Autor: Elisabete Tavares

  • Violência doméstica sobre homens quadruplicou em 15 anos

    Violência doméstica sobre homens quadruplicou em 15 anos

    Apesar de as mulheres continuarem a ser as principais vítimas de violência doméstica, há cada vez mais homens a surgir como as vítimas nas participações por violência doméstica que chegam às autoridades. No ano de 2023 o número de denúncias feitas por homens vítimas de violência doméstica em contexto de casal atingiu mesmo o recorde: 10.309. O PÁGINA UM analisou a série temporal desde 2008 e mostra que em 15 anos a violência sobre homens aumentou 296%, apesar de, no ano passado, por cada 100 agressões contavam-se 78 vítimas do sexo feminino. O vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Manuel Albano, diz que mais do que um aumento real das agressões violência, este aumento nas estatísticas é um reflexo das campanhas de sensibilização para o fenómeno da violência doméstica, que pode ser física, psicológica, económica, ou mesmo abranger estes três tipos de abuso em simultâneo.


    No início, são rosas, passeios à beira-mar, muitos sorrisos e juras de amor. Mas há casos em que as promessas de felicidade se diluem e as relações azedam e acabam a assemelhar-se a filmes de terror. Aos milhares de mulheres que anualmente denunciam os seus parceiros por violência doméstica, têm-se juntado cada vez mais de homens que se queixam de ser vítimas de agressões. E são cada vez mais. Já ultrapassam a fasquia dos 10 mil por ano e bateram no ano passado um novo recorde.

    Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no final do mês passado, em 2023, o número de participações às autoridades em que as vítimas de violência doméstica eram homens atingiu as 10.309. Trata-se de um aumento de 30% face aos dados registados há três anos, mas se se comparar com os valores de há 15 anos – em 2008 contabilizaram-se 2.603 participações por homens –, a evolução é impressionante: 296%. Ou seja, quase quadruplicou.

    Apesar de as mulheres continuarem, de longe, a serem os principais alvos de violência doméstica, o diferencial entre denúncias de vítimas do sexo feminino e do sexo masculino está a estreitar-se. De facto, segundo os novos dados do INE, em 2023, as queixas de violência doméstica feitas por homens representaram já 28% do total de queixas feitas junto das autoridades policiais, que somaram 37.214. Ou seja, em cada 100 agressões participadas, 72 ainda são de mulheres. Em 2008, por cada 100 agressões que chegavam ao conhecimento das autoridades, 88 eram de mulheres. Há 15 anos, havia uma média diária de 58 participação; no ano passado subiu para 102.

    man holding his left shoulder

    A explicação para este aumento do número de queixas em que as vítimas são homens estará na maior sensibilidade que existe para o tema da violência doméstica. Manuel Albano, vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade do Género (CIG) disse ao PÁGINA UM que as inúmeras campanhas públicas sobre o tema têm “‘desocultado’ o fenómeno da violência doméstica”, incentivando mais pessoas a sentirem segurança para “denunciar os crimes”. Ou seja, há agora uma maior predisposição para a denúncia de situações de agressões entre casais do que havia antes, quando ainda não se estava perante um crime público.

    Para Manuel Albano, as estatísticas deste tipo de crime não revelam toda a realidade, já que os dados conhecidos são apenas os relativos às denúncias que chegam à PSP e à GNR. “Penso que nunca se saberá ao certo quantas pessoas são vítimas de violência doméstica”, disse aquele responsável do CIG, em declarações ao PÁGINA UM.

    No caso dos homens, este responsável destaca existir ainda uma percepção social de que “os homens não choram”, salientando que “isto não é verdade”. Por outro lado, também existe a ideia generalizada de ser mais difícil para um homem apresentar queixa por violência doméstica. “Denunciar este crime tem exactamente a mesma dificuldade quando é feito por mulheres”, defende.

    Número de queixas de violência doméstica em que o agressor é o cônjuge ou análogo efectuadas junto da PSP e da GNR. Fonte: INE/Valores em unidades.

    De resto, apesar de haver mais queixas de homens, Manuel Albano destaca que as mulheres continuarão previsivelmente a ser sempre as principais vítimas. No ano passado, 26.905 mulheres apresentaram queixa nas autoridades como vítimas de agressões físicas ou psicológicas, representando 72% do total, embora se tenha até registado uma ligeira queda de 2,2% face ao ano anterior, quando o número de denúncias feitas por mulheres atingiu o recorde.

    Nessa linha, não surpreende que a gravidade da agressão física seja maior nas vítimas do sexo feminino. Em 2023, dos 22 homicídios cometidos em contexto doméstico, 17 das vítimas eram mulheres, havendo a registar três homens e duas crianças, segundo dados do Portal da Violência Doméstica. Este ano há a lamentar 18 mortes, sendo que 15 eram mulheres e três homens.

    Segundo dados do mesmo Portal, entre Janeiro e o final de Setembro deste ano, houve 23.032 ocorrências registas pela PSP e a GNR referentes a crimes de violência doméstica, mas esta base de dados não apresenta dados discriminados por sexo.

    Elegant two-tone wedding rings on rustic wooden surface, symbolizing love and unity.

    Por outro lado, tanto no caso dos homens como das mulheres, não existem dados sobre se o agressor é ou não do sexo oposto, podendo haver situações de violência doméstica em casais do mesmo sexo. Os dados do INE não revelam essa informação. Mas, seja de que sexo for a vítima e o agressor, o crime de violência doméstica constitui um atentado a “um direito humano, um direito fundamental” em que quem agride se aproveita do poder que detém sobre o parceiro, argumenta Manuel Albano. “E são as mulheres quem mais sofre num contexto de intimidade”, lamenta.

