Categoria: Imprensa

  • ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    ERC prepara ‘xeque-mate’ ao World Opportunity Fund no controlo da Global Media

    A demissão de José Paulo Fafe da liderança executiva da Global Media – que detém os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e ainda a rádio TSF – abre portas à ‘bomba atómica’ nunca usada antes pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social: a suspensão dos direitos de voto do World Opportunity Fund. O PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados pelo fundo das Bahamas ao regulador, onde se persiste em não identificar o nome dos investidores, permitindo assim à entidade liderada por Helena Sousa não apenas retirar os direitos de voto à UCAP Bahamas (que gere o WOF) como também confiscar os bens patrimoniais. Resta saber como reagirá o WOF, que aparentemente já investiu 12 milhões de euros na Global Media.


    Foram cinco atribulados meses, e hoje mais um episódio se concluiu, e com o habitual estrondo: José Paulo Fafe, CEO da Global Media indicado pelo World Opportunity Fund (WOF) – o fundo de investimento das Bahamas que controla este grupo de media – demitiu-se das suas funções de presidente da comissão executiva (CEO). Em comunicado, o antigo jornalista que era a única face visível do WOF justifica a demissão por “considerar estarem esgotadas as condições para exercer essas funções, nomeadamente os pressupostos essenciais, nomeadamente o necessário entendimento entre acionistas, para levar a cabo a reestruturação editorial que há muito este grupo necessita, único caminho possível para o reposicionamento dos seus principais títulos e marcas, condição indispensável para o seu crescimento e expansão.“

    Fafe estava já completamente isolado num Conselho de Administração que perdeu, desde Dezembro, cinco membros: Filipe Nascimento, Paulo Lima Carvalho, Victor Menezes, Diogo Agostinho e Carlos Beja. Na verdade, resta agora apenas o presidente (não-executivo), Marcos Galinha, apesar de deter uma posição na Global Media de forma indirecta e sem direito sequer a voto, uma vez que é parceiro minoritário (49%) do WOF na empresa Páginas Civilizadas. Ou seja, o empresário do Grupo Bel não tem, em teoria, qualquer voz activa, porquanto o fundo das Bahamas possui dois dos três gerentes na Páginas Civilizadas, pelo que é a posição maioritária nessa empresa a ser levada a uma assembleia geral da Global Media.

    José Paulo Fafe demitiu-se hoje de CEO da Global Media, mas não revela as intenções do World Opportunity Fund que arrisca muito perder os direitos de voto e ter mesmo os bens ‘confiscados’.

    No entanto, embora se ignore ainda se José Paulo Fafe se manterá como gerente das Páginas Civilizadas – que continua a ser o accionista maioritário da Global Media –, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está na iminência de retirar os direitos de voto do WOF, uma vez que o fundo de investimento mantém a recusa de divulgar a lista nominativa dos seus investidores.

    Com efeito, o PÁGINA UM teve acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado na quarta-feira da semana passada – e que está em análise por um núcleo muito restrito de pessoas que integram o regulador – onde Fafe justifica que a UCAP Bahamas detem 0,002% do capital da WOF, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”. Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não têm direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo.

    No entanto, o PÁGINA UM sabe que a ERC não vai aceitar como válidos estes argumentos, sobretudo porque como o WOF mantém a intenção de não revelar a lista nominativa de investidores – que serão 50, no máximo, conforme se revelou em primeira mão no passado dia 9 – estará a violar claramente a Lei da Transparência dos Media. Além disso, de forma clara, também o WOF não está a cumprir as regras da identificação do beneficiário efectivo, tendo indicado Clement Ducasse como seu administrador, mas sem acrescentar qualquer “beneficiário da entidade“.

    Com efeito, este diploma de 2015 determina que qualquer pessoa ou entidade tem de declarar num portal gerido pela ERC uma participação “igual ou superior a 5% do capital social ou dos direitos de voto de entidades que prosseguem actividades de comunicação social”. Ora, se a UCAP Bahamas declara porque detém direitos de voto acima de 5% (na verdade, a totalidade), o próprio fundo – que tem, aliás, um número de identificação fiscal em Portugal –, também terá de demonstrar que não há ninguém de entre os investidores do WOF (empresa ou pessoa) que tenha mais de 5% do capital.

    A persistência do WOF em ‘esconder’ algum ou alguns dos investidores pode assim custar-lhe bem caro, porque a ERC está na iminência de usar a ‘bomba atómica’ nunca antes usada (mas explicitamente prevista) na Lei da Transparência dos Media: a suspensão imediata do “exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada” do WOF. E basta uma publicação no site a anunciar formalmente dúvidas sobre os investidores.

    Ou seja, a concretizar-se a aplicação deste normativo, o fundo das Bahamas deixará sequer de poder votar – abrindo assim as portas ao controlo tripartido da Global Media por parte de Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho –, e até ficará sujeito a uma espécie de ‘confisco temporário’ de bens, uma vez que a lei determina que os direitos patrimoniais “que caibam à participação qualificada afetada são depositados em conta individualizada aberta junto de instituição de crédito habilitada a receber depósitos em território português, sendo proibida a sua movimentação a débito enquanto durar a suspensão”.

    Segundo o PÁGINA UM apurou, uma decisão do regulador deverá ser tomada ainda antes do dia 19 de Fevereiro, data de uma assembleia geral da Global Media, agendada pelo seu presidente, o advogado Fernando Aguilar de Carvalho, que curiosamente tem as mesma funções no Banco Atlântico Europa. Formalmente, a ERC adiantou ao PÁGINA UM apenas que “não é possível para já apresentar uma data final para a tomada de decisão, face às diligências ainda em curso”. O vazio na Global Media com a saída de José Paulo Fafe será, com elevado grau de probabilidade, a ‘espoleta’ para uma decisão já nos primeiros dias de Fevereiro que se inicia amanhã.

    Recorde-se que esta instituição bancária suspendeu em meados de Dezembro passado as contas da Global Media, incluindo a retenção das contas da Vasp, invocando o impacte mediático do plano de reestruturação então anunciado por José Paulo Fafe. Saliente-se também que Aguilar de Carvalho é sócio da sociedade de advogados Uría Menéndez-Proença de Carvalho. Por sua vez, Daniel Proença de Carvalho foi, recorde-se também, presidente do Conselho de Administração da Global Media, tendo saído em Agosto de 2020. Foi durante a sua presidência no grupo de media que se concretizaria a venda da simbólica sede do Diário de Notícias, na lisboeta Avenida da Liberdade. Outra nota: sabendo-se que o WOF terá já feito entrar 12 milhões de euros, não será previsível que o assunto Global Media se pacifique nos próximos tempos.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços

    Global Media acumulou dívida de 647 mil euros à Lusa sem suspensão de serviços


    A Agência Lusa deixou a sua accionista minoritária, a Global Media, acumular dívidas de serviços noticiosos até chegar aos 647 mil euros. E nunca teve suspensão da subscrição nem lhe foi aplicadas acções de execução, como sucede com outras empresas detentoras de órgãos de comunicação social. Joaquim Carreira, presidente da empresa de capitais maioritariamente públicos, garante, porém, que não haverá qualquer perdão, e que se se mantiver essa dívida poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.


    São 647 mil euros, cerca de metade da dívida de clientes. A Agência Lusa diz que não vai perdoar a dívida da Global Media por serviços noticiosos e fotográficos usados pelos seus órgãos de comunicação social, como o Jornal de Notícias, e que deixaram de ser pagos.

    A garantia foi dada ao PÁGINA UM por Joaquim Carreira, presidente da administração da agência noticiosa de capitais maioritariamente públicos (50,15% detido pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças), e que tem, entre outros accionistas muito minoritários (Empresa do Diário do Minho, NP, Público e RTP), a própria Global Media e a Páginas Civilizadas com participações relevantes (23,36% e 22,35%)

    Recordando que a “liquidação da dívida era uma das condições do negócio que não se concretizou em 30 de Novembro do ano transato” – quando a Global Media e a Páginas Civilizadas tentaram vender as suas participações ao Estado, mas que não avançou alegadamente por falta de consenso político –, Joaquim Carreira assegura que “desde esse momento e sem prejuízo da instabilidade interna e mediática que o grupo GMG [Global Media] tem vivido, e do período das festividades, foram efetuados contactos, com o administrador financeiro [daquela empresas] para regularizar a divida vencida não liquidada”.

    Essas tentativas surgem, aliás, no seguimento de um plano de regularização assinado pelos anteriores administradores da Global Media no início de 2023, que segundo fonte da Global Media está a ser paga, embora o PÁGINA UM não tenha conseguido confirmar. A Agência Lusa não responde em concreto à pergunta do PÁGINA UM sobre se está a ser ponderada a suspensão dos serviços aos periódicos da Global Media se se mantiver essa dívida, acrescentando apenas que se poderão ser implementadas outras medidas “a curto prazo”.

    Além das compensações atribuídas pelo Estado à Agência Lusa, que ultrapassaram os 13,4 milhões de euros em 2022, a venda de serviços noticiosos a outros órgãos de comunicação social é uma importante fonte de receita. Em 2022 atingiu cerca de 3,8 milhões de euros em serviços, sendo que cerca de metade proveio dos denominados grandes órgãos de comunicação social (GOCS). As subscrições têm, contudo, diminuído por força da crise financeira dos media. Neste momento, para diversos serviços da Lusa, no final de 2022 havia um total de 300 subscrições de órgãos de comunicação social, quando no ano anterior eram 353.

    Joaquim Carreira, presidente da Agência Lusa, garante que não haverá perdão da dívida à Global Media.

    No último relatório e contas da Agência Lusa fala-se mesmo da “consistente pressão de renegociação em baixa dos contratos existentes”. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, avançou que, caso se tivesse concretizado a compra das participações da Global Media e Páginas Civilizadas, era intenção do Governo disponibilizar gratuitamente os serviços da Lusa aos outros órgãos de comunicação social, reforçando a compensação em seis milhões de euros.

