O almirante na reserva Gouveia e Melo vai deixar de ser professor e regente da disciplina de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – pomposamente denominada Nova School of Law –, apesar de o seu nome ter ainda constado dos horários do segundo semestre do actual ano lectivo (2024/2025), divulgados pela instituição universitária nos últimos dias de Dezembro.
De acordo com o documento a que o PÁGINA UM teve acesso, com data de 30 de Dezembro de 2024, Gouveia e Melo mantinha-se como responsável da cadeira de Maritime Security no mestrado em Direito e Economia do Mar, repetindo o estatuto de regente dos dois anos lectivos anteriores, embora nunca tenha leccionado. Mas depois de novas perguntas do PÁGINA UM à Nova School of Law sobre a sua manutenção no corpo docente, a instituição universitária aparentemente ‘exautorou’ Gouveia e Melo, que afinal só leccionava a cadeira de Maritime Security “enquanto CEMA [Chefe do Estado-Maior da Armada], por inerência”, o que deixou de ser no passado dia 27 de Dezembro.
Em nota transmitida por uma agência de comunicação privada, a LPM, por via de um contrato público no valor de 29.760 euros celebrado em Fevereiro de 2023 com a Nova School of Law – cuja inserção no Portal Base apenas ocorreu no passado dia 9 de Dezembro, três dias após uma anterior notícia do PÁGINA UM –, é dito ainda que “se aguarda indicações da Marinha Portuguesa sobre a equipa que assegurará essa cadeira no próximo semestre”, acrescentando que os novos horários, corrigidos no início da semana passada, já “não têm qualquer referência ao almirante Gouveia e Melo”.
Porém, no site do mestrado, consultado esta tarde pelo PÁGINA UM, na descrição da cadeira de Segurança Marítima, o nome de Gouveia e Melo continua referido, informando-se que “o programa é narrativo”, e que “possui uma introdução em três partes, que seguem a lógica do título do programa”, acrescentando ainda que as “suas metodologias de ensino, como convém à ADN da faculdade, são aulas teórico-práticas interactivas que envolvem a participação dos alunos” E diz-se ainda que, “em alguns casos, os alunos podem decidir fazer apresentações sobre o tema da sessão, caso em que a interacção se torna mais espessa e multicêntrica”.
Seja como for, o ‘despedimento’ sem honra nem glória de Gouveia e Melo – que mantém ainda activo o e-mail institucional, embora não tenha respondido ao pedido de comentários do PÁGINA UM – contrasta com o entusiasmo de um comunicado da instituição universitária quando anunciou a sua ‘contratação’, sem nunca referir que era apenas Chefe do Estado-Maior da Armada.
O comunicado destacava em especial o seu papel de coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 e salientava que a sua ‘contratação’ – que até agora não se sabe se envolveu pagamentos – constituía um exemplo do “empenho [da Nova School of Law] em robustecer o nosso corpo docente com os melhores e mais talentosos profissionais, contribuindo para a excelência deste mestrado, que se destaca pela sua natureza diferenciada, assente numa visão ampla e integrada, consciente de que no mar estão os maiores desafios e oportunidades do planeta para um desenvolvimento sustentável”.
Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no mês passado, o almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, sobretudo porque afinal nunca existiu um protocolo entre as duas entidades.
O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.
Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existia “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.
Em concreto, a colaboração nos dois anos lectivos anteriores (2022/2023 e 2023/2024) de Gouveia e Melo – e de militares a si subordinados, que acabaram por leccionar as aulas, sem sequer serem (re)conhecidos os seus nomes como docentes – seria legal, mas mesmo assim sujeita a concordância da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), se estivesse suportada num protocolo. Porém, na verdade, esse propalado protocolo somente viu a luz do dia, passando então finalmente a existir, no final do mês de Dezembro passado, depois das revelações do PÁGINA UM.
A revelação de que Gouveia e Melo nunca deu uma aula, que o seu nome nunca foi convenientemente aprovado pelo Conselho Científico da Facudade de Direito e que essa regência não estava prevista na renovação da acreditação pela A3ES estavam a constituir mais um incómodo do que uma vantagem para a instituição universitária.
A própria coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, antiga ministra centristra, chegou mesmo a revelar uma fotografia a revelar uma visita à Base Naval do Alfeite em Novembro de 2022, acompanhada pela filha, e tendo como ‘cicerone’ o Almirante Gouveia e Melo, referindo-o como responsável da cadeira de Segurança Marítima, quando tal nem sequer fora divulgado pela Faculdade de Direito. Perante a celeuma, a continuação da regência por parte de Gouveia e Melo nem ao próprio seria vantajosa num cenário de candidatura às Presidenciais de 2026.
Em todo o caso, a Marinha, agora liderada pelo almirante Nobre de Sousa desde 27 de Dezembro passado, não quis remeter o seu conteúdo ao PÁGINA UM, recusando satisfazer um legítimo pedido de acesso em prol da necessária transparência, dizendo que “será divulgado publicamente em breve”. O gabinete de imprensa da Marinha não definiu o conceito de “breve”.
A Marinha descarta também responsabilidades no afastamento de última hora do putativo candidato a Belém nas funções de regência da cadeira de Segurança Marítima. “No caso da eventual referência ao Senhor Almirante Gouveia e Melo nos horários do próximo semestre da Nova School of Law, bem como à sua divulgação, trata-se de matérias do foro exclusivo da referida faculdade, pelo que se sugere contacto directo com a mesma”, disse o gabinete de imprensa do Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM.
Há derrotas que doem e há derrotas que humilham. E depois há ainda aqueloutras cuja única redenção entronca no olvido. Aquela do Benfica contra o Braga, em tempos hodiernos na cronologia, mas em tempos de antanho na memória, inscreve-se neste último e mui ingrato capítulo. Quem vive de paixões não deve escrever sobre uma ferida ainda aberta, dizem os médicos, tal como não se narra um naufrágio enquanto o submarino não emerge. Mas disso não entendo nada, talvez seja melhor ao Almirante Gouveia e Melo, mesmo arriscando que, estando já na reserva, se tenha esquecido de muita coisa.
Em todo o caso, no registo filosófico que me cabe nesta crónica, declaro: há momentos em que o silêncio não é apenas um acto de prudência e de sabedoria, mas uma ética de sobrevivência.
Ora, mas no que concerne – não costumo usar este termo; enfim, fica… – à escrita desta crónica, dois fenómenos se apresentam de natureza complementar – uma espécie de proverbial casamento entre a fome e a vontade de comer. Por um lado, a minha indolência em dissecar o que foi, aos olhos do mundo, aquele descalabro do Glorioso contra os homens de Bracara Augusta. Por outro, a sábia decisão do director desta “casa” – que, por feliz acaso, sou eu – que, em exercício digno de Cícero, ponderou: “É justo perpetuar na memória uma catástrofe que até o mais benfiquista dos benfiquistas prefere esquecer?” Não, caro leitor. Não é justo. Como não foi justo o passe em falso, a defesa em apneia ou… o árbitro – sempre o árbitro, porque o árbitro é, invariavelmente, parte do enredo.
É bem verdade que um silêncio jornalístico sobre uma tragédia desportiva pode parecer parcialidade. Tanto mais a notícia é o homem a morder o cão, e neste caso notícia seria o Braga vencer o Benfica. Mas já dizia Voltaire – e se não dizia, devia ter dito, porque me dá jeito meter aqui um filósofo para sustentar a minha tese – que não há imparcialidade no amor. E amar o Benfica é, afinal, o destino que se abraça com a mesma intensidade que fez um Romeu à sua Julieta, mesmo que por vezes nos esfaqueie, ou fraqueje, o coração.
Aliás, muitos leitores do PÁGINA UM me criticam por esta Da Varanda da Luz, dizendo, com razão, ser inconcebível um jornalista que se reputa de isento andar nestas andanças – com pleonasmos à mistura. Mas quem, em futebol, espera uma crónica honesta, imparcial e detalhada? Afinal, cansa ser neutro – e para se ser imparcial nas notícias mostra-se necessário um escape. E qual é o melhor escape que não a bancada de um estádio?
Aliás, voltando ao silêncio sobre o Braga: a História está repleta de exemplos de momentos em que o silêncio foi estratégico. Vasculhei por aqui, e li que Esparta, após a batalha de Leuctra, optou por não relatar a derrota aos cidadãos, temendo abalar o orgulho nacional. Li também que Roma – não Associazione Sportiva, mas a dos romanos –, quando derrotada por Aníbal Barca em Canas, fez esquecer a humilhação, varrendo a derrota da memória colectiva e focando-se somente na vingança, alcançada pouco mais de uma década depois na Terceira Guerra Púnica.
Pois bem, partilho o mesmo espírito: por que relatar, com detalhes lancinantes, aquilo que já dói sem narração? Afinal, a dor colectiva já deve ter ficado expressa por mui benfiquistas nos cafés, nas redes sociais e no silêncio constrangido nos lares. Que mais há para dizer, portanto?
Poderia, claro, aproveitar este espaço para filosofar sobre a decadência do futebol moderno, sobre o preço dos passes milionários ou sobre a fragilidade de uma equipa que se imortalizou nos anos 60, deu uns fogachos nos anos 80, e que custa a levantar voo, apesar das águias. Mas, convenhamos, tal seria um exercício cínico num momento em que a derrota já foi sentida nos ossos. Se já há o fardo da existência, deixemos o peso da derrota para os outros.
E assim fica completa a crónica que não foi. Ou antes, a justificação para a ausência de crónica que, em si, é uma manifestação de puro benfiquismo: abraça-se a glória, mas vira-se o rosto à humilhação. Não é covardia; é elegância. E nem foi, convenhamos, por falta de tema. Foi falta de ânimo, é certo – mas também uma delicada aliança entre a necessidade de não perpetuar a desgraça e a vontade de avançar para vitórias que certamente me esperam hoje.
Além disso, e como diz o povo, acumulada por sabedoria de milénios de adversidades e de vinho, muita água faz o tempo correr por baixo da ponte. E, em duas semanas, não só correu água, como, depois da tristeza, já o Benfica levantou um caneco – a Taça da Liga –, à custa do mesmo Braga e também do Sporting. E, portanto, temos hoje Benfica renascido. E, aliás, renascido, e sei isso, porque estando a alinhavar esta crónica, já estão dois encaixados nas redes do Famalicão.