    Recorde-se que a violência doméstica passou a ser considerado um crime público a partir do ano 2000, quando houve uma alteração legislativa que reforçou a protecção das vítimas. Contudo, a maior percepção e conhecimento em torno deste tipo de violência, deverá levar a que continue a haver mais denúncias, sinalizou o mesmo responsável da CIG. Até porque hoje, além dos postos policiais da PSP e da GNR, existem em todos os distritos pontos de atendimento para vítimas de violência doméstica, o que facilita a denúncia.

    O PÁGINA UM contactou também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), mas ninguém se mostrou interessado ou disponível.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • X e o ‘Guardian-costas’ da censura

    X e o ‘Guardian-costas’ da censura


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 11º episódio, analisa-se o anúncio do jornal britânico The Guardian de sair da rede social X (antigo Twitter), depois da vitória do candidato republicano, Donald Trump, nas presidenciais norte-americanas. No tempo em que o Twitter censurava vozes conservadoras e até jornalistas o The Guardian nunca viu problema nenhum naquela rede social…

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • O ‘dia da vergonha’ para a imprensa

    O ‘dia da vergonha’ para a imprensa


    Os norte-americanos deram um murro na mesa e elegeram Donald Trump para a Casa Branca. Será o 47º Presidente dos Estados Unidos. Mas a vitória de Trump não representa apenas a derrota de Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata. Representa também a derrota da imprensa tradicional que, mais uma vez, nestas eleições, decidiu meter a ética jornalística debaixo do tapete. Na cobertura que fez da campanha de Trump nestas eleições, a generalidade da imprensa mainstream, incluindo a portuguesa, destilou ódio e desinformação em vez de fornecer ao público factos e rigor jornalístico.

    Essa cobertura enviesada criou uma opinião pública mal informada e com o ‘cérebro lavado’ de imagens de um Trump ‘fascista’ contra uma Harris ‘heroína’.

    Durante a campanha para a Casa Branca, a maioria dos jornalistas de grandes órgãos de comunicação social endeusou Harris, escolhendo as melhores fotografias, as poses mais favoráveis, as frases que ficavam mais ‘no ouvido’. E enterrou o passado de Harris, as frases comprometedoras, as gaffes, as gigantescas falhas.

    graffiti, trump, melbourne

    Em geral, os media, enterraram todos os ‘defeitos de Harris e exacerbaram os de Trump. Fingiram que Harris não tem sido número dois na administração Biden, sendo cúmplice das suas políticas, nomeadamente o envolvimento e apoio do país a conflitos armados e guerras. Fingiram que Harris não era a pró-censura e contra a liberdade de imprensa e de expressão. Fingiram que Harris era a democrata, a ‘boa’, e pintaram Trump como o ‘fascista’, o ‘mau’. E falharam. A imprensa escolheu um lado, violando o Jornalismo. E perdeu. Massivamente.

    O dia de hoje não foi apenas de vitória para Trump e para os republicanos. Foi um dia de despertar para muitos na imprensa, nomeadamente em Portugal. Falharam nas previsões. Falharam nas expectativas. Falharam, sobretudo, com o Jornalismo e com o público, os leitores, ouvintes e telespectadores. Mas ganharam no ódio, que é visível em algumas reacções ao resultado eleitoral na Internet.

    Ao mar de jornalistas e comentadores a destilar ódio e mentiras nos media, juntaram-se jornalistas e comentadores influencers a espumar raiva nas redes sociais. Dois exemplos, em Portugal, são casos como o de Mafalda Anjos e de Luís Ribeiro. A primeira foi directora da Visão até ao final do ano passado e actualmente é comentadora da CNN; o segundo continua a ser jornalista desta revista da Trust in News, desde 1999, e ainda comenta na SIC. Ambos lançam insultos recorrentes em publicações na rede X e alimentam assim uma rede de seguidores e ‘haters’ que sustentam a sua base de audiência e de ‘engagement’ naquela rede social (e isso pode trazer receita). Promovem o discurso de ódio constantemente e alimentam-se disso. São os vampiros desta era digital em que as redes sociais se tornaram um espelho do pior que pode haver nos seres humanos.

    Curiosamente, Mafalda e Luís são dois nomes associados a um grupo de media à beira da insolvência, a Trust in News. Não será coincidência. Ambos reflectem o pior que pode haver em ‘jornalistas’: proferem discurso de ódio contra os seus ‘alvos’; promovem uma cultura de polarização. Usam a sua posição como jornalistas e a sua carteira profissional para levar a cabo campanhas de raiva aproveitando para ganhar audiência com a polarização de seguidores e ‘haters‘.

    Estes dois influencers/jornalistas são exemplos do tipo de individualidades que vampirizam o ecossistema digital e que se alimentam do ódio e de um público polarizado, em parte, devido à actuação da imprensa  tradicional, que ao invés de informar, muitas vezes aposta na propaganda e na polarização.

    Estes influencers do ódio vivem das emoções das massas, manipulando-as; usam e abusam das mais básicas técnicas de bullying e assédio contra os seus ‘alvos’.  Muitas vezes, lendo algumas publicações, parecem ter sido escritas por adolescentes inseguros, com borbulhas e muito ódio aos pais, procurando desesperadamente a validação dos seus pares para se sentirem integrados e aceites num qualquer grupo.

    man in black suit jacket

    Curiosamente, a faixa etária que mais votou em Trump foi a dos adultos já mesmo adultos – entre os 45 e os 64 anos. E Trump conquistou também o voto popular. Na realidade, é o tipo de malta que não tem pachorra para tretas e merdas nem paciência para influencers digitais inseguros a espumar raiva e a debitar insultos.  

