Autor: Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares

  • Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    O cunhado do ministro Amaro Leitão, o empresário Ricardo Machado – que passou a ostentar também o apelido Leitão depois de casar com uma irmã do governante – apenas comprou em Março passado a empresa contratada pela Força Aérea para fornecer três helicópteros para combate a incêndios rurais por cerca de 20 milhões de euros, com IVA. A empresa em causa, a Gesticopter Operation Unipessoal tem sido apontada como uma das visadas na operação ‘Torre de Controlo’.

    De acordo com elementos recolhidos pelo PÁGINA UM, a empresa em causa, a Gesticopter Operation, foi criada em Março de 2024, mas nessa altura ainda não tinha qualquer ligação ao familiar do actual ministro da Presidência. De facto, a sociedade, que apresenta um capital social de apenas 5.000 euros, teve como primeiro proprietário a Gestifly, uma empresa surgida em 2021 e que, em apenas três anos, acumulou contratos milionários com o Estado português – todos por ajuste directo – no sector altamente rentável da locação de meios aéreos de combate aos fogos florestais.

    Ricardo Leitão Machado, esta semana, em entrevista ao Diário de Notícias. Foto: DR.

    Segundo os registos do Portal Base, a Gestifly celebrou quatro contratos com o Estado-Maior da Força Aérea no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), todos em 2024. O primeiro, com data de 16 de Janeiro, refere-se à aquisição de serviços no valor de 3,8 milhões de euros. Seguiram-se, a 9 de Maio, mais 2,3 milhões de euros; a 3 de Junho, um novo contrato por 3,7 milhões de euros; e finalmente, a 7 de Agosto, o mais modesto, mas ainda assim expressivo, montante de 870 mil euros. No total, só com a Força Aérea, a Gestifly encaixou mais de 10,5 milhões de euros (sem IVA) em contratos de aluguer de meios aéreos no espaço de sete meses.

    Já a Gesticopter, que acabaria por substituir a Gestifly – que deixou de concorrer aos meios aéreos, tendo apenas um pequeno contrato de pouco mais de 5 mil euros de venda de combustível à Força Aérea –, não registou qualquer contrato com o Estado ao longo de 2024. Contudo, nos últimos meses do ano passado e no início deste ano, começou a apresentar-se como concorrente em vários concursos públicos.

    Os dados recolhidos pelo PÁGINA UM mostram que a empresa participou em mais de uma dezena de concursos lançados pela Força Aérea nos últimos seis meses, sempre contra um lote recorrente de concorrentes do sector. A aparente repetição e previsibilidade das empresas candidatas – algumas das quais dificilmente teriam capacidade para assegurar todos os meios exigidos nos cadernos de encargos – suscitam, aliás, fundadas suspeitas de cartelização. Tal como não se monta um rent-a-car do dia para a noite, muito menos se arranjam helicópteros pesados de combate a incêndios com simples telefonemas ao fornecedor. Em muitos casos, as empresas subcontratam meios aéreos aos concorrentes que perderam concursos.

    Leitão Amaro, actual ministro da Presidência.

    A entrada de Ricardo Leitão Machado na Gesticopter fez-se através da Helifinance Asset Management, uma sociedade espanhola com sede em Madrid, constituída em Fevereiro de 2024. Formalmente, a compra da Gesticopter Operation, por valores desconhecidos, ocorreu a 12 de Março deste ano, segundo os registos comerciais consultados pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, em nenhum desses registos consta o nome do cunhado do ministro como sócio ou gerente, mas a consulta ao Registo de Beneficiário Efectivo revela que Ricardo Leitão Machado é o proprietário integral quer da Gesticopter, quer da Helifinance. Contudo, há algo surpreendente: nos registos de beneficiário efectivo, o nome de Ricardo Leitão Machado surge como titular das duas empresas desde a primeira quinzena de Janeiro, ou seja, antes mesmo da aquisição formal da Gesticopter. A incongruência entre os registos não deixa de levantar dúvidas sobre a transparência do processo de aquisição e da verdadeira data de entrada de Ricardo Leitão Machado no negócio.