Já agora: esta crónica também vai ficar diferente, porque não me dá jeito escrever sobre as incidências do jogo. Entrei mais uma vez atrasado, e quando entrei já o Benfica ganhava. Não cheguei para ver o golo inaugural, mas cheguei a tempo de testemunhar uma coisa tão rara quanto fascinante: uma bancada central cheia de lugares vagos. Não resisti à tentação, claro. Em vez de uma colina himalaica que tenho de subir até à Varanda da Luz, fiquei aqui mais por baixo, com a promessa de uma visão privilegiada do relvado e, ao que parece, um festival de palavrões que os sócios mais antigos, e seguramente mais experientes, têm na ponta da língua… e com a qual vão mimando o árbitro, apesar de estarmos a vencer.
Sentar-me na bancada central, embora impossibilite escrever confortavelmente, foi uma decisão calculada. Melhor vista? Sim. Mais palavrões? Com certeza. Menos tumulto? Nem por isso. Porque se há uma coisa que aprendi no futebol é não há papas na língua. Um destes dias ainda escrevo uma crónica só com palavrões e dichotes enquanto se assiste aos 90 minutos. Estes são os verdadeiros cronistas, mais ferozes do que qualquer jornalista, mais eloquentes do que qualquer filósofo. De cada vez que o árbitro apita contra o Benfica, lá vem um ensaio oral, misto de tragédia e comédia. Uma falta contra o Benfica, e a mãe do jogador adversário é vilipendiada.
Com o Benfica em vantagem no marcador, tenho garantida uma noite tranquila. O Famalicão, ao que parece, está disposto a facilitar a vida. Nem um chuto digno de nota. O Trubin daqui a nada adormece.
Por agora, contento-me com esta bancada central, com os seus cronistas de língua afiada e vista atenta, com a promessa de mais golos e mais emoções. Se a noite acabar em goleada, tanto melhor. Se não, bem… há sempre espaço para mais uma crónica, mais uma análise, mais uma ópera de palavrões. Afinal, na Luz, nunca há dias iguais – só noites cheias de histórias para contar.
E encerro esta crónica – e vou armar-me em espectador normal. Até vou sair do estádio como adepto normal, num lento magote até ao Colombo. Terça-feira cá estarei: o Barcelona espera-me, ou espera-nos.
Recepção ao Barcelona. Liga dos Campeões. Não é todos os dias nem para todos. Terceira-feira de dilúvio. Debaixo de chuva, os céus prometeram uma noite épica, e tudo começou com uma ilusão – palavra parecida com o castelhano ilusión, que significa mais entusiasmo ou mesmo alegria –, mas que terminou isto num aguaceiro de frustrações. Desta vez metido numa ala lateral da Varanda da Luz, uma espécie de coxia, porque houve mais jornalistas do que mães para assistir ao jogo, mas aparentemente escolhido para maximizar a irritação: não só pingava – um gotejar rítímico e implacável que, se fosse numa cela medieval, seria tortura reconhecida – como ainda me puseram junto de jornalistas vindos da Catalunha.
O Benfica, confesso, começou como um furacão, levando-me a acreditar que, finalmente, o colosso catalão seria domado. Percebi a aflição de um jornalista, a meio lado, com sotaque brasileiro. Ao intervalo, tínhamos um 3-1 vistoso e galvanizante. Mas, mas, mas… na Liga dos Campeões, o Benfica é uma espécie de Estoril na nossa Liga que está a ganhar por 3-1 ao intervalo, mas inseguro de alcançar a vitória final.
Aos 65 minutos, o Benfica esmoreceu e os golos do Barcelona começaram a cair, cada um mais doloroso que o anterior. A última machadada, aos 95 minutos e uns quantos segundos, imediatamente depois de um lance que deveria (pelo menos com o lusitano VAR) dar penálti a nosso favor, pareceu-me castigo divino, como se os céus dissessem: “De que serve sonhar tão alto se não tens guarda-chuva nem defesa sólida?”
Se a derrota já era difícil de digerir, a cereja no topo foi ter de encontrar uma dose extra de fair play para continuar a sorrir para o simpático jornalista brasileiro, radicado na Catalunha, com quem fui compartilhando as incidências do jogo e os pingos de chuva.
Não se perdeu tudo: o Lucas, assim se chama, trabalha para o site brasileiro do Barcelona. Fiquei com o contacto dele, prometendo que, numa próxima oportunidade, visitarei o Camp Nou. Assim, pelo menos, com as suas indicações, não passarei pelo que lhe aconteceu aqui em Lisboa: andou às voltas durante uma hora, perdido e irritado, à procura de uma entrada que parecia ter sido escondida de propósito.
Talvez, numa outra noite, menos molhada e menos caótica, consiga redimir esta frustração – em todo o caso, mais memorável do que a derrota com o Braga. Mas, por agora, fico apenas com a certeza de que, no jogo e na vida, há dias em que os deuses do futebol decidem deixar-nos à chuva. Literalmente.
Ontem, antecipámos uma notícia desta edição do PÁGINA UM com uma análise económica e financeira ao restaurante Solar dos Presuntos, que decidimos elaborar depois de o seu proprietário, Pedro Cardoso, se ter regozijado por um quarto dos seus empregados ser de origem nepalesa e de estar muito satisfeito. Chegámos à conclusão de que a empresa deste icónico restaurante lisboeta facturou cerca de 9,5 milhões de euros em 2023, contabilizou um lucro de 2,01 milhões de euros, dando, por isso, uma margem líquida de 21% – mais de sete vezes a média do sector –, mas, apesar disso, o salário líquido médio real diminuiu 24%.
Nas redes sociais, muitas críticas surgiram contra o PÁGINA UM, questionando o interesse, o rigor e a justeza da abordagem do jornal, defendendo o direito legítimo do empresário em investir e lucrar. Nada contra. A questão que procurámos intencionalmente levantar com este caso isolado – e o jornalismo também se faz de casos, quando estes representam uma tendência – não foi de legalidade, mas de ética. E a obrigação da imprensa é também questionar, incomodar, abalar, fazer reflectir, mesmo quando alguns leitores não concordam com a perspectiva do jornalista.
De facto, falar em ética salarial é no contexto da imigração um ponto essencial, porque isso é reflexo da forma como acolhemos os imigrantes, essencial para que não sejam um grupo a quem possamos “entregar” condições degradantes, mas também fundamental porque, directa e indirectamente, afecta o próprio rendimento dos portugueses e do próprio país.
Infelizmente, a discussão sobre imigração em Portugal tem-se restringido a quatro aspectos: a justeza humanitária em aceitar estrangeiros que lutam por uma vida mais digna; a necessidade de inverter a estrutura demográfica (com um saldo natural ainda bastante negativo); a importância relevante para a sustentabilidade da Segurança Social; e as questões de segurança, estas frequentemente usadas como bandeira por partidos populistas, como o Chega.
Contudo, outro debate deveria ser colocado como prioridade, centrado nas consequências económicas e sociais da imigração, sobretudo quando esta não é programada ou controlada também em função das qualificações e das necessidades reais do país. Não podemos salvar todo o mundo se, neste acto, nos matarmos e arrastarmos quem queríamos salvar. O impacto da imigração desregulada, em particular em sectores onde predominam os trabalhadores pouco qualificados, exige uma análise mais profunda e honesta, para além das percepções superficiais.
Grande parte dos imigrantes em Portugal, muito por via da (baixa) atractibilidade do país, tem poucas qualificações e, por isso, acaba por ocupar funções em sectores como agricultura, restauração, serviços de entregas e transportes. Muitos empregadores defendem que escolhem os imigrantes porque não encontram mão-de-obra portuguesa e que aqueles se mostram mais disponíveis e produtivos. Contudo, esta realidade esconde um problema complexo: a maioria destes trabalhadores é oriunda de países com rendimentos baixos e condições laborais péssimas. São pessoas que, ao chegarem a Portugal, conseguem sobreviver em condições quase desumanas – várias pessoas num quarto ou mais de uma dezena num apartamento. Esta “tropa” de trabalhadores alimenta, assim, sectores que, ao manterem salários baixos, almejam lucros extraordinários, que seriam inferiores se contratassem, a mais elevado custo, mão-de-obra portuguesa. Em muitos sectores, a Economia portuguesa ainda vive à custa de exploração humana.
Quem tem direito a presunto?
Se o país considerar que, sendo legal, não há problemas éticos em ter margens líquidas de 21% e, mesmo assim, pagar mal, as consequências desta dinâmica serão preocupantes, a médio e longo prazo. Por um lado, cria-se um grupo de imigrantes preso a um ciclo de baixos salários e sem oportunidades de ascensão social, dificultando a sua integração na sociedade. Por outro lado, para os portugueses, o influxo de mão-de-obra indiferenciada pressiona o mercado de trabalho, reduzindo salários em sectores menos qualificados. A relação entre oferta e procura torna-se desproporcional, afectando, assim, directamente todos os rendimentos, porque a Economia nunca é estanque.
A influência de pagamentos baixos a imigrantes no salário médio, mediano e modal mostra-se evidente. O salário médio tende a cair com o aumento da oferta de mão-de-obra barata. A mediana, que reflecte o ponto central na distribuição salarial, também é empurrada para baixo, especialmente em sectores onde os imigrantes aceitam remunerações mais baixas. Já a moda, o salário mais comum, aproximar-se-á do salário mínimo, indicando uma precariedade crescente. A segmentação do mercado laboral torna-se, assim, inevitável, com os trabalhadores qualificados protegidos do impacto imediato, enquanto os menos qualificados enfrentam maior insegurança.
Seria interessante uma actualização – que, a existir, não encontrei – de uma análise feita pelo Instituto Nacional de Estatística na segunda metade de 2023 sobre a distribuição da remuneração bruta mensal por trabalhador em 2021 que, no sector privado, no caso de trabalhadores com até ao terceiro ciclo do ensino básico, era, em média, de 1.114 euros, mas que descia para uma mediana de 933 euros. Ou seja, neste grupo, então formado por mais de 1,5 milhões de trabalhadores, metade ganhava menos do que 933 euros. E apenas 25%, ou seja, pouco mais de 380 mil trabalhadores, ganhavam mais de 1.231 euros. Actualizar estes valores e, sobretudo, aplicá-los à população imigrante seria essencial para um debate social sério e fulcral.
… e quem só pode comer torresmos?
