Autor: Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares

  • Administração Biden fez mais do dobro dos repatriamentos de Trump

    Administração Biden fez mais do dobro dos repatriamentos de Trump

    A Administração Biden, cujo mandato decorreu entre 2021 e 2024, mais do que duplicou o número de repatriamentos de estrangeiros face aos anos do primeiro mandato de Donald Trump (2017-2020), embora usando um expediente especial – uma lei sanitária de 1944, o Título 42 – que fez baixar artificialmente as deportações formais. Estes dados foram recolhidos e analisados pelo PÁGINA UM nos relatórios do Serviço de Imigração e Alfândega (Immigration and Customs Enforcement) e de uma unidade de estatística do Departamento de Segurança Interna (DHS) dos Estados Unidos, com informação detalhada desde 1996 até finais de 2024.

    Apesar de a recém-formada Administração Trump ter elegido o controlo intensivo da imigração ilegal como uma das suas bandeiras – provocando já celeuma com deportações para o Brasil e a Colômbia –, certo é que, nos últimos quatro anos, os Estados Unidos até impediram um maior número de permanências face aos anos anteriores.

    Criança numa caravana de migrantes a caminho dos Estados Unidos. Foto: AFP

    Considerando todas as tipologias de repatriamento – retornos administrativos e forçados, deportações coercivas e expulsões sob regimes específicos, como o Título 42 –, foram contabilizados 777.590 processos ao longo de 2024. De entre estes, os retornos administrativos – aplicados quando um estrangeiro é intercetado na fronteira ou detetada a sua ilegalidade em inspeções regulares e sai voluntariamente do território norte-americano sem ser sujeito a um processo formal de deportação – totalizaram 92.310 casos, ou seja, 12% do total. No caso dos retornos forçados (‘enforcement returns’) – que não envolvem processo judicial completo, sendo uma forma simplificada de repatriamento –, no ano passado contabilizaram-se 355.290 casos, ou seja, 46% do total.

    Já as deportações coercivas, também denominadas formalmente como remoções (‘removals’) – que implicam um processo legal mais rigoroso, com a expulsão e outras penalidades, baseando-se em violações das leis de imigração –, atingiram os 329.990 casos, representando 42% do total.

    O total de repatriamentos a partir dos Estados Unidos no último ano civil do mandato de Joe Biden supera qualquer dos quatro anos do primeiro mandato de Donald Trump. Mas a contabilidade ainda se torna mais tenebrosa, e altera a perceção, se se contabilizar o período em que se aplicou o regime especial do Título 42, durante a pandemia. Aí, chega-se à conclusão de que, no mandato de Joe Biden, entre 2021 e 2024, foram repatriadas 4.779.640 pessoas – contra 2.001.220 pessoas no primeiro mandato de Trump (2017-2020) –, o que torna este o terceiro presidente que mais repatriou desde o mandato de Eisenhower (1953-1960).

    Expulsões sumárias durante a pandemia, ao abrigo do Título 42, fundada numa lei sanitária de 1944, permitiu ‘mascarar’ ondas de deportações da Administração Trump..Foto: AP.

    Com efeito, tendo a Administração Biden repatriado, por ano, uma média de quase 1,2 milhões de pessoas, só foi superado por Bill Clinton (1,5 milhões por ano) e George W. Bush (1,3 milhões por ano). Na lista dos últimos 13 presidentes, Donald Trump surge, porventura surpreendentemente, apenas na nona posição em termos de repatriamentos totais – e é aquele que menos repatriou nos últimos 50 anos.

    A aplicação do Título 42 foi inicialmente usada pela Administração Trump, em Março de 2020, ‘ressuscitando’ uma lei sanitária de 1944, que permitia assim ao Governo adotar restrições à entrada de pessoas ou bens no país para prevenir a disseminação de doenças transmissíveis. Transposta para desburocratizar expulsões de forma sumária, Trump usou-a bastante para controlo da imigração a partir do México, alegando que a sobrelotação em centros de detenção promoveria surtos incontroláveis. Sem acesso ao sistema tradicional de imigração, incluindo o direito de solicitar asilo – e contrariando assim o direito internacional –, no final do primeiro mandato de Trump, entre março e setembro de 2020, foram expulsas quase 207 mil pessoas, cerca de 34% dos 608 mil repatriamentos daquele ano.

    Este número anual (608.380) foi o mais elevado do primeiro mandato de Trump. Antes da pandemia, sem Título 42, os repatriamentos da primeira Administração Trump tinham atingido 387 mil em 2017, um pouco mais de 487 mil no ano seguinte e cerca de 518 mil em 2019.

    Número médio de repatriamentos por ano de cada Administração norte-americana desde 1953. Barras a azul referem-se a presidente democratas; barras a vermelho a republicanos. Fonte: DHS.

    Se parece evidente que Trump usou, em 2020, a ‘desculpa’ da pandemia para expulsar mais imigrantes sem burocracias nem pingo de humanidade, então a Administração Biden abusou nos anos seguintes. De facto, se, no primeiro ano da pandemia, Trump usou o Título 42 para expulsar uma média mensal de quase 61 mil (em 10 meses), a Administração Biden tomou-lhe o ‘gosto’. Ao longo do primeiro ano de mandato, Joe Biden tinha, na sua conta, 1.071.080 repatriamentos apenas pelo Título 42, sem incluir as restantes ‘modalidades tradicionais’.

    Por esse motivo, só contabilisticamente, as deportações (‘removals’) nos Estados Unidos desceram de 234.340, em 2020 (era Trump), para apenas 85.100, em 2021 (primeiro ano da era Biden). Assim, juntando um pouco mais de 128 mil de retornos administrativos e quase 50 mil de retornos forçados, a Administração Biden acabou, no primeiro ano de mandato, por ‘mandar embora’ um total de 1.334.200 pessoas, um crescimento de 119% face ao ano anterior, ainda sob governo federal do seu opositor republicano.

    No ano seguinte, em 2022, o democrata repetiu a dose: os repatriamentos surgiram à boleia do famigerado Título 42, com base em supostos motivos de saúde pública. Nessa ‘modalidade’, foram expulsos, sem apelo nem agravo, mais de 1,1 milhões de pessoas, uma média próxima das 100 mil por mês. Além destes, foram ainda repatriados mais 154 mil por retornos administrativos, quase 81 mil por retornos forçados e cerca de 123 mil deportações coercivas. No total, em 2022, a Administração Biden repatriou quase 1,47 milhões de pessoas, de longe o número mais elevado desde 2010.

    Distribuição dos repatriamentos entre 2010 e 2024 por tipologia. Fonte: Office of Homeland Security Statisticas / DHS.

    Por via da maior facilidade de expulsar imigrantes através do Título 42, a Administração Biden teve um efeito talvez esperado: quem era sumariamente ‘atirado’ fora da fronteira tentava de novo. O relatório de 2022do Office of Homeland Statistics salienta que as expulsões ao abrigo do Título 42 contribuíram para “encontros” repetidos das autoridades com os mesmos indivíduos. “Em 2022, 26% dos encontros de aplicação da lei pela CBP [Agência de Proteção de Fronteiras e Alfândega] envolveram pessoas anteriormente encontradas nos 12 meses anteriores, em comparação com 45% dos encontros entre março e setembro de 2020, 35% em 2021 e uma média de 15% entre 2014 e 2019.”

    Somente em Maio de 2023 o Título 42 foi descontinuado, e o sistema de imigração norte-americano retornou às regras tradicionais, que exigem processos legais mais estruturados para avaliar os pedidos de asilo, impondo penalidades severas para reentradas não autorizadas. Nesse ano, ainda foram expulsos sumariamente, por essa via, um total de 579 mil pessoas, registando-se uma descida do total dos repatriamentos para valores próximos de 1,2 milhões de pessoas. Neste ano, já se observou uma subida das deportações ‘clássicas’, com recurso a meios judiciais, que se cifraram em 117.540 pessoas, enquanto os retornos forçados aumentaram para quase 289 mil e os retornos administrativos se quedaram nos 154 mil.

    Observando as expulsões de território norte-americano ao abrigo da aplicação do Título 42, os valores impressionam em quatro anos: 2.960.910 casos, representando 64% do total dos repatriamentos. Neste período, em cada 100 expulsos por esta via, 97 foram durante o mandato de Biden. Por causa disso, as deportações tiveram apenas um peso de 13% no total dos repatriamentos, quando, no quinquénio anterior à pandemia, representavam 71% do total dos repatriamentos.

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    Joe Biden usou e abusou de uma lei sanitária de 1944 para expulsar de forma imediata, sem apelo nem agravo, mais de 2,7 milhões de pessoas de imigrantes ilegais entre 2021 e 2023. Fonte: DR.

    Por esse motivo, mostra-se enganador analisar somente a evolução dos números de deportações considerando o período, uma vez que a descida entre 2021 e 2023 é fictícia. Sem pandemia, muitos casos de expulsão sumária seguiriam a via judicial. Também é certo que a expulsão sumária promoveu, indirectamente, uma ‘inflação’ de casos, já que quem fosse mandado sair ao abrigo do Título 42 não incorria nas penalizações (por regra, pena de prisão de dois anos) caso fosse novamente apanhado ilegalmente – e daí os novos ‘reencontros’ com as autoridades fronteiriças.

    Seja como for, o padrão do imigrante ilegal nos Estados Unidos não se modificou substancialmente nos últimos anos, embora se tenha intensificado em função do crescimento generalizado dos repatriamentos entre os períodos da primeira Administração Trump (2017-2020) e da Administração Biden (2021-2024). Com efeito, somando todas as modalidades de repatriamento, México (a grande distância), Guatemala e Honduras mantêm-se no topo, representando em conjunto 69% das ‘saídas’, mas com crescimentos acentuados.