    Quando há adultos ‘na sala’, a opinião destes influencers/jornalistas vale menos que zero. Isto é válido para Portugal, com exemplos como o destes influencers/jornalistas, como nos Estados Unidos . E, na verdade, as notícias enviesadas e com discurso de ódio contra Trump até ajudaram à derrota de Harris.

    Com estas eleições, surge a visão de um mundo ocidental em que o Jornalismo se liberta desta imprensa tóxica que tem asfixiado o público e a verdade. Não admira que Jeff Bezos, dono da Amazon e do Washington Post, tenha apoiado a decisão do seu jornal de não recomendar o voto em nenhum dos candidatos à Casa Branca. O magnata assumiu, ele próprio, o declínio da credibilidade da imprensa mainstream. De resto, a perda de credibilidade tem crescido em paralelo com as campanhas de desinformação a que todos assistimos nos media, em temas como a pandemia, Ucrânia, inflação, Gaza, etc, etc..

    Estas eleições são um sinal de que a era destes vampiros/influencers do ódio tem os seus dias contados e que a sua popularidade está agora restrita a um nicho ‘dark’ e depressivo do ecossistema digital que vive da raiva e dos insultos. Uma minoria raivosa a espumar e a atirar pedras entre si.  

    Com estas eleições, pelo menos nos Estados Unidos, floresce a visão de uma Internet em que há liberdade de imprensa e de expressão, em que é aceite diversidade de opiniões. Enquanto isso, no resto do mundo ocidental paira a nuvem da censura e do fim da liberdade de imprensa e de expressão, designadamente na Europa e em países como o Brasil.

    Não duvido que estas eleições norte-americanas são também a pedra que marca agora a sepultura onde jaz a credibilidade da imprensa tradicional.

    Trump tem muitos defeitos. Bezos também. Mas ambos sabem quando um ‘produto’ está morto. E o motor da imprensa é a sua credibilidade. Sem ela, não há ‘produto’. A morte em definitivo do motor, da credibilidade da imprensa mainstream, dá esperança de que haja um futuro para o Jornalismo. Um futuro em que uma nova imprensa, com um novo motor, com credibilidade, se apresenta ao público para cumprir a sua missão de informar com rigor e seriedade. Porque esta imprensa tóxica, que tem alimentado mentiras e a polarização, defendido a censura digital e apoiado a indústria de guerra, se morrer, traz outra esperança: a de que há um futuro para a Democracia no mundo ocidental. E para a Paz.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    É conhecido pela sua vida na política, mas a sua paixão são a água e o ambiente. Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, há precisamente duas décadas, António Carmona Rodrigues é presidente da AdP – Águas de Portugal e coordena o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, que visa assegurar a disponibilidade de água no país para todos os usos essenciais. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues fala sobre o sector da água e o ambiente e a necessidade de ter estratégias bem pensadas para o futuro, incluindo de prevenção e preparação para eventos extremos, como o que afectou Valência, em Espanha, recentemente. Carmona Rodrigues também recorda os tempos de actividade política activa, os quais lhe chegaram a trazer alguns dissabores, e diz não ter guardado ressentimentos, embora guarde memórias.    



    Tornou-se mais conhecido pelo seu papel na política, mas é uma das principais ‘autoridades’ em Portugal em matéria de água e ambiente. Podia estar a saborear a reforma mas, aos 68 anos, António Carmona Rodrigues preside à AdP – Águas de Portugal, cargo para o qual foi nomeado em Maio deste ano e que “não podia recusar”.

    Mas foi também nomeado, em Julho, para coordenar o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água. Este grupo que Carmona Rodrigues coordena é responsável, provavelmente, pela principal tarefa que o país enfrenta para o futuro: assegurar a disponibilidade de água para todos os usos essenciais. “O nosso dever cívico é tentar contribuir para melhorar o que não está bem”, afirmou nesta entrevista ao PÁGINA UM.

    António Carmona Rodrigues na sede do jornal PÁGINA UM. / Foto: PÁGINA UM

    Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, cuja construção está em marcha, Carmona Rodrigues foi chamado a liderar esta iniciativa interministerial no âmbito da qual vai ser revisto o Plano Nacional da Água para 2025-2035 e desenvolvido um plano de armazenamento e de distribuição eficiente de água para a agricultura – Plano REGA –, designadamente em articulação com outros instrumentos de planeamento e gestão que estão em vigor, como é o caso do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030).

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues falou sobre um dos projectos em curso no âmbito das novas origens de água: o projecto de dessalinização da água do mar no Algarve. Também abordou a a sua ‘paixão’ pela água e pelo ambiente e os desafios que o país enfrenta e defendeu que devem ser adoptadas estratégias de prevenção, designadamente para se lidar com eventuais eventos extremos, como as trágicas cheias recentes em Valência, Espanha. Também recordou a sua vida política, que até lhe valeu um longo processo judicial, que se arrastou por nove anos, culminando na sua absolvição.

    Independente, Carmona Rodrigues foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e deu ao PSD a maior vitória de sempre na capital, quando foi eleito presidente da autarquia, em 2005. Admitiu não ter “nada contra os partidos”, mas prefere ser independente. “Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente”, afirmou durante a entrevista.