Na verdade, Portugal precisa de uma estratégia para a imigração, que deixe de se focar no acolhimento por necessidade ou compaixão, e que reconheça as consequências estruturais deste fenómeno. As políticas públicas devem assegurar condições dignas para os imigrantes, mas, em simultâneo, proteger os trabalhadores nacionais, sem colocar um peso excessivo nos empresários. Aumentar o salário mínimo, regular as condições de trabalho e investir na qualificação e integração dos imigrantes podem ser medidas fundamentais para evitar a perpetuação deste modelo de exploração, mas a intervenção estatal deve ser conduzida com prudência e sem peso ideológico, de esquerda ou de direita, que, amiúde, cria viés e inviabiliza soluções equilibradas.
Certo é que o futuro de Portugal não pode ser construído à custa da degradação das condições de vida de uns, de baixos salários e da exploração de outros. Este é o verdadeiro debate que devemos ter, porque, no final, decidir entre comer presunto ou apenas torresmos não é somente uma questão de gosto, mas de ética e justiça social. E é a ética e a justiça social que nos faz (mais) humanos.
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As evidências eram tão patentes que o próprio Provedor do Leitor do jornal Público se viu ‘obrigado’ a questionar o uso e abuso da aceitação de convites por parte de jornalistas do suplemento Fugas, que tornam supostas reportagens em panegíricos. O PÁGINA UM, recorrendo à inteligência artificial, usando métodos de processamento de linguagem natural (NLP) e análise quantitativa, concebeu o Índice de Elogio Servil (IES), que passa a ser assim uma ferramenta de análise crítica do jornalismo. Para testar a sua ‘eficácia’, passou-se a ‘pente fino’ uma dezena de reportagens do Público. Os resultados não são nada abonatórios.
Nas duas mais recentes edições sabatinas do jornal Público, o ‘elefante’ foi mostrado no meio da sala. Nas crónicas de José Alberto Lemos, provedor do leitor do jornal da Sonae, abordou o mal-estar de leitores sobre os conteúdos do suplemento Fugas, que por regra publica artigos de viagens e lazer, sobre automóveis e vinhos, sempre escritos por jornalistas, bem como textos de não-jornalistas a relatarem as suas viagens.
A celeuma centrava-se sobretudo no facto de, por via de viagens e convites pagos por empresas e entidades, esses conteúdos jornalísticos, porque assinados por jornalistas, se aproximarem mais de publicidade encapotada do que de jornalismo imparcial.
Na primeira crónica, José Alberto Lemos, além de recolher opiniões de leitores, apresentava a ‘contestação’ da editora do suplemento, Sandra Silva Costa, que salientava que apenas entre 10% e 20% dos convites eram aceites, seleccionados com base na relevância para os leitores, adiantando ainda que os jornalistas tinham total liberdade editorial. Contudo, nada dizia sobre os critérios da escolha nem se artigos similares, e igualmente elogiosos, mas sem referência a convite eram executados mesmo sem convite. E se assim eram, qual seria então a razão para não serem todos.
Na segunda crónica do Provedor do Leitor, foi apresentada a versão do director do próprio jornal, David Pontes, que reforçava que a transparência sobre os convites, assinalados no final dos textos, asseguraria o cumprimento de princípios éticos. E defendia também que o suplemento Fugas, mesmo sendo uma parte integrada da linha editorial do Público, tinha especificidades, focando-se em “sugestões positivas”. De acordo com David Pontes, “a selecção editorial [do suplemento Fugas] reflecte que o foco está na apresentação de experiências positivas, o que não nos isenta de dar nota crítica quando tal não se verifica. Com uma equipa experiente e conhecedora é natural que, antes de ir para o terreno, seja possível fazer uma triagem criteriosa do que podem ser as melhores propostas para os leitores. Que o resultado seja quase sempre o pretendido – apresentar boas experiências – nada tem que ver com o facto de fazermos muitas dessas experiências por convite, antes advém desta escolha editorial.” E concluía: “num mundo ideal, os jornais nunca precisariam de convites para fazer o seu trabalho”.
O Provedor do Leitor discordava, apontando para a existência de jornais internacionais onde não são aceites convites e existem “códigos muitos rígidos na matéria, quer para os seus jornalistas, quer para os colaboradores pontuais”, de modo a evitar “equívocos e desconfianças”.
Se este tipo de debates é, em teoria, bastante interessante, na prática a leitura (e análise) da generalidade deste tipo de artigos do suplemento Fugas – muitos catalogados de “reportagem”, o que inferiria ainda uma maior independência e subjectividade de análise do jornalista – causa uma certa estupefacção. Pela abordagem, pelo tom, pela adjectivação e, em especial, por ser evidente que as reportagens são mais do que guiadas.
Nessa linha, o PÁGINA UM – que assumidamente é contrário a parcerias comerciais, ainda mais desta índole, que claramente influencia a prática jornalística e mina a percepção de credibilidade de toda a imprensa – decidiu elaborar, com recurso à inteligência artificial, o Índice de Elogio Servil (IES), uma ferramenta de análise crítica do jornalismo usando métodos de processamento de linguagem natural (NLP) e análise quantitativa para atribuir pontuações de forma objectiva e crítica.
O IES é assim um instrumento criado para avaliar a imparcialidade de reportagens jornalísticas, especialmente em contextos em que há uma relação explícita ou implícita entre o jornalista e a entidade que beneficia da cobertura. O objectivo deste índice é quantificar a subserviência do texto, permitindo uma análise objetiva e crítica.
O índice é composto por cinco critérios avaliados numa escala de 0 a 100 pontos, com pontuações específicas para cada indicador:
Proporção de Elogios em Relação a Críticas (0-25 pontos): Avalia se a reportagem apresenta uma cobertura equilibrada ou se está inclinada a destacar apenas os aspectos positivos.
Uso de Linguagem Enaltecedora (0-25 pontos): Mede o grau de entusiasmo nas palavras utilizadas, incluindo superlativos ou descrições idealizadas que podem indicar um tom promocional.
Dependência de Fontes Comprometidas (0-20 pontos): Analisa se as fontes principais têm ligações diretas com a entidade ou evento em foco, sem espaço para contrapontos ou opiniões independentes.
Menção ao Contexto do Convite (0-15 pontos): Examina a transparência do artigo ao revelar o contexto do convite ou da relação entre o jornalista e a entidade destacada.
Presença de Publicidade Oculta ou Disfarçada (0-15 pontos): Verifica se a reportagem funciona implicitamente como uma peça promocional, exaltando serviços ou produtos de forma desproporcional.
A pontuação total vai de 0 a 100, com as seguintes classificações:
81-100 pontos:Elogio Servil Total – Reportagem essencialmente promocional.
61-80 pontos:Elogio Parcial – Subserviência moderada, mas ainda notória.
31-60 pontos:Tendência Neutra – Cobertura mista, com viés ocasional.
0-30 pontos:Jornalismo Crítico – Cobertura equilibrada e rigorosa.
O IES foi concebido como uma ferramenta com um cunho experimental, mas fundamentado, para analisar criticamente o jornalismo que se desenvolve em contextos patrocinados, como reportagens de viagens, gastronomia ou eventos. Ao aplicar o índice, busca-se identificar se a reportagem mantém a sua independência editorial ou se cede ao tom promocional ou propagandístico em benefício da entidade patrocinadora. Aqui pode consultar como foram atribuídas as classificações em cada um dos cinco critérios.
Para esta breve e (apenas) exemplar avaliação, foram seleccionados os últimos dez textos publicados no suplemento Fugas, na versão digital do Público, que identificavam explicitamente uma entidade responsável por endereçar o convite ao jornal.
Ficaram de fora da análise várias áreas editoriais que também recebem patrocínios, mas onde não se explicita um convite directo que tenha beneficiado o jornalista. Exemplo disso é a rubrica Terroir, dedicada à análise de vinhos, financiada pelas 14 regiões vitivinícolas portuguesas, pelo Instituto da Vinha e do Vinho e pela ANDOVI. O jornal defende que “a sua produção editorial é completamente independente destes apoios”.
Adicionalmente, não foram incluídos conteúdos da revista Singular, um produto editorial do Público apoiado pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, nem os conteúdos da revista Solo, que resulta de uma parceria com a Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal. Ambos os produtos mantêm uma linha editorial dedicada ao sector vinícola e são desenvolvidos com apoio directo de entidades promotoras.
Esta exclusão visa manter o foco na análise de reportagens da Fugas explicitamente ligadas a convites de entidades externas, evitando diluir os critérios específicos da avaliação. Contudo, a presença generalizada de patrocínios no suplemento e em outros produtos editoriais do Público levanta questões pertinentes sobre a efectiva independência editorial e a percepção pública da imparcialidade jornalística, sobretudo num contexto onde os leitores esperam clareza e transparência no financiamento dos conteúdos.
Por uma razão de simplificação, apresenta-se apenas uma síntese da avaliação, apresentando-se em anexo a avaliação completa. Saliente-se que este trabalho recorreu, de forma extensivamente, aos recursos tecnológicos da inteligência artificial, através do ChatGPT versão profissional. Esta análise não é, nem pretender ser, um estudo científico ou académico.
Reportagem 1
A reportagem “Um barco, um rio, uma floresta imensa: somos minúsculos no gigantismo da Amazónia“, de Sandra Silva Costa, publicada a 4 de Janeiro de 2025, descreve uma viagem pelo rio Negro, na Amazónia, com foco na riqueza natural, nas comunidades indígenas e na experiência turística organizada pela Amazonastur e TAP, que financiaram a viagem. O texto destaca o “gigantismo” da paisagem e episódios como visitas a aldeias indígenas, danças tribais e passeios de barco, sempre com linguagem poética e elogiosa.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 94 pontos em 100. Os motivos incluem:
Uso excessivo de linguagem enaltecedora (25/25 pontos), com termos como “inesquecível” e “único” a dominar a narrativa.
Proporção de elogios sem críticas (25/25 pontos), focando apenas nos aspectos positivos da experiência.
Dependência de fontes comprometidas (18/20 pontos), com destaque para representantes da Amazonastur.
Menção superficial ao contexto do convite (12/15 pontos), só abordado no final.
Tons promocionais implícitos (14/15 pontos), exaltando os serviços turísticos.
Conclui-se que a peça funciona mais como uma peça promocional disfarçada de reportagem, reflectindo uma clara subserviência ao contexto do convite.
A reportagem “Comer (e beber) a Amazónia em Manaus“, de Sandra Silva Costa, publicada a 4 de Janeiro de 2025, explora a gastronomia amazónica através de visitas a restaurantes icónicos, como o Caxiri e o Fitz Carraldo, e ao projeto Da Cruz Destilados. Com foco nos ingredientes locais e na criatividade dos chefs, o texto apresenta pratos como piranha grelhada, sobremesas de tucupi negro e bebidas como a caipirinha amazónica, destacando o exotismo e a autenticidade da cozinha regional.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 95 pontos em 100. Os motivos incluem:
Proporção de elogios sem críticas (25/25), com a narrativa a destacar apenas os aspectos positivos, utilizando expressões como “sobremesa inesquecível” e “uma das melhores saladas que já provámos”.