    O vizinho do sudoeste dos Estados Unidos, onde maiores tensões fronteiriças existem, registou 1.061.890 repatriamentos no quadriénio 2017-2020 e subiu para 2.363.640 no mandato de Biden. Já a Guatemala teve um crescimento de 167%, passando de 187.220 repatriamentos no primeiro mandato de Trump para 500.260 no mandato de Biden. Quanto às Honduras, a subida relativa foi de 228% entre as administrações republicana e democrata, passando de 134.630 repatriamentos para 442.040.

    Top 20 dos países de origem dos imigrantes repatriados na Administração Trump (2017-2020) e na Administração Biden (2021-2024).

    Um dos sinais do recrudescimento dos repatriamentos na Administração Biden mostra-se pelo número de países com mais de 100 mil casos em quatro anos. No período do primeiro mandato de Trump, além da tríade habitual (México, Guatemala e Honduras), só as Filipinas ultrapassaram aquela fasquia, havendo apenas mais três países (El Salvador, Canadá e China) com repatriamentos acima de 50 mil. Já durante o mandato democrata, que agora terminou, contabilizam-se sete países acima de 100 mil repatriamentos em quatro anos: a tríade México, Guatemala e Honduras, e ainda El Salvador (que passou para a quarta posição), Filipinas, Índia e Canadá. Com mais de 50 mil deportações entre 2021 e 2024 contam-se também o Equador, China, Colômbia e Venezuela.

    De destacar que esta evolução mostra, de igual modo, que a pressão sobre as fronteiras norte-americanas está a recrudescer a partir da América Latina, sendo particularmente relevantes os crescimentos relativos dos repatriamentos do Equador, Colômbia, Venezuela, Haiti e mesmo Brasil.

    Apesar destes factos mostrarem que o partido democrata no poder foi mais ‘repressivo’ sobre estrangeiros ilegais, Donald Trump tem sido visto como um impiedoso adversário da imigração desde que tomou posse para o seu segundo mandato não consecutivo na Casa Branca. O 47.º presidente norte-americano prometeu a deportação de “milhões e milhões” de imigrantes.

    E, na última semana, já estalaram várias polémicas em torno do tema das deportações. O caso do avião com 88 brasileiros deportados gerou uma onda de indignação internacional, que os media tradicionais se encarregaram de reforçar, aproveitando para culpar Trump. Os cidadãos brasileiros estavam algemados e relataram ter sido alvo de maus-tratos durante o voo, onde seguiam 16 agentes de segurança dos Estados Unidos, além da tripulação composta por oito membros. O avião, com destino a Belo Horizonte, no sudeste do Estado de Minas Gerais, aterrou em Manaus devido a problemas técnicos, segundo informações do Ministério da Justiça brasileiro, citadas pela agência de notícias Reuters.

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    Zona fronteiriça. Foto: Greg Bulla.

    O Ministério das Relações Exteriores brasileiro anunciou na rede X que pedirá explicações aos Estados Unidos sobre o que classificou como o “tratamento degradante” a que foram sujeitos os brasileiros deportados. Saliente-se, contudo, que este foi já o segundo voo de imigrantes brasileiros ilegais indocumentados que chegou ao Brasil este ano, sendo que um ocorreu durante os últimos dias do mandato de Joe Biden.

    Outra polémica surgiu com a Colômbia, que é o terceiro maior parceiro comercial dos Estados Unidos na América Latina. O presidente colombiano, Gustavo Petro, começou por anunciar que o país iria recusar a aterragem de aviões militares norte-americanos com imigrantes deportados. Mas a ameaça de Trump de impor tarifas a produtos colombianos e outras sanções, nomeadamente a suspensão de vistos, surtiu efeito. Petro voltou atrás com a sua decisão, e a Casa Branca colocou a guerra comercial e as sanções em standby.

    O plano de ‘castigo’ dos Estados Unidos previa a imposição de tarifas de 25% sobre todos os produtos colombianos e ainda a proibição de viajar e a revogação de vistos atribuídos aos funcionários do governo colombiano. Também incluía sanções financeiras e bancárias, entre outras ameaças.

    Nos media, o tom geral tem sido de crítica à postura de Trump, sobretudo pelo recurso à táctica de ‘chantagem’ para pressionar o presidente colombiano. Numa outra polémica, foi noticiado também que a ‘polícia de imigração’ (ICE) recebeu autoridade sem precedentes para agilizar deportações, numa altura em que há relatos de ‘raides’ em diferentes locais nos Estados Unidos e as tropas norte-americanas estão a ser colocadas na fronteira com o México.

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    Foto: TheDigitalArtist

    Em todo o caso, convém referir que, quando tomou posse em 2017, Trump manifestou a sua intenção de criar um muro contínuo na longa fronteira de 3.142 quilómetros com o México para controlar a imigração. Queria mesmo obrigar aquele país a pagar pela obra, fazendo ameaças de sanções, cobranças de dívidas e cortes de acordos comerciais. Também prometeu ainda expulsar todos os imigrantes ilegais e previa aumentar os custos de taxas de entrada no país e de vistos temporários.

    Na campanha que então venceu contra Hillary Clinton, Trump queria obrigar as empresas a empregar primeiro cidadãos norte-americanos, sem exceção, e ainda pretendia vedar a entrada a sírios, iraquianos e outros cidadãos de países de maioria muçulmana.

    A realidade foi menos ‘brutal’, a tal ponto que a Administração Biden até acabou por repatriar muitos mais estrangeiros do que ele no seu primeiro mandato.

  • Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Fundada como empresa unipessoal em 2013, a Unbabel é uma das parceiras do projecto do ‘ChatGPT’ português, mas a casa-mãe, a Unbabel Inc, é norte-americana e é uma incógnita. Nos últimos anos, a empresa contou com o financiamento de seis projectos agraciados com fundos europeus, num total de perto de 21 milhões de euros. Além disso, tem realizado rondas de financiamento junto de empresas de capital de risco e investidores, com a última ronda a superar os 20 milhões de euros. Mas, apesar dos sonhos altos e da imagem ‘hi-tech’ a ‘portuguesa’ Unbabel tem apenas um capital social de 108 euros e, apesar de todo conhecimento em inteligência artificial, as últimas contas que divulgou foram as do ano de… 2022.


    De Samora Correia para o Mundo. A Unbabel, parceira ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ português que deverá nascer em 2025, foi fundada por sócios portugueses. Hoje, a casa-mãe tem sede em São Francisco e a empresa tem escritórios em oito cidades, incluindo em Lisboa, Londres e Israel. Mas, apesar de trabalhar na área da inteligência artificial (IA), a ‘portuguesa’ Unbabel tem um capital social de apenas 108 euros e as últimas contas anuais conhecidas são as do ano de 2022.

    O reduzido montante de capital social não a impediu de ‘ganhar asas’ e angariar perto de 21 milhões de euros em fundos europeus tanto através da participação em cinco projectos no programa Portugal 2020 e um projecto contemplado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Neste último financiamento, a Unbabel Unipessoal obteve 18,5 milhões de euros, dos quais 9,9 milhões de euros já entraram em ‘caixa’, para liderar a fundação do Centro para a AI Responsável, um projecto iniciado em 2021 e que tem data prevista de conclusão de Dezembro de 2025, englobando a criação da “próxima geração de produtos de IA”.

    A empresa é uma das principais protagonistas do projecto anunciado no mês passado, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que visa criar um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla inglesa) em português ‘de Portugal’. O ‘AMÁLIA’, ou ‘Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial’, é a primeira iniciativa divulgada no âmbito da ‘Agenda Nacional de Inteligência Artificial’ que será apresentada pelo governo no primeiro trimestre de 2025.

    Segundo o governo, o AMÁLIA “tem previsto um investimento de 5,5 milhões de euros e um calendário de trabalho e desenvolvimento de 18 meses, do qual resultará uma primeira versão multimodal” do projecto. Mas, a este valor “acresce o vasto investimento já realizado em infraestrutura de computação, projetos de desenvolvimento e recursos humanos especializados que contribuirão em grande medida para o desenvolvimento do LLM. Aqui está inserido o investimento no LLM GlorIA e também em infraestrutura de computação de alta-performance do Deucalion e Mare Nostrum 5, supercomputadores instalados, respectivamente, na Universidade do Minho e em Barcelona.

    Mas o AMÁLIA vai assentar num alicerce já existente: o Tower LLM, da Unbabel, idealizado para tarefas de tradução. Parte ‘dos tijolos’ para construir o ‘ChatGPT’ português virá de dados da Fundação Científica de Cálculo Nacional (FCCN). Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da Unbabel e CEO do Centro para IA Responsável, disse ao Eco que, além da Unbabel, está envolvida no AMÁLIA uma equipa de investigação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova, liderada pelo professor João Magalhães, além da equipa de investigação no Instituto Superior Técnico (IST), liderada pelo professor André Martins, que é também vice-presidente do departamento de pesquisa de IA na Unbabel.

    Vasco Pedro, co-fundador e presidente-executivo da Unbabel é uma presença assídua nas edições da Web Summit. / Foto: D.R.

    A Unbabel é, assim, uma peça central no futuro LLM em português. Mas esta é apenas uma das facetas da empresa que já opera desde 2013 e, através de fusões e aquisições já está presente em diversos mercados. Hoje, disponibiliza serviços de tradução em mais de 30 línguas diferentes. A empresa emprega 328 trabalhadores e tem seis vagas abertas para diversas funções, segundo o seu site. A Unibabel Unipessoal tem a sua sede em Lisboa, na Rua Castilho 52. Mas a empresa está também presente em mais sete localizações: São Francisco (sede da casa-mãe, Unibabel Inc.), Londres, Edinburgo, Telavive, Cebu e Timisoara.