    O presidente da AdP – Águas de Portugal foi também nomeado, em Julho, coordenador do Grupo de Trabalho ‘Água que une’, cuja missão é desenhar uma estratégia para garantir a disponibilidade de água para todos os usos essenciais no país. / Foto: PÁGINA UM

    Considerou que a democracia não está em perigo em Portugal, mas criticou a grande resistência à mudança que existe no país. Defendeu que Portugal precisa modernizar, por exemplo, a “própria lei do poder local, que é uma lei obsoleta”, e lamentou que “parece que essas matérias são tabus em Portugal”. Lembrou que se trata de uma lei criada em 1976, que “deu muitos bons frutos”. Mas sublinhou que, até aos anos 90, “os autarcas comungavam do primeiro interesse, que era servir as comunidades, estivessem eles no poder ou na oposição”. “Hoje só vejo a dita oposição a não deixar fazer. A oposição transformou-se muito em não deixar fazer, por qualquer meio”, frisou.

    Carmona Rodrigues não duvida que “a democracia não está em perigo, mas devia haver um esforço de adaptação legal, institucional, aos tempos modernos”. “Não se muda. Não se muda porquê? Na água, toda a gente é criticada por não se adaptar, na política não, é o contrário”, apontou, referindo ainda os exemplos dos que defendem a Regionalização ou a adopção de alterações à Constituição da República.

    Disse que há muitas opções na política que podiam ser discutidas e recordou uma experiência extrema levada a cabo na antiga Grécia, em que governantes foram escolhidos por amostra estatística, sem opção de recusarem desempenhar as funções de gestão do bem público.

    Mas, em Portugal, lamentou que nem debater algumas temas, se pode. “Em Portugal, penso que temos passado muitos anos com uma grande resistência à mudança”, observou.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias é uma das três autoras da Petição Pela Rejeição do Cartão Europeu de Vacinação, a qual conta com mais de 16.600 assinaturas. A petição será apreciada em sede da Comissão de Saúde. Para as peticionárias, o cartão representa uma séria ameaça aos direitos, liberdades e garantias individuais e se for aliado à identidade digital e euro digital poderá ser usado para controlar os cidadãos. Assim, qualquer Estado que tenha nas suas mãos estas ferramentas digitais ficará com um poder sobre a população que coloca em risco a democracia. Com esta Petição, as autoras da iniciativa pretendem, primeiro, alertar a população; segundo, comprometer os deputados com as suas decisões, para que mais tarde não posso dizer que nada sabiam. O objectivo final é o de deter a adopção deste cartão em Portugal.    



    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias e a médica-dentista e defensora da medicina baseada na evidência Marta Gameiro são as vozes defensoras dos direitos humanos e liberdades fundamentais que, pela segunda vez, surgem no Parlamento para ‘agitar as águas’ em torno de novas políticas de saúde pública que ameaçam tornar-se em instrumentos de controlo e vigilância para usar nos cidadãos.

    Depois de terem sido ouvidas no Parlamento a propósito de uma petição que pedia um referendo sobre a adesão de Portugal ao Tratado Pandémico da Organização Mundial de Saúde, Joana Amaral Dias e Marta Gameiro lançaram uma nova petição, com a jurista Alexandra Marcelino, para a rejeição do cartão europeu de vacinação. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Joana Amaral Dias alertou que “este cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias”.

    Esta petição conta com mais de 16.600 assinaturas e vai ser analisada no Parlamento, tendo baixado à Comissão de Saúde para apreciação. Para já, foi designado como relator, no dia 25 de Outubro, o deputado do Livre Paulo Muacho.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    Em causa está o projecto EUVABECO, criado pela da Comissão Europeia, o qual “visa intensificar e controlar a vacinação na União Europeia (UE), e está em vias de lançar 5 ‘ferramentas’ que devem, até 2030, governar a Saúde Pública e Privada”, segundo o texto da petição. Uma das ‘ferramentas’ consiste num “cartão de vacinação transfronteiriço, permitindo o controlo dos cuidados de saúde a nível global e ao longo da vida”.

    A fase de teste-piloto arrancou em Setembro passado e vai durar até Agosto de 2025. Portugal é um dos cinco países onde o cartão vai ser testado a par da Bélgica, Grécia, Letónia e Alemanha.

    Mas, recorda a petição, “a agenda da EUVABECO prevê a implementação deste CVE (cartão de vacinação europeu) em 2026, que, integrado no sistema global de certificação digital da Organização Mundial da Saúde (OMS), está a ser conjugado com dois outros projectos, a saber: Identidade Digital Europeia eMoeda Digital Europeia”. Para as peticionárias, “o CVE surge como um instrumento de rastreamento, controlo e coerção dos cidadãos, que, se não for travado, nos conduzirá a cinco pontos de não retorno”.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    A decisão de lançar esta petição surgiu devido à “magna importância” do tema, “que diz respeito à saúde de todos” e que envolve a criação, “por parte de pessoas não eleitas”, de um instrumento “sem discussão pública” e até contra a vontade de cidadãos. Para as peticionárias, o cartão visa coligir dados dos europeus e centralizá-los, sendo que Portugal já tem um cartão de vacinação.

    Joana Amaral Dias alertou que os dados do cartão serão “armazenados de forma electrónica e centralizados em instâncias europeias” que terão acesso a dados de saúde dos europeus e poder usá-los a ser bel-prazer”.

    Para as peticionárias, o problema não está apenas no cartão e nas ferramentas que o acompanham, mas no facto de vir a poder ser usado em articulação com o euro digital a identidade digital. Segundo Joana Amaral Dias, o cartão de vacinação, aliado a estes instrumentos “torna-se especialmente maquiavélico e perverso, porque qualquer Estado que disponha destes três elemento pode ‘vergar a espinha’ a qualquer cidadão”. “Qualquer estado que detenha estas ferramentas deixa de ser democrático”, alertou.