Uso de linguagem enaltecedora (24/25), com termos exaltantes que reforçam o tom promocional.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se exclusivamente em declarações de chefs e produtores ligados aos negócios promovidos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final, sem reflexão crítica.
Tons promocionais implícitos (14/15), com detalhes que promovem os estabelecimentos.
Conclui-se que a peça funciona mais como um guia turístico do que como reportagem imparcial, reflectindo subserviência ao contexto do convite.
A reportagem “Fortaleza do Guincho quer parecer-se mais com uma casa do que com um castelo“, de Inês Duarte Freitas, publicada a 23 de dezembro de 2024, descreve a transformação da Fortaleza do Guincho para se tornar mais acolhedora e menos austera. O texto foca-se nas recentes remodelações, nos serviços do hotel e na experiência gastronómica, com destaque para a liderança do chef Gil Fernandes e a visão da diretora Petra Sauer. A narrativa apresenta a Fortaleza como um refúgio de conforto, onde a gastronomia e a renovação arquitetónica se complementam para oferecer uma experiência de luxo.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 95 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), concentrando-se exclusivamente em elogios às qualidades do estabelecimento.
Uso de linguagem enaltecedora (24/25), com termos que reforçam o tom promocional.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se a declarações de responsáveis do espaço, sem contrapontos externos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto.
Presença de publicidade implícita (14/15), com descrições detalhadas que promovem os serviços.
Conclui-se que a peça funciona mais como uma divulgação institucional do que como uma análise crítica independente.
A reportagem “A Désalpe é uma festa no cantão suíço de Friburgo“, de Sandra Silva Costa, publicada a 21 de Dezembro de 2024, descreve a tradicional descida das vacas alpinas para os vales, celebrada anualmente na Suíça. O texto apresenta a festa como um evento cultural autêntico, marcado por trajes típicos, orquestras de chocalhos e uma rica experiência gastronómica, com destaque para a “sopa de chalet” e as “tartelettes au vin cuit”. A narrativa foca-se na beleza do evento e na ligação dos habitantes locais à tradição, com declarações de participantes como Gabriel Castella e Theo Castella, que reforçam o tom positivo.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com destaque exclusivo para os aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com expressões como “elas passam, bonitas e bem arranjadas” e descrições idealizadas.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se em declarações de participantes ligados ao evento.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase.
Tons promocionais implícitos (14/15), sugerindo que a peça funciona mais como uma promoção turística do que como uma análise jornalística independente.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom exaltante e promocional, comprometendo a imparcialidade.
A reportagem “Dois vareiros entram num café de Friburgo e conversam sobre chocolate“, de Sandra Silva Costa, publicada a 21 de Dezembro de 2024, retrata a história de Jorge Cardoso, um chocolatier português que se destacou em Friburgo, na Suíça. O texto exalta a criatividade e qualidade das suas criações, como bombons e esculturas, incluindo uma de Cristiano Ronaldo, e apresenta detalhes sobre a sua loja e trajetória profissional. A narrativa foca-se exclusivamente nos aspectos positivos, utilizando linguagem entusiasta e descritiva para enaltecer o trabalho do chocolatier.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com destaque exclusivo para os sucessos e qualidades do trabalho de Jorge Cardoso.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com expressões como “criações artísticas” e descrições detalhadas dos produtos.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se apenas nas declarações do chocolatier, sem contrapontos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto.
Tons promocionais implícitos (14/15), sugerindo que a peça serve mais como uma divulgação do trabalho do chocolatier do que como uma análise jornalística imparcial.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom exaltante, comprometendo a imparcialidade.
A reportagem “Dolinas: um hotel dedicado à escalada entre a serra de Aire e a vila de Porto de Mós“, de Paula Sofia Luz, publicada a 18 de dezembro de 2024, explora as características do Dolinas Climbing Hotel, um espaço projetado para amantes da escalada. O texto destaca as instalações modernas, como quartos com “decoração requintada”, “conforto térmico e acústico” e a “piscina aquecida com tratamento a sal”, além das atividades disponíveis, incluindo “mais de 80 mil percursos” de escalada. A narrativa elogia também a integração do hotel com a serra de Aire, descrita como uma “experiência única”, e realça o trabalho das diretoras Cidália Patrício e Cátia Campos.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com foco exclusivo nos aspectos positivos das instalações e serviços.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições entusiastas e detalhadas.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações de responsáveis do hotel.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto, sem contextualização.
Tons promocionais implícitos (14/15), com a narrativa a destacar continuamente os aspectos positivos.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “LxFactory tem uma nova residente italiana. Chama-se Sophia e trouxe pizzas“, de Inês Duarte Freitas, publicada a 17 de Dezembro de 2024, apresenta o Sophia Pizzoteca&Bar, um restaurante recente na LxFactory. O texto destaca o ambiente do espaço como “vibrante e colorido”, a sua decoração, com “um padrão dominado por flores desenhadas à mão”, e a oferta gastronómica, descrita como “uma carta de pizzas criativas, onde a italiana tradicional dá lugar à contemporânea”. São ainda referidas inovações como o portafoglio, uma pizza dobrada descrita como “uma das maiores surpresas da carta”, e o bar de prosecco, que se apresenta como “o primeiro bar de prosecco em Lisboa”. A narrativa foca-se exclusivamente nos aspectos positivos do restaurante.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), destacando apenas os aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições detalhadas e entusiasmo evidente.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações de Ana Arié, do grupo Capricciosa.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidenciados pelas descrições detalhadas do espaço e do menu.
Conclui-se que a reportagem compromete a imparcialidade, funcionando como uma peça promocional do restaurante.
A reportagem “Budapeste é muito mais do que mercados de Natal“, de Bárbara Wong, publicada a 14 de Dezembro de 2024, explora a riqueza cultural e histórica de Budapeste, destacando o ambiente natalício e as experiências proporcionadas pelo hotel Aurea Ana Palace, que acolheu a jornalista. O texto elogia os mercados de Natal com um “toque de magia” e enfatiza a localização e reabilitação do hotel, descrito como um espaço de “decoração requintada” e “reabilitação cuidadosa”. A narrativa apresenta uma visão idílica da cidade, com foco nos monumentos e tradições, além de promover o hotel como uma parte essencial da experiência.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 93 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), concentrando-se apenas nos aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (22/25), com descrições como “vista deslumbrante sobre Budapeste”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações do diretor do hotel, Peter Szogi.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase, sem contextualização.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidentes nas descrições exaltantes do hotel e dos mercados.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “Cinco dias pela doce Suíça das vinhas e dos vinhos“, de Pedro Garcias, publicada a 30 de Novembro de 2024, descreve uma viagem pelas vinhas suíças, destacando paisagens, gastronomia e vinhos locais. O texto foca-se na beleza das regiões visitadas, com passagens como “vinhas-jardins”, e descreve experiências nos produtores, incluindo a “Cave Guillod”, onde se degustaram vinhos como o tinto Fuoco, descrito como “o grande vinho da casa”. A narrativa apresenta a Suíça como um destino encantador para os amantes de vinho, com referências à qualidade dos produtos e à hospitalidade local.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), destacando apenas aspectos positivos das vinhas e dos vinhos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições poéticas como “uma beleza que nem a chuva ofusca”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), centrando-se em informações de produtores e guias ligados ao Turismo da Suíça.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase, sem contextualização adicional.
Tons promocionais implícitos (14/15), com foco em descrições detalhadas e entusiastas dos vinhos e paisagens.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “A noite em que o Barca Velha fez prova entre as estrelas“, de Manuel Carvalho, publicada a 27 de Novembro de 2024, descreve a participação da Casa Ferreirinha no evento Golden Vines, em Florença, com destaque para o vinho Barca Velha. O texto exalta a sofisticação do evento, referindo-se a ele como um “verdadeiro espectáculo” e elogia o vinho como “claramente ao nível do que aquele tipo de público conhecedor espera”. A narrativa foca-se na qualidade do vinho, na sua “profundidade e complexidade”, e no impacto da participação da marca portuguesa entre um público internacional.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com foco exclusivo nos aspectos positivos do evento e do vinho.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições como “uma pequena multidão elegante” e “luxo, requinte e possibilidade de experimentar algumas das criações mais reconhecidas e valorizadas do planeta”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se a declarações de representantes ligados à Casa Ferreirinha e ao evento.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última linha, sem reflexão adicional.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidentes nas descrições detalhadas e exaltantes do vinho e do evento.
Conclui-se que a reportagem funciona como uma peça promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
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O custo das refeições ultrapassa, facilmente, os 50 euros por comensal, mas consolidou-se como um ponto de referência para almoços e jantares de figuras públicas. O icónico Solar dos Presuntos, em Lisboa, aumentou em 2021 a sua capacidade e, em dois anos, ultrapassou facilmente a crise causada pela pandemia e mais do que duplicou o número de empregados. Na semana passada, o seu gerente, Pedro Cardoso, revelou que um quarto dos trabalhadores é de origem nepalesa, sendo que a experiência é tão boa que não os trocaria por nada. O PÁGINA UM foi olhar as contas da empresa gestora do restaurante para concluir que Pedro Cardoso só pode estar mesmo satisfeito: em termos reais, depois de um forte investimento em 2021, conseguiu um aumento real dos lucros da ordem dos 65% entre 2019 e 2023, que atingiram os dois milhões de euros, mas também muito por via do salário médio líquido dos empregados ter baixado 26%. Pela análise às contas, apesar de a margem líquida (lucro a dividir pelas receitas) ser mais de sete vezes superior à média do sector da restauração, grande parte dos novos contratados pelo Solar dos Presuntos estará a ganhar valores próximos do salário mínimo nacional.
“Gosto muito deles, somos como uma família, são essenciais à nossa actividade e eu não faço qualquer distinção com os outros funcionários portugueses que aqui estão”. Foi com estas palavras ao jornal Expresso, na semana passada, que Pedro Cardoso, o proprietário do Solar dos Presuntos, supostamente quis homenagear a importância dos imigrantes, destacando mesmo que o famoso restaurante na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, não seria o mesmo sem os nepaleses, que constituem cerca de um quarto dos trabalhadores. “Se o pessoal do Nepal fosse todo embora, a restauração fechava, não tínhamos mão-de-obra necessária à nossa actividade”, afiançou o empresário.