    A empresa nasceu como uma sociedade por quotas tendo como sócios fundadores o actual presidente-executivo, Vasco Pedro, e João Graça, Sofia Pessanha, Hugo Vieira da Silva e Hugo Prezado da Silva. Em 2023, integrou a empresa israelita Bablic, que foi fundada em 2011, bem como a alemã EVS Translations, criada em 1991. Antes, em 2021, tinha integrado a britânica Lingo24, com sede em Edinburgo, fundada em 2001.

    No final do ano passado, a empresa anunciou um aumento de capital de dois euros subscrito em dinheiro pelas “novas sócias Ged Tech Seed, Fundo de Capital de Risco Fechado e Ged Tech Growth, Fundo de Capital de Risco Fechado”, geridos pela Ged Ventures Portugal, Sociedade Capital de Risco, com sede em Lisboa. Após esta operação passou a ter um capital social de 108 euros, dos quais 101 euros são detidos pela Unbabel Inc., com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que como sociedade anónima não está obrigada a revelar os seus accionistas..

    Os restantes sócios da Unbabel ‘lusitana’, com uma quota simbólica de um euro cada, são os fundos de capital de risco Explorer Growth Fund II, III,IV, e V, geridos pela Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa;  e o Indico Opportunity Fund I – Fundo de Capital de Risco, gerido pela Indico Capital Partners, Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa.

    Também no final de 2023 foi anunciada a realização de uma emissão de obrigações no montante de 10 milhões de euros efectuada através de uma oferta particular.

    Desde o seu nascimento, a empresa tem realizado rondas de investimento, além dos financiamentos obtidos via fundos comunitários. Na última ronda, há um ano, a empresa angariou 21 milhões de dólares junto de um conjunto de investidores de capital de risco, nomeadamente, Iberis Capital, GED Ventures Portugal, Point 72, Notion, ScaleVentures Partners e Caixa Capital.

    Imagem do edifício-sede da Unbabel Unipessoal em Lisboa. / Foto: D.R.; Unababel

    Nas últimas contas anuais da Unbabel Unipessoal disponíveis, referentes a 2022, a empresa registou uma facturação de 16,7 milhões de euros e um resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos de 3,3 milhões de euros. Mas créditos fiscais de 2,3 milhões de euros fizeram saltar os lucros da empresa para 5,2 milhões de euros. Nas suas contas, a Unbabel contabilizou ainda um valor de 3,8 milhões de euros de activos por impostos diferidos.

    Do lado dos custos com pessoal, a empresa com sede em Lisboa registou gastos de 11,2 milhões de euros, dos quais 8,5 milhões de euros referentes a remunerações. Mas, contrastando com os custos, na Unbabel ‘portuguesa’, apenas se encontram activos fixos tangíveis de 177 mil euros e activos intangíveis de 25 mil euros. Traduzido ‘em miúdos’, o ‘tesouro’ desta Torre de Babel ‘inteligente’ lusa parece estar fora de Portugal.

    O PÁGINA UM contactou a Unbabel pedindo para, além de informações sobre os investimentos na ‘Amália’, serem identificados que eram os beneficários efectivos da Unbabel ‘lusitana’, porque não consta no registo nacional, quem eram os sócios com capital na Unbabel Inc. e se poderiam ser enviados os resultados financeiros dessa empresa com sede nos Estados Unidos. Além disso, considerando que os rendimentos da Unbabel ‘lusitana’ andam em redor de valores pouco acima de 10 milhões de euros, relativamente estáveis, perguntava-se se se afigurava estarmos perante um unicórnio, cujo conceito remete para uma startup com uma avaliação acima de mil milhões de dólares. O CEO e fundador da empresa, Vasco Pedro, ainda respondeu que sobre receitas e accionistas, “infelizmente não podemos divulgar” nada, mas prometendo que teriam “todo o gosto em ajudar” sobre o resto. Não ajudaram.


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  • De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    Sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu este ano o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público. A despesa em compras por ajuste directo, em 2024, já ultrapassou os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros. Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Nos últimos três anos, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondam os 30 milhões de euros. O recente ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, não serviu de nada.


    O recente ‘puxão de orelhas’ que o Tribunal de Contas deu a Gouveia e Melo por causa de contratos por ajuste directo feitos pela Marinha caíram em saco roto. Não só a Marinha prosseguiu com a prática de efectuar contratos sem concurso, como este ano bateu o recorde: até 1 de Novembro foram celebrados, através deste procedimento, um total de 703 contratos, envolvendo 18,1 milhões de euros. Se se excluir os ajustes directos inferiores a 50 mil euros, encontram-se ainda 66 que totalizam quase 13,3 milhões de euros. Trata-se do valor mais alto de pelo menos seis anos.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, ao todo, apenas somando os ajustes directos de maior montante (acima de 50 mil euros), a Marinha gastou nos últimos três anos, sob a liderança de Gouveia e Melo, perto de 30 milhões de euros em compras de bens e aquisição de serviços sem concurso público ou sequer consulta prévia, ou outro qualquer procedimento de transparência pública e de fomento da livre concorrência.

    Foto: D.R.

    O valor total dos ajustes directos da Marinha em particular em 2024 – que ainda não terminou, sendo também habitual que haja atrasos na colocação dos contratos no Portal Base – está bem acima dos montantes globais tanto dos primeiros dois anos de ‘mandato’ de Gouveia e Melo como dois seus dois antecessores. Apenas incluindo os contratos acima de 50 mil euros, no ano passado contabilizam-se 56 ajustes directos no valor de cerca de 7,8 milhões de euros, enquanto em 2022, o primeiro ano completo com liderança de Gouveia e Melo, contam-se 71 ajustes directos envolvendo 8,6 milhões de euros. Em 2021, quase todo sob liderança de Mendes Calado, houve 70 contratos por ajuste directo acima de 50 mil euros, num montante global de 10,6 milhões de euros. Também sob as ordens de Mendes Calado, a Marinha realizou, acima dos 50 mil euros, 71 ajustes directos em 2020 e 60 em 2019, gastando 10,1 milhões e 7,2 milhões de euros, respectivamente.

    Este ano, além de chorudos contratos feitos para aquisição de serviços de limpeza, como o PÁGINA UM já noticiou, em Agosto passado, a Marinha adjudicou outros tantos milhões de euros numa panóplia de compras de bens e serviços. É o ‘vale tudo’. O modelo do ajuste directo serviu tanto para a compra de peças para navios de guerra, como a aquisição de software, serviços de limpeza, de vestuário profissional, de combustíveis, de purificadores do ar, de medicamentos, de serviços de telecomunicações, de máquinas para tratamento de águas residuais e até de enchidos, designadamente chouriço mourão, farinheira, fiambre e presunto.

    O ajuste directo com o valor mais elevado efectuado este ano pela Marinha, no montante de 735.681 euros, consistiu na contratação de serviços à empresa Reparaciones Navales Canarias, S.A., para a reparação urgente do navio patrulha ‘Zaire’. O contrato foi celebrado a 29 de Agosto sendo fundamentado com o já estafado e abusado argumento da “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

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    Já o segundo maior contrato, no valor de 728.670 euros, diz respeito à contratação de serviços de limpeza à empresa Interlimpe – Facility services, SA e foi celebrado a 19 de Julho com a mesma fundamentação. Este contrato consistiu, em concreto, na “aquisição de serviços de Higiene e Limpeza no período de junho a outubro de 2024, com possibilidade de prorrogação para o mês de novembro de 2024, para o Comando Naval, a Escola de Tecnologias Navais, o Centro de Educação Física da Armada, o Centro de Avaliação Psicológica, o Centro de Medicina Naval, o Departamento de Logística Sanitária, a Escola Naval e o Departamento Marítimo do Sul”. De resto, nos ajustes directos acima dos 50 mil euros efectuados este ano, a Marinha conta com 12 contratos feitos com empresas de limpeza, superando os 3,3 milhões de euros.

    Ainda no pódio dos ajustes directos, consta ainda um contrato celebrado a 14 de Julho com a Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica no montante de 601.972 euros com o argumento de que a adjudicação só podia ser confiada a esta entidade por ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Não é incluído no Portal Base qualquer documento que justifique cabalmente essa decisão.

    Mas na longa lista de compras sem concurso feitas pela Marinha encontra-se mesmo de tudo. Até um contrato no valor de 215.640 euros para a compra de enchidos, designadamente chouriços mourão, farinheiras, fiambre e presunto, à empresa Carnes Loução – Industrial Carnes. Este contrato não está disponível, surgindo uma mensagem de erro na ligação para o documento, mas sabe-se que o ajuste directo foi concretizado a 4 de Abril. A justificação para este expediente remete para uma norma do Código dos Contratos Público que permite ajustes directos quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação para a formação de contratos de valor inferior aos limiares […], consoante o caso, todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas”. Também não há documentos no Portal Base que indiquem as razões para as exclusões.

    O recurso aos ajustes directos por parte da Marinha tem-se intensificado, apesar do ‘puxão de orelhas’ do Tribunal de Contas em Agosto passado, numa inspecção iniciada em 2022, que perdoou a Gouveia e Melo inúmeras infracções à lei dos contratos públicos, na sequência de dezenas de contratos que foram adjudicados à mesma empresa, a Proskiper, sem concurso e à margem do que a legislação permite, além de outro tipo de irregularidades.

