura noticiosa para os seus órgãos de comunicação social, uma vez que o Código Deontológico estabelece que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”.

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    Por fim, o regulador que salienta ser facultativo a possibilidade de credenciação, mas nem sequer reparou que entra em contradição, porque, assim sendo, somente se pode aplicar o princípio geral de acesso, que explicitamente diz que “os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais [abertos ao público] quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”. Ora, a lei não determina – e nunca tem sido prática – o pagamento de uma verba, independentemente da ERC considerar não ser demasiado elevada, sem especificar qual o limite de razoabilidade.

    Assim, com esta decisão o regulador abre a porta para que, em eventos públicos – incluindo outros congressos, espectáculos e mesmo convenções partidárias – passe a ser necessário uma inscrição prévia e um pagamento de entrada para efeitos de cobertura noticiosa. Ora, como a organização está livre de efectuar convites, a imposição de um preço de entrada pode ser um factor condicionante à liberdade de acesso às fontes de informação para jornalistas incómodos. Mas esse aspecto não foi sequer reflectido pela ERC.


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  • Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa

    Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa


    Em plena crise reputacional da Imprensa, a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas decidiu inovar duplamente: pediu apoio financeiro a 13 empresas e uma fundação – entre as quais dois bancos, a construtora Mota-Engil (onde é administrador Paulo Portas, antigo ministro e fundador nos anos 80 do semanário Independente), a Brisa, a REN, a Google e a Ikea – e mesmo assim ainda decidiu exigir pagamento de inscrição aos jornalistas que, sem participar nas moções, apenas desejem fazer a cobertura noticiosa dos debates. Além de o Estatuto dos Jornalistas não permitir a imposição de preços para o acesso de jornalistas a eventos públicos – e neste caso até está prevista a participação do Presidente da República e de seis deputados –, não se conhece casos similares de exigência de qualquer pagamento como condição de entrada a profissionais da imprensa. O PÁGINA UM, mais por uma questão de princípio e de prevenção, solicitou a intervenção urgente e em tempo útil da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que ainda na semana passada interveio num litígio por o partido Chega ter colocado obstáculos ilegais à acreditação do jornalista Miguel Carvalho.


    “Reitere o que entender, reiteramos a nossa resposta”. É assim que Pedro Coelho – jornalista da televisão SIC, professor universitário e presidente da organização do V Congresso dos Jornalistas –, respondeu ao PÁGINA UM, insistindo na aplicação de um pagamento prévio, em violação do Estatuto do Jornalista, para ser permitida a cobertura de um evento público onde, entre outros assuntos, se debaterá o financiamento da imprensa, mas em que a liberdade e o direito de acesso à informação se encontram omissos na programação.

    Com um interregno de sete anos, a Casa de Imprensa, o Clube de Jornalistas e o Sindicato de Jornalistas realizam um novo encontro desta classe profissional, aberto ao público, entre a próxima quinta-feira e domingo. Embora já previsto há mais de um ano, o congresso coincide com um período conturbado em algumas empresas de media, com destaque para a Global Media e a Trust in News. Daí que a organização tenha integrado, de forma extraordinária, na cerimónia de abertura, que terá a presença do Presidente da República, quatro depoimentos de jornalistas da TSF (Filipe Santa-Bárbara), Diário de Notícias (João Pedro Henriques), Jornal de Notícias (Alexandre Panda) e TSF (Mário Fernando).

    Pedro Coelho, jornalista da SIC e presidente do V Congresso dos Jornalistas, inovou: num evento público com financiamento de 13 empresas e uma fundação, exige pagamento prévio para ser possível a cobertura noticiosa dos debates.

    A componente financeira aparenta ser, pela sua predominância do programa do congresso, um dos temas centrais, embora estranhamente sem a participação de administradores das empresas de media, que no programa são ‘substituídos’ por jornalistas e directores dos diversos órgãos de comunicação social, alguns dos quais têm promovido e participado em eventos pagos por empresas privadas e públicas, contribuindo assim para uma descredibilização da profissão e da reputação da imprensa.

    Aliás, sem terem sido revelados os montantes concedidos nem as contrapartidas, as três entidades organizadoras aceitaram apoios financeiros do Grupo Brisa, da REN, da NOS, dos bancos Santander e Millennium BCP, da Mota-Engil, do Google, da Mercadona, da Delta, da seguradora Fidelidade, da KIAS, da Xerox, do IKEA e da Fundação Oriente. Além disso, contam ainda com apoios institucionais do Cenjor, Agência Nacional Erasmus, Fundação Inatel, Universidade Autónoma de Lisboa e Câmara Municipal de Lisboa. De entre estas 19 entidades privadas e públicas de relevância noticiosa, somente o Cenjor, um centro de formação de jornalismo, tem ligação directa a temas relacionados com a imprensa. A Mota-Engil conta, desde 2023, com Paulo Portas como administrador. Recorde-se que este antigo ministro e ex-líder do CDS fundou em 1988 o jornal Independente, mas as suas ligações aos media circuncrevem-se agora ao comentário político na TVI.