A falta de mão-de-obra, sendo questão recorrente, até para justificar a imigração, deve ser ponderada num contexto salarial. Ou seja, muitas vezes, a falta de mão-de-obra está sobretudo associada a um contexto salarial. Não é raro que a alegada escassez de trabalhadores provenha sobretudo da ausência de condições atractivas, sejam salariais, contratuais ou de progressão profissional. E isso mostra-se mais visível em determinados sectores, como a restauração. Daí que a entrada de imigrantes implica, em muitos casos, sobretudo em tarefas pouco qualificadas, mas exigentes em termos de condições de trabalho, um reajustamento salarial – para baixo. E não para sobrevivência das empresas, mas simplesmente para aumento dos lucros.
Pedro Cardoso ‘herdou’ a gestão de um dos mais icónicos restaurantes de Lisboa fundado em 1974.
Foi nessa óptica – e num contexto em que se sabe que a subutilização do trabalho em Portugal abrangia quase 614 mil pessoas em Novembro passado, ou seja, cerca de 11% da população activa alargada –, que o PÁGINA UM foi tentar perceber, através da análise das contas da empresa proprietária – a Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda. –, se o Solar dos Presuntos está com a ‘corda na garganta’ e, sobretudo, perceber a sua política salarial face à evolução da facturação e, em especial, do lucro.
Analisaram-se assim, em detalhe, as demonstrações financeiras e outros elementos constantes da Informação Empresarial Simplificada (IES) da empresa proprietária do Solar dos Presuntos para os exercícios anuais de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023. As contas de 2024 apenas serão conhecidas ao longo dos próximos meses. Aliás, a IES de 2023 somente foi reportada pela empresa no passado dia 18 de Outubro. Nesse contexto, mostrou-se desnecessário, até pela isenção jornalística que se pretende transmitir, solicitar mais esclarecimentos à Gonzalez, Teixeira e Seoane, dado que a IES oferece dados claros e suficientes para uma análise económica e financeira rigorosa.
Convém desde já destacar que, tal como sucedeu com todo o sector da restauração, os anos de 2020 e 2021 foram complicados para o Solar dos Presuntos, por via dos confinamentos e da redução abrupta do turismo. Nesse contexto, mesmo com subsídios estatais nesses dois anos da ordem dos 520 mil euros, a empresa apresentou um inédito prejuízo de 60 mil euros em 2021. Mas esse desempenho também se deveu ao investimento numa profunda remodelação do restaurante que mais do que duplicou a capacidade. O restaurante reabriria em Agosto desse ano passando de cerca de 200 lugares para 450, com um investimento anunciado de quatro milhões de euros. Assim terá sido, até porque as contas o reflectem: os activos fixos tangíveis (que incluem sobretudo os edifícios) subiram de quase 2,6 milhões de euros em 2020 para um pouco mais de 6,4 milhões em 2021.
A presença de futebolistas é o ‘prato forte’ do Solar dos Presuntos. Nesta foto, revelada pelo gerente Pedro Cardoso, estão Jeremiah St Juste, Franco Israel, Francisco Trincão e Viktor Gyökeres, todos jogadores do plantel do Sporting.
Esse aumento da capacidade, a par da inauguração em 2023 do Gracinha – um espaço de petiscos que, aparentemente, não tem caído nas graças de muitos clientes –, catapultou a facturação e os lucros da empresa do Solar dos Presuntos. Depois dos dois anos da pandemia (2020 e 2021) com facturação em cada um dos exercícios a rondar os três milhões de euros – uma queda significativa face a 2019, que se cifrou em 5,9 milhões de euros –, a empresa conseguiu facturar mais de 7,7 milhões de euros em 2022 e terminou o ano de 2023 com quase 9,5 milhões, ou seja, uma receita diária superior a 28 mil euros.
Mas se a facturação atingiu, em 2023, montantes elevados, mesmo para um restaurante popular – frequentado por VIPs, sobretudo futebolistas –, mais impressionantes foram os lucros, que mostraram o sucesso do investimento no período da pandemia. Com efeito, se em 2020 os lucros tinham recuado 63% face ao ano anterior (de 1,07 milhões de euros para 361 mil euros) e em 2021 foram contabilizados prejuízos (-60 mil euros), a recuperação iniciou-se de imediato em 2022. Nesse ano, a empresa do Solar dos Presuntos teve um lucro de 571 mil euros e em 2023 atingiu a cifra dos 2.006.040 euros.
Parecendo evidente que o investimento no redimensionamento do Solar dos Presuntos em plena pandemia, que causou prejuízos em 2021, foi uma aposta ganha, há também outro factor: com o aumento do pessoal, os salários médios diminuíram, ou seja, uma parte dos trabalhadores contratados sobretudo a partir de 2022 passou a ganhar menos. E este menos é ainda menos se considerarmos o efeito da inflação.
De facto, considerando os encargos com os empregados, bem como a retenção de IRS, o salário médio líquido dos funcionários do Solar dos Presuntos era, em 2019, de cerca de 1.340 euros, tendo baixado para os 1.123 euros em 2023. Entre 2019 e 2023, o número de empregados aumentou de 52 para 94. Mas a evolução salarial agravou-se ainda mais pela forte inflação que se registou sobretudo a partir de 2022.
Assim, se se considerar o factor de actualização do Instituto Nacional de Estatística (INE), o salário médio em 2023 deveria ser 13,9% superior ao de 2019 para, em teoria, não ocorrer perda de poder de compra. Ou seja, em média o salário de 2023 deveria ser de 1.525 euros – porém, é de 1.123 euros, o que significa que a folha salarial média em valores reais desceu 26,4%.
Não sendo de esperar que quem já trabalhava no Solar dos Presuntos em 2019 tenha passado a ganhar menos – pelo contrário, terá havido alguma actualização em virtude da inflação –, aquilo que estes valores revelam é que as novas contratações, em termos líquidos, tenham sido ‘corridas’ a salários próximos do ordenado mínimo nacional, que em 2023 estava fixado nos 760 euros. Ou seja, uma parte substancial dos contratados pelo Solar dos Presuntos desde 2022 estará a receber o salário mínimo nacional.
Ao invés de uma redução do salário médio em termos reais de cerca de 26% entre 2019 e 2023, o lucro quase duplicou em termos nominais (passando de 1,07 milhões para 2,01 milhões de euros), registando um crescimento de 65% em termos reais. Se os salários de 2019 tivessem sido aumentados com um factor de actualização de 1,1389 (INE) e os salários médios dos novos contratados fossem semelhantes aos salários mais antigos, os gastos do pessoal seriam, de acordo com as estimativas do PÁGINA UM, de cerca de 2,9 milhões de euros, um pouco mais de 520 mil euros face aos valores reais. Nessas circunstâncias, o Solar dos Presuntos estaria muito longe de ficar aflito: a empresa ‘apenas’ baixaria os seus lucros de 2,01 milhões para cerca de 1,5 milhões de euros.
Evolução (em euros) das vendas, dos custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), dos fornecimentos e serviços externos (FSE), dos gastos com pessoal (incluindo todos os encargos) e dos lucros entre 2019 e 2023. Fonte; IES da Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda.
Aliás, a situação da empresa gestora do Solar dos Presuntos era, no final de 2023 (só a meio do presente ano se saberão as contas de 2024), bastante desafogada, com activos no valor de quase 16 milhões de euros, dos quais mais de 3,2 milhões de euros em caixa e contas bancárias. Nos últimos cinco anos, período analisado pelo PÁGINA UM, o endividamento sempre foi relativamente baixo – o passivo era de dois milhões de euros – face a um robusto capital próprio de 13,9 milhões de euros, dos quais 10,4 milhões de lucros acumulados. A margem líquida (razão entre lucro e receitas) em 2023 atingiu os 21,2%, um valor mais de sete vezes superior ao do mercado da restauração, de acordo com os números de Banco de Portugal. Se a empresa do Solar dos Presuntos tivesse apresentado a taxa média de margem líquida do sector (2,94%), mesmo assim o lucro em 2023 seria da ordem dos 277 mil euros.
Segundo as informações do IES da empresa, nos últimos cinco anos nunca houve distribuição de dividendos, nem tão-pouco gratificações declaradas quer à gerência quer ao pessoal.
Apesar do volume de negócios, dos montantes do balanço e do número de empregados estarem em patamares que exigiriam a certificação das contas por um revisor oficial de contas (ROC), a empresa do Solar dos Presuntos continua a assumir ser, em termos contabilísticos, uma “pequena entidade”, algo que, a manter-se, pode suscitar uma intervenção da Autoridade Tributária.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Desde 2017 já ‘rolaram’ a partir do Turismo de Portugal nove contratos por ajuste directo para prestação de serviços jurídicos pela Clareira Legal, num total de 3,2 milhões de euros (com IVA). Justificando os contratos como de “natureza intelectual” e invocando “urgência imperiosa”, o instituto público dispensou concursos públicos, fazendo da excepção a regra. A Clareira Legal é liderada pelo advogado André Luiz Gomes, conhecido por defender o empresário Joe Berardo.
A adjudicante é um instituto público – o Turismo de Portugal – e a adjudicatária uma sociedade de advogados – chamada Clareira Legal, mas que já se chamou Luiz Gomes & Associados. Se é certo que existem formalismos a tratar, tudo já aparenta ser feito como se fossem ‘velhos amigos’, apesar da existência de contratos, os quais servem apenas para confirmar ajustes directos, uns atrás dos outros. E nada nem ninguém os parece demover. As relações, iniciadas em finais de 2017, já vão em nove contratos de ‘beija-mão’ no valor de 2,625 milhões de euros, com IVA ascendendo aos 3,2 milhões de euros.
Já em Novembro de 2023, o PÁGINA UM detectou que a sociedade fundada por André Luiz Gomes, que ficou conhecido por ser advogado de Joe Berardo, contava sistematicamente com uma espécie de avença do Turismo de Portugal para patrocínio judicial e consultadoria em litígios com concessionárias de zonas de jogo, principalmente casinos.
As relações comerciais começaram em Dezembro de 2017, com um ajuste directo de 150 mil euros (sem IVA), onde se invocava um artigo do Código dos Contratos Públicos que nem se aplicaria ao caso. No quinquénio seguinte, começaram paulatinamente a cair contratos no valor de 190 mil euros por ano, desta vez invocando uma norma que tem sido usada cada vez mais por gestores públicos para garantir os préstimos de sociedades de advogados ‘amigas’ (ou de confiança, como se queira) sem necessidade de concurso público.