    Embora o PÁGINA UM não tenha conseguido apurar desde quando Global Media começou a deixar acumular a dívida à Lusa, certo é que a empresa pública nunca suspendeu o acesso aos periódicos da Global Media nem sequer intentou, nos anos mais recentes, acções executivas. Em 2022, a agência Lusa tinha em curso seis processos para cobrança de dívidas em contencioso no valor de 166 mil euros, a maior das quais contra o Diário dos Açores no valor de quase 55 mil euros.

    Porém, ao longo dos anos, a Agência Lusa teve de assumir imparidades no valor de 505.779 euros por se ter mostrado impossível cobrar as dívidas de clientes, dos quais mais de 118 mil euros em 2021. Não foi possível saber se algum deste montante se deveu a ‘perdões’ à Global Media, que parece ter beneficiado de ser accionista da agência noticiosa pública.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros

    Media: Observador (também) declara à ERC informação errada sobre indicadores financeiros


    Por mais congressos apologéticos, apoios públicos que se clame, e bateres de peito sobre credibilidade, o cenário da transparência dos media mostra-se aterrador. O Portal da Transparência dos Media – que serve não apenas para identificar accionistas e sócios de empresas de media, mas também para saber quem, na sombra, pode influenciar linhas editoriais, quer emprestando dinheiro, quer não cobrando dívidas, quer sendo um cliente relevante – é uma anedota. Depois de ter já apanhado a Global Media, a Trust in News, a Inevitável e Fundamental (Polígrafo) e a Parem as Máquinas (Tal&Qual) na ‘rede de mentiras’ que inunda este portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o PÁGINA UM apanhou mais um caso: a Observador On Time, dona do Observador. Além de injectar sucessivos ‘balões de oxigénio’ sob a forma de aumentos de capital, a empresa pediu relevantes empréstimos bancários em 2020, que nunca declarou no Portal da Transparência dos Media. Além disso, no registo do beneficiário efectivo nem sequer consta o nome do (suposto) principal accionista, Luís Amaral, e até os dados do presidente do Conselho de Administração, António Carrapatoso, estão errados.


    A Observador On Time, detentora do jornal digital e da rádio Observador, é mais uma das empresas que omite dados financeiros relevantes no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Este é o quinto caso detectado pelo PÁGINA UM nos últimos meses de erros e omissões de informação relevante em termos de transparência e de relevância económica e financeira, apanhando sempre o regulador a ‘ver navios”.

    Numa análise do PÁGINA UM às últimas demonstrações financeiras conhecidas, relativas ao ano de 2022, o Observador On Time – que também tem participações na empresa Cinco Um Zero (em parceria com uma empresa do comentador e ex-jornalista João Miguel Tavares) e na Rádio Baía – tinha um passivo de cerca de 2,9 milhões de euros, identificando-se, porém, na declaração da informação empresarial simplificada (IES), valores de empréstimos bancários junto do Millenium BCP e da Caixa Geral de Depósitos que ultrapassam em muito a fasquia dos 10% do passivo.

    A lei da transparência dos media obriga à identificação das entidades que detenham mais de 10% do passivo total, de modo a ser conhecida a eventual existência de dependências financeiras para além da dos próprios accionistas ou sócios. Ou seja, ao contrário do que possa ser transmitido para a opinião pública, não são apenas os sócios ou accionistas (detentores dos capitais próprios) que podem eventualmente influenciar uma linha editorial, mas também os detentores relevantes do passivo, quer sejam instituições financeiras, obrigacionistas ou até o Estado (por via de dívidas fiscais ou de Segurança Social).

    Exemplo flagrante disso é a Trust in News, detentora da revista Visão e de mais 16 títulos: Luís Delgado é o único sócio da empresa, mas os capitais sociais só representam 0,12% do activo. O resto está nas ‘mãos’ de bancos, da própria Impresa (de Pinto Balsemão), de fornecedores e até do próprio Estado. A Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do passivo da Trust in News, ou seja, 11,4 milhões de euros, como revelou o PÁGINA UM em primeira mão em Julho do ano passado.

    No caso do Observador on Time, a situação não se mostra tão dramática em comparação com a Trust in News (e também a Global Media), sobretudo porque os accionistas, em grande número, têm realizado sucessivos aumentos de capital nos últimos anos. Só no ano passado foram dois, num valor total de 2,1 milhões de euros, acompanhados principalmente pela Amaral y Hijas Holding, do empresário Luís Amaral, que já se terá tornado, entretanto, o accionista maioritário com 54,57% do capital social e 52,56% dos direitos de voto – de acordo com a informação constante, neste momento, no Portal da Transparência dos Media.

    No entanto, conforme consta no mais recente IES, “em 2020 o Observador obteve dois empréstimos genéricos de financiamento à atividade empresarial”, revelando-se, além de garantias financeiras, um empréstimo específico do Millenium BCP de 500.000 euros e outro de 1.000.000 euros proveniente da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘gere’ um portal da transparência ‘inundado’ de omissões e declarações falsas relevantes que escondem dívidas e interesses.

    Esses dois empréstimos surgem indirectamente reflectidos nos indicadores financeiros do Observador On Time relativos ao ano de 2020 no Portal da Transparência dos Media, uma vez que o passivo sobe para cerca de 3,64 milhões de euros, mais 1,8 milhões de euros do que no ano anterior. Mas apesar de, por via desses empréstimos, a CGD deter cerca de 27% do passivo da Observador On Time e o Millenium BCP cerca de 13%, a empresa omitiu essa informação na base de dados da ERC. O mesmo sucedeu em 2021 e também em 2022, mesmo se os empréstimos foram sendo amortizados.

    Analisando o IES de 2022, a empresa detentora do Observador, sem identificar outras instituições além das duas já referidas, indica que, no final desse ano, o valor do empréstimo corrente era de 521.050,29 euros (a pagar num prazo inferior a 365 dias) e não-corrente de 800.000 euros, o que indica que tanto a CGD, um banco público, como o Millenium BCP continuavam a deter mais de 10% do passivo.

    Um outro indicador que chama a atenção no mais recente balanço disponível – as contas de 2023 só estarão disponíveis em Julho próximo – é a dívida ao Estado por parte da Observador On Time, que era, em final de 2022, de um pouco mais de 300 mil euros, o que ultrapassa também a fasquia dos 10% do passivo total. Resta saber se esta dívida, que pode ser transitória, se aplicava apenas a uma única entidade estatal.

    Saliente-se que desde a sua fundação, em 2014, a empresa detentora do Observador nunca apresentou qualquer ano com lucro e acumulava prejuízos no final de 2022 de quase 8,4 milhões de euros. O descalabro financeiro só não se mostra evidente porque os accionistas têm injectado contínuos reforços sob a forma de aumentos de capital: desde 2018 foram já mais de 5,6 milhões de euros. Sendo certo que as receitas têm aumentado consideravelmente desde 2017, os resultados operacionais são ainda largamente negativos. Em 2020, para vendas e prestações de serviços de 6,6 milhões de euros, os resultados operacionais foram negativos em quase 590 mil euros, ou seja, um prejuízo mensal de quase 50 mil euros. A empresa declarou um número médio de 128 empregados em 2022.

    Prejuízos e aumentos de capital (em euros) da Observador On Time desde 2017. Resultados de 2023 ainda não são conhecidos. Fonte: ERC e Ministério da Justiça. Análise: PÁGINA UM.

    O PÁGINA UM contactou o Observador On Time, através do endereço que consta na identificação dos beneficiários efectivos – que, aliás, está completamente errada, omitindo mesmo o nome do accionista maioritário, e falseando as pequenas participações dos actuais administradores –, para obter esclarecimentos e informações, mas não obteve resposta.

    Instada a comentar mais uma situação de falsas declarações no Portal da Transparência dos Media, desta vez por parte do Observador On Time, a ERC diz que a empresa apenas “inseriu o Balanço e as Demonstração de Resultados, dos quais não constam os detalhes sobre os devedores constantes na IES”. Questionado sobre a sucessão de falsas declarações, o regulador defende que o reporte é da responsabilidade das empresas, e que as “verificações dos elementos comunicados [por parte da ERC são] realizadas por amostragem ou em sequência de exposição / denúncia”.

    Apesar de uma evidente passividade na gestão do Portal da Transparência dos Media – o PÁGINA UM, com simples análise ao IES (cuja obtenção custa 5 euros por cada exercício), detectou já erros ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual), e agora no Observador On Time –, a ERC garante que “sindicou cerca de 170 entidades”. Note-se que a Parem as Máquinas havia preenchido recentemente o registo de 2022, após um processo de contra-ordenação levantado pelo regulador, mas indicou dados que escondiam a situação de falência técnica. O caso foi mais uma vez detectado pelo PÁGINA UM, e a empresa só na última semana colocou os dados verídicos. Recorde-se que José Paulo Fafe, em audição no Parlamento, chegou a negar que a Parem as Máquinas, de quem foi sócio maioritário, estava em falência técnica. Mas está mesmo.

    António Carrapatoso, através da Orientempo é accionista da Observador On Time, e também seu presidente do Conselho de Administração. Porém, apesar de indicar no Portal da Transparência dos Media, que detém 7,83% das acções e 8,64% dos direitos de voto, no registo do beneficiário efectivo esse dados estão a zero. No passado dia 18 escreveu um ensaio no Observador sobre a situação dos media em Portugal.

    Porém, tendo sido pedido que referisse quantas irregularidades detectou e de que tipo, a ERC acrescenta apenas que os casos são “muito díspar[es] e com níveis de gravidade muito distintos”, acrescentando que “algumas situações podem resultar de meros lapsos/ desatenções, outras das entidades não conseguirem facultar informação tida como final em virtude de estarem numa fase de transição/ alteração da sua estrutura, e outras por inação deliberada dos mandatários”.