    Evolução do valor dos ajustes directos da Marinha acima de 50 mil euros. Unidade: milhares de euros. Gouveia e Melo assumiu funções em Dezembro de 2021. Valores de 2024 até 1 de Novembro. Fonte: Portal Base.

    Recorde-se que Gouveia e Melo exerce as funções de Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional desde 27 de Dezembro de 2021, sendo que entre 2017 e 2020 foi Comandante Naval. Foi nesse período que assinou diversos contratos de ajuste directo à Proskipper. No relatório de auditoria a contratos da Marinha, o Tribunal de Contas entendeu que o então vice-almirante e outros responsáveis não tinham actuado com a intenção de violar a lei e concluiu que as suas acções foram passíveis de “um juízo de censura de falta de cuidado e mera negligência”, pelo que escapou a multas.

    Contactada para explicar este volume de ajustes directos, o Estado-Maior da Armada (ou Marinha) justificou que “está a celebrar estes contratos no estrito cumprimento do normativo em vigor e para satisfação das necessidades decorrentes da especificidade das suas atividades e meios, ressalvando-se a necessidade de celebração de contratos por inexistência de concorrência por motivos técnicos e por proteção de direitos exclusivos nas aquisições decorrentes das ações de manutenção dos meios navais operacionais e seus equipamentos, sistemas e respetivos componentes”. Indicou ainda que “este conjunto de procedimentos representam entre 65% a 70% da despesa por ajuste direto”.

    Instada a explicar a razão para invocar sistematicamente a “urgência imperiosa”, mesmo em casos que poderiam ser programados, para celebrar contratos por ajuste directo, a Marinha apenas se limitou a explicar a situação da aquisição de serviços de limpeza, que já tinha adiantado ao PÁGINA UM numa notícia anterior.

    Questionada sobre se a Marinha pretende, no futuro, optar por fazer mais vezes concursos em vez de ajustes directos, a Marinha respondeu que “tem vindo a introduzir melhorias significativas nos seus procedimentos de contratação pública e está a consolidar as medidas com esse objetivo”. Destacou, por exemplo, “a criação de um gabinete específico de normativo e apoio à contratação pública, que produziu e divulgou internamente diversas diretivas, normas técnicas, modelos padronizados e vários documentos de apoio à contratação pública”.

    Por outro lado, ressalvou “a reestruturação da organização financeira e patrimonial da Marinha tendo resultado na concentração de competências financeiras, concentração das estruturas executivas de compras, recursos e reformulação de processos”. Indicou que “esta restruturação permitiu a criação de centros de competências na área da contratação pública, incrementando as compras planeadas, agregadoras, de que resultou o aumento dos procedimentos concorrenciais e a redução do número geral de processos de despesa”.

    Ainda segundo a Marinha, “a uniformização dos procedimentos e a alteração do modelo organizacional permitiram nos últimos três anos uma redução de 47% no número total de procedimentos aquisitivos, com um aumento de 76% no número de procedimentos concorrenciais”.

    Apesar disso, no Portal Base o cenário é de um aumento no montante despendido através de ajustes directos, pelo que, pelo menos em 2024, as medidas da Marinha aparentam servir para encher chouriços.

    N.D. 18/11/2024; 22h15 – O antecessor imediato de Gouveia e Melo foi Mendes Calado, e não Silva Ribeiro, como inicialmente referido. Ao visado, as nossas desculpas.


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  • INE confirma que ocupação hospitalar durante a pandemia foi anormalmente baixa

    INE confirma que ocupação hospitalar durante a pandemia foi anormalmente baixa

    Já se sabia que em 2020 e 2021 as taxas de ocupação hospitalar tinham sido reduzidas, mas era preciso conhecer os valores de 2022 para saber se era uma situação de conjuntura ou estrutural. E os dados mais recentes do INE, divulgados esta semana confirmam mesmo: nunca houve tantas camas de hospitais disponíveis nos dois primeiros anos da pandemia nem tão poucos internamentos. Estes indicadores contrariam a tese de ter havido uma ruptura no Sistema Nacional de Saúde por causa de um aumento da procura, que até levaram a criação de hospitais de campanha, que estiveram ‘às moscas’. Os dados oficiais mostram que a taxa de ocupação hospitalar afundou de 78,8% em 2019 para 72% em 2020 e 74% em 2021, mas subiu depois em 2022 já com a covid-19 a tornar-se endémica. Quanto aos internamentos, se em 2019 se registaram no país 111,1 por cada mil habitantes, no ano de 2020 o número caiu para 94,3 no primeiro ano da pandemia. Afinal, paradoxalmente, a pandemia trouxe um estranho cenário de desafogo hospitalar.


    A taxa de ocupação hospital e o número de internamentos registados em Portugal afundaram durante os principais anos da pandemia de covid-19 para valores mínimos da última década. Segundo os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no início desta semana, referentes ao ano de 2022 ainda não se verificava a ‘normalidade’, em termos de camas ocupadas nos hospitais e de internamentos em função da população, comparando com anos anteriores.

    De acordo com os dados do INE, a taxa de ocupação hospitalar em Portugal desceu de 78,8% em 2019 para os 72% em 2020, uma descida de sete pontos percentuais. Os internamentos caíram de 111,1 por cada mil habitantes para 94,3 em 2020. No ano de 2021, aqueles valores mantiveram-se abaixo da média do que era habitual ao longo da última década. Os indicadores contrariam algumas das mensagens de caos e crise nos hospitais durante a pandemia. Pelo contrário: os hospitais em Portugal registaram na pandemia de covid-19 algum desafogo em termos de ocupação e doentes internados.

    empty hospital bed

    De resto, em 2022, apesar de começar a notar-se um regresso à ‘normalidade’ em termos de internamentos e ocupação hospitalar, os dados revelam que os hospitais estavam ainda com indicadores de ocupação e internamentos abaixo do habitual. Assim, naquele ano, os internamentos situaram-se nos 105,9 por mil habitantes, estando aquém dos valores observados pré-pandemia, entre os 110,9 e 112,5 por mil habitantes. A excepção aqui vai para a Região Autónoma dos Açores que, em 2022, registou mais internamentos do que em média na década anterior.

    Quanto à taxa de ocupação hospitalar em Portugal, fixou-se nos 76,8% no ano de 2022, ainda inferior aos valores pré-pandemia. Entre 2013 e 2018, este indicador oscilou entre os 78,5% e os 80,4%.

    Por regiões, foi no Alentejo que se observou a maior queda na taxa de ocupação de camas nos hospitais, tendo passado de 83,3% em 2019 para 78,2%. Em matéria de internamentos, a maior quebra registou-se na Região Autónoma da Madeira, onde a taxa passou de 106,8 para 87,5 por mil habitantes.

    Poder-se-ia argumentar que a taxa de ocupação de camas se devesse ao aumento de camas instaladas durante os anos da pandemia, mas não foi isso que sucedeu, porque, se se olhar para os internamentos por região em função da população, os valores também baixaram consideravelmente nos anos da pandemia. No primeiro ano da pandemia, em 2020, os internamentos por mil pessoas baixaram cerca de 16% face à média do quinquénio anterior. Em 2021 e 2023 subiram ligeiramente, suplantando novamente os 100 internamentos por 1.000 pessoas, mas ficaram ainda aquém do período pré-pandemia.

    Na Área Metropolitana de Lisboa – onde também pelas valências hospitalares, este indicador está sempre um pouco inflacionado (por receber bastantes doentes de outras regiões) -, os valores somente foram mais baixos no primeiro ano da pandemia, passando de um valor médio anual de 128 internamentos por 1.000 pessoas no quinquénio 2015-2019 para apenas 108 no ano de 2020, voltando a subir logo acima dos 120 nos anos seguintes.

    A – Taxa de ocupação das camas nos hospitais (%); B – Internamentos nos hospitais por 1.000 habitantes. Fonte: INE

    Recorde-se que, na pandemia, a população foi aterrorizada pelas autoridades de saúde e pelos media, através de mensagens diárias com os números de vítimas mortais e estatísticas dos doentes com covid-19. Alas inteiras de hospitais foram encerradas, cirurgias e tratamentos foram adiados ou cancelados. Por exemplo, entre Março de 2020 e Julho de 2022 foram adiadas 235.989 cirurgias, segundo um relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Estes adiamentos geraram um aumento de 45 dias no tempo de espera para uma cirurgia no Serviço Nacional de Saúde.

    Portugal foi, no rescaldo da pandemia, dos países europeus com níveis elevados de excesso de mortalidade, o que se mostra um paradoxo face à baixa ocupação hospitalar. Ou talvez não, uma vez que a opção por suspender diagnósticos e operações, e até a incentivar as populações a não se deslocar aos hospitais, só poderia resultar em duas coisas: hospitais mais vazios e morgues mais cheias.


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  • Fim de linha: Autoridade Tributária e Segurança Social dizem que dona da Visão continuou a aumentar calote durante o PER

    Fim de linha: Autoridade Tributária e Segurança Social dizem que dona da Visão continuou a aumentar calote durante o PER

    EDIÇÃO ESPECIAL: O Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News só serviu para adiar o inevitável… e aumentar as dívidas do grupo de media ao Estado. Esta tarde soube-se da decisão final dos credores, que votaram contra a recuperação da dona da revista Visão (e de cerca de uma dezena e meia de outros títulos da imprensa), onde pontificam a Autoridade Tributária e a Segurança Social, que no conjunto detêm 51% dos direitos sobre as dívidas da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado. A ‘máquina fiscal’ assegura agora que a Trust in News continuou este ano a aumentar as dívidas, que se situam agora em mais de 8,5 milhões de euros, e a Segurança Social informou que só em Maio passado houve um pagamento esporádico. A insolvência está cada vez mais próxima, e o risco do colapso completo das revistas do grupo – entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – é quase certo. Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.