Com efeito, em ‘juridiquês’ interpretado a preceito, o Turismo de Portugal justificou estes cinco contratos por ajuste directo, porque considera que o trabalho de advocacia é de “natureza intelectual” e que a natureza das prestações de serviços em causa “não permit[e] a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação” nem alegadamente se mostra possível a “definição quantitativa dos atributos das propostas”.
Este argumento da impossibilidade de lançar concursos públicos por alegada dificuldade em definir atributos para os critérios de adjudicação é bastante falacioso, uma vez que os serviços de advocacia são bastante regulamentados, sendo possível avaliar propostas com base em critérios objectivos, como a experiência, as qualificações, o preço dos honorários e as metodologias de trabalho. Mas invocar aquela norma, sem a justificar, foi um expediente para garantir à Clareira Legal cerca de 1,17 milhões de euros (IVA incluído) em serviços jurídicos entre 2018 e 2022.
Chegou entretanto o ano de 2023, e o Turismo de Portugal optou por outro expediente: para representação do Estado português em três acções arbitrais, adjudicou novamente à Clareira Legal cerca de 1,48 milhões de euros (IVA incluído), mas sob a fundamentação de “urgência imperiosa” sem possibilidades de optar por concurso público.
Carlos Abade, presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal.
De acordo com o Turismo de Portugal, o caso foi levantado por concessionárias de três zonas de jogo e o valor global dos pedidos de compensação apresentados ascendia a mais de 330 milhões de euros. Apesar de garantir então ao PÁGINA UM, em Novembro de 2023, que todo o processo de adjudicação era legal, o Turismo de Portugal admitiu outra causa “determinante”: a Clareira Legal tinha conseguido “obter vencimento nas acções propostas pelas concessionárias perante os tribunais judiciais, protegendo e beneficiando assim o interesse público”. E acrescentava que assim “foi escolhido o prestador em quem se deposita[va] confiança técnica e profissional, sendo que, nestes casos, as próprias Directivas Comunitárias de contratação pública não se aplicam a este tipo de contratos.”
Contratos na base da “confiança” ou da amizade não estão, no contexto dos princípios da contratação pública, associados às regras da transparência e da livre concorrência, até porque os honorários da Clareira Legal não são baratos, atingindo, nos contratos conhecidos, entre 180 e 200 euros por hora (com IVA).
Mas isso pouco importou ao instituto público liderado por Carlos Abade. E assim, no ano passado, a sociedade liderada por André Luiz Gomes recebeu mais duas ‘prendas’: um ajuste directo de 55 mil euros (sem IVA), em Agosto passado, para patrocínio de uma providência cautelar intentada pela Sociedade Figueira Praia, por alegada “urgência imperiosa”; e um segundo ajuste directo, mais chorudo (290 mil euros, sem IVA), no final do mês passado.
André Luiz Gomes ao lado de Joe Berardo, numa audição parlamentar em Maio de 2019. Fonte: AR-TV.
Apesar da ‘colecção’ de ajustes directos, que tornam a excepção uma regra, aparentemente tudo vai continuar, a atender pela reacção do Turismo de Portugal. Para esta entidade pública, o tipo de patrocínio judiciário executado “não é compatível com a descrição detalhada das actividades a desenvolver, as quais são variáveis em função do desenvolvimento dos processos e, muitas vezes, são consequência directa da estratégia processual definida pelos advogados prestadores dos serviços e, portanto, insusceptíveis de serem antecipadas pelas entidades adjudicantes”. E acrescenta ainda que o Código dos Contratos Públicos “tem consagração legal precisamente para acolher situações como a presente.”
Se o Turismo de Portugal advoga, tal como outras entidades públicas, que o ajuste directo se pode aplicar sempre aos serviços jurídicos, resta assim saber qual a razão para algumas outras entidades também públicas insistirem em lançar concursos públicos, assumindo, deste modo, ser possível definir critérios para uma adjudicação mais transparente e competitiva.
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Uma fotografia de Gouveia e Melo, envergando o uniforme branco naval, está a ser utilizada pela Universidade Nova de Lisboa para promover um curso de quatro dias, ao preço de 3.000 euros, onde o almirante na reserva será um dos formadores, ao lado de Paulo Portas e Alexandra Reis. O Estado-Maior da Armada afirma que a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas permite que Gouveia e Melo possa, quando assim o desejar, estar de farda, mesmo tendo passado à reserva. Está, assim, aberta a possibilidade de o antigo líder da Marinha poder usar, livremente, uniformes militares em marketing eleitoral ou mesmo durante a campanha eleitoral, caso venha a candidatar-se.
Caso se candidate à Presidência da República, na sua campanha eleitoral, Gouveia e Melo pode surgir, se assim entender, fardado e com as insígnias militares. Essa é a posição do próprio Estado-Maior da Armada, agora sob a liderança do Almirante Nobre de Sousa, após ter sido confrontado com publicidade a um curso de formação da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa onde surge o agora almirante na reserva, e putativo candidato a Belém, fardado e ostentando as suas medalhas.
A publicidade ao curso, que surge nas redes sociais da Nova SBE Executive Education, mas não se insere em qualquer grau de ensino. Trata-se de um curso de quatro dias, denominado ‘Leadership & Crisis Management’, com um custo de inscrição de 3.000 euros, em que Gouveia e Melo será um dos formadores.
No denominado ‘corpo docente’, estão também, entre outros, Paulo Portas e Alexandra Reis – a ex-presidente da NAV que causou a a demissão de Pedro Nuno Santos de ministro do Equipamento no início de 2023 –, bem como António Cunha Vaz, um dos mais conhecidos e influentes donos de agências de comunicação e imagem. No anúncio, com uma fotografia em destaque do ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, envergando o uniforme branco naval com a insígnia do posto de Almirante, surge a mensagem: “Junte-se a Henrique Gouveia e Melo na formação executiva de Leadership & Crisis Management e aprenda a transformar as crises em oportunidades”.
Para justificar a legitimidade de Gouveia e Melo andar fardado e medalhado onde quer que esteja, e quando quiser, o Estado-Maior da Armada relembra a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas, que especifica que “os militares agraciados com qualquer grau das ordens Militares da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e de Avis, têm direito ao uso do uniforme militar, seja qual for o seu quadro ou situação e mesmo depois de deixarem a efetividade de serviço”.
E o gabinete de comunicação e relações-públicas da Marinha acrescenta mesmo que “Esta disposição aplica-se ao caso concreto do Sr. Almirante Gouveia e Melo que, ao longo da sua carreira, foi agraciado com diferentes graus da Ordem de Avis.“ Contudo, na verdade, deve acrescentar-se um pormenor relevante não mencionado na informação enviada pelo Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM: esse militar só poderá estar uniformizado se ostentar, em simultâneo, “as respectivas insígnias“.
Saliente-se que, além da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, recebida no final de Dezembro das mãos do Presidente da República, Gouveia e Melo já tinha sido condecorado outras duas vezes com a Ordem de Avis: primeiro, em Junho de 2004, com o grau de comendador, quando era capitão-de-fragata; e depois, em Maio de 2021, com o Grande-Colar, enquanto dirigia a task force da vacinação contra a covid-19 e era ainda adjunto do Planeamento do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A interpretação do Estado-Maior da Armada sobre a legalidade do uso de uniforme por Gouveia e Melo, mesmo que esteja agora na reserva, recentra a ‘celeuma’ causada pela sua entrevista à RTP, em Setembro passado, onde também surgiu fardado a fazer abordagens que poderiam ser consideradas políticas.
Apesar de a lei estar do seu lado, para poder ostentar a postura e disciplina militar, o PÁGINA UM quis saber se Gouveia e Melo autorizou a Universidade Nova de Lisboa a usar a sua imagem fardada para atrair pessoas para um curso de 3.000 euros. Porém, a mensagem enviada para o seu e-mail da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não obteve resposta.
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Ao contrário da mortalidade infantil – que mantém os sinais de uma evolução positiva espectacular nas últimas décadas e estabilizou desde 2012, sempre abaixo dos 300 óbitos por ano –, os adolescentes e jovens adultos estão agora em maior perigo. Nos últimos três anos, no grupo etário dos 15 aos 24 anos assiste-se a uma evidente inversão, de forma abrupta e consistente, nas taxas de sobrevivência, e os números de óbitos dispararam. Na ‘flor da idade’, quando a ‘Ceifeira’ está pouco activa, este crescimento está agora em contra-ciclo, e nem a Ordem dos Médicos – que pediu a criação de um grupo de trabalho apenas para a mortalidade infantil – parece interessada em saber a razão um excesso de mortalidade que, desde 2022, será de mais 144 jovens do que seria esperado. Haverá receio de se descobrirem causas indesejáveis associadas à gestão da pandemia, incluindo suicídios e efeitos adversos das vacinas contra a covid-19?
O inexplicável aumento da mortalidade em adolescentes e jovens adultos nos últimos três anos inverteu, de forma abrupta, a tendência de melhoria das taxas de sobrevivência das últimas décadas. Apesar da gravidade da situação, que tem claramente um evidente ‘ponto de inversão’ em 2022, nem o Ministério da Saúde nem a Ordem dos Médicos esboçaram sequer qualquer reacção para apurarem as causas desse agravamento nas mortes na faixa etária dos 15 aos 24 anos.
Recorde-se que, ainda na passada sexta-feira, depois de o jornal Público ter ‘requentado’ uma notícia do PÁGINA UM de início de Dezembro sobre a mortalidade infantil em 2024 ser a maior do último quinquénio, a Ordem dos Médicos manifestou agora procupação mas apenas sobre esta faixa etária, instando a Direcção-Geral da Saúde a constituir um grupo de trabalho para estudar o assunto. Em declarações à TVI, o bastonário Carlos Cortes disse ser necessário estudar “caso-a-caso” os óbitos para “saber quais foram os motivos”, para depois desenvolver depois uma intervenção mais profunda para manter os números [baixos de mortalidade infantil] que nos têm orgulhado”.
A Ordem dos Médicos nada disse, no entanto, sobre o excesso de mortalidade muito mais graves em termos numéricos associado aos adolescentes e jovens adultos, que se têm agravado nos últimos três anos. O PÁGINA UM foi, ao longo dos últimos anos, denunciado o excesso de mortalidade na faixa dos 15 aos 24 anos, sem que a Ordem dos Médicos, com recursos para chegar à mesma conclusão, fizesse a pressão que agora decidiu sobre a mortalidade nos recém-nascidos até perfazerem 12 meses.