    Também pouco transparente é o contrato celebrado entre a Força Aérea e a Gesticopter. Contrariando a lei – e mesmo decisões sobre esta matéria do Tribunal Administrativo, por estarem em causa actos administrativos em funções públicas –, a Força Aérea rasurou tanto o nome do adjudicante como do adjudicatário. Ou seja, ignora-se ainda quem da Gesticopter assinou o contrato. No caso da Força Aérea, é apagado o nome de quem assina o contrato, mas mantém-se a referência ao cargo: chefe do Serviço Administrativo e Financeiro. Esta função é actualmente ocupada pelo coronel Carlos Miguel de Amorim Inácio, que é economista.

    Helicopter: empresa com capital social de 5.000 euros ganha concurso de 20,1 milhões de euros.

    O contrato de 20,1 milhões de euros (quase 16,4 milhões sem IVA) agora atribuído à Gesticopter pela Força Aérea, para fornecimento de três helicópteros pesados durante três anos, constitui assim a primeira adjudicação pública da empresa sob a nova direcção. Mas não deixa de ser inquietante que uma empresa sem qualquer histórico de execução de contratos semelhantes, com um capital social mínimo e sem meios próprios conhecidos, vença um concurso desta dimensão.

    A avaliação de risco por parte da Força Aérea levanta, por isso, justas interrogações. Afinal, o custo de um helicóptero com as características técnicas exigidas pelo concurso oscila, segundo fontes especializadas contactadas pelo PÁGINA UM, entre 7 e 25 milhões de euros por unidade, dependendo do modelo, estado e equipamentos opcionais. Como pode uma empresa com 5.000 euros de capital social garantir três helicópteros, com estas especificações, por três anos, e cumprir as exigências operacionais e de manutenção previstas nos cadernos de encargos? Com meios próprios ou subcontratando concorrentes, ficando apenas com uma comissão?

    Saliente-se que este contrato não é, contudo, a primeira experiência de Ricardo Leitão Machado associado ao sector florestal. Há uma década, segundo uma investigação da revista Visão publicada no início de Agosto de 2022, o cunhado do ministro da Presidência foi arguido num processo judicial relacionado com fraudes no acesso a apoios do Fundo Florestal Permanente. No processo, julgado no Tribunal de Sintra em Outubro de 2014, o empresário foi inicialmente acusado, juntamente com três outros arguidos, de burla qualificada e falsificação de documentos.

    Registo mostra que a Helifinance Asset Management foi adquirida por Ricardo Leitão Machado apenas em 12 de Março de 2025.

    Durante o julgamento, veio a ser alegada – e aceite pelo tribunal – a reparação integral dos prejuízos causados aos lesados, nomeadamente ao BPI, que reclamava cerca de 321 mil euros. Essa reposição permitiu a extinção da responsabilidade criminal pelo crime de burla, mas o julgamento prosseguiu quanto à falsificação de documentos, pelo qual Ricardo Leitão Machado acabaria condenado a pagar uma multa de 10.000 euros. Tentou ainda recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso.

    No seu percurso empresarial, Ricardo Leitão Machado, que conta 45 anos, tem acumulado projectos e interesses diversos, incluindo a criação de cavalos e direitos nas Termas de Monfortinho, tendo também adquirido a Herdade do Vale Feitoso, uma propriedade com 7.300 hectares, que pertenceu a Ricardo Salgado. Terá pagado 25 milhões de euros. O cunhado de Amaro Leitão também teve negócios em Angola, onde terá enriquecido sobretudo durante o ‘reinado’ de José Eduardo dos Santos. Com a presidência de João Lourenço, os negócios complicaram-se. Em 2019, o Estado angolano arrestou os activos de uma sua empresa, a Aenergy, acusando-a de fraude num negócio de turbinas de mil milhões de euros. O caso está ainda num tribunal arbitral nos Estados Unidos.

  • Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Depois do apagão de 28 de Abril, que mergulhou o território nacional numa escuridão simultaneamente literal e simbólica, as vulnerabilidades estruturais ficaram bem patentes no abastecimento de edifícios e infra-estruturas estratégicas. Desde o caso dos jerricãs que o Governo queria enviar para a Maternidade Alfredo da Costa, através dos motoristas dos ministros, até às falhas na rede de comunicações, incluindo o SIRESP, foram os sinais mais evidentes de um país que continua a confiar no improviso como política de resiliência.