    Fim de linha para Luís Delgado e para um modelo desastroso de negócios de media que levou uma empresa com capital social de apenas 10 mil euros a deter uma dezena e meia de títulos de imprensa e ‘conseguir’ o prodígio de acumular dívidas de mais de 30 milhões de euros em apenas oito anos.

    Foi chumbado esta tarde o plano do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, com os votos tanto da Autoridade Tributária e Aduaneira (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Ao lado da continuação da Trust in News apareceu apenas a Impresa (13,5% do total dos créditos), a quem foram vendidas das revistas em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.

    Luís Delgado (à esquerda), dono e co-gerente da Trust in News, na altura em que assinou, em 2018, a compra das revistas da Impresa, presidida por Francisco Pedro Balsemão (à direita).

    A partir de agora, o administrador judicial provisório, Bruno Costa Pereira, solicitará à Trust in News e aos credores uma pronúncia sobre a eventual insolvência – que aparenta ser inevitável face ao ‘chumbo’ do PER e às dificuldades de obtenção de crédito imediato. Num caso destes, a suspensão da publicação das revistas será imediata, podendo, contudo, num processo de insolvência serem vendidos os títulos a terceiros, embora seja previsível que tal suceda somente se não houver ‘migração’ do passivo.

    Saliente-se que numa situação de insolvência será então possível averiguar se houve gestão danosa e mesmo se poderá averiguar as circunstâncias da estranha venda das revistas pela Impresa em 2018 a Luís Delgado, que constituiu uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros, e cuja contabilidade merece bastantes dúvidas.

    Uma das razões principais para este ‘chumbo’ do PER acabou por ser a falta de confiança dos principais credores em garantir que a Trust in News iria cumprir as obrigações passadas e as futuras. Até porque nem nos últimos meses, já com a ‘corda na garganta’, a gerência liderada por Luís Delgado – sócio único da empresa de media – se comportou de forma diferente. Num ofício ontem enviado pela AT, a directora de serviços de Gestão dos Créditos Tributários, Ana Tavares Silva, revelava que a Trust in News continuava a aumentar a dívida, salientando que a dívida fiscal é, actualmente, de 8.570.711,37 euros, ou seja, “um aumento da dívida, desde Janeiro de 2024, de 1.292.147,65 euros”.

    A dirigente da ‘máquina fiscal’ salienta que “não obstante as medidas de redução de custos previstas e incluídas nos planos anteriores, como indutoras e suscetíveis de reverter a situação de incumprimento crónico”, a Trust in News “não pára de constituir dívida nova”, apesar “dos compromissos assumidos para com o credor tributário de dar cumprimento ao plano prestacional implementado, bem como, ao cumprimento tempestivo e integral de todas as novas obrigações tributárias vincendas (declarativas e de pagamento)”.

    Constatando assim que os resultados dos últimos anos da Trust in News “não produz excedentes capazes de saldar o valor dos créditos em dívida”, a AT destaca ainda que a qualidade e quantidade das dívidas (retenções de IRS e IVA não entregues) enquadra-se num crime de abuso de confiança. Recorde-se, aliás, que Luís Delgado, e os outros dois gerentes da Trust in News (Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro), já sofreram uma condenação, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, conforme noticiou o PÁGINA UM, por abuso de confiança agravada, a dois anos e meio de prisão suspensa mas com a condição de pagamento. Ora, essa condenação diz apenas respeito às dívidas de menos de 900 mil euros.

    Em sentido similar foi a posição da Segurança Social. A própria presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), Teresa Cordeiro, salientou, na comunicação do voto desfavorável ao PER, que houve um “incumprimento reiterado do pagamento de contribuições por parte da empresa [Trust in News] desde Setembro de 2019 (inclusive), sendo que, desde esse mês, apenas ocorreram pagamentos esporádicos e parciais das contribuições mensais, sendo o único mês pago na totalidade o de Maio de 2024”, acrescentando que “a empresa não cumpriu nenhum dos planos prestacionais que foram autorizados e implementados”. Na deliberação, a IGFSS acrescentou também que se o PER viesse a ser eventualmente aprovado, seria interposto recurso da sentença de homologação, até porque houvera “consentimento expresso à modificação dos seus créditos”.

    De entre os documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, destacam-se também os votos, grande parte dos quais contra, dos jornalistas das diversas revistas da Trust in News. Numa dessas cartas, a directora de arte da Caras, Carla Mendes, além de informar não ter recebido o salário de Outubro e o subsídio de férias, salienta que “diariamente estamos a perder condições e ferramentas essenciais de trabalho, sem qualquer explicação ou comunicação da administração. Aliás, são os próprios empregados sem qualquer cargo de direção, como eu, que vamos encontrando soluções que permitam contornar as dificuldades existentes para que se consigam fazer as revistas, que é o nosso produto”

    Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.

    Esta jornalista, na missiva enviada para o processo, acusa a gerência da Trust in News de “não apresentar linhas condutoras de negócio, demonstra[ndo] total desconhecimento das necessidades e funções de uma editora”, acrescentando que o “comportamento danoso” da empresa a faz acreditar que “não haverá capacidade para pagar as dívidas”. E alerta, por fim, para a existência de “situações graves sociais decorrentes dos atrasos dos pagamentos”, apelando “à celeridade da resolução deste problema e de um esclarecimento sobre o que podemos contar nos próximos dias”, lamentando o “silêncio desesperante”.

    Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.


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  • Trust in News: Tribunal da Relação confirma pena de prisão por abuso de confiança fiscal agravado

    Trust in News: Tribunal da Relação confirma pena de prisão por abuso de confiança fiscal agravado

    O Grupo Impresa respirou de alívio quando, em 2018, vendeu o seu deficitário portefólio de revistas, que incluía a Visão e a Exame, ao antigo jornalista Luís Delgado. Seis anos depois, a Trust in News, que tem um capital social de apenas 10 mil euros detido integralmente por Delgado, soma já 32 milhões de euros em dívidas, dos quais mais de 17 milhões ao Estado. Algumas destas dívidas fiscais e à Segurança Social, apesar da ‘protecção política’ durante o Governo Costa, acabaram por ir parar aos tribunais. Esta semana, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou uma pena de prisão de dois anos e um mês a Luís Delgado e aos outros dois gerentes da Trust in News, por uma dívida ao Fisco de 828 mil euros contraída em 2018. A pena foi suspensa por cinco anos sob a condição de ser saldada a dívida. Mas o calote nunca parou de aumentar e a dívida de 2018 representa agora apenas 5% daquilo que Luís Delgado deve ao Estado. Nos próximos dias, o Governo Montenegro votará, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), se vai continuar a confiar em Luís Delgado, e no seu ‘histórico’, ou se exigirá o seu afastamento preferindo que se avance para a insolvência. Nessas circunstâncias, Delgado arrisca ficar atrás das grades por abuso de confiança fiscal.


    O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou esta quarta-feira as penas de prisão de dois anos e um mês aos gerentes da Trust in News – empresa proprietária das revistas Visão e Exame, entres outros periódicos em papel comprados em 2018 ao Grupo Impresa – por um crime de abuso de confiança fiscal agravado. Esta condenação segue-se à sentença já decretada em Junho pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 pelo Ministério Público por dívidas fiscais no valor de cerca de 828 mil euros. Essa dívida dizia respeito à parte da dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira acumulada em 2018, ou seja, apenas no primeiro ano de actividade do grupo de media de Luís Delgado. Este ex-jornalista é um dos três gerentes da Trust in News, sendo os outros dois, também condenados, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.

    A sentença do Tribunal de Oeiras terá também espoletado a abertura do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, uma estratégia desesperada para suspender o trânsito em julgado deste e de outros processos por dívidas. Isto porque a dívida fiscal no primeiro ano de existência da empresa unipessoal de Luís Delgado (ou seja, ele é o único sócio com um investimento de 10 mil euros) constitui agora uma ‘gota de água’ num ‘oceano de dívidas’ de todo o género, incluindo tanto a Autoridade Tributária e Aduaneira como a Segurança Social.

    Luís Delgado, à esquerda, cumprimentando Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, aquando da compra das revistas em 2018. Foto: DR.

    Com efeito, o PÁGINA UM apurou que, para além deste processo de 2021, a Trust in News – e o seu sócio único, Luís Delgado, e dois outros dois gerentes – enfrentam mais casos na Justiça. No total, as dívidas ao Estado superam já os 17,1 milhões de euros num total de créditos reconhecidos de quase 33 milhões. As dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o PER, já totalizam 8.125.545,20 euros, sendo que estão ainda em falta pagamentos de contribuições à Segurança Social no montante de 8.979.252,35 euros.

    A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa será, em princípio, o ‘ponto de partida’ para Luís Delgado e os demais gerentes da Trust in News acabarem mesmo presos, uma vez que, conforme destaca o desembargador Alfredo Costa, na síntese do acórdão desta quarta-feira, “a pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa por 5 anos […] foi condicionada ao pagamento da dívida, de acordo com a prática comum em crimes fiscais, equilibrando a sanção penal com a recuperação do montante devido”. O acórdão foi também votado também pelas desembargadoras Ana Guerreiro da Silva e Maria Elisa Marques.

    Em sua defesa, a Trust in News terá argumentado que a dívida apurada em 2018 era inferior ao valor de 828.364,59, mas o acórdão concluiu que o Tribunal de Oeiras decidiu bem sobre a moldura penal, uma vez que o crime de abuso de confiança fiscal agravado se aplica “quando o montante em dívida excede os 50.000 euros”. Ora, como o montante devido “ultrapassava largamente este valor”, o acórdão conclui que se justificava “a agravação automática, sem necessidade de outros elementos subjectivos”.