    Faltará aqui, nestes exemplos dados pelo regulador, os casos de ocultação de dívidas ao Estado e a dependência financeira a instituições bancárias ou de financiadores (clientes). O regulador presidido por Helena Sousa acrescenta ainda que “pela diversidade de situações, a ERC não procede a uma quantificação das regularidades e irregularidades que identifica”. Ou seja, nem sequer existe, nem sequer interessa que exista, uma noção concreta das flagrantes falhas de uma base de dados da transparência dos media que, na verdade, está a servir mais para ‘apanhar’ empresas mentirosas do que para revelar, de forma transparente, as finanças de um sector que, dia após dia, perde a sua credibilidade e reputação exactamente por não ser rigoroso na hora de fazer e mostrar as contas.


    N.D. O PÁGINA UM tem consciência de que, perante uma complexa miríade de normas e preciosismos absurdos exigidos pelo regulador (como, por exemplo, a necessidade de se inserir a morada do responsável editorial do jornal, e não do proprietário, na ficha técnica, o que obriga a que este registe que ‘mora’ na redacção para não divulgar publicamente o endereço da sua residência, como fui ‘obrigado’ a fazer pela ERC), podem ocorrer pequenas falhas ou lacunas no preenchimento dos registos do Portal da Transparência dos Media. Porém, curiosamente, os casos que o PÁGINA UM tem detectado não são, não podem ser, lapsos, tendo em conta a relevância da informação escondida e a dimensão das empresas. Mesmo sendo uma pequena empresa de media, o Página Um, Lda. – detentora do PÁGINA UM – jamais esconderia qualquer informação das suas demonstrações financeiras, porque isso é a base da sua confiança. Por isso, nunca sequer se imaginou, por exemplo, omitir que o irrelevante passivo de 804,60 euros a 31 de Dezembro de 2022 resultava apenas de IRS (porque não temos dívidas a fornecedores nem empréstimos) , ou seja, 100% do passivo (804,60 euros) nesse dia era ‘detido’ pela Autoridade Tributária e Aduaneira, dívida que seria saldada nos dias seguintes, em Janeiro de 2023. Colocar essa informação pode ser considerada absurda, pelo contexto, mas dura lex, sed lex. E colocámos. Achar que uma empresa de media pode alegremente fazer falsas declarações ou omitir porque sim é, no cenário actual de descredibilização, só comparável com o laxismo do regulador, que acha que com ‘paninhos quentes’ a coisa passa. Não passa.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF

    Fundo das Bahamas propõe desmembrar Global Media e ficar com DN e TSF


    Não é tanto um ‘dividir para reinar’, mas mais um ‘dividir para sobreviver’. O World Opportunity Fund abriu o jogo entre os accionistas directos e indirectos da Global Media: quer sair deste grupo e criar sozinho um novo, levando consigo o Diário de Notícias, a TSF, o Açoriano Oriental e outros títulos icónicos, que pretende ‘revitalizar’, entre os quais a Grande Reportagem. Para Marco Galinha e os accionistas minoritários da Global Media ficarão o Jornal de Notícias e O Jogo, e ainda as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira. O PÁGINA UM teve acesso a documentos internos, onde se garante que se as negociações chegarem a bom termo, o fundo das Bahamas paga de imediato os salários em atraso de Dezembro, no valor de cerca de um milhão de euros. Depois, tudo dividido, será ‘cada um por si’.


    Dividir para sobreviver. O World Opportunity Fund (WOF) quer desfazer-se do controlo da Global Media, através da cedência da sua posição na Páginas Civilizadas, tendo proposto, como contrapartida, ficar com o Diário de Notícias, a TSF e o Açoriano Oriental, bem como alguns títulos como o Motor24, o Tal & Qual e ainda o 24 Horas e a Grande Reportagem, já extintos.

    A proposta, segundo apurou o PÁGINA UM, terá sido já apresentada na semana passada em reunião de accionistas da Global Media, onde estiveram representantes do fundo das Bahamas e os empresários Marco Galinha, José Pedro Soeiro e Kevin Ho. De acordo com o documento da proposta, o WOF manifesta a “disponibilidade (…) na cedência imediata da sua participação nas Páginas Civilizadas), adquirida em Setembro do ano passado, que incluirá não apenas o valor das quotas como também os suprimentos já concedidos à Global Media.

    Considerando as informações veiculadas este mês pelo seu representante e actual CEO da Global Media, José Paulo Fafe, o WOF terá investido 10,2 milhões de euros desde Setembro, significa assim que o fundo das Bahamas abre mão daquela verba e pretende uma divisão dos activos (e passivos) deste grupo de media.

    Em termos mais concretos, o PÁGINA UM sabe que a estratégia do WOF passa por criar um novo grupo de media, separando-se assim da Páginas Civilizadas e, portanto, da Global Media, que ficaria com o Jornal de Notícias e jornal desportivo O Jogo, bem como com as participações na Lusa e no Diário de Notícias da Madeira (11%). E sem haver, aparentemente, contrapartidas financeiras directas, já que o WOF assume que, além do valor da quota de 51% na Páginas Civilizadas (1,02 milhoes de euros), terá ainda feito suprimentos e assumido outras despesas que totalizam os 10,2 mihões de euros.

    Na prática, caso avance esta proposta, será a concretização do desmembramento de um dos maiores grupos de media do país, embora em profunda crise financeira nos últimos meses, designadamente salários em atraso e um programa de rescisão em curso de até 200 trabalhadores. Com a entrada do WOF em Setembro do ano passado, as revistas Evasões e Volta ao Mundo já tinham formalmente saído da esfera da Global Media, passando para a empresa Palavras de Prestígio, detidas apenas por Marco Galinha.

    Se avançar esta proposta do fundo das Bahamas – que nunca revelou o valor do seu portefólio, nem quem são os investidores principais de um instrumento financeiro apenas disponível a ricos –, o novo grupo garantirá a sobrevivência da empresa que detém a TSF – a Rádio Notícias – Produções e Publicidade – e as suas cinco subsidiárias (Difusão de Ideias, Notícias 2000 FM, Pense Positivo, Rádio Comercial dos Açores, TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, e TSF – Rádio Jornal Lisboa), assumindo as dívidas e o cumprimento do Regime Excepcional de Regularização Tributária, que atingem compromissos de cerca de 1,75 milhões de euros.

    No caso do Diário de Notícias, além de assumir a tentativa de recuperar um periódico que já só vende cerca de 1.500 exemplares, o WHO quer garantir para si a posse do Arquivo Histórico e do seu acervo. Recorde-se que em finais de Julho de 2022, o Governo classificou como “tesouro nacional” o arquivo administrativo e o arquivo da redacção entre 1864 e 2003, bem como o Espólio de Alfredo da Cunha, custodiado pela Global Notícias.

    A Açormedia também estará em cima da mesa numa reunião dos accionistas que deverá ser discutida numa assembleia-geral da Global Media, também desejada pelos seus accionistas minoritários. Apesar de ser uma pequena empresa açoriana, com um volume de negócio inferior a 1,4 milhões de euros, e uma redacção de sete jornalistas, controla o mais antigo jornal português, o Açoriano Oriental, fundado em 1835.

    Por fim, o WOF que ficar também com o jornal digital Motor24, bem como três títulos icónicos da imprensa portuguesa registados em nome da Global Media no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI): 24 Horas (1998-2010), Grande Reportagem (1984-2005, com interrupções) e Tal & Qual, semanário publicado entre 1980 e 2007, mas que foi “ressuscitado” pelo próprio actual CEO da Global Media em 2021 por cedência de Marco Galinha. Em todo o caso, este título é publicado e gerido pela Parem as Máquinas, que não tem ligação à Global Media e deixou de ter Fafe como sócio.

    A proposta encaminhada para os sócios minoritários da Global Media – José Pedro (20,4%) e KNJ Global, de Kevin Ho (29,35%) – pelo WOF coloca a pressão sobre a questão salarial que atinge grande parte dos trabalhadores deste grupo de media. Em caso de concordância no negócio, o fundo das Bahamas diz que “assumiria o pagamento dos salários em dívida referentes ao mês de Dezembro, sendo que os relativos a Janeiro seriam pagos já consoante a divisão proposta”. Ou seja, desligando-se do Jornal de Notícias e de O Jogo, a WOF deixaria não só de pagar salários a partir deste ano como passaria a ‘batata quente’ do avanço ou recuo do programa de rescisões para Marco Galinha e os outros accionistas da Global Media, ou eventuais novos investidores que desejassem ficar com a quota do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas.

    O PÁGINA UM sabe que a operação necessitará de uma maioria qualificada dos accionistas da Global Media, que, saliente-se, não tem directamente capital do empresário Marco Galinha, mas como envolverá a participação da Páginas Civilizadas (onde Marco Galinha detém uma participação relevante, mas minoritária) somente deverá avançar se houver um consenso.

    Saliente-se, aliás, apesar de controlar actualmente este grupo de media por via de um acordo parassocial que lhe deu o direito de nomear dois dos três gerentes da Páginas Civilizadas, o WOF tem, na verdade, apenas uma participação efectiva de 25,63% da Global Media. Directamente, a empresa KNJ Group, de Kevin Ho, tem 29,35% e José Pedro Reis Soeiro 20,4%. De forma indirecta, através de uma empresa sócia da Páginas Civilizadas, a Norma Erudita, o empresário António Mendes Ferreira detém 7%, restando a Marco Galinha e ao seu Grupo Bel (e sempre de forma indirecta) menos de 18%.