    O episódio, que transformou Portugal num caos ao longo de cerca de dez horas, revelou não apenas a fragilidade dos sistemas críticos, mas também a ausência de planeamento integrado para situações de emergência. A dependência de soluções ad hoc ilustra um modelo de governação mais próximo do remendo do que da prevenção.

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    No caso do SIRESP, que deveria assegurar comunicações robustas entre forças de socorro, a sua falência parcial confirmou a persistência de erros que já tinham sido denunciados nos incêndios de 2017. O apagão de Abril funcionou, assim, como um teste involuntário à robustez do Estado – um teste que, mais uma vez, o país reprovou com estrondo.

    Não por acaso, a E-Redes – a subsidiária do Grupo EDP, anteriormente conhecida por EDP Distribuição e responsável pelo transporte em média tensão e para os consumidores residenciais – tem vindo a ser pressionada para encontrar soluções que permitam, caso haja novos apagões, a garantia do abastecimento ininterrupto em pontos estratégicos, como hospitais, centros de controlo operacional, quartéis de bombeiros ou infra-estruturas de comunicações.

    Exemplo claro desta mudança foi o lançamento, esta semana, de um concurso público protagonizado pela E-Redes para a aquisição de um total de 36 centrais móveis de produção de energia eléctrica. De acordo com os documentos aos quais o PÁGINA UM teve acesso, a medida visa reforçar a capacidade de resposta em situações de emergência, evitando cenas dignas de um país em vias de subdesenvolvimento.

    Maternidade Alfredo da Costa esteve em risco de não ter electricidade durante o apagão de 28 de Abril.

    Embora não se tenha ainda conseguido saber, junto de fonte oficial da E-Redes, se estão previstas mais aquisições nem apurada a distribuição, para já está prevista a compra de uma central móvel de 1250 kVA (kilovolt-ampere), equipada para operar em média tensão (10, 15 e 30 kV), com capacidade de sincronismo com a rede e de alimentar infra-estruturas críticas de grande dimensão. A par disso, prevê-se ainda o fornecimento de oito geradores móveis de 630 kVA e mais 27 de 250 kVA, todos desenhados para actuar em modo de socorro em postos de transformação ou directamente junto a edifícios estratégicos.

    Com uma potência de 1250 kVA, é possível assegurar o funcionamento contínuo de grandes infra-estruturas críticas, como hospitais centrais com blocos operatórios em actividade plena, centros de dados de média dimensão, aeroportos regionais com terminal e torre de controlo, ou ainda grandes centros comerciais e unidades industriais com maquinaria pesada. Já potências na ordem dos 630 kVA são compatíveis com hospitais distritais ou maternidades, escolas secundárias com sistemas integrados de climatização, edifícios governamentais com centros de dados, estações ferroviárias urbanas ou instalações fabris de menor escala.

    Por fim, equipamentos com capacidade para 250 kVA garantem o abastecimento de infra-estruturas mais compactas, como centros de saúde, quartéis de bombeiros, esquadras, supermercados de média dimensão, pequenos hotéis ou centros locais de comunicações, como retransmissores do SIRESP.

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    As especificações técnicas previstas no caderno de encargos são robustas, incluindo a existência de chassis com reboque apto para circulação em todo o território. E, claro, motores a diesel – porque, quando a electricidade falha, ainda são os combustíveis fósseis a dar uma ajuda.

    Embora o concurso público não indique um custo mínimo nem máximo, porque se estará numa fase de qualificação de concorrentes para depois se passar a um procedimento de negociação, o PÁGINA UM sabe que, considerando os preços de mercado de geradores desta natureza, mostra-se previsível que o investimento oscile entre 5,0 e 6,5 milhões de euros. Um valor significativo, mas irrisório se considerarmos que a EDP contabilizou um lucro de 801 milhões de euros no ano passado e que os serviços da E-Redes são uma concessão do Estado, que exige padrões de qualidade no abastecimento.