    Para já há que aguardar que seja agendada a data para ouvir as peticionárias na Comissão de Saúde. Segundo Joana Amaral Dias, o primeiro objectivo da petição é alertar as populações, mas também conseguir que os deputados se comprometam com as suas decisões, não podendo, no futuro, fingir que nada sabiam. Por fim, o terceiro objectivo é deter a implementação do cartão em Portugal.

    No caso da petição relativa ao Tratado Pandémico, esforços de aumento de literacia sobre o tema levados a cabo em diversos países, como foi feito em Portugal por Marta Gameiro e Joana Amaral Dias, a pressão dos cidadãos, médicos e investigadores acabou por surtir algum efeito, pois o Tratado não chegou a ser adoptado, mas a OMS não desistiu que o implementar.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • 31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    Desde 2018, os contribuintes desembolsaram 36,6 milhões de euros em contratos feitos com a Porto Editora, na maioria por ajuste directo, mas grande parte da verba (30,8 milhões) advem de contratos a partir de 2022. O grupo portuense, que possui conhecidas editoras de manuais escolares, tem beneficiado de muitos contratos por ser o escolhido pelos agrupamentos escolares e escolas do ensino público para fornecer manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos. Mas, à boleia, a Porto Editora acaba a vender ‘kits’ de computadores, muitas vezes sem concorrência, porque as escolas decidem, de forma questionável, não separar as aquisições. Em contratos recentes, a Porto Editora cobrou 490 euros por cada portátil. Somando os manuais digitais e software, cada ‘kit’ para alunos rendeu mais de 900 euros. No top 20 dos maiores contratos ganhos pela Porto Editora, a Região Autónoma da Madeira dá um ‘baile’ ao Continente. As escolas madeirenses são responsáveis pelos 16 contratos mais valiosos feitos com a Porto Editora. Na sua maioria, são adjudicações feitas no último ano e meio por ajuste directo.


    As licenças de acesso a manuais digitais têm sido o’ cavalo de Tróia’ da Porto Editora para facturar milhões de euros em contratos com as escolas do ensino público, muitas vezes sem concurso. O grupo editorial, que detém a Areal e a Raiz, ganhou já contratos no valor de 36,6 milhões de euros desde 2018, na maioria por ajuste directo, mesmo quando o objecto do negócio foi a venda de ‘kits’ informáticos para os alunos, num sector com ampla concorrência.

    As escolas e os professores têm autonomia para escolher os manuais escolares a adoptar a cada ano lectivo, mas no que toca o material informático, o caso muda de figura. Ainda assim, à boleia da compra de manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos pedagógicos, há escolas a adjudicar contratos por ajuste directo de milhares de euros sem a devida fundamentação legal.

    A Porto Editora tem beneficiado desta prática. Num levantamento feito pelo PÁGINA UM a contratos públicos registados no Portal Base, a Porto Editora é a ‘rainha’ da venda de manuais e licenças digitais, detendo 100% dos contratos. Na mesma análise, constata-se que em diversos contratos, além dos manuais e das licenças digitais, a empresa vende ‘kits’ informáticos para alunos.

    three person pointing the silver laptop computer

    Já em Setembro do ano passado, o PÁGINA UM tinha denunciado esta prática, de haver contratos por ajuste directo com a Porto Editora para vender tablets e computadores em ‘packs‘ à boleia dos manuais e licenças digitais. Em contratos recentes, a Porto Editora cobra mais de 900 euros por cada ‘kit’ para alunos do 10º ano, por exemplo, com o custo de cada portátil a sair a quase 500 euros ao Estado.

    De resto, este ano, a editora obteve os dois maiores contratos de sempre feitos com o Estado, ambos envolvendo a venda de ‘kits’ e manuais digitais a escolas da Região Autónoma da Madeira. O seu maior contrato de sempre, no valor de e 1.036.411,89 euros, que, acrescido de IVA, eleva a despesa dos contribuintes para 1.264.422,50 euros, foi efectuado a 22 de Julho com a Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia – Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, referente à ‘Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos, 2024/2025’. Apenas a Porto Editora concorreu a este concurso público anunciado a 7 de Junho e com data-limite para entrega de propostas a 8 de Julho.

    Este contrato inclui a venda, pela Porto Editora, de 780 portáteis Chromebook, com bolsa de proteção personalizada, para alunos do 10º ano, disponibilização da ‘Plataforma LMS-Learning Management System com conteúdos e recursos educativos’, licenças ‘para Firewall Cloud (Secure Access Service Edge – SASE)’, licenças de acessos aos ‘Manuais em Formato digital’ e ainda licenças da ‘plataforma MDM-Mobile Device Management, para gestão centralizada dos equipamentos’. Cada ‘kit’ foi vendido ao preço de 907,52 euros, excluindo IVA. Além disso, o contrato abrangeu o fornecimento de licenças digitais a alunos do 11º ano ao preço de 416,64 euros, cada.

    Valor (em euros) dos contratos públicos relativos à compra de manuais digitais, licenças de acesso ou ‘kits’ com manuais digitais e computadores ou tablets. A Porto Editora foi a entidade contratada em 100% dos contratos detectados pelo PÁGINA UM. Fonte: Portal Base.

    O segundo maior contrato, no valor de 797.852,37 euros, foi efectuado a 19 de Agosto com a Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal. Este contrato engloba, por exemplo, a venda de 600 ‘kits’ no valor de 907,52 euros para os alunos do 10º ano, que inclui um portátil ‘Chromebook com bolsa de protecção’, num valor global de 544.512 euros, sem IVA. No caso dos ‘kits’ para os alunos do 11º ano, a Porto Editora cobra 416,64 euros por cada um, apenas para disponibilizar manuais digitais, software de cibersegurança e a plataforma LMS-Learning Management System. Fazendo as contas, significa que a Porto Editora vendeu, neste contrato, computadores portáteis para alunos ao preço de 490,88 euros sem IVA.