    Créditos das fotografias: Fotos 1, 2 e 3 (©somosjn) e 4 (©dnemluta)


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Inédito: Regulador dos media diz ser aceitável exigir pagamento a jornalistas para cobrirem eventos públicos

    Inédito: Regulador dos media diz ser aceitável exigir pagamento a jornalistas para cobrirem eventos públicos


    O V Congresso dos Jornalistas começou hoje. É um evento duplamente público: teve inscrições para jornalistas e não-jornalistas, realizando-se num espaço público (Cinema São Jorge, em Lisboa), pertencente à Câmara Municipal de Lisboa desde 2001. O Estatuto dos Jornalistas diz claramente que os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer em locais abertos ao público quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional. Mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) defende que afinal este evento de jornalistas, financiado por empresas privadas, pode exigir aquilo que nunca ninguém fez: condicionar a cobertura noticiosa de um evento público – que recebeu hoje o Presidente da República e terá mesmo deputados a debaterem a situação da imprensa – a um pagamento prévio. Numa deliberação urgente a concordar com esta cobrança inédita, a ERC comete um ‘conveniente’ erro para defender a sua tese: atribui o estatuto de “local privado” ao Cinema São Jorge para legitimar um pagamento prévio para cobertura noticiosa. Abriu uma caixa de Pandora.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que a exigência de uma inscrição prévia, em montante arbitrário, para a realização da cobertura de um evento público é uma opção válida e “não consubstancia um tratamento discriminatório”. A decisão do regulador, divulgada pelas 17h00 desta quinta-feira, através de uma deliberação de oito páginas, resulta de um pedido de intervenção do PÁGINA UM por via da exigência da Comissão Organizadora do V Congresso dos Jornalistas, que se inicia esta tarde no Cinema (público) São Jorge, e que conta com o apoio financeiro de 13 empresas e uma fundação não ligadas ao sector dos media.

    Apesar do Estatuto do Jornalista determinar que “os jornalistas têm acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa” e que somente nos “espectáculos ou outros eventos com entradas pagas [como o caso do Congresso dos Jornalistas] em que o afluxo de espectadores justifique a imposição de condicionamentos de acesso” se pode implementar “sistemas de credenciação de jornalistas” – não se conhecendo até agora a exigência de pagamento de qualquer verba, quando tal ocorre –, a ERC considera legítimo que a organização deste congresso, presidida pelo jornalista da SIC Pedro Coelho, imponha um pagamento prévio.

    Helena Sousa, presidente da ERC, na tomada de posse, cumprimentando o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.

    Na sua deliberação, o regulador agora presidido por Helena Sousa começa por considerar que “o direito de acesso a locais públicos não constitui um fim em si mesmo”, mas antes uma forma de acesso à informação, o que conclui ser legítimo que o Congresso dos Jornalistas – financiado por empresas privadas fora do âmbito dos media e apoiado também pela autarquia de Lisboa, proprietária do Cinema São Jorge” – imponha um preço de entrada a jornalistas que manifestem a exclusiva intenção de cobertura noticiosa.

    A ERC considera que “a verba é exigida [pela Organização do Congresso dos Jornalistas] a todos os interessados elegíveis, em montante idêntico, sendo clara e declaradamente assumida como uma das receitas utilizadas para o financiamento do congresso”, acrescentando que não cabe ao regulador “sindicar o sentido de tal opção nem discutir se esse financiamento pode ou deve igualmente integrar contributos de entidades públicas e privadas.”

    Recorde-se que, numa altura em que a credibilidade do jornalista é colocada em causa pelas promiscuidades com empresas e poder político, o V Congresso dos Jornalistas – organizado pelo Sindicato dos Jornalistas, Casa de Imprensa e Clube de Jornalistas – decidiu não apenas solicitar inscrições aos participantes e jornalistas que queiram cobrir os eventos, mas também abrir os ‘cofres’ para à entrada de dinheiro, em quantias não divulgadas nem sob eventuais contrapartidas, do Grupo Brisa, da REN, da NOS, dos bancos Santander e Millennium BCP, da Mota-Engil, da Google, da Mercadona, da Delta, da seguradora Fidelidade, da KIA, da Xerox, do IKEA e da Fundação Oriente.

    A ERC diz que Cinema São Jorge é um local privado e que a organização do Congresso dos Jornalistas pode condicionar a cobertura noticiosa ao pagamento prévio de uma verba. Contudo, o Cinema São Jorge é um local público e o evento é público, porque estavam previstas inscrições de não-jornalistas.

    Além destas entidades privadas, o evento conta ainda com apoios institucionais, em moldes também não revelados, do Cenjor, da Agência Nacional Erasmus, da Fundação Inatel (tutelada pelo Governo), da Universidade Autónoma de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa. De entre estas 19 entidades privadas e públicas de relevância noticiosa, somente o Cenjor – um centro de formação de jornalismo – tem ligação directa a temas relacionados com a imprensa.

    Na defesa do sua tese, a ERC até considera que, “em rigor, o local [Cinema São Jorge, um espaço detido pela autarquia de Lisboa] onde se realizará o Congresso dos Jornalistas [que será inaugurado pelo Presidente da República e contará com debates onde participarão deputados e mesmo dos reguladores] não é um local aberto ao público”, apesar de o Estatuto dos Jornalistas determinar que “os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa”.

    Com efeito, e isto não é uma irrelevância, até porque repetido várias vezes na deliberação da ERC, o Cinema São Jorge não é um “espaço privado”, pois pertence à Câmara Municipal de Lisboa desde 2021, sendo gerido pela empresa municipal EGEAC. Ou seja, o Congresso dos Jornalistas é um evento duplamente público: é aberto ao público – inscrições eram feitas pelo TicketOnline, podendo os ingressos ser adquiridos até por não-jornalistas – e realiza-se num edifício público cedido por uma autarquia local. Mais público não poderia ser.

    Pedro Coelho, jornalista da SIC e presidente do V Congresso dos Jornalistas, inovou: num evento público com financiamento de 13 empresas e uma fundação, exigiu pagamento prévio para ser possível a cobertura noticiosa dos debates.

    Contudo, seguindo a tese estapafúrdia de ser o Cinema São Jorge supostamente um espaço privado (que é tão privado como a sede da ERC, na Avenida 24 de Julho em Lisboa), o regulador presidido por Helena Sousa argumenta que “o acesso ao espaço (privado)”, como repete, “em causa “é restringido a jornalistas, estudantes, professores, observadores e convidados da organização” [sendo que estes últimos não pagam], e repete um erro crasso e relevante ao reiterar, mais adiante na sua deliberação, que “o Cinema São Jorge é um espaço (…) privado”.

    Além desse incompreensível ‘erro’ sobre a propriedade do Cinema São Jorge, a ERC também tece uma tese curiosa que acaba por colocar questões deontológicas sensíveis. Com efeito, o regulador salienta que “o [na verdade público] Cinema São Jorge (…) albergará um evento destinado aos jornalistas enquanto tais, para discutir assuntos da profissão, ainda que o acesso a esse evento não lhes seja assegurado com vista ao desempenho da sua actividade de cobertura noticiosa” ressalvando, contudo, que “uma vez nele presente, [os jornalistas] possam, no todo ou em parte, exercitar essa sua atividade típica”.

    Ora, ao inscrever-se e adquirirem o direito de participar na votação de moções, esses jornalistas deveriam estar, por princípio, impedidos de fazerem a cobertura noticiosa para os seus órgãos de comunicação social, uma vez que o Código Deontológico estabelece que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Por fim, o regulador que salienta ser facultativo a possibilidade de credenciação, mas nem sequer reparou que entra em contradição, porque, assim sendo, somente se pode aplicar o princípio geral de acesso, que explicitamente diz que “os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais [abertos ao público] quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”. Ora, a lei não determina – e nunca tem sido prática – o pagamento de uma verba, independentemente da ERC considerar não ser demasiado elevada, sem especificar qual o limite de razoabilidade.

    Assim, com esta decisão o regulador abre a porta para que, em eventos públicos – incluindo outros congressos, espectáculos e mesmo convenções partidárias – passe a ser necessário uma inscrição prévia e um pagamento de entrada para efeitos de cobertura noticiosa. Ora, como a organização está livre de efectuar convites, a imposição de um preço de entrada pode ser um factor condicionante à liberdade de acesso às fontes de informação para jornalistas incómodos. Mas esse aspecto não foi sequer reflectido pela ERC.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • RTP entrega avença jurídica de 160 mil euros a sociedade de advogados com menos de um ano

    RTP entrega avença jurídica de 160 mil euros a sociedade de advogados com menos de um ano


    São quase 160 mil euros, se se incluir IVA, que a administração da RTP decidiu entregar de ‘mão-beijada’ a uma sociedade de advogados com pouco mais de meio ano de existência. O ajuste directo, celebrado em finais de Novembro de 2023, mas apenas divulgado na sexta-feira passada, estipula a entrega, ao longo de três anos, de uma avença mensal de 3.600 euros à Dower CMNS por serviços não especificados de “assessoria jurídica e mandato judicial (…) na área do Direito Laboral”.

    Criada no início de 2023, e sediada no Porto, a Dower CMNS nasceu da saída de quatro advogados de outras sociedades conhecidas, mas com ambições de facturar logo no primeiro ano pelo menos dois milhões de euros. Se não atingirem essa meta, a RTP contribui com quase 160 mil euros, a que acrescem mais oito contratos ‘sacados’ a entidades públicas, entre as quais as autarquias do Porto (e uma empresa municipal), de Caminha e de Lousada, a Área Metropolitana do Porto, a Fundação Casa da Música e a Ordem dos Engenheiros.

    No total, a Dower CMNS sacou contratos no valor de 423.899,99 euros ao longo do ano passado – que ultrapassa o meio milhão, incluindo IVA -, quase todos sem o incómodo da concorrência. Com efeito, somente um contrato no valor de 13.800 euros foi ganho após uma consulta prévia. Todos os outros foram pelos ‘lindos olhos’ – leia-se, se se quiser, pelos inegáveis talentos – dos quatro sócios da novel sociedade: Eduardo Castro Marques, Miguel Cunha Machado, Pedro Neves de Sousa e Nuno Sá Costa.

    No caso concreto do contrato com a RTP – o maior de todos os nove celebrados pela Dower CMNS com entidades públicas –, o Conselho de Administração da empresa pública liderado por Nicolau Santos escolheu uma das mais sui generis fundamentações previstas no Código dos Contratos Públicos.