    Independentemente disto, estas compras da E-Redes não eliminam o risco de novas falhas na rede – sobretudo enquanto Portugal continuar estruturalmente dependente da energia importada de Espanha –, mas mitigam os efeitos mais visíveis e embaraçosos. Estas centrais móveis funcionam, na prática, como extintores sobre rodas: não impedem o incêndio, mas evitam que chegue com maior impacte à opinião pública.

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    E significa também que a E-Redes já não confia tanto na REN, depois do apagão de 28 de Abril, que, um mês depois, continua sem uma explicação formal. Aliás, ao longo das últimas semanas, a REN tem procurado desresponsabilizar-se do processo. Esta semana, a associação Frente Cívica, liderada por Paulo de Morais, pediu ao Governo que exigisse uma indemnização no valor de 780,5 milhões de euros, valor estimado dos prejuízos em diversos sectores, incluindo mesmo das empresas de distribuição eléctrica.

    Na carta enviada ao primeiro-ministro, a Frente Cívica diz mesmo que “na eventualidade de não conseguir indemnizar, a REN poderá sempre entregar a concessão de volta ao Estado português, legítimo representante dos cidadãos ludibriados pela sua incúria.”

  • Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    A factura da luta contra a vespa asiática, uma espécie exótica e invasora que chegou ao Minho em 2011, está a aumentar cada vez mais, e a estender-se por praticamente todo o país. De acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM aos contratos de entidades públicas com empresas externas – ou seja, sem considerar gastos com recursos próprios –, os encargos já atingem quase 8,9 milhões de euros, aproximando-se dos 11 milhões de euros considerando o IVA. O crescimento dos gastos tem sido particularmente evidente desde 2020.

    Os números não deixam margem para dúvidas: se entre 2015 e 2018 os valores anuais nunca ultrapassaram os 400 mil euros (sem IVA) – e totalizaram 748 mil euros nesse quadriénio –, a partir de 2019 os montantes dispararam. Nesse ano quase atingiram meio milhão de euros e em 2020 os gastos ultrapassaram os 885 mil euros, subindo para quase um milhão no ano seguinte.

    O pico foi, por agora, atingido em 2022, com 2,43 milhões de euros em encargos públicos com empresas contratadas para acções de controlo da vespa asiática, essencialmente a destruição de ninhos. Em 2023, apesar de uma ligeira redução para 1,66 milhões, os valores continuam a expressar uma pressão orçamental elevada. Em 2024, os contratos celebrados ascendem já a 1,17 milhões, e até ao final do quinto mês de 2025 os encargos atingem quase meio milhão de euros, perspectivando-se novo agravamento.

    Este esforço financeiro está a ser suportado maioritariamente por municípios e comunidades intermunicipais, que nos últimos anos têm multiplicado as adjudicações a empresas privadas para resposta rápida a situações de infestação. O PÁGINA UM contabilizou 108 entidades públicas com despesas registadas do Portal Base, localizadas em quase todas as regiões do país concedendo assim uma dimensão nacional a esta espécie invasora.

    A proliferação da vespa asiática – uma predadora voraz de abelhas melíferas – tem vindo a provocar prejuízos significativos na apicultura nacional. A sua acção agressiva junto às colmeias compromete a produção de mel, ameaça a polinização e, em casos mais graves, conduz à destruição completa de enxames. A cada ano que passa, o problema deixa de ser apenas ambiental e económico para ganhar contornos de política pública, exigindo mais meios, mais formação e maior coordenação.

    Apesar de a invasão ter começado no Minho, a entidade com maior despesa acumulada é agora a Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Leiria, com 716.952 euros, distribuíudos por três contratos desde 2022, que abrangem os municípios de Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós. A retirada de cada nicho de vespa tem um custo de quase 90 euros. Segue-se a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, com 456.711 euros, e o município de Vila Nova de Famalicão, com 396.518 euros – este último com um histórico de despesas particularmente concentrado entre 2015 e 2017, o que reflecte uma das primeiras zonas mais severamente atingidas pela praga.

    Outros municípios de relevo na factura pública incluem o do Porto, com 324.400 euros; Cascais, através da sua empresa municipal de ambiente, com 274.500 euros; e a CIM do Alentejo Central, com 228.534 euros. Estes valores, distribuídos em muitos casos por vários anos, revelam tanto o carácter persistente do problema como a ineficácia das acções isoladas e reactivas.