    De resto, os 16 maiores contratos da Porto Editora com entidades públicas foram celebrados com escolas da Região Autónoma da Madeira em contratos adjudicados, na sua maioria, no último ano e meio, tendo gerado mais de 8,1 milhões de euros de receita à Porto Editora. Destes contratos, 12 foram feitos por ajuste directo.

    Numa análise a várias compras de ‘kits’ informáticos para alunos feitas por escolas públicas, nos últimos meses, e registadas no Portal Base, o PÁGINA UM detectou contratos em que cada ‘kit’ composto por portátil, uma mochila de transporte, um ‘headset‘ e um rato com ligação USB custa em redor dos 410 euros ou 415 euros, incluindo um sistema operativo. Além do custo mais baixo, alguns dos contratos para a aquisição de portáteis para os alunos são feitos através de concurso ou consulta prévia, mas, na sua maioria, têm sido adjudicados por ajuste directo, apesar de existirem diversas empresas a operar no mercado.

    woman reading book

    Nos contratos registados no Portal Base referentes à aquisição de manuais e licenças digitais, todos feitos com a Porto Editora, verifica-se que o ‘pico’ das compras ocorreu em 2023, quando o valor total da despesa atingiu os 12,4 milhões de euros. Contudo, este ano o valor global dos contratos vai em 10,3 milhões de euros e há ainda procedimentos que não estarão registados no Portal Base.

    Além da Porto Editora, outras empresas que surge ligada a compras por ajuste directo relacionadas com a digitalização das escolas e a aquisição de material informático são a Meo e a Altice, que facturaram 460 mil euros com contratos públicos. Estes contratos feitos pelas escolas surgem num contexto de políticas que têm promovido uma maior digitalização do ensino público e a desmaterialização dos manuais escolares em papel.

    Recorde-se que, em 2018, a Direcção-Geral das Actidades Económicas e a Associação de Editores e Livreiros assinaram uma convenção relativa à venda de manuais escolares destinados aos ensinos básico e secundário, na qual se previa a distribuição de licenças digitais a todos os alunos do ensino público abrangidos pela medida de gratuitidade dos manuais escolares. Nesse sentido, anualmente, o Estado tem subsidiado ‘vouchers’ que são enviados aos encarregados de educação dos alunos para serem trocados por manuais escolares novos ou usados, os quais vem acompanhados por licenças de acesso a conteúdos digitais das editoras.

    woman wearing blue denim jacket holding book

    Neste caso, são os pais que recebem os ‘subsídios’ e, por isso, não surgem compras de manuais escolares às diferentes editoras no Portal Base. “A relação é entre o Ministério da Educação e os pais, que recebem os ‘vouchers’, pelo que não há uma compra de manuais às editoras por parte de nenhuma escola”, afirmou Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), em declarações ao PÁGINA UM.

    Pedro Sobral defendeu que, no caso da compra de manuais digitais por parte das escolas, como as que estão registadas no Portal Base, faz sentido que sejam feitas por ajuste directo, já que “são as escolas que escolhem os manuais que pretendem”. Recordou que essas compras surgem inseridas em programas de digitalização das escolas e desmaterialização dos manuais em papel.

    Estes programas surgiram no âmbito do ‘Plano de Ação para a Transição Digital’ aprovado pelo Governo socialista em Abril de 2020. Nesse âmbito, desde então que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação tem vindo a implementar, por exemplo, um projecto-piloto relativo ao uso de manuais digitais que, no ano lectivo passado, abrangeu 24 mil alunos de 104 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas. No total, para o ano lectivo de 2023-2024, foi fixado o tecto de 24,167 milhões de euros que o Governo autorizou a gastar em licenças digitais de manuais.

    Página online da ‘Escola Virtual’ do grupo Porto Editora. Foto: Captura de ecrã/PÁGINA UM

    Mas a aposta na ‘desmaterialização’ dos livros escolares está em ‘banho-maria’ e tem um futuro incerto. “Felizmente, o anterior Governo decidiu, e bem, suspender esse plano”, disse Pedro Sobral, frisando que existem muitos estudos científicos que revelam a importância que o uso de livros em papel tem para o adequado desenvolvimento das crianças, nomeadamente nas suas capacidades de leitura, escrita e compreensão de textos.

    “Na APEL, pugnamos por uma complementariedade de formatos”, juntando o manual em papel com conteúdos digitais, frisou Pedro Sobral. “Não somos contra a digitalização, pelo contrário. Pensamos que é complementar”, salientou.

    Também o actual Governo já indicou que a estratégia de apostar numa maior digitalização dos manuais escolares está sob análise. Isto acontece numa altura em que persistem as dúvidas sobre os benefícios do uso exclusivo de livros digitais pelos alunos e também os ‘efeitos adversos’ que surgem com a excessiva exposição de crianças e jovens a ecrãs. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão por parte de movimentos como o ‘Menos Ecrãs, Mais Vida‘, para travar o projecto dos manuais digitais nas escolas públicas.