    Revista Visão, o principal activo da Trust in News (Foto: PÁGINA UM)

    Se esta condenação se aplicou com uma dívida fiscal de cerca de 828 mil euros, imagine-se então com a dívida fiscal agora acumulada de 8,1 milhões de euros (quase 10 vezes superior), a que acresce as dívidas à Segurança Social de mais de 8,9 milhões de euros. No início de Setembro, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social confirmou ao PÁGINA UM que, de entre os vários inquéritos instruídos na Justiça “contra entidades empregadoras que não entregaram à Segurança Social as quotizações obrigatórias dos salários dos seus trabalhadores”, está também “incluído um processo contra a empresa em apreço, Trust in News”.

    Saliente-se que o Regime Geral das Infracções Tributárias determina que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Contudo, “nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.

    No caso da Segurança Social, a falta de pagamento das contribuições dos trabalhadores é considerada abuso de confiança, sendo aplicadas as mesmas penas previstas para os casos de infracções tributárias de maior gravidade, incluindo prisão e multa.

    Recorde-se que Luís Delgado, através da sua empresa unipessoal, a Trust in News, adquiriu o portfólio de revistas da Impresa em Janeiro de 2018 por 10,2 milhões de euros. O negócio rapidamente se revelou ruinoso e as dívidas começaram cedo a avolumar-se. Actualmente, rondam os 30 milhões de euros, sendo o Estado o maior credor. No entanto, as dívidas incluem também empresas de comunicação e o próprio proprietário das redacções das revistas no Taguspark, bem como trabalhadores e ex-trabalhadores. Neste lote, está Mafalda Anjos, a directora que ‘abandonou o barco’ e que em Julho do ano passado apelidou de “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. A actual comentadora da CNN Portugal reivindica agora 54 mil euros que não lhe foram pagos por Luís Delgado no acordo de rescisão.

    Tribunal da Relação de Lisboa. Foto: DR.

    Após o pedido de acesso ao PER junto do Tribunal de Sintra, para evitar a falência, a empresa de media está sob gestão de um administrador judicial, estando o plano já apresentado para ser votado ainda este mês. Inexplicavelmente, apesar das dívidas ao Estado se terem acumulado desde o primeiro dia, bem como ao Novo Banco, que financiou a compra das revistas, e à própria Impresa, a Trust in News continuou a sua actividade com o beneplácito do Governo de António Costa. Durante largos meses no ano passado, o PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao então ministro das Finanças, Fernando Medina, que nunca explicou as razões para uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros continuar a sua actividade apesar das dívidas fiscais de milhões de euros.

    Aliás, apesar de estar sempre a acumular dívidas ao Estado, estranhamente a empresa de Luís Delgado nunca integrou a lista de devedores e continuou a beneficiar de contratos comerciais e publicidade junto de entidades públicas. Não se sabe quem autorizou a acumulação sucessiva de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, mas terá eventualmente existido autorização superior, da tutela, para atingir os 17,1 milhões de euros.

    Também se desconhece se este eventual ‘favor’ político foi concedido mediante a negociação de contrapartidas. Mas é certo que durante todo este período, desde que começou a dever ao Estado, a Trust in News e os seus títulos de media ficaram com ‘uma espada sobre a cabeça’.

    Joaquim Miranda Sarmento e Rosário Palma Ramalho vão decidir, no âmbito do PER, se Luís Delgado pode continuar à frente da Trust in News, uma empresa de media que em seis anos conseguiu ‘criar’ 17,1 milhões de euros de dívidas ao Estado. Foto: DR.

    Saliente-se também que, desde 2019, a empresa de Luís Delgado tem as suas principais marcas penhoradas pelo Fisco e pela Segurança Social, como já noticiou o PÁGINA UM. Tanto o Ministério das Finanças, tutelado por Joaquim Miranda Sarmento, como o Ministério da Segurança Social, liderado por Rosário Palma Ramalho, ainda não tomaram posição sobre se o Governo Montenegro viabilizará o plano apresentado pela Trust in News no âmbito do PER, uma vez que o Estado detém 51,92%, ou seja, a maioria dos créditos, sendo que 12,98% são detidos por instituições financeiras, 33,62% por outros credores e 1,48% por trabalhadores.

    Caso o Governo vote favoravelmente pela aprovação do PER, sob o compromisso (sem garantias) do pagamento das dívidas no prazo de 15 anos, Luís Delgado continuará à frente dos destinos da Trust in News, com o ‘histórico’ de dívidas ‘na lapela’. No caso de o Governo chumbar o PER, mesmo com votos contrários dos outros credores, a Trust in News avançará para a insolvência, o que não significará necessariamente o fim da actividade de media. Na verdade, no processo de insolvência, passando a gestão para um administrador judicial, os títulos poderão ser vendidos e renegociadas as dívidas, mas já sem que Luís Delgado possa manter-se ao leme, dando ‘calotes’ ao Estado e aos outros credores.

    A Trust in News e os seus gerentes nunca responderam aos pedidos de informação e esclarecimentos do PÁGINA UM.


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  • ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    A receita do Estado está em crescente galope. Contabilizando os impostos, contribuições e taxas cobrados aos contribuintes, e ajustando à inflação e considerando a população, o Estado vai arrecadar mais 57% por cada português face ao que sucedia há 26 anos. Em 1999, a receita fiscal foi de 47 mil milhões de euros, o que daria um valor per capita de 4.628 euros. Mas ajustando a preços constantes de 2023, com a inflação e o aumento populacional, esse valor corresponderia hoje a 7.492 euros. Mas a máquina estatal de cobrança ‘promete’ vir a sacar, no próximo ano, quase 134 mil milhões, o que, a preços constantes de 2023, dará um valor per capital de 11.742 euros. A subida tem sido avassaladora a partir de 2021, com um crescimento da ‘carga fiscal’ e outras obrigações perante o Estado a alcançar quase 22%. Nesta análise do PÁGINA UM, como se usam preços constantes, a inflação deixa de servir como argumento para a sofreguidão do Estado, até porque a preços nominais a subida das receitas do Estado entre 1999 e a previsão de 2025 é absurda: mais 183%.


    O Estado deverá arrecadar, no próximo ano, mais 57% de receitas do que obtinha em 1999, ano da criação do euro, em valores ajustados à inflação. Essa é a boa notícia. A má notícia é que, na sua maioria, se deve a mais entregas de dinheiro que os contribuintes e as empresas têm feito à máquina estatal, através de impostos, taxas e contribuições para a Segurança Social.

    No total, o Estado ‘promete’ encaixar, em 2025, um total de 134 mil milhões de euros, o que corresponde a 11.742 euros por cada residente (per capita). Em termos comparáveis, o valor das receitas per capita em 1999 foi de foi de 7.492 euros, a preços constantes de 2023, segundo cálculos do PÁGINA UM, com base em dados do Banco de Portugal e na proposta de Orçamento do Estado para 2025. A valores nominais, sem qualquer ajuste à evolução dos preços, o aumento das receitas que entraram para os cofres públicos nos últimos 26 anos foi de 183%.

    Foto: D.R.

    Visto que a quase totalidade destas receitas provém dos contribuintes, significa que a carga fiscal e as contribuições são hoje mais pesadas. Mas, em 2025, a ‘gulodice’ do Estado não ‘ataca’ só o ‘pacote’ das doces receitas e vai também engolir mais dívida pública. Em termos absolutos, o país vai engordar a sua dívida pública para 274.554,8 milhões de euros, um novo máximo.

    Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, este ‘engordar’ das receitas do Estado não surpreende. “A evolução da carga fiscal em Portugal tem aumentado nas últimas décadas, o que encontra paralelo na evolução da generalidade das economias mundiais e da União Europeia em particular”, disse, ao PÁGINA UM. Explicou que, “um dos factores que mais poderá estar a contribuir para esta evolução é o facto de a informalidade na economia ter vindo a recuar de forma bastante visível, tanto a nível produtivo, comércio e emprego”. Isto porque, “numa economia mais formalizada e mais digital, a cobrança de impostos é mais eficiente e eficaz”.

    Por outro lado, Filipe Garcia destacou que “esta evolução reflecte a tendência para o crescimento estrutural do Estado, seja na sua dimensão, seja na despesa que consome” e apontou que, “em Portugal, a Despesa Primária representará cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), num contexto de crescimento económico e com desemprego e juros baixos”, lembrando que o máximo foi 46,88% em 2013, em vésperas de saída da ‘troika’ do país.

    Para este economista, “a magnitude deste número obriga-nos a pensar se este é o modelo que queremos a seguir em termos de dimensão do Estado”. É que, “à boleia da ideia de conveniência e promoção da equidade através dos serviços e gastos públicos, tem-se criado uma ‘máquina’ de grandes dimensões”. Basta ver que “os gastos com pessoal, consumos intermédios e outras despesas correntes perfizeram 18,1% do PIB de 2023”, recordou.

    O Governo prevê arrecadar quase 134 mil milhões de euros em receitas, no próximo ano. Os impostos e as contribuições para a Segurança Social representam a quase totalidade das receitas previstas na proposta do OE2025. Fonte: Proposta OE2025 (Valores em milhões de euros)

    Segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2025, as receitas totais vão crescer 8.043 milhões de euros para 133.761 milhões de euros. As receitas fiscais vão aumentar 3,3% face a este ano, para os 72.598 milhões de euros. As receitas de impostos sobre produção e importação vão subir 6,4% para 43.231 milhões de euros. Quanto às contribuições sociais, vão aumentar para 6,1% para 37.850 milhões de euros. Apenas as receitas de impostos correntes sobre o rendimento e o património deverão cair, na ordem de 1%, para 29.366 milhões de euros.