Com efeito, apesar de toda a celeuma criada em redor da subida dos óbitos de bebés no ano passado – subindo de 219, em 2023, para 261 –, em termos de médio prazo estes números não são ainda alarmantes. O somatório da mortalidade infantil no triénio 2022-2024 (um total de 713 óbitos) está ainda abaixo do triénio 2018-2020 (um total de 769 óbitos).
A melhoria deste indicador é, na verdade, um dos grandes ‘milagres’ da Medicina moderna. Somente em 2010 se conseguiu, pela primeira vez, registar um triénio (neste caso, 2008-2010) abaixo dos mil óbitos. No final dos anos 90 do século passado, os óbitos de bebés eram quase três vezes mais, embora o número de nascimento fosse bem maior do que actualmente. Desde 2013 não há qualquer ano acima dos 300 óbitos, sendo que os anos mais baixos ocorreram até durante a pandemia (2020, com 214 óbitos; e 2021, com 195 óbitos), que estará associado à ‘hiper-protecção’ dos confinamento, algo que seria insustentável e até contraproducente manter no futuro.
Carlos Cortes, ao fundo, cumprimentando Diogo Pacheco de Amorim, deputado do Chega, aquando da sua posse como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida em Maio do ano passado. Fonte: AR.
Mas já no que diz respeito aos adolescentes e jovens adultos, os últimos três anos mostram uma evolução preocupante, sobretudo por se estar perante um dos grupos etários com taxas de mortalidade mais baixas. Por exemplo, a taxa de mortalidade infantil – que ronda agora os três óbitos por 1.000 nascimentos – é cerca de 10 vezes superior ao grupo dos 15 aos 24 anos, considerando que, no quinquénio antes da pandemia (2014-2019) se contabilizaram menos de três óbitos por 10.000 pessoas dessa faixa etária.
O aumento da mortalidade dos adolescentes e dos jovens adultos não está directamente associado à doença (covid-19) causada pelo SARS-CoV-2, embora possa ser um efeito colateral da gestão da pandemia. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em três anos da pandemia (2020-2022) morreram, com causa atribuída à covid-19, quatro pessoas com idades entre os 15 e os 19 anos, e mais 12 com idades entre os 20 e os 24 anos.
Porém, se nos dois primeiros anos da pandemia o número de óbitos dos adolescentes e jovens adultos (15 aos 24 anos) estava quase em linha com o período pré-pandemia – 331 óbitos em 2020 e 312 em 2020, que contrastava com a média do quinquénio 2015-2019, que foi de 310 –, a partir de 2022 as más notícias aumentaram.
Evolução da mortalidade por ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Os óbitos nesta faixa etária dispararam em 2022 para 375, sendo que apenas noves se associaram à covid-19, segundo dados oficiais do INE consultados pelo PÁGINA UM. Este valor anual foi o maior desde 2011. Em 2023 desceram ligeiramente, mas acima da média (359) e no ano que agora terminou contabilizaram-se 352 óbitos.
Deste modo, considerando os valores contabilizados por triénio – que, em certa medida, reduzem a possibilidade dos acasos –, o triénio 2022-2024 é, claramente, o pior da última década, sendo necessário recuar 11 anos para encontrar um triénio pior (2011-2013, com 1112 óbitos).
Há uma década assistia-se então a uma evolução verdadeiramente positiva nas taxas de sobrevivência da população jovem, fruto sobretudo dos cuidados médicos. De facto, no presente século, a mortalidade neste grupo etário foi descendo de forma consistente e bem visível pela Estatística. Por exemplo, em 1996 ainda morreram 1556 adolescentes e jovens adultos; em 2022 conseguiu-se pela primeira vez baixar a fasquia dos mil óbitos (924) e a evolução positiva não ficou por aí.
Evolução da mortalidade por triénio (somatório de três anos) em cada ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Em 2010, os óbitos ficaram aquém do meio milhar pela primeira vez (451 mortes), e a partir de 2012 o número de mortes passou a estar sempre abaixo dos 400. Em 2018, com 291 óbitos, atingiu-se o número mais reduzido de sempre. A segunda década deste século foi mesmo um ‘período de ouro’, confirmado por números consistentemente baixos: por exemplo, entre 2015 e 2021, a mortalidade média neste grupo etário foi somente de 314 óbitos por anos.
Por esse motivo, a inversão nos últimos três anos se mostra mais preocupante: comparando com esse ‘período de ouro’, o triénio 2022-2024, com uma média de 362 óbitos por ano, representa um crescimento de mais de 15%, ou, se se quiser um número absoluto, mais 144 mortes do que o esperado. São 144 mortes na ‘flor da idade’ que, aparentemente, não são motivo suficiente para a Ordem dos Médicos sugerir a criação de um grupo de trabalho nem identificar as causas de tantas mortes. Será pelo receio de se descobrirem causas indesejáveis?
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Em finais de Junho, Carlos Moedas subiu a um palco do Terreiro do Paço para, de voz estridente, anunciar a entrega da medalha de mérito cultural a Tony Carreira. Pouco meses depois, sem chinfrim, de forma discreta, a empresa do cançonetista, a Regi-Concerto, teve uma oferta de ‘mão-beijada’ concedida pela Câmara Municipal de Lisboa: a co-organização das festas de Ano Novo no valor de 265 mil euros, incluindo IVA. Com um cartaz que não custará mais de 80 mil, constituído pelo ‘veterano’ José Cid e pelo seu próprio filho Mickael, e como a EGEAC assume ainda despesas, Tony Carreira terá um lucro, sem subir ao palco lisboeta, próximo dos 150 mil euros. Algo apenas possível quando se tem ‘mérito’… para sacar ajustes directos num mercado onde o ‘amiguismo’ prevalece.
Não foi só uma Medalha de Mérito Cultura da Cidade que este ano Tony Carreira recebeu das mãos de Carlos Moedas; também recebeu de ‘mão-beijada’ o direito de co-organizar as festividades da Passagem de Ano no Terreiro do Paço, possibilitando-lhe meter no cartaz o filho Mickael, em queda de popularidade. E se a medalha pode pesar no coração do cançonetista; o ‘cheque’ pelo espectáculo na oficialmente chamada Praça do Comércio, com vista para o Tejo, vai pesar-lhe bem na carteira.
Sem se conhecer, mais uma vez, os critérios de selecção de artistas e produtoras para a organização de espectáculos, a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) escolheu este ano a produtora de Tony Carreira, a Regi-Concerto, para co-produzir as celebrações do Novo Ano na principal praça de Lisboa, que terá como ‘ponto alto’ as actuações de José Cid – e convidados não definidos – e de Mickael Carreira, para além do habitual fogo-de-artifício. O contrato foi assinado no passado dia 20, assinado por António Manuel Mateus Antunes – o nome real de Tony Carreira, como gerente da Regi-Concerto –, apesar da EGEAC ter anunciado o cartaz na semana anterior.
Carlos Moedas entregou medalha de mérito cultural a Tony Carreira em Junho passado, Meio ano depois, a autarquia entregou, por ajuste directo, um contrato que lhedará um lucro de quase 150 mil euros. Foto: CML.
O valor do contrato por ajuste directo, justificado para defender direitos de autor, uma alegação bastante questionável, atinge os 265.680 euros, incluindo IVA, mas os custos para a empresa municipal deverão alcançar os 300 mil. Com efeito, através do contrato, a EGEAC assume também responsabilidades bastante onerosas, como a obtenção de licenças, a promoção e publicidade, a disponibilização de camarins e equipamentos auxiliares, a contratação de serviços de segurança, a limpeza e logística, e a garantia de fornecimento eléctrico adequado.
Por sua vez, a Regi-Concerto, a empresa de Tony Carreira obriga-se apenas a assegurar a representação dos artistas, incluindo contratação e gestão de despesas relacionadas, bem como a montagem e operação de equipamentos técnicos (som, iluminação e vídeo).
O montante a pagar pela empresa municipal da autarquia liderada por Carlos Moedas será o mais elevado de sempre conseguido pela empresa de Tony Carreira em contratos públicos. Considerando valores sem IVA – que, neste caso, atinge os 216 mil euros –, a Regi-Concerto tinha, até agora, como contrato mais chorudo, um ajuste directo para as festas populares do Monte da Caparica em 2022. Por “serviços musicais e audiovisuais” não especificados no contrato, a União das Freguesas de Caparica e Trafaria pagou à Regi-Concerto um total de 74.260 euros. O segundo contrato público de montante mais elevado da Regi-Concerto referia-se, por sua vez, à contratação do próprio Tony Carreira para abrilhantar a Passagem do Ano de 2023 para 2024 em Coimbra. Há um ano, autarquia coimbrã despendeu 62.500 euros para ter o artista.
E é, exactamente, por esse motivo que o valor agora pago pela EGEAC assume um montante exorbitante, até porque Tony Carreira – que é um dos artistas mais bem pagos em contratos públicos – decidiu rumar para outras paragens. Por valores desconhecidos, vai actuar no Hotel Tivoli de Vilamoura para um selecto público que se dispôs a pagar um mínimo de 490 euros por cadeira (e mesa).
De facto, considerando os preços praticados tanto por José Cid como por Mickael Carreira, os cofres da Câmara Municipal de Lisboa foram generosos para a Regi-Concerto. No caso de José Cid – que se mantém, aos 82 anos, ainda bastante activo –, o seu ‘cachet’, quando actua sozinho, variou este ano entre os 12.500 e os 50.750 euros. O seu mais recente concerto foi para as comemorações do 20º aniversário da elevação a cidade de Anadia – a sede do concelho onde se radicou ainda na adolescência –, e cobrou apenas 15 mil euros. Mas há um ano, pela actuação na Passagem de Ano no Campo de Viriato, a autarquia de Viseu pagou à sua empresa (José Cid, Lda.) 30 mil euros. Aliás, esse foi o valor que a própria EGEAC lhe pagou em 2019 para actuar na Passagem de Ano, poucos meses depois de ter recebido o Grammy Latino de Excelência Musical.
Quanto a Mickael Carreira, que tem tido uma carreira sobretudo à sombra do pai, o seu valor medido em termos de ‘cachet’ e procura é mais baixo ainda do que o do veterano José Cid. De facto, em actuações a solo, apenas se encontram três contratos públicos com a sua presença este ano: em Arronches, na Chamusca e no Marco de Canavezes, por valores entre os 18.500 e os 21.330 euros. Em 2023 registam-se apenas dois (Pampilhosa da Serra e Lamego), por valores próximos.