    Seja como for, o negócio dos manuais digitais já rendeu milhões à Porto Editora e, até ordem contrária, as escolas irão continuar a comprar licenças se quiserem que os alunos continuem a poder usar os computadores comprados em ‘kit’ junto com os manuais digitais.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Jeff Bezos diz ‘Ka-ma-lá e pára o baile’

    Jeff Bezos diz ‘Ka-ma-lá e pára o baile’


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 10º episódio, analisa-se o apoio do magnata e dono do Washington Post, Jeff Bezos, ao anúncio do jornal de que não vai recomendar o voto em nenhum dos candidatos na corrida à Casa Branca. Isto num cenário em que a maioria dos media mainstream faz propaganda aberta e descarada a Kamala Harris, que tem exercido o cargo de vice-presidente na Administração Biden.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • A arte como instrumento de superação

    A arte como instrumento de superação

    Título

    Faca − Meditações na Sequência de Uma Tentativa de Homicídio

    Autor

    SALMAN RUSHDIE (Tradução: J. Teixeira de Aguilar) 

    Editora

    Dom Quixote (Maio de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Salman Rushdie é um autor tão amado quanto odiado. Sobre ele foi decretada uma sentença de morte. Foi em Fevereiro de 1989 que o aiatola Ruhollah Khomeini, o líder supremo do Irão, ordenou, através de uma fatwa, que o escritor fosse assassinado. Trinta e três anos depois desse decreto, a 12 de Agosto de 2022, Rushdie subia ao palco do anfiteatro de Chautauqua, Nova Iorque, para falar sobre a importância de manter os escritores fora de perigo, quando foi atacado por um jovem armado com uma faca. O autor de ‘Os Versículos Satânicos’ sobreviveu ao atentado e decidiu responder ao violento ataque escrevendo este livro.

    A obra acaba por ser uma espécie de exorcismo combinado com a decisão de expurgar a ‘vítima’ existente no escritor, fruto da experiência de ser um alvo a abater por fundamentalistas.  Rushdie expõe ao detalhe a experiência traumática por que passou, naquele fatídico dia de Agosto, numa catarse. Ao mesmo tempo que liberta a dor e as recordações, o autor procurou, sobretudo, usar a escrita como instrumento para superar a dor, a injustiça, a perseguição e a violência de que foi alvo (e continua a correr perigo diariamente). De resto, o escritor dedica a obra aos homens e mulheres que lhe salvaram a vida. 

    As páginas dedicadas ao ataque em si, e aos dias em que esteve internado, são difíceis de ler e de digerir. São íntimas, pessoais e gráficas em muitos aspectos. “Abri os olhos − apenas o olho esquerdo, conforme parcialmente percebi; o olho direito estava tapado com uma ligadura macia − e as visões não desapareceram, tornando-se, ao invés mais fantasmagóricas, translúcidas, e comecei a tomar consciência da minha verdadeira situação. A primeira descoberta, a mais premente e menos confortável foi o ventilador. Mais tarde, quando mo retiraram e pude dizer coisas, disse que era como se me enfiassem a cauda de um tatu pela garganta abaixo”. Relatos como este atingem-nos de uma forma brutal e fria. São relatos contados na primeira pessoa por alguém que foi atacado de forma vil. Os detalhes sucedem-se, página após página, e tocam-nos de uma maneira desconfortavelmente íntima. “O meu pescoço e a minha face direita tinham sido retalhados pela faca e eles podiam ver ambos os bordos do corte unidos por agrafos metálicos”.

    Mesmo as páginas dedicadas à recuperação nos catapultam para um dia-a-dia de alguém que é, no mais profundo sentido, um sobrevivente. “Era entusiasmante fazer coisas tão ‘normais’ como ir a casa de amigos”. O ‘regresso’ ao mundo é descrito ao pormenor; como foi sentido, por dentro; as impressões. Mas era um novo mundo. Uma nova vida. Uma entrevista publicada na The New Yorker, em Fevereiro de 2023, simbolizaram como que o ‘anúncio’ desse regresso.  “Quando a entrevista a fotografia foram publicadas, foi como uma reentrada no mundo após meio ano no Limbo. Fevereiro significava tudo isso. Além disso, 14 de Fevereiro era o 34º aniversário da fatwa. Eu deixara de me recordar dos aniversários da fatwa, mas agora tinha de recomeçar.”

    Rushdie é o vencedor; sobreviveu e vive, recusando submeter-se ao peso da sentença decretada. Recusa esconder-se. Recusa render-se. E vive. “Mas 14 de fevereiro era também o Dia dos Namorados e Eliza e eu decidimos comemorá-lo indo jantar a um restaurante pela primeira vez em seis meses. Fomos com segurança, mas fomos. Pareceu-me um momento profundo. olá, mundo, estávamos a dizer. estamos de regresso, e depois do nosso encontro com o ódio estamos a celebrar a sobrevivência do amor. Depois do anjo da morte, o anjo da vida.” 

    Ler este livro não nos atira apenas para dentro da vida de um escritor que foi retalhado física e emocionalmente por um ataque de ódio e recuperou. Recorda-nos da brevidade da vida e da liberdade que temos para a viver. Uma liberdade diferente da de quem olha por cima do ombro e sai com um segurança atrás, como Rushdie. E o escritor, mesmo assim, escolhe viver. Livre.  

  • Amar sem amarras

    Amar sem amarras

    Título

    Relacionamentos amorosos

    Autor

    MARIA GORJÃO HENRIQUES

    Editora

    Albatroz (Outubro de 2024)

    Cotação

    13/20

    Recensão

    Viver relacionamentos mais autênticos. Esta é a principal proposta deste livro de Maria Gorjão Henriques, terapeuta, professora e facilitadora de ‘consciência sistémica‘. Assim, a autora propõe ao leitor que tome consciência de que pode não estar a ser autêntico nos seus relacionamentos por trazer consigo as histórias e traumas familiares. Em simultâneo, propõe que o leitor se liberte dessas amarras que o impedem de ser ele próprio nos relacionamentos.