    Só em receita da Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o aumento em valor previsto para 2025 é de 1.547 milhões de euros, o que representa um aumento de 6,4%. De Imposto sobre o Rendimento Colectivo (IRC) deverá entrar nos cofres estatais mais 620 milhões de euros do que em 2024.

    Em termos históricos, olhando para a evolução das receitas que entraram nos cofres do Estado per capita desde a criação da moeda única, o aumento foi de 57% a preços constantes de 2023. Será o valor mais alto arrecadado pelo Estado, pelo menos, na era do euro.

    Desde a criação da moeda única, as receitas estatais per capita só não subiram por quatro ocasiões. A primeira, foi em 2003, quando a economia portuguesa se encontrava em recessão, num período de ressaca após a euforia de adesão ao euro e numa altura em as contas públicas já se encontravam com o espartilho das condições do Pacto de Estabilidade e Crescimento que impunha, designadamente, um tecto de 3% para o défice face ao PIB.

    Evolução da carga fiscal e outras obrigações perante o Estado, em euros, entre 1999 e 2025 a preços constantes (2023), indexada à população de cada ano (oer capita). Fonte: Banco de Portugal e proposta OE25. Análise: PÁGINA UM.

    Depois, deu-se a segunda quebra das receitas do Estado em 2009, na sequência da grave crise financeira que teve início nos Estados Unidos e alastrou, e que ficou conhecida como a crise do ‘subprime’, quando rebentou a ‘bolha’ de produtos financeiros ligados a créditos imobiliários de alto risco.

    Seguiu-se nova descidas das receitas do Estado em 2012, no ano a seguir a Portugal ter pedido um resgate financeiro internacional. O país ficou agrilhoado a uma política de austeridade e a chamada ‘troika’, composta pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, ‘permaneceram’ no país até 2014. Foi precisamente nesse ano que se deu nova descida nas receitas que entraram nos cofres públicos.

    Seis anos depois, em 2020, deu-se nova descida das receitas devido ao forte travão da economia provocado pela opção que o Governo adoptou na gestão da pandemia de covid-19, que incluiu medidas radicais, como confinamentos, fecho de escolas, serviços e actividades. O certo é que, depois dessa crise, as receitas aceleraram a tendência de subida que registavam até 2019, crescendo 2.500 euros por cada residente no país.

    A preços constantes de 2023, as receitas totais do Estado passaram de  um valor de 76.550,5 milhões de euros em 1999 para a quantia prevista de 127.440,2 milhões de euros em 2025.

    Em percentagem do PIB, as receitas do Estado passaram de 39,5% há 26 anos, para 45,5% da riqueza produzida no país. Também face ao PIB, as despesas passaram de 46,2% para 45,7%. Quanto ao défice, passou de -3,0% do PIB para -0,2%.

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    Em termos reais, a Economia deverá crescer 2,1% no próximo ano, o valor mais baixo desde o que foi registado em 2020, quando a Economia contraiu 8,4% por força das medidas de gestão da pandemia.

    No caso da dívida pública, se em 1999 representava 55,4% da riqueza, no próximo ano irá ficar pelos 93,3%. Desde 2020, quando atingiu os 135,2% do PIB, que este rácio da dívida pública tem vindo a melhorar, com a economia a recuperar das medidas extremas adoptadas na pandemia e a beneficiar das injecções da ‘máquina de imprimir dinheiro’ do Banco Central Europeu. Mas o país vai desembolsar, só em juros, 6.437 milhões de euros em 2025.

    Neste cenário, é expectável que os governos futuros continuem a ‘esmifrar’ famílias e empresas, com impostos e contribuições, para manter em dia os pagamentos correntes e os dispendiosos encargos com a dívida, pelo que não será de estranhar novos máximos de receitas a encher os cofres do Estado nos anos vindouros.


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  • Várias ‘estrelas do jornalismo’ não têm carteira profissional

    Várias ‘estrelas do jornalismo’ não têm carteira profissional

    Caiu o Carmo e a Trindade por Maria João Avillez entrevistar, sem deter carteira profissional de jornalista, o primeiro-ministro Luís Montenegro num espaço informativo da SIC. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) ameaça não deixar o ‘caso em branco’ e o Sindicato dos Jornalistas fala em “usurpação de funções”. Porém, os casos de exercício da actividade jornalística sem carteira profissional, proibida pela Lei da Imprensa, são inúmeros e são do conhecimento da CCPJ. O PÁGINA UM fez um rápido levantamento e ‘apanhou’ uma dezena de situações ilegais em jornalistas com funções de topo, designadamente na TVI, CNN, CMTV/Correio da Manhã, Expresso, Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Observador. Confira aqui os nomes, onde pontificam José Alberto Carvalho e José Carlos Castro, que pelo menos desde finais de 2021 não têm carteira activa, e ainda Ana Sá Lopes, que, além de redactora-principal no Público, é comentadora na CNN Portugal.


    O exercício da actividade de jornalista sem carteira profissional está proibido por lei – e os órgãos de comunicação social incorrem em multas –, mas o ‘caso Maria João Avillez’, que ontem entrevistou para a SIC o primeiro-ministro num espaço informativo, está longe de ser único. Na verdade, trespassa praticamente todos os grandes grupos de media, e mesmo figuras gradas do jornalismo. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tem conhecimento destas situações há muitos anos, mas nada tem feito.

    em Janeiro de 2022, o PÁGINA UM relatara os casos de quatro conhecidos jornalistas de televisão que estavam no activo de forma ilegal: José Rodrigues dos Santos e Carlos Daniel (RTP), José Alberto Carvalho (TVI) e José Carlos Castro (CMTV). Os dois primeiros viriam a recuperar a carteira profissional – e Rodrigues dos Santos até ‘perdeu’ o seu número original, daí ter um número recente (CP 7590) –, embora até agora os outros dois continuem sem constar no registo da CCPJ como jornalistas no activo. Saliente-se que José Carlos Castro é também director-adjunto com a tutela da Estratégia do Correio da Manhã e da CMTV.

    José Alberto Carvalho, jornalista e pivot da TVI.

     Aliás, as situações de jornalistas ‘desencartados’ em lugares de destaque nos media são bastante comuns. Num levantamento do PÁGINA UM, concluído esta tarde [vd. imagens nos nomes elencados nesta notícia, a partir da base de dados da CCPJ] abrangendo somente os responsáveis editoriais, grandes repórteres e pivots dos principais órgãos de comunicação social, detectou-se uma dezena de situações irregulares.

    No caso da televisão, para além dos casos de José Alberto Carvalho e de José Carlos Castro, não consta como activa a carteira profissional de Pedro Benevides, um dos pivots da CNN Portugal.

    Na imprensa escrita, no Diário de Notícias – que ontem destacou o caso da entrevista de Luís Montenegro à ex-jornalista Maria João Avillez (que deixou de ter título habilitante desde 2008) –, o editor-executivo adjunto Artur Cassiano não tem carteira profissional activa, o mesmo sucedendo com o editor Carlos Nogueira.

    Até há pouco ‘irmão germano’ do DN, o Jornal de Notícias conta com um caso de um alto responsável editorial ‘desencartado’: Vítor Santos, que ocupa o cargo de director-executivo do diário portuense agora detido pela Notícias Ilimitadas (70%) e Global Media (30%).

    No Expresso, Pedro Candeias, editor-executivo, é o nome mais sonante sem carteira profissional.

    No Público, onde a ausência de carteiras profissionais ‘enxameia’ toda a redacção, o PÁGINA UM descobriu que a editora-executiva Helena Pereira também não detém carteira profissional activa. Igualmente, a jornalista Ana Sá Lopes, que é redactora-principal no jornal do Grupo Sonae e comentadora de política na CNN Portugal, também está legalmente inabilitada para o exercício da profissão. Uma das mais antigas jornalistas do Público, Teresa de Sousa, também com o estatuto de redactora principal da secção Mundo, tem a carteira profissional caducada.

    Ana Sá Lopes, jornalista do Público e comentadora da CNN Portugal, não tem carteira profissional activa

    Outro redactor principal que não ocupou tempo a renovar a carteira profissional é João Vaz, mas neste caso ‘exerce’ sem habilitação no Correio da Manhã.

    No Observador, com lugares de destaque em funções de editoria, somente se detectou o caso de Cátia Costa, editora de Actualidade.

    Estas falhas não constituem apenas um pormenor nem um detalhe numa profissão que, por princípio, ‘supervisiona’ a democracia, e que por isso não está acima da lei. Com efeito, apesar de o jornalismo não ser uma profissão que seja reconhecida por uma Ordem – como os médicos, enfermeiros ou advogados –, a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalista estipularam regras para o seu exercício.

    Mesmo os jornalistas mais antigos – com mais de 10 anos ininterruptos ou 15 anos interpolados – necessitam de carteira profissional concedida pela CCPJ, renovável periodicamente. Ficam a partir daí sujeitos a diversos deveres éticos e deontológicos, entre os quais a proibição de exercer actividades de marketing ou executar, em qualquer grau, contratos comerciais. As consequências são também para os órgãos de comunicação social que os empregam.

    O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

    Vítor Santos: o director-executivo do Jornal de Notícias também não tem a carteira profissional activa.