    No registo constante no Portal Base invoca-se a norma que possibilita uma ajuste directo, mesmo se com uma duração de três anos sem determinação em concreto dos serviços jurídicos, nos casos em que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação (…) e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação, tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Portanto, um palavreado que permite encaixar tudo.

    Os sócios da novel sociedade Dower CMNS: Miguel Cunha Machado, Nuno Sá Costa, Eduardo Castro e Pedro Neves de Sousa. Bons contactos são ‘código postal’ para sacar contratos com entidades públicas sem o incómodo da concorrência.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos na noite da passada sexta-feira ao presidente do Conselho de Administração da RTP, Nicolau Santos, sobre este contrato assinado apenas pelos outros dois administradores (Luísa Coelho Ribeiro e Hugo Figueiredo). Numa primeira reacção, Nicolau Santos manifestou-se surpreso, referindo ter pedido explicações “à Direcção Jurídica [da RTP] sobre o tema”, acrescentando ter esperança de poder responder até meio da tarde de hoje, o que (ainda) não sucedeu.

    Apesar de este ajuste directo com a Dower CMNS ser o maior – e beneficiar sem concorrência uma novel sociedade de advogados –, este não é o único ajuste directo por serviços de advocacia do mandato de Nicolau Santos na liderança da gestão da RTP. De acordo com o Portal Base, desde meados de 2021, quando este antigo jornalista licenciado em Economia pelo ISEG assumiu a presidência da RTP, foram celebrados mais cinco ajustes directos, que beneficiaram a PRA, Raposo, Sá Miranda & Associados (126.000 euros), a Sérvulo & Associados (96.000 euros), a Ferreiro Pinto & Associados (dois contratos, um de 60.000 euros, e outro de 57.600 euros) e a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (20.250 euros). Com IVA, a administração de Nicolau Santos leva já mais de 600 mil euros em ajustes directos para serviços jurídicos.

    Entretanto, esta terça-feira, Nicolau Santos referiu ao PÁGINA UM que a sua administração “segue as boas práticas de mercado, auscultando periodicamente o mercado nas mais variadas circunstâncias, sectores de atividade e projetos, independentemente de avançar ou não, por adjudicação direta”, acrescentando que “sempre que possível, a RTP inclui empresas novas nessas auscultações, como não poderia deixar de ser”. Não explica, contudo, qual a razão pela qual foi auscultada a Dower CMNS especificamente, e não outra qualquer criada recentemente. Além disso, também não explica a necessidade de criar uma avença para serviços que nem sequer são definidos em concreto e que, portanto, poderiam ser até tratados com a ‘prata da casa’.

    Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração da RTP desde 2021.

    Embora o presidente do conselho de administração da RTP saliente ainda que se selecciona, neste e noutros casos, “a empresas que mais se adequa e [se] adjudica formalmente serviços no estrito cumprimento da lei”, os critérios permanecem obscuros. Ou seja, não se sabe, no caso da Dower CMNS e dos outros contratos para aquisição de serviços jurídicos, porque foram aquelas escolhidas e não outras para receberem ‘contratos de mão-beijada’ com dinheiros públicos. Ignorando-se os critérios, a hipótese académica de ser ‘pelos lindos olhos dos advogados’ pode ser, mesmo que por absurdo, ser colocada em cima da mesa.

    O contrato entre a RTP e a Dower CMNS integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 12 e 14 de Janeiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

    PAV

    Nota: O artigo foi complementado em às 17h15 do dia 16 de Janeiro de 2024 com as declarações de Nicolau Santos, presidente do conselho de administração da RTP.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.


    Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 869 contratos públicos, com preços entre os 3,00 euros – para aquisição de material de carpintaria, pela Unidade Local de Saúde da Guarda, através de consulta prévia – e os 2.878.260,34 euros – para aquisição de energia eléctrica, pelos SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 10 contratos, dos quais seis por concurso público e quatro ao abrigo de acordo-quadro.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados oito contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: dois da Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias (ambos com a Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares, um no valor de 390.000,00 euros, e outro no valor de 240.000,00 euros); Município de Gondomar (com a Ronsegur – Rondas e Segurança, no valor de 373.833,60 euros); Serviço Estrangeiros e Fronteiras (com a Securitas, no valor de 236.440,65 euros); três do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (um com a Petrogal, no valor de 206.750,29 euros, outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 132.896,41 euros, e outro com a Bio Portugal – Quimico-farmacêutica, no valor de 107.748,00 euros); e a Rádio e Televisão de Portugal (com a Dower CMNS – Sociedade de Advogados, no valor de 129.600,00 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 12 a 14 de Janeiro

    1Aquisição de energia eléctrica

    Adjudicante: SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas

    Adjudicatário: Acciona Green Energy Developments S.L.

    Preço contratual: 2.878.260,34 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Tondela-Viseu

    Adjudicatário: Bayer Portugal

    Preço contratual: 2.301.862,58 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    3Aquisição de energia eléctrica

    Adjudicante: SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Loures e Odivelas

    Adjudicatário: Acciona Green Energy Developments S.L.

    Preço contratual: 1.780.312,96 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    4Aquisição de equipamento informático

    Adjudicante: Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça

    Adjudicatário: Base2, Lda.

    Preço contratual: 1.469.752,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Fornecimento de gás natural em regime de mercado livre para Portugal Continental

    Adjudicante: Exército Português

    Adjudicatário: Gold Energy – Comercializadora de Energia

    Preço contratual: 959.941,90 euros

    Tipo de procedimento: Ao abrigo de acordo-quadro (artº 259º)


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no período de 12 a 14 de Janeiro

    1 Empreitada de movimentações de terras, reparação de bases de pavimentos rodoviários e drenagem de águas pluviais

    Adjudicante: Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias

    Adjudicatário: Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares

    Preço contratual: 390.000,00 euros


    2Aquisição de serviços de segurança e vigilância privada para instalações de Saúde Pública municipais

    Adjudicante: Município de Gondomar

    Adjudicatário: Ronsegur – Rondas e Segurança

    Preço contratual: 373.833,60 euros


    3Empreitada de movimentações de terras, reparação de bases de pavimentos rodoviários e drenagem de águas pluviais

    Adjudicante: Cascais Próxima – Gestão de Mobilidade, Espaços Urbanos e Energias

    Adjudicatário: Sanestradas – Empreitadas de Obras Públicas e Particulares

    Preço contratual: 240.000,00 euros


    4Aquisição de serviços de vigilância e segurança humana

    Adjudicante: Serviço Estrangeiros e Fronteiras

    Adjudicatário: Securitas

    Preço contratual: 236.440,65 euros


    5Aquisição de gás natural durante os meses de Janeiro e Fevereiro do ano 2024

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

    Adjudicatário: Petrogal

    Preço contratual: 206.750,29 euros


    MAP

  • Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa

    Congresso de jornalistas exige o que ninguém pede: inscrição com pagamento para cobertura noticiosa


    Em plena crise reputacional da Imprensa, a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas decidiu inovar duplamente: pediu apoio financeiro a 13 empresas e uma fundação – entre as quais dois bancos, a construtora Mota-Engil (onde é administrador Paulo Portas, antigo ministro e fundador nos anos 80 do semanário Independente), a Brisa, a REN, a Google e a Ikea – e mesmo assim ainda decidiu exigir pagamento de inscrição aos jornalistas que, sem participar nas moções, apenas desejem fazer a cobertura noticiosa dos debates. Além de o Estatuto dos Jornalistas não permitir a imposição de preços para o acesso de jornalistas a eventos públicos – e neste caso até está prevista a participação do Presidente da República e de seis deputados –, não se conhece casos similares de exigência de qualquer pagamento como condição de entrada a profissionais da imprensa. O PÁGINA UM, mais por uma questão de princípio e de prevenção, solicitou a intervenção urgente e em tempo útil da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que ainda na semana passada interveio num litígio por o partido Chega ter colocado obstáculos ilegais à acreditação do jornalista Miguel Carvalho.


    “Reitere o que entender, reiteramos a nossa resposta”. É assim que Pedro Coelho – jornalista da televisão SIC, professor universitário e presidente da organização do V Congresso dos Jornalistas –, respondeu ao PÁGINA UM, insistindo na aplicação de um pagamento prévio, em violação do Estatuto do Jornalista, para ser permitida a cobertura de um evento público onde, entre outros assuntos, se debaterá o financiamento da imprensa, mas em que a liberdade e o direito de acesso à informação se encontram omissos na programação.

    Com um interregno de sete anos, a Casa de Imprensa, o Clube de Jornalistas e o Sindicato de Jornalistas realizam um novo encontro desta classe profissional, aberto ao público, entre a próxima quinta-feira e domingo. Embora já previsto há mais de um ano, o congresso coincide com um período conturbado em algumas empresas de media, com destaque para a Global Media e a Trust in News. Daí que a organização tenha integrado, de forma extraordinária, na cerimónia de abertura, que terá a presença do Presidente da República, quatro depoimentos de jornalistas da TSF (Filipe Santa-Bárbara), Diário de Notícias (João Pedro Henriques), Jornal de Notícias (Alexandre Panda) e TSF (Mário Fernando).

    Pedro Coelho, jornalista da SIC e presidente do V Congresso dos Jornalistas, inovou: num evento público com financiamento de 13 empresas e uma fundação, exige pagamento prévio para ser possível a cobertura noticiosa dos debates.

    A componente financeira aparenta ser, pela sua predominância do programa do congresso, um dos temas centrais, embora estranhamente sem a participação de administradores das empresas de media, que no programa são ‘substituídos’ por jornalistas e directores dos diversos órgãos de comunicação social, alguns dos quais têm promovido e participado em eventos pagos por empresas privadas e públicas, contribuindo assim para uma descredibilização da profissão e da reputação da imprensa.