    O livro sugere um caminho de auto-descoberta e de abertura de consciência. Saliente-se que se trata de uma obra que se segue a uma outra da autora: ‘O despertar da consciência com as constelações familiares’ (Albatroz, 2023). 

    A autora estruturou o livro em 10 capítulos, incluindo um sobre ‘Uma visão sistémica sobre a importância sistémica da família de origem’ e outro sobre ‘Os arquétipos masculino e feminino’ e termina com o capítulo sobre ‘O relacionamento amoroso enquanto caminho para a nossa evolução espiritual’. Também incluiu no livro algumas propostas de exercícios, bem como páginas com frases como: “o que pensas crias, o que sentes atrais”.

    No fundo, a proposta do livro é que o leitor faça todo um percurso de se descobrir a si próprio, quem é o que o move nos relacionamentos, se são crenças familiares e comportamentos aprendidos e traumas vividos ou se vive os relacionamentos de forma autêntica, estando presente na sua essência.

    No livro também são abordadas temáticas sobre as dinâmicas pragmáticas que podem existir em relacionamentos amorosos e de como se pode ter relacionamentos harmoniosos, sublinhando-se, por exemplo, a importância de haver um equilíbrio entre o dar e o receber. 

    A autora pretende, sobretudo, transmitir boas práticas com base na permissa de que “não existem relacionamentos perfeitos, mas podem existir bons relacionamentos”. Sempre num contexto de uma existência espiritual, em que existe uma conexão do leitor consigo mesmo e que está ‘presente’ na vida, incluindo nos relacionamentos, não espelhando no outro os traumas e ‘heranças’ familiares, mas consciente e desperto. 

  • ‘Estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros’

    ‘Estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros’

    Quando se fala em Habitação, o nome que mais surge na mente de muitos portugueses é o de Helena Roseta. Foi pela sua mão e vontade que nasceu, em 2019, a primeira Lei de Bases da Habitação. Mas a influência na sociedade portuguesa da arquitecta e antiga deputada e ex-autarca não se tem ficado pela defesa do direito de todos de viver numa casa condigna, como dita a Constituição da República. Helena Roseta participou, por exemplo, na recente manifestação contra a violência policial e a pedir justiça para Odair Moniz, natural de Cabo Verde e a residir em Portugal, que foi morto a tiro por um agente da PSP. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Helena Roseta fala sobre o seu percurso de vida, a família e sobre política a activismo cívico. Também deixa um alerta: a democracia está em desconstrução e é preciso lutar contra a onda que tenta arrastar a Europa e o Ocidente de volta ao totalitarismo. Por fim, deixa uma mensagem aos jovens: se quiserem mudar o mundo, não o façam sozinhos, procurem apoios; e nunca baixem os braços.    



    Prestes a completar os 77 anos, Helena Roseta não baixa os braços e continua a dar o seu contributo para mudar o mundo. A arquitecta e antiga deputada e ex-autarca defende que “estamos cá não só para gozar a nossa vida, mas para fazer alguma coisa pelos outros”.

    Para Helena Roseta, vivemos num tempo em que na Europa, e no Ocidente em geral, se sente uma nova onda de regresso ao totalitarismo que precisa ser combatida. “o tempo actual tem algumas semelhanças com os anos 30, em que a gente sente um retrocesso muito grande relativamente a conquistas e progressos”, disse.

    Helena Roseta / Foto: D.R.

    Disse que “a História tem movimentos pendulares, não está sempre no mesmo sentido e, normalmente, após momentos de grande progresso em direcção a mais liberdade, a mais democracia, há momentos de regresso, de retrocesso e nós estamos a assistir a um momento desses”. Lembrou que a Europa passou, nos pós-guerra, por um “período de expansão dos direitos sociais”, tal como os Estados Unidos, que “também tiveram um período de grande expansão de direitos humanos e de liberdades” e que lidou com a questão racial. “Nós estamos a ter agora a questão racial e eu sei de que lado estou, estou no mesmo lado em que estaria Martin Luther King”, sublinhou.

    Citando Manuel Alegre, defendeu que a democracia está numa fase de “desconstrução” e isso “obriga-nos a um activismo mais forte”. Frisou que, “na fase da construção as pessoas podem ir com a onda. Na fase da desconstrução é preciso desconstruir a onda, é preciso estar contra a onda e isso é mais exigente”.

    Helena Roseta na celebração da primeira Lei de Bases da Habitação, em 2019. / Foto: D.R.

    Nesta entrevista, Helena Roseta também falou sobre a crise no acesso a casas e disse que “estamos a ter a consequência, por um lado, da ausência de políticas de habitação”, por outro, das políticas de cidade que não souberam acomodar, por exemplo, as grandes vagas de imigração, “primeiro da província, das ex-colónias, depois dos PALOPs (Países de Língua Oficial Portuguesa), depois de outros países”, designadamente do Brasil e “agora da Ásia”. Mas também culpou a financeirização do sector imobiliário e da Habitação.

    A ex-deputada deixou críticas à ineficácia do Parlamento. “Hoje, temos um Parlamento muito mais virado para a expressão das oposições do que para a formação democrática da decisão colectiva”, lamentou. E deu o exemplo de como se conseguiu aprovar a Constituição da República numa altura em que existia uma polarização muito superior à que existe hoje, com manifestações e em pleno PREC (Processo revolucionário em Curso).

    Também deixou uma mensagem aos jovens: “ninguém muda o mundo sozinho”. E deixou dois conselhos: “não fazer nada sozinhos; e não baixar os braços”.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.