    Hoje, ouvida pela TSF, a presidente da CCPJ, Licínia Girão, sublinhou que não deixaria passar o ‘caso Avillez’ em branco, afirmando que “vamos analisar a situação para ver se configura ou não o processo de contraordenação e, eventualmente, se tem cabimento, apresentar uma queixa junto do Ministério Público no sentido de que ele possa aferir se estamos perante um crime ou não de usurpação de funções”. Certo é que, na generalidade das situações, a CCPJ mantém um obscurantismo absoluto sobre grande parte dos processos que abre (ou não abre).

    Ainda recentemente, a CCPJ recusou ao PÁGINA UM o acesso a processos arquivados contra jornalistas ao abrigo da Lei da Amnistia, por causa da visita papal de Agosto do ano passado, alegando um inexistente “direito ao esquecimento”. Esta recusa – que se acumula a outros – vai originar mais uma intimação do PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que a CCPJ, apesar de ser dominada por jornalistas, tem estatuto público.


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  • Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


    As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

    Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

    red sofa chair near fireplace

    Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

    Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

    Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

    yellow and blue tram on road during daytime

    Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

    Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

    Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

    Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

    Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

    Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

    Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

    gray table lamp beside white bed pillow

    No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

    No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

    A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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  • Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal Público pela inclusão de conteúdos comerciais disfarçados de notícias na secção Azul, dedicada ao tema do ambiente. Em causa está um conjunto de conteúdos publicitários publicados no âmbito de um contrato de ‘parceria comercial’ feito com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N). O regulador dos media também identificou uma jornalista que assinou quatro peças de carácter comercial no âmbito dessa parceria comercial, o que constitui uma incompatibilidade com a profissão, pelo que decidiu remeter para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a análise da infracção. Esta acção do regulador dos media resulta de uma notícia do PÁGINA UM em Junho do ano passado, e que, na altura, mereceu um direito de resposta do director do Público a negar a veracidade das revelações. A ERC confirma agora, implicitamente. quem dizia a verdade.


    Mais vale tarde do que nunca. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tardou mas decidiu abrir um processo de contra-ordenação ao Público por publicar conteúdos comerciais disfarçados de ‘notícias’ na sua secção de ambiente, Azul.

    Em causa estão quatro conteúdos publicados há um ano no âmbito de um contrato celebrado com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), um organismo da Administração Pública com nomeação governamental. Nas cláusulas contratuais constava a “obrigação de produzir uma série de conteúdos editoriais relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, ficando o jornal do Grupo Sonae obrigado a publicar os referidos conteúdos encomendados pela CCDR-N nos sites do Azul, do Público e no podcast Azul.

    Na sua deliberação, a ERC refere que decidiu avançar com a “instauração de um processo de contraordenação contra o Público – Comunicação Social, SA, por violação do disposto no nº 2 do artigo 28º da Lei da Imprensa“, o qual estabelece que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

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    A deliberação, adoptada a 4 de Setembro e que foi comunicada esta semana ao PÁGINA UM em primeira-mão, surge na sequência de questões colocadas à ERC pelo nosso jornal em 3 de Outubro do ano passado sobre a legalidade dos contratos de prestação de serviços entre o Público e duas entidades, a CCDR-N e a Biopolis, que envolviam a obrigação de publicação de conteúdos editoriais.

    Os contratos assinados entre o Público e aquelas duas entidades foram revelados pelo PÁGINA UM numa notícia publicada em Junho de 2023. No caso da Biopolis, o contrato determinava até o número de artigos a publicar pelo jornal, e no caso da CCDR-N constava mesmo a condição de prévia entrega de conteúdos para a respectiva validação por aquela entidade. A decisão do PÁGINA UM de remeter para a ERC um pedido formal de análise dos contratos da Biopolis e da CCDR-N foi tomada após o director do Público, David Pontes, ter exigido a publicação de um direito de resposta.

    David Pontes acusou então o PÁGINA UM de, “através de uma leitura parcelar de documentos” ter construído “uma teia de falsidades com que se procura[va] denegrir a actividade profissional” dos jornalistas do Público e da secção Azul. Numa primeira fase, o PÁGINA UM, convicto da veracidade das revelações, recusou a publicação do direito de resposta do director do Público, mas o regulador considerou que esse direito pode ser exercido independentemente das circunstâncias relatadas serem verídicas. Agora, a deliberação da ERC de abrir um processo de contra-odenação ao Público atesta que não houve qualquer “teia de falsidade” criada pelo PÁGINA UM, mas apenas mercantilização do jornalismo à margem da lei por parte do jornal dirigido por David Pontes.

    O processo de contra-ordenação aplica-se apenas ao contrato com a CCDR-N, porque o Público alegou que o contrato com a Biopolis “nunca chegou a ser concretizado por não ter sido viável o cumprimento das obrigações dele decorrentes pelo que o mesmo foi revogado por mútuo acordo”. Segundo o jornal, os textos envolvendo a Biopolis que foram mencionados no ofício que a ERC enviou ao Público, foram elaborados e publicados exclusivamente devido ao seu interesse noticioso, não estando abrangidos por nenhum contrato comercial.

    No entanto, até hoje não constava qualquer referência no Portal Base à revogação do contrato público entre estas duas entidades, assinado no dia 2 de Março do ano passado, como deveria suceder se tal tivesse mesmo ocorrido. Na verdade, já este ano, em 9 de Março, o Público e a Biopolis assinaram um novo contrato, em tudo similar ao do ano anterior, e que inclui especificamente a promoção de “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas da Biopolis”. Tudo a troco de 90 mil euros.

    Foto: PÁGINA UM

    A intenção destes apoios até pode, em teoria, ser boa, mas este tipo de prestação de serviços é incompatível com a Lei da Imprensa, e se generalizado pode implicar que, por exemplo, uma petrolífera ou uma farmacêutica possa também pagar para ver promovidos na imprensa “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas” da sua confiança ou de temas que lhe sejam queridos.

    No caso da CCDR-N, estão em causa conteúdos comerciais publicados como notícias entre 29 de Setembro e 11 de Novembro de 2023. A ERC constatou que nos quatro artigos publicados, alguns com referências positivas e elogiosas a empresas e instituições públicas, não existem referências “nem quaisquer elementos verbais ou gráficos que identifiquem a relação contratual”. Os quatro textos com o tema comum de ‘Mudar o Atlântico em quatro vagas’ são assinados por uma jornalista com carteira profissional, Inês Loureiro Pinto (CP 8264). A jornalista assina os quatro textos, bem como um podcast sobre a mesma temática. Esta jornalista é freelancer, ou seja, não tinha vínculo ao Público. A ERC enviou documentos para a CCPJ para eventual processo de cassação da carteira profissional.

    Na sua deliberação, a ERC assinalou também que “a não identificação [pelo PÚBLICO] da natureza contratual estabelecida, bem como da entidade adjudicante [CCDR-N], é susceptível de comprometer a independência do órgão de comunicação social perante interferências do plano económico”. O regulador constatou ainda que “tal actuação é também passível de inobservar o livre exercício do direito à informação”, garantido na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Imprensa.

    Por outro lado, o regulador presidido por Helena Sousa, considerou que, “ao comprometer-se contratualmente nestes termos, o Público restringe a liberdade e autonomia editorial do seu director, em desrespeito” pela Lei da Imprensa, acrescentando que tal “pode perigar o rigor e a objectividade da informação”.

    Foto: PÁGINA UM

    Além da instauração de um processo de contra-ordenação, a ERC advertiu “o Público para a necessidade de garantir que os conteúdos publicados ao abrigo de contratos de natureza comercial com entidades externas não sejam concebidos, nem assinados, por jornalistas”. Recorde-se que a ERC está a realizar um estudo sobre a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos promocionais ou publicitários. embora a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalismo sejam extremamente claros sobre esta temática.

    O regulador ainda tem em curso, desde Junho do ano passado, um conjunto de processos de contra-ordenação por contratos públicos de mercantilização do jornalismo que atingem sete grupos de media, nomeadamente a Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Medialivre (ex-Cofina) e Público. Houve também 14 ‘jornalistas comerciais’ identificados, que elaboraram artigos e conteúdos noticiosos contratualizados com entidades públicas, mas nenhum caso teve efeitos na CCPJ.

    Apesar destes processos, a promiscuidade mantém-se na imprensa, sobretudo nas ambíguas ‘parcerias comerciais’ ou de ‘media partner’, com a ERC e a CCPJ a fecharem os olhos a casos evidentes de elaboração de notícias e entrevistas que são feitas ao abrigo de contratos com empresas e entidades públicas, passando mensagens de cariz promocional ou promovendo gestores, organismos, empresas e até políticos. Além disso, proliferam nos media outros formatos, como podcasts, cujos conteúdos poderão estar também contratualizados, passando a ideia de que se trata de informação isenta, quando não passa de promoção dos entrevistados ou de entidades ou produtos. Ao contrário do que sucede nos contratos públicos, divulgados no Portal Base, os acordos comerciais envolvendo empresas de media e entidades privadas não são de divulgação obrigatória, mantendo-se secretos. A única excepção sucede com as farmacêuticas, obrigadas pela Lei do Medicamento a divulgar fluxos financeiros de promoção, incluindo nos média, mas o regulador, o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, tem intencional e claramente fechado os olhos à ausência sistemática de registos no Portal da Publicidade e Transparência.

    Resta agora aguardar pelo estudo do regulador dos media sobre a promiscuidade evidente, que em muito tem contribuído para desacreditar a imprensa e os jornalistas, ajudando a melhorar as receitas de órgãos de comunicação, mas afastando cada vez mais o público e os leitores. Para já, de acordo com a Lei da Imprensa, o ‘crime’ compensa do ponto de vista financeiro: a coima máxima para o caso do Público é de apenas 5.000 euros. A ERC costuma, porém, fazer ‘descontos’, ou seja, por regra atenua as ‘multas’.


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