    Acima de gastos de 100 mil euros encontram-se oito comunidades intermunicipais – CIM do Alentejo Central (228.534 euros), do Oeste (225.574 euros), das Beiras e Serra da Estrela (214.405 euros), de Viseu Dão-Lafões (147 845 euros), do Cávado (139.331 euros), do Douro (131.200 euros), Beira Baixa (126.310 euros), da Região de Coimbra (124.633 euros) – e municípios – Tondela (213.064 euros), Sintra (184.380 euros), Ílhavo (174.542 euros), Maia (152.336 euros), Montalegre (151.240 euros), Águeda (146.396 euros), Vagos (142.550 euros), Mortágua (122.500 euros), Mafra (120.220 euros), Loures (110.550 euros), Sertã (110.050 euros), Castro Daire (110.000 euros), Ourém (109.250 euros), Paredes (108.000 euros), Aveiro (107.250 euros) e Vila do Conde (107.083 euros) – e ainda a Universidade de Coimbra (111.160 euros).

    Actualmente, há registos de despesas em quase todas as regiões do país, incluindo municípios do Algarve, como Loulé e Alcoutim, que até há pouco tempo estavam fora do mapa de infestação. Também nos distritos de Guarda e Castelo Branco os contratos com empresas para destruição de ninhos tornaram-se mais frequentes, evidenciando a propagação da espécie para territórios anteriormente poupados.

    Apesar do esforço financeiro crescente, a eficácia do combate permanece questionável, porque embora os gastos globais tinham tido o seu pico em 2022, houve um alargamento geográfico nos últimos anos. Nos últimos cinco anos, entre 39 e 47 entidades públicas têm feito contratos para erradicação da vespa asiática, incluindo retirada e eliminação de ninhos, colocação de armadilhas ou estudos de monitorização.

    Em todo o caso, o impacto financeiro é apenas uma face visível de um problema com múltiplas consequências. Estima-se que uma colónia de vespa asiática possa capturar até 50 abelhas por dia, num processo contínuo que esvazia colmeias e perturba o equilíbrio dos ecossistemas. A ausência de predadores naturais e a elevada taxa de reprodução tornam o controlo extremamente difícil, sobretudo num território tão vasto e com dispersão habitacional significativa.

    Face ao crescimento da ameaça, vários especialistas têm apelado a uma resposta nacional concertada, com partilha de meios técnicos, formação de equipas especializadas e monitorização científica constante. No entanto, até agora, apesar de um plano de acção e de um sistema de monitorização e alerta, protagonizado pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, a actuação tem sido fragmentada, assente em reacções avulsas e numa lógica de “apagar fogos” à medida que os ninhos surgem.

    No início do ano passado, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelou que entre 2011 e 2023 tinham sido destruídos mais de 140 mil ninhos de vespa-asiáticas, mas sem o insecto dar tréguas. O resultado aparenta ser assim um contínuo ciclo de despesa sem controlo efectivo da propagação da praga.

  • Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Já passaram vários anos, mas as medidas restritivas impostas por António Costa na pandemia de covid-19 ainda hoje causam mossa aos contribuintes. É o caso dos litígios entre Estado e diferentes concessionárias de serviços de transportes, em fase de arbitragem, mas que só em assessores e peritos já custaram, por agora, mais de 1,6 milhões de euros ao erário público.

    A despesa mais recente, no valor de 80 mil euros (sem IVA), deveu-se à contratação de um perito de Israel, Andrés Ricover, no âmbito do processo de arbitragem solicitado pela ANA, que gere 10 aeroportos nacionais. A contratação daquele especialista do sector da aviação foi efectuada por ajuste directo, no passado dia 13, pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), segundo informação disponível no Portal Base, a plataforma que agrega os contratos públicos.

    Foto: D.R.

    Andrés Ricover, um perito de avião que opera a partir de Tel Aviv, vai assessorar o Estado na disputa com a ANA, que, como outras concessionárias, está a pedir uma compensação pública. A empresa gestora dos aerportos nacionais, subsidiária da francesa Vinci, pede 210 milhões de euros de indemnização ao Estado a título de reposição do equilíbrio financeiro (REF).