    Aliás, sem terem sido revelados os montantes concedidos nem as contrapartidas, as três entidades organizadoras aceitaram apoios financeiros do Grupo Brisa, da REN, da NOS, dos bancos Santander e Millennium BCP, da Mota-Engil, do Google, da Mercadona, da Delta, da seguradora Fidelidade, da KIAS, da Xerox, do IKEA e da Fundação Oriente. Além disso, contam ainda com apoios institucionais do Cenjor, Agência Nacional Erasmus, Fundação Inatel, Universidade Autónoma de Lisboa e Câmara Municipal de Lisboa. De entre estas 19 entidades privadas e públicas de relevância noticiosa, somente o Cenjor, um centro de formação de jornalismo, tem ligação directa a temas relacionados com a imprensa. A Mota-Engil conta, desde 2023, com Paulo Portas como administrador. Recorde-se que este antigo ministro e ex-líder do CDS fundou em 1988 o jornal Independente, mas as suas ligações aos media circuncrevem-se agora ao comentário político na TVI.

    Apesar de o V Congresso dos Jornalistas ser um evento explicitamente público – ou seja, não é fechado sequer em exclusivo ao jornalistas –, e tanto assim que conta com o “Alto Patrocínio” da Presidência da República, havendo também um debate com deputados de seis partidos (PS, PSD, Chega, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PCP), a Comissão Organizadora, liderada por Pedro Coelho, exige um pagamento prévio aos jornalistas que apenas queiram fazer a cobertura dos eventos. Mesmo se estes explicitem que não pretendem qualquer tipo de participação, como seja votação de moções.

    Congresso dos Jornalistas é financiado por uma fundação e 13 empresas, entre as quais a construtora Mota-Engil, que tem Paulo Portas como administrador. O antigo ministro e líder dos CDS-PP, fundador do semanário Independente nos finais dos anos 80 (conhecido pela sua irreverência), mantém agora um pé na imprensa como comentador da TVI.

    Saliente-se que o direito de acesso a locais públicos e o exercício desse direito por jornalistas com carteira profissional estão explicitamente consagrados no Estatuto do Jornalista. Sendo que o congresso dos jornalistas é público – admitindo-se a inscrição, sob pagamento, também de não-profissionais do sector, que não têm direito a votar em moções –, o diploma legal de 1999 diz que “os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais [onde se realizam eventos em locais abertos ao público] quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei”.

    Ora, o condicionamento do acesso, como exige a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas, ao pagamento prévio de um montante, independentemente do valor, viola a lei. Aliás, a legislação refere que “nos espectáculos com entrada paga”, somente se os locais destinados à comunicação social se mostrarem insuficientes, podem ser aplicadas algumas restrições, mas ao nível de prioridades, sendo que os órgãos de comunicação de âmbito nacional e os de âmbito local do concelho onde se realiza o evento têm primazia sobre os demais. Mas está impedido que esse condicionamento seja feito sob a forma de pagamento.

    Aliás, se tal se verificasse poderia suceder uma espécie de “leilão de acesso” ou até uma imposição de pagamento arbitrário que, na prática, impedisse a cobertura noticiosa. Se esta prática de exigência de pagamento que a Comissão Organizadora do Congresso dos Jornalistas justifica como aceitável e legal passasse a ser prática comum, diversas entidades poderiam conseguir afastar ‘jornalistas incómodos’ exigindo, para a sua entrada, somas exorbitantes.

    Em todo o caso, e apesar do PÁGINA UM ter procurado junto da Comissão Organizadora que indicassem exemplos similares, até agora não são conhecidos outros casos em que os organizadores de um qualquer evento com interesse mediático tenham exigido uma inscrição com pagamento aos jornalistas para acederem aos locais.

    Independentemente do montante exigido para se aceder ao evento (20 euros) sobre o qual deseja fazer cobertura noticiosa – tanto que o jornal há meses tem uma secção especificamente dedicada à imprensa –, o PÁGINA UM solicitou uma intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social com carácter de urgência – e em tempo útil, como sucedeu (e bem) recentemente com a acreditação solicitada pelo jornalista Miguel Carvalho para acesso à convenção do Chega em Viana do Castelo.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade

    Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade


    Desde Agosto de 2022, a mortalidade diária causada pela covid-19 nunca ultrapassou em qualquer mês a fasquia dos 10 óbitos, e a mediana está nos sete, exactamente o valor que se contabiliza nesta primeira quinzena de Janeiro. A covid-19, que desde Maio do ano passado está oficialmente endémica, ‘continua por aí’, mas sem constituir um risco de Saúde Pública relevante, sendo responsável apenas por cerca de 1,3% do total das mortes. Mas com o anormal acréscimo da mortalidade das últimas semanas, que o Ministério da Saúde recusa analisar, a Direcção-Geral da Saúde decidiu promover mais um ‘booster’ da vacina contra a covid-19. No comunicado de imprensa desta entidade, agora liderada por Rita Sá Machado, diz que esta recomendação foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”. O parecer, porém, não foi disponibilizado ao PÁGINA UM, que o pediu por três vezes. Não admira: não existe formalmente qualquer “Comissão Técnica de Vacinação Sazonal“.


    Sem qualquer alteração relevante nos principais indicadores epidemiológicos, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) passou a recomendar a vacinação contra a covid-19 para os maiores de 18 anos. A instituição agora liderada por Rita Sá Machado salientou ontem, em nota de imprensa, que esta mudança nas recomendações – que inclui também o alargamento da vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos – foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”.

    O PÁGINA UM, apesar de ter solicitado por três vezes esse parecer à assessoria de imprensa da DGS, recebeu como resposta um triplo silêncio. Saliente-se, porém, que não existe formalmente, ao contrário do indicado pela comunicação da DGS, uma Comissão Técnica de Vacinação Sazonal. Existia já, antes da pandemia da covid-19, uma Comissão Técnica de Vacinação, constituída por um grupo de peritos para acompanhamento dos planos de vacinação contra diversas doenças, e a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), criada em finais de 2020, que tem o seu último parecer publicado em Março do ano passado.

    three glass bottles on white table

    Em todo o caso, e independentemente de se estar perante um pico de mortalidade total – nas últimas três semanas (22 de Dezembro a 11 de Janeiro) registaram-se 10.072 mortes, uma média diária de 480 óbitos –, os casos positivos de SARS-CoV-2 e as fatalidades causadas pela covid-19 encontram-se em valores que se podem considerar normais na actual fase endémica.

    Com efeito, analisando os dados oficiais desde 22 de Dezembro de 2023 até 11 de Janeiro deste ano, contabilizam-se apenas 3.024 positivos – a estratégia e os critérios para a realização de testes modificaram-se em meados de Setembro de 2022 –, contabilizando-se 131 óbitos por covid-19. Este número indica uma média diária próxima de seis óbitos, com uma variação entre os dois (dia 26 de Dezembro) e os 10 (dia 28 de Dezembro). Este ano, o número máximo atingiu-se no passado dia 8, com nove óbitos, mas nos dias 10 e 11 registaram-se apenas quatro.

    Considerando o período posterior à declaração pela Organização Mundial da Saúde do fim da Emergência de Saúide Pública de Importância Internacional, em 5 de Maio do ano passado, a mortalidade causada pela covid-19 nas últimas semanas não mostra qualquer anomalias. Aliás, se compararmos as últimas três semanas como período homólogo anterior (22 de Dezembro de 2022 a 11 de Janeiro de 2023), a situação actual até é mais favorável: 131 óbitos agora; 171 óbitos no período anterior.

    Evolução epidemiológica da covid-19 desde o dia da declaração do fim da Emergência

    Caso se queira comparar ainda com os dois períodos anteriores subsequentes, ainda mais se releva que o cenário não parece justificar um programa de vacinação para grupos etários que nem em pleno pico pandémico, ainda com fraca imunidade natural, tinham risco relevante, em especial pessoas sem comorbilidades relevantes.

    De facto, no período de 22 de Dezembro de 2021 a 11 de Janeiro de 2022, os dados oficiais apontam para 847 óbitos por covid-19, ou seja, mais de seis vezes os valores actuais, enquanto no mesmo período de 2020-2021 a mortalidade associada ao SARS-CoV-2 foi de 1.859 óbitos, isto é, 14 vezes superior aos valores actuais. Além disso, em Janeiro de 2021 havia uma tendência crescente de infecções – o que está longe de suceder agora –, que levaria, a par do colapso das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde e de uma vaga de frio, que a mortalidade por covid-19 chegasse a rondar quase os 300 óbitos em alguns dias.

    Observando também a evolução da mortalidade ao longo dos últimos meses – e mesmo ao longo de 2023, num período em que a imprensa mainstream simplesmente deixou de acompanhar a covid-19 depois de uma overdose noticiosa de quase três anos –, destaca-se, do ponto de vista de Saúde Pública, uma ‘normalidade’: a covid-19 contribui para cerca de 1,3% das mortes e desde Agosto de 2022 todos os meses estiveram abaixo de uma média diária de 10 óbitos, sendo que a mediana é de sete, o valor actual do presente mês de Janeiro.

    Mortalidade média diária atribuída à covid-19 entre Março de 2020 e Janeiro de 2024 (até ao dia 11). Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Para um termo de comparação, no Verão de 2022, em vésperas de se levantar praticamente todas as restrições, a mortalidade por covid-19 ainda atingiu os 33 óbitos diários em Junho (987 nos 30 dias) e o pior desse ano foi Fevereiro, com 1.116 óbitos, o que dá uma média diária de 40.

    Em todo o caso, estes valores já eram muito mais baixos dos que se registaram no Inverno de 2020-2021, embora os critérios dessa contabilização sejam muito discutíveis,uma vez que bastava haver um teste positivo no momento da morte para o óbito ser declarado como causado pela covid-19. Por isso, em Janeiro de 2021 estão referenciados oficialmente 187 óbitos de média diária (5.805 nos 31 dias) e no mês seguinte uma média diária de 127, resultante de 3.557 mortes.