Deste modo, atendendo as ‘cachets’ habituais de José Cid e Mickael Carreira, e mesmo tendo em conta os valores mais elevados praticados em festas de Passagem de Ano, jamais seria de esperar valores acima de 70 mil euros para o conjunto, a que se podem juntar mais entre 10 mil e 20 mil euros de fogo-de-artifício. Ou seja, o lucro imediato por uma noite para a Regi-Concerto deverá estar próximo dos 150 mil euros, um excelente negócio para Tony Carreira, por obra e graça do contínuo esbanjamento de dinheiros públicos sem se conhecerem critérios de escolha dos artistas e das produtoras nem de custos.
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Artur Matos costumava acreditar que as dificuldades enfrentadas pelos navegadores portugueses na costa africana tinham sido, por si só, uma prova de resiliência e génio. Quer dizer, até começar a trabalhar com Elias Mukuba, para quem as “dificuldades” dos colonizadores eram um eufemismo irritante para descrever a brutalidade das expedições e o impacto devastador sobre as populações locais. Já se começara a habituar, mas continuava a ser um cabo de guerra constante: Artur tentava enfatizar os perigos da empreitada em tempos inóspitos, Mukuba insistia que o verdadeiro perigo fora trazido pelos próprios portugueses.
O capítulo que Artur estivera a redigir durante mais de uma semana abordava o fracasso da colonização inicial de Benguela. Descrevera como as expectativas ambiciosas de Paulo Dias de Novais e, mais tarde, de Manuel Cerveira Pereira tinham dado lugar a uma realidade de desastres logísticos, doenças e conflitos com os sobas locais. Era uma narrativa que misturava tragédia e ironia, mas pressentia que Mukuba desejaria que fosse transformado numa lição de moral.
Por isso, Artur não conseguia deixar de se sentir dividido enquanto escrevia. Parecia-lhe claro que a narrativa histórica, mesmo quando embasada em factos, teria sempre, pelo menos aos olhos do seu editor, um prisma interpretativo. E, como escritor, teria de encontrar um equilíbrio, mesmo se a responsabilidade de escolher as palavras servia também para moldar percepções. Havia dias em que sentia que estava apenas a esculpir sombras, contornos de verdades, mas nunca a totalidade.
Chegou o dia daquilo que Artur começou a denominar “revisão”, ou seja, os encontros com o editor, após lhe enviar o manuscrito uns dias antes.
– Matos, o seu texto faz com que estes homens pareçam heróis trágicos. – Mukuba disparou logo que Artur abriu a porta.
Esticou-lhe o manuscrito. Estava densamente sublinhado; passagens com uma força exagerada da caneta vermelha, quase rasgando o papel.
– Colocou os portugueses como se fossem mártires numa cruzada gloriosa. Já parou para pensar que os nativos eram aqui as vítimas, e não os seus patrícios os protagonistas desta tua epopeia de falhanços?
Artur levantou o olhar. As palavras de Mukuba tinham um peso que ressoava, porque ele sabia que, em parte, eram verdadeiras. Mas sentia também que existia uma necessidade de olhar para os eventos com as lentes da complexidade, reconhecendo não apenas o sofrimento infligido, mas também os paradoxos dos que infligiam.
– Elias, estou apenas a relatar os factos. – Artur tentava manter a calma, mas sentia o estômago a apertar. – Sim, eles enfrentaram doenças, dificuldades e hostilidade local. Isso é inegável. Não estou a dizer que foram mártires, mas também não posso ignorar que as condições eram extremamente adversas.
– Adversas para quem, Matos? Para os homens que chegaram em navios armados e deixaram destruição por onde passaram? Ou para as populações que já estavam ali, a viver tranquilamente, até que apareceram os tais “exploradores”?
Eis o dilema do historiador: descrever a História pelos factos, ou pela ética? Este pensamento rondava agora a mente de Artur Matos, desde que conhecera Elias Mukuba, como uma sombra persistente, mesmo se se esforçava para conciliar duas perspectivas irreconciliáveis: a dos vencedores, com as suas narrativas de poder e progresso, e a dos vencidos, cujas vozes muitas vezes se perdiam entre os escombros do tempo. Mas, afinal, quem são os vencedores e os vencidos?
Artur sabia que os factos eram o ponto de partida inegável de qualquer narrativa histórica. Datas, nomes, eventos: eram pilares sólidos, ou pelo menos assim pareciam. Mas os factos raramente são neutros. A escolha de quais factos incluir, de como os enquadrar, de que voz privilegiar ao narrá-los; tudo isso é um acto de interpretação que inevitavelmente reflecte valores e prioridades. Mais do que descrever o que aconteceu, o historiador tinha de decidir o que significava.
Mas a ética, essa companheira incómoda, se lhe abrem a porta, não permite que o historiador se refugie na neutralidade aparente dos factos. Havia algo de perturbador em relatar a violência, o sofrimento, a exploração, sem uma perspectiva crítica. Artur sabia que a História estava cheia de horrores perpetrados sob a bandeira do progresso, mas como capturar a humanidade das vítimas sem cair na armadilha de demonizar todos os que estavam do outro lado?
Esse dilema começara a manifestar-se em cada linha que escrevia sobre Benguela. Relatar as dificuldades enfrentadas pelos colonizadores portugueses poderia ser interpretado como uma tentativa de gerar simpatia por aqueles que, afinal, eram os invasores. Por outro lado, enfatizar apenas os horrores infligidos aos nativos corria o risco de reduzir os acontecimentos a uma batalha simplista entre bons e maus.
Artur queria explicar esses dilemas a Mukuba, mas o editor continuava no ataque.
– Olhe para isto. – Mukuba apontou para um parágrafo que descrevia a escolha de Cerveira Pereira de fundar São Filipe de Benguela num local que mais tarde se revelou insalubre. – Aqui, escreve: “Os sonhos de Cerveira Pereira foram afogados pelos pântanos e pelas febres.” Sonhos, Matos? Sonhos? Este homem chegou, queimou aldeias, matou nativos e roubou terras. E chama a isto sonho?
– É uma figura de estilo, Elias. – Artur suspirou. – Não estou a glorificar o homem. Estou a descrever a ironia do fracasso dele.
Mukuba inclinou-se para trás na cadeira e olhou para Artur com uma expressão que era metade exasperação, metade diversão.
– Ironia, diz? A verdadeira ironia, Matos, é que eles achavam que estavam a civilizar, mas acabaram a construir a sua própria sepultura. Benguela tornou-se um cemitério de brancos porque eles não entendiam a terra, não respeitavam o clima, e, acima de tudo, porque estavam cegos pela ganância.
Artur ficou em silêncio, reflectindo. Havia algo profundamente desconcertante naquela visão. Ele sempre vira os colonizadores como figuras de uma tragédia maior, mas Mukuba conseguia despir a narrativa de qualquer resquício de simpatia. Não havia tragédia em quem vê na exploração uma escolha deliberada. Esse ponto o perturbava mais do que queria admitir.
Saiu da reunião pouco depois, com as folhas avermelhadas de sublinhados e nota para “reflexão”, vincara o editor. Artur passou as duas semanas seguintes a reescrever o capítulo, tentando encontrar um equilíbrio entre a crítica às acções dos colonizadores e a contextualização histórica das suas motivações, descrevendo como os portugueses, ao tentarem transformar Benguela num posto avançado lucrativo, enfrentaram uma resistência feroz dos sobas locais, além do confronto com a Natureza, ou melhor, com a malária que dizimava as tropas, alimentando os motins internos por força do desespero e da desorganização.
Quando enviou, de novo o manuscrito, recebeu três dias depois um telefonema de Mukuba.
– A parte dos motins contra Cerveira Pereira parece-me interessante, excepto a classificação: escreveu que ele foi “vítima de insubordinação.” Mas não menciona que essa insubordinação veio de soldados que estavam a morrer de fome e de doença, enquanto esse homem acumulava escravos e riquezas pessoais.
– Está implícito – retorquiu Artur, embora sabendo que Mukuba não aceitaria esse argumento.
– Implícito? Matos, esse é exactamente o problema. A História nunca é explícita sobre o que os poderosos fazem de errado. Está sempre tudo nas entrelinhas. E sabe quem é que nunca lê as entrelinhas? As pessoas para quem vocês, escritores brancos, escrevem.
Artur ficou calado por um momento. Sentia na pele a cor da sua pele. O editor continuou:
– Ok, Elias. O que sugere, então?
– Sugiro que deixe os seus “sonhos” e “ironia” de lado e que sejas honesto. Escreva como foi: um grupo de homens que chegou para roubar terras, matar pessoas e falhou miseravelmente. É isso que quero ver neste capítulo.
Telefone desligado, Artur Matos sentiu-se também derrotado, e assim despachou a versão final em três tempos, iniciando o capítulo com uma frase que sabia que Mukuba aprovaria: “Benguela tornou-se a tumba de quem chegou para transformar sonhos de conquista em pilhagem.”
No manuscrito que, pouco depois, enviou ao editor, estava lá tudo: os detalhes das batalhas, das alianças instáveis com sobas locais e da doença que devastava tanto portugueses quanto nativos, destacando em detalhe episódios particularmente sombrios, como a destruição de libatas inteiras como represália por ataques aos soldados portugueses, mas também a resistência local e da terra.
Quando reencontrou o editor, Artur estava confiante de que agradaria a Elias Mukuba:
– Este capítulo tem potencial, Matos. Mas ainda falta uma coisa – disse-lhe um sorridente Elias.
– O quê? – perguntou Artur, já receoso.
– A voz dos que resistiram. Não basta dizer que resistiram; quero saber como. Quero ouvir o soba que enfrentou Cerveira Pereira. Quero que a resistência tenha um rosto.
Artur sabia que já nem valia a pena argumentar, assentiu, pegou no manuscrito e regressou a casa. No dia seguinte, adicionou um diálogo ficcional entre Cerveira Pereira e um soba chamado Cangombe. No texto, o soba confrontava o governador português, dizendo-lhe: “Os vossos canhões podem derrubar as nossas casas, mas nunca vão compreender a nossa terra. E é por isso que ela vos vai devorar”.
Poucas horas depois de ter enviado a última versão do terceiro capítulo, a secretária de Elias Mukuba ligou-lhe.
– O doutor pediu-me para lhe dizer: “agora sim, agora estamos a chegar lá”.
[continua…]
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