    Apesar de o V Congresso dos Jornalistas ser um evento explicitamente público – ou seja, não é fechado sequer em exclusivo ao jornalistas –, e tanto assim que conta com o “Alto Patrocínio” da Presidência da República, havendo também um debate com deputados de seis partidos (PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PCP), a Comissão Organizadora, liderada por Pedro Coelho, exige um pagamento prévio aos jornalistas que apenas queiram fazer a cobertura dos eventos. Mesmo se estes explicitem que não pretendem qualquer tipo de participação, como seja votação de moções.

    Congresso dos Jornalistas é financiado por uma fundação e 13 empresas, entre as quais a construtora Mota-Engil, que tem Paulo Portas como administrador. O antigo ministro e líder dos CDS-PP, fundador do semanário Independente nos finais dos anos 80 (conhecido pela sua irreverência), mantém agora um pé na imprensa como comentador da TVI.

    Saliente-se que o direito de acesso a locais públicos e o exercício desse direito por jornalistas com carteira profissional estão explicitamente consagrados no Estatuto do Jornalista. Sendo que o congresso dos jornalistas é público – admitindo-se a inscrição, sob pagamento, também de não-profissionais do sector, que não têm direito a votar em moções –, o diploma legal de 1999 diz que “os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais [onde se realizam eventos em locais abertos ao público] quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”.

    Ora, o condicionamento do acesso, como exige a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas, ao pagamento prévio de um montante, independentemente do valor, viola a lei. Aliás, a legislação refere que “nos espectáculos com entrada paga”, somente se os locais destinados à comunicação social se mostrarem insuficientes, podem ser aplicadas algumas restrições, mas ao nível de prioridades, sendo que os órgãos de comunicação de âmbito nacional e os de âmbito local do concelho onde se realiza o evento têm primazia sobre os demais. Mas está impedido que esse condicionamento seja feito sob a forma de pagamento.

    Aliás, se tal se verificasse poderia suceder uma espécie de “leilão de acesso” ou até uma imposição de pagamento arbitrário que, na prática, impedisse a cobertura noticiosa. Se esta prática de exigência de pagamento que a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas justifica como aceitável e legal passasse a ser prática comum, diversas entidades poderiam conseguir afastar ‘jornalistas incómodos’ exigindo, para a sua entrada, somas exorbitantes.

    Em todo o caso, e apesar do PÁGINA UM ter procurado junto da Comissão Organizadora que indicassem exemplos similares, até agora não são conhecidos outros casos em que os organizadores de um qualquer evento com interesse mediático tenham exigido uma inscrição com pagamento aos jornalistas para acederem aos locais.

    Independentemente do montante exigido para se aceder ao evento (20 euros) sobre o qual deseja fazer cobertura noticiosa – tanto que o jornal há meses tem uma secção especificamente dedicada à imprensa –, o PÁGINA UM solicitou uma intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social com carácter de urgência – e em tempo útil, como sucedeu (e bem) recentemente com a acreditação solicitada pelo jornalista Miguel Carvalho para acesso à convenção do Chega em Viana do Castelo.


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  • Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade

    Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade


    Desde Agosto de 2022, a mortalidade diária causada pela covid-19 nunca ultrapassou em qualquer mês a fasquia dos 10 óbitos, e a mediana está nos sete, exactamente o valor que se contabiliza nesta primeira quinzena de Janeiro. A covid-19, que desde Maio do ano passado está oficialmente endémica, ‘continua por aí’, mas sem constituir um risco de Saúde Pública relevante, sendo responsável apenas por cerca de 1,3% do total das mortes. Mas com o anormal acréscimo da mortalidade das últimas semanas, que o Ministério da Saúde recusa analisar, a Direcção-Geral da Saúde decidiu promover mais um ‘booster’ da vacina contra a covid-19. No comunicado de imprensa desta entidade, agora liderada por Rita Sá Machado, diz que esta recomendação foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”. O parecer, porém, não foi disponibilizado ao PÁGINA UM, que o pediu por três vezes. Não admira: não existe formalmente qualquer “Comissão Técnica de Vacinação Sazonal“.


    Sem qualquer alteração relevante nos principais indicadores epidemiológicos, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) passou a recomendar a vacinação contra a covid-19 para os maiores de 18 anos. A instituição agora liderada por Rita Sá Machado salientou ontem, em nota de imprensa, que esta mudança nas recomendações – que inclui também o alargamento da vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos – foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”.