    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra.

    person holding white plastic bottle

    Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda continua, através de iniciativas do seu FUNDO JURÍDICO, a aguardar decisões dos tribunais administrativos relacionados com intimações para acesso a informação de Saúde, nomeadamente a base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), a base de dados dos internamentos, a base de dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19, os contratos de compra de vacinas (que excedem em muito as necessidades) e diversa outra informação sobre a gestão da pandemia. Em alguns casos, os processos de intimação estão em curso há quase dois anos.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Falar Global: programa da CMTV vai assumir (finalmente) que não é conteúdo informativo

    Falar Global: programa da CMTV vai assumir (finalmente) que não é conteúdo informativo


    Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já abrira um processo de contra-ordenação por violação da Lei da Televisão, uma vez que o programa Falar Global tinha conteúdos comerciais e era assumido pela CMTV como informação. Para tentar corrigir esta situação, Reginaldo Rodrigues de Almeida, o apresentador que andava a assinar com a sua empresa contratos comerciais para patrocinar este programa, suspendeu a carteira profissional de jornalista, mas foi continuando os seus negócios. No início deste mês, sacou um novo patrocínio de Isaltino Morais para promover no Falar Global a marca Oeiras Valley. A direcção editorial da CMTV, na iminência de nova sanção da ERC, decidiu que o programa é aquilo que tentava não ser: um conteúdo comercial incompatível com a presença de jornalistas.


    Ao jornalismo o que é do jornalismo; e ao marketing o que é do marketing. A direcção editorial da CMTV decidiu esta semana passar a retirar quaisquer referências ao carácter informativo do polémico programa Falar Global, emitido semanalmente naquele canal televisivo do grupo MediaLivre (ex-Cofina Media). Na ficha técnica vai deixar de constar a menção a ser um programa da responsabilidade da direcção de informação da CMTV, e não será permitida a participação de qualquer jornalista. O programa destaca sobretudo temas de tecnologia e inovação, promovendo produtos e também instituições universitárias e empresas, mas até agora mostrava-se aos telespectadores como se fosse um produto informativo.

    Esta decisão surge após o PÁGINA UM ter detectado mais um contrato de 50 mil euros, assinado já este mês entre a empresa Kind of Magic, detida pelo co-autor do Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e a Câmara Municipal de Oeiras para “aquisição de conteúdos publicitários de divulgação da marca ‘Oeiras Valley’ naquele programa. Aquele empresário é também professor da Universidade Autónoma de Lisboa, sendo membro dos Conselhos Científico e Pedagógico.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, professor da Universidade Autónoma de Lisboa, usou carteira profissional de jornalista para montar um programa de informação que, na verdade, estava ‘inundado’ de conteúdos comerciais escondidos.

    Em Novembro passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC)  já instaurara um processo de contraordenação à Cofina Media por causa deste programa semanal por transmitir conteúdos comerciais num programa supostamente informativo com a participação de jornalistas (Reginaldo Rodrigues de Almeida e Suely Costa) e onde surgia uma ficha técnica que incluía mesmo o nome do director daquele canal televisivo e também do Correio da Manhã, Carlos Rodrigues.

    O regulador, conforme noticiado pelo PÁGINA UM em Novembro passado, analisou três programas de Reginaldo Rodrigues de Almeida na CMTV, e destacou que “a participação de jornalistas em conteúdos que resultam do pagamento de contrapartidas por entidades externas compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente”, acrescentando também que “a salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses promocionais de entidades externas à redação”.

    E concluía ainda que “daí decorre que a transparência e independência editorial não podem ser caucionadas de forma cabal em conteúdos pagos que são escritos por jornalistas”, o regulador destaca a singularidade de o jornalista, que é um dos autores do programa e que o apresenta [Reginaldo Rodrigues de Almeida] ser o proprietário da empresa (Kind of Magic) que celebrou os dois contratos com as entidades externas ao órgão de comunicação social, o Município de Oeiras e a Universidade de Aveiro, dos quais resultaram os conteúdos exibidos nas três edições do ‘Falar Global’ aqui em análise”.

    Ficha técnica do programa Falar Global emitido no passado dia 9 de Janeiro. Será o último com referência à direcção de informação da CMTV, assumindo-se a partir de agora como um conteúdo comercial.

    Além de dar um conjunto de ‘recados’ críticos à CMTV, a ERC decidiu ainda decidiu remeter a sua deliberação para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para “averiguação de eventual incumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas”. Antes desta decisão, podia-se assistir no Falar Gobal às conversas de Suely Costa, que se apresentava como jornalista de forma explícita, a auxiliar a promoção da venda, por exemplo, de auriculares com purificação de ar, de caixotes de lixo que fecham os sacos e até de cotonetes electrónicos.

    Ora, de acordo com a Lei da Televisão, “os serviços de programas televisivos e os serviços de comunicação audiovisual a pedido, bem como os respectivos programas patrocinados”, devem ser “claramente identificados como tal pelo nome, logótipo ou qualquer outro sinal distintivo do patrocinador dos seus produtos ou dos seus serviços”. Algo que não sucedeu pelo menos nos casos dos diversos contratos públicos revelados em Agosto passado pelo PÁGINA UM.

    Além de contribuir para desprestigiar a profissão de jornalista, a violação deste princípio de separação entre informação e conteúdos comerciais conduz a uma contraordenação considerada grave, que, no caso em apreço pode valer à nova dona da CMTV, que tem como sócio principal o futebolista Cristiano Ronaldo, uma multa entre os 20 mil e os 150 mil euros.

    Nos últimos programas de 2023, já em consequência da deliberação da ERC, extremamente crítica para a CMTV, o apresentador do programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida, e Suely Costa – que conduzia sempre uma rubrica com o mesmo convidado da empresa iServices, chegando mesmo a promover a compras dos produtos divulgados – deixaram de se apresentar como jornalistas.

    Começando com uma curta rubrica dedicada à Ciência e Tecnologia em 2015 na CMTV, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi transformando o Falar Global num programa comercial ‘travestido’ de informação.

    Segundo apurou o PÁGINA UM, os dois terão entregado a carteira, uma vez que os seus nomes já não surgem no registo público da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), por a actividade comercial ser incompatível. No entanto, se a CCPJ assim quiser – ou estiver interessada em contribuir para terminar com a promiscuidade entre jornalismo e actividades comerciais –, poderá ainda accionar mecanismos sancionatórios contra aqueles dois jornalistas com carteira suspensa.

    Segundo revelou ao PÁGINA UM fonte oficial da CMTV, além da retirada de menção a um alegado carácter informativo do Falar Global, será feita “uma alusão clara” de o programa ser “da responsabilidade da produtora Kind of Magic”, e que sempre que forem emitidos conteúdos relacionados com a marca “Oeiras Valley” – como Isaltino Morais pretende dar a conhecer aquele município português – haverá referência expressa. A mesma fonte adiantou que a CMTV irá comunicar ao regulador a mudança de procedimentos, até para evitar um agravamento da sanção pelas violações à Lei da Televisão cometidas


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Estranhos negócios: Fundo das Bahamas comprou empresa com passivo de 6 milhões para controlar grupo de media com passivo de 55 milhões

    Estranhos negócios: Fundo das Bahamas comprou empresa com passivo de 6 milhões para controlar grupo de media com passivo de 55 milhões


    No epicentro de uma ‘crise’ não apenas financeira mas também política, continua sem se conhecer os investidores do fundo das Bahamas que quiseram controlar a Global Media, um dos mais importantes grupos de media em Portugal, incluindo os históricos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Mas mais do que inquirir sobre quem está por detrás do World Opportunity Fund, há a ‘pergunta de um milhão’: sabendo-se que teve oportunidade de vasculhar contas e operações contabilísticas antes de concretizar a compra da quota a Marco Galinha, por que motivo o fundo das Bahamas foi adquirir uma empresa com um passivo de seis milhões de euros para depois poder controlar outra com um passivo de 55 milhões de euros, ainda por cima quase falida? E por onde andou o regulador no segundo semestre de 2023? E o Governo, que sabia da dívida de 10 milhões de euros ao Estado por parte da Global Media, não sabia de nada?


    Apesar de o controlo do World Opportunity Fund sobre a Global Media se ter concretizado apenas em 23 de Outubro do ano passado – com a aquisição da quota de Marco Galinha por um pouco menos de 1,1 milhões de euros –, o actual CEO deste grupo, José Paulo Fafe, já se encontrava como gerente da Páginas Civilizadas desde 24 de Julho, ou seja, a interferência do fundo das Bahamas iniciou-se muito antes da formalização do acordo de compra.

    Na verdade, ao contrário daquilo que indiciam as trocas de acusações entre os diversos accionistas da Global Media, a venda da quota de Marco Galinha, até então o sócio maioritário do grupo de media, ao fundo das Bahamas não se fez de forma repentina nem sem que as duas partes conhecessem, em concreto e por antecipação, a situação financeira em detalhe e os objectivos para o futuro. Até Marco Galinha, que não se desfez por completo da sua participação na Global Media, mantendo uma posição indirecta de um pouco menos de 25%.

    Ascensão e queda: Marco Galinha (ao centro) teve em 2020 uma entrada fulgurante como empresário dos media, mas está já de saída, sendo apenas o quarto maior accionista da Global Media. Conseguiu, com a venda ao fundo das Bahamas, fugir literalmente do ‘olho do furacão’.

    Como costuma ser habitual em negócios deste género, o World Opportunity Fund tratou logo de meter José Paulo Fafe na gerência da Páginas Civilizadas mesmo antes da compra de parte das quotas daquela empresa, que lhe daria o controlo indirecto da Global Media. Por regra, esse processo – que se denomina, em inglês, due diligence – permite uma averiguação detalhada dos activos e dos passivos de quem compra, para assim validar o interesse na aquisição sem surpresas à posteriori. O fundo das Bahamas passou assim, através de Fafe, a conhecer não apenas as demonstrações financeiras (e o relatório e contas) da Global Media, onde se destacava o passivo de quase 55 milhões de euros em 2022, como as operações contabilísticas em detalhe ao longo de vários meses.