    O PÁGINA UM, apesar de ter solicitado por três vezes esse parecer à assessoria de imprensa da DGS, recebeu como resposta um triplo silêncio. Saliente-se, porém, que não existe formalmente, ao contrário do indicado pela comunicação da DGS, uma Comissão Técnica de Vacinação Sazonal. Existia já, antes da pandemia da covid-19, uma Comissão Técnica de Vacinação, constituída por um grupo de peritos para acompanhamento dos planos de vacinação contra diversas doenças, e a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), criada em finais de 2020, que tem o seu último parecer publicado em Março do ano passado.

    three glass bottles on white table

    Em todo o caso, e independentemente de se estar perante um pico de mortalidade total – nas últimas três semanas (22 de Dezembro a 11 de Janeiro) registaram-se 10.072 mortes, uma média diária de 480 óbitos –, os casos positivos de SARS-CoV-2 e as fatalidades causadas pela covid-19 encontram-se em valores que se podem considerar normais na actual fase endémica.

    Com efeito, analisando os dados oficiais desde 22 de Dezembro de 2023 até 11 de Janeiro deste ano, contabilizam-se apenas 3.024 positivos – a estratégia e os critérios para a realização de testes modificaram-se em meados de Setembro de 2022 –, contabilizando-se 131 óbitos por covid-19. Este número indica uma média diária próxima de seis óbitos, com uma variação entre os dois (dia 26 de Dezembro) e os 10 (dia 28 de Dezembro). Este ano, o número máximo atingiu-se no passado dia 8, com nove óbitos, mas nos dias 10 e 11 registaram-se apenas quatro.

    Considerando o período posterior à declaração pela Organização Mundial da Saúde do fim da Emergência de Saúide Pública de Importância Internacional, em 5 de Maio do ano passado, a mortalidade causada pela covid-19 nas últimas semanas não mostra qualquer anomalias. Aliás, se compararmos as últimas três semanas como período homólogo anterior (22 de Dezembro de 2022 a 11 de Janeiro de 2023), a situação actual até é mais favorável: 131 óbitos agora; 171 óbitos no período anterior.

    Evolução epidemiológica da covid-19 desde o dia da declaração do fim da Emergência

    Caso se queira comparar ainda com os dois períodos anteriores subsequentes, ainda mais se releva que o cenário não parece justificar um programa de vacinação para grupos etários que nem em pleno pico pandémico, ainda com fraca imunidade natural, tinham risco relevante, em especial pessoas sem comorbilidades relevantes.

    De facto, no período de 22 de Dezembro de 2021 a 11 de Janeiro de 2022, os dados oficiais apontam para 847 óbitos por covid-19, ou seja, mais de seis vezes os valores actuais, enquanto no mesmo período de 2020-2021 a mortalidade associada ao SARS-CoV-2 foi de 1.859 óbitos, isto é, 14 vezes superior aos valores actuais. Além disso, em Janeiro de 2021 havia uma tendência crescente de infecções – o que está longe de suceder agora –, que levaria, a par do colapso das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde e de uma vaga de frio, que a mortalidade por covid-19 chegasse a rondar quase os 300 óbitos em alguns dias.

    Observando também a evolução da mortalidade ao longo dos últimos meses – e mesmo ao longo de 2023, num período em que a imprensa mainstream simplesmente deixou de acompanhar a covid-19 depois de uma overdose noticiosa de quase três anos –, destaca-se, do ponto de vista de Saúde Pública, uma ‘normalidade’: a covid-19 contribui para cerca de 1,3% das mortes e desde Agosto de 2022 todos os meses estiveram abaixo de uma média diária de 10 óbitos, sendo que a mediana é de sete, o valor actual do presente mês de Janeiro.

    Mortalidade média diária atribuída à covid-19 entre Março de 2020 e Janeiro de 2024 (até ao dia 11). Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Para um termo de comparação, no Verão de 2022, em vésperas de se levantar praticamente todas as restrições, a mortalidade por covid-19 ainda atingiu os 33 óbitos diários em Junho (987 nos 30 dias) e o pior desse ano foi Fevereiro, com 1.116 óbitos, o que dá uma média diária de 40.

    Em todo o caso, estes valores já eram muito mais baixos dos que se registaram no Inverno de 2020-2021, embora os critérios dessa contabilização sejam muito discutíveis,uma vez que bastava haver um teste positivo no momento da morte para o óbito ser declarado como causado pela covid-19. Por isso, em Janeiro de 2021 estão referenciados oficialmente 187 óbitos de média diária (5.805 nos 31 dias) e no mês seguinte uma média diária de 127, resultante de 3.557 mortes.

    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra.

    person holding white plastic bottle

    Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda continua, através de iniciativas do seu FUNDO JURÍDICO, a aguardar decisões dos tribunais administrativos relacionados com intimações para acesso a informação de Saúde, nomeadamente a base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), a base de dados dos internamentos, a base de dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19, os contratos de compra de vacinas (que excedem em muito as necessidades) e diversa outra informação sobre a gestão da pandemia. Em alguns casos, os processos de intimação estão em curso há quase dois anos.


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