    Neste contexto, mostra-se bastante estranho que numa newsletter do início deste ano da Comissão Executiva da Global Media, já presidida por José Paulo Fafe, surjam acusações contra a anterior administração – liderada por Marco Galinha (que ainda se mantém na administração sem funções executivas) – de ter solicitado a fornecedores que “somente facturassem após a conclusão do negócio com o World Opportunity Fund”. Se tal ocorreu, também é certo que apenas por falta de cuidado na due diligence. Além disso, recorde-se que José Paulo Fafe e Marco Galinha mantinham relações há muitos anos, tanto assim que o primeiro refundara o semanário Tal&Qual em 2021 com autorização do segundo, uma vez que o título daquele período está registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como marca da Global Media.

    Aliás, a entrada da World Opportunity Fund fez-se sentir logo nos primeiros meses de 2023 com a renúncia de praticamente toda a administração anterior de Marco Galinha, onde pontuavam Helena Ferro de Gouveia – agora com uma veniaga na autarquia socialista de Almada –, Guilherme Pinheiro, Domingos de Andrade (que acumulava funções editoriais) e João Pedro Soeiro. A renúncia deste último, em 5 de Maio do ano passado, mostra-se estranha, porque continua a ser detentor directo de 20,4% do capital social da Global Media.

    José Paulo Fafe entrou, como ‘ponto de contacto’ da World Opportunity Fund, na Páginas Civilizadas antes da aquisição da quota a Marco Galinha.

    Já terá sido dinheiro do World Opportunity Fund a entrar em finais de Junho na Global Media para concretizar um aumento de capital, subsequente a uma redução para cobertura de prejuízos. Nessa altura, numa fase avançada das negociações para a compra da Páginas Civilizadas pelo fundo das Bahamas – e com José Paulo Fafe como gerente dessa empresa que controla a Global Media –, entrou em numerário, mediante a emissão de 417.792 novas acções, um total de 1.558.364,16 euros. Como a Páginas Civilizadas detém 50,2% do capital da Global Media, o World Opportunity Fund entrou, por aqui, com cerca de 780 mil euros. Desconhece-se por agora se houve entrada de mais verbas sob a forma de empréstimo de accionistas, uma forma expedita usada anteriormente, de modo a se obter rentabilidade mesmo em situação de prejuízos, e também para ser mais fácil recuperar os montantes investidos.  

    Contudo, em tudo isto, mais estranho do que a própria entrada do World Opportunity Fund, um veículo de investimento que visa lucro contínuo, como accionista da Global Media – em situação económica e financeira periclitante há anos, com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 –, acaba por ser a opção pela aquisição da Páginas Civilizadas, uma vez que esta empresa, criada em 2020 por Marco Galinha, apresentava um passivo no final de 2022 de mais de 6,1 milhões de euros. E isto com um capital próprio de pouco mais de dois milhões de euros. Ou seja, a World Opportunity Fund, ao comprar 51% da Páginas Civilizadas não pagou a Marco Galinha apenas 1,02 milhões de euros; também assegurou a responsabilidade por 51% do passivo, ou seja, mais de três milhões de euros. João Paulo Fafe revelou em audição no Parlamento que o World Opportunity Fund terá gastado 7 milhões de euros para adquirir a posição de 51% nas Páginas Civilizadas a Marco Galinha.

    O percurso da curta vida da Páginas Civilizadas tem, na verdade, algumas situações peculiares. Constituída em 2 de Setembro de 2020 para servir de veículo financeiro para a entrada de Marco Galinha como accionista da Global Media, a Páginas Civilizadas não tem actividade editorial propriamente dita, tanto assim que contava em 2022 com apenas dois funcionários com um salário médio a rondar os 2.000 euros. Contudo, mesmo sem qualquer actividade que tal justificasse a empresa apresentou nesse ano uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros, sendo que se contabilizaram gastos superiores a 5,7 milhões de euros, resultando, com outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, um lucro de 29 mil euros.

    Em Julho do ano passado, o PÁGINA UM começou a questionar Fernando Medina, ministro das Finanças, sobre as dívidas de 10 milhões de euros ao Estado por parte da Global Media, dos quais cerca de 7 milhões assumidas ao longo do exercício de 2022. O governante recusou sempre responder. Este mês, o CEO da Global Media, José Paulo Fafe, admitiu que a empresa deve, actualmente, 7,5 milhões de euros.

    Que serviços (e a quem) a Páginas Civilizadas prestou com dois empregados, é uma incógnita; e para onde se destinou o dinheiro dos gastos, também se desconhece. Uma hipótese para tamanho volume de negócios terá sido a facturação de determinados serviços executados pela Global Media, uma situação que, uma due diligence, certamente detectaria como irregular e até bastante lesiva para os outros accionistas do grupo de media.

    Analisando as demonstrações financeiras da Páginas Civilizadas dos seus três primeiros anos de existência (2020, 2021 e 2022), há muitos aspectos sombrios. Quando a criou, Marco Galinha não incorporou logo na Páginas Civilizadas os investimentos na Global Media e na Lusa, nem tão pouco lhe chegou dinheiro fresco dos seus então sócios a título de capital social de dois milhões de euros: o Grupo Bel e as Páginas de Prestígio, ambas ainda sob seu controlo. Com efeito, no balanço de 2020 ainda não constava qualquer valor na rubrica de investimentos financeiros, e a maior rubrica dos activos (então de 2.193.774 euros) era referente a “outras contas a receber”.

    Ignora-se se o Grupo Bel e a Páginas de Prestígio chegaram alguma vez a fazer entrar dinheiro na Páginas Civilizadas, porque as demonstrações de fluxo de caixa entregues na Base de Dados das Contas Anuais estão vazias nos três anos de exercício (2020, 2021 e 2022) consultados pelo PÁGINA UM. Certo é que 2021 foi, na verdade, ano para fazer engordar o passivo da maior accionista da Global Media e da Lusa. Nesse ano, os dois funcionários conseguiram facturar um pouco menos de 165 mil euros, e entre gastos e outros ganhos, a Páginas Civilizadas até acabou o ano com um lucro de 78 mil euros.

    Marco Galinha controlava a Global Media desde 2020, mas com a ‘sangria financeira’ e o calote ao Estado, começou a desfazer-se dos investimentos e também da crise, entretanto ‘chutada’ para um fundo das Bahamas.

    Porém, em contrapartida, o passivo – que em 2020 era de 191 mil euros – disparou para os 10,6 milhões de euros. Uma parte deste passivo deveu-se a um financiamento de longo prazo de quase 3,4 milhões de euros – além de outro de curto prazo de cerca de 560 mil euros –, mas aparentemente a Páginas Civilizadas terá passado a assumir dívidas de outras entidades, em princípio da Global Media. Isto porque em 2021 o activo da Páginas Civilizadas passou já a incluir as participações directas na Global Media e na Lusa (valorizadas em 5,7 milhões de euros), mas no passivo, além dos quase 4 milhões de empréstimos bancários, acresceram aproximadamente 6,7 milhões de euros de “outras contas a pagar”. A quem? E por que actividade? Mistérios não esclarecidos pela gerência da empresa que já em Outubro do ano passado foi questionada pelo PÁGINA UM.

    Em 2022, com o extraordinário e inexplicável aumento da facturação, embora os seus lucros tenham sido de apenas 29 mil euros, é certo que o passivo da Páginas Civilizadas desceu, situando-se, mesmo assim, nos 6,1 milhões de euros, ou seja, três vezes superior ao capital próprio. Essa redução ter-se-á devido sobretudo ao pagamento de devedores, porque houve uma redução da rubrica “outras contas a receber”, que terá permitido o abate de uma parte da dívida do ano anterior. No entanto, isto são suposições, tendo em conta a ausência de esclarecimentos da gerência das Páginas Civilizadas e da ausência de dados nas demonstrações de fluxos de caixa.

    Por outro lado, a dívida de longo prazo diminui apenas para os 738 mil euros, mas em compensação a rubrica de “outras contas a pagar” (que não são fornecedores) continuou alta, situando-se nos 4,8 milhões de euros.

    Ivan Hooper (à esquerda), CEO da The Winterbotham Trust Company Limited, e Clement Ducasse (à direita), sócio da UCAP Bahamas Limited, são respectivamente administrador e gestor do World Opportunity Fund, conforme registo no Securities Commission of the Bahamas (SCB). Não se conhece a identidade dos investidores.

    Em suma, nesta análise financeira do PÁGINA UM às contas da maior accionista da Global Notícias, que detém também quase um quarto do capital da Lusa, talvez o maior mistério seja mesmo conhecer não tantos os investidores individuais mas sobretudo a razão pela qual um fundo de investimento das Bahamas compra parte de uma empresa (a Páginas Civilizadas) já fortemente endividada ao fim de três anos, que detém, por sua vez, uma empresa de media (Global Media) com prejuízos acumulados de quase 42 milhões de euros desde 2017, e ainda com uma dívida ao Estado que, no final de 2022, ascendia aos 10 milhões de euros.

    Saliente-se ainda que o PÁGINA UM tentou ao longo do último semestre do ano passado que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) explicasse as razões pela qual não investigava em detalhe as contas da Global Media – que ainda por cima tem participação na Agência Lusa, uma empresa maioritariamente pública – para saber o motivo de não estar discriminado no Portal da Transparência o calote de 10 milhões de euros ao Estado, e conhecer outras informações relevantes. A ERC tergiversou sempre.

    Em Novembro passado, por exemplo, o regulador respondeu ao PÁGINA UM que, “não obstante, pontualmente e por razões proporcionais e necessárias, poder recorrer ao cruzamento com outras fontes disponíveis para verificar o cumprimento” das exigências de informação verdadeira no Portal da Transparência dos Media, como “o universo de regulados é vasto”, procurava promover “o tratamento equitativo de todos eles”. Portanto, para o regulador, avaliar o pasquim da Vila da Pocariça [N. D., que não existe] parecia ser uma prioridade similar à da Global Media. O impacte da crise nesta empresa, com efeitos até políticos, e com eventuais consequências financeiras para os contribuintes, tem demonstrado o contrário.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.