    Mas as despesas começaram já no ano passado com a contratação de diversos consultores e sociedades de advogados, pagos a ‘peso de ouro’. De entre os consultores contratados pelo IMT destaca-se a SFgo, uma empresa criada apenas em Novembro de 2022 por Joana Carvalho, logo no mês seguinte a esta economista ter antecipado a sua saída da vice-presidência da Admnistração Central do Sistema de Saúde (ACSS). A facilidade como certas novas empresas acumulam ajustes directos constituem uma das ‘maravilhas’ do modelo de contratação pública em Portugal.

    Desde Maio do ano passado, a empresa da antiga vice-presidente da ACSS e também ex-quadro do Banco Espírito Santo na área das parcerias público-privadas (PPPs), teve artes e engenhos para sacar 11 ajustes directos, com uma facturação previsível de cerca de mil euros. Só teve o incómodo de participar num concurso público, em companhia da sociedade de advogados Sérvulo & Associados, para um estudo de viabilidade financeira da barragem do Pisão, no Crato.

    Foto: D.R.

    No caso de litígios com concessionárias por causa da pandemia, o presidente do IMT, João Caetano da Silva, achou que não havia ninguém mais capaz do que a empresa recém-criada por Joana Carvalho, e entregou-lhe não um, nem dois, nem três, nem quatro, mas logo cinco ajustes directos para auxiliar a posição do Estado nos litígios com a Lusoponte, a Autoestradas do Douro Litoral (dois contratos), a Scutvias (Beira Interior) e a concessão Oeste. Cada contrato teve um valor unitário de 94.500 euros (sem IVA), totalizando assim 581.175 euros, com IVA incluído.

    Pouco atrás, nos benefícios pelos litígios, encontra-se a Sérvulo & Associados, que facturou cerca de 544 mil euros (IVA incluído) em dois contratos. O primeiro foi assinado no dia penúltimo dia do ano passado, no valor de 221 mil euros (sem IVA), para a aquisição de serviços de representação jurídica, patrocínio forense da concessão da Auto-Estrada do Douro Litoral.

    O segundo contrato com esta sociedade de advogados foi assinado no passado dia 24 de Fevereiro referente à a aquisição de serviços de representação jurídica e patrocínio forense no âmbito da arbitragem com vista à eventual prorrogação da concessão das pontes sobre o Tejo à Lusoponte. Também este contrato foi adjudicado por ajuste directo pelo valor de 221 mil euros.

    Foto: D.R.

    Recorde-se que a Lusoponte detém a concessão das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, em Lisboa, e tem actualmente como presidente do conselho de administração António Ramalho, ex-presidente-executivo do Novo Banco. A concessionária exige o prolongamento da concessão – que terminaria em Março de 2030 – por mais 10 meses.

    Houve mais duas sociedades de advogados que já encaixaram verbas para ‘ajudar’ o Estado: a Lobo Vasques & Associados teve direito a 75 mil euros por diversos pareceres, enquanto a Vieira de Almeida foi contratada pela Direcção-Geral das Obras Púlicas e Transportes Terrestres do Governo Regional dos Açores Serviços para serviços de assessoria jurídica no âmbito da acção arbitral relativa ao impacto da pandemia na SCUT da ilha de São Miguel. Receberá 160 mil euros (sem IVA). Em ambos os casos os contratos foram celebrados por ajuste directo, sendo que, entre as razões para a escolha destas sociedades, pode estar, por hipótese académica, uma vez que se desconhecem critérios objectivos, a cor dos olhos dos advogados.

    Contando com estes contratos, são 13 os que já foram assinados para litígios com concessões alegando impactes da pandemia. Um dos mais recentes é o contrato feito com a TIS PT para para estudar o tráfego das pontes concessionadas à Lusoponte “destinado a fundamentar a posição do Estado português no litígio arbitral”. São mais 19.500 euros por ajuste directo, sem IVA.

    Também relevante, até por ter sido o primeiro neste ‘lote pandémico’, foi a contratação, por ajuste directo, da Ernst & Young em Abril do ano passado. No valor de 90.000 euros (sem IVA), foram contratados serviços à consultora para análise à demonstração do reequilíbrio financeiro da concessão Oeste com o objectivo de fundamentar a posição do Estado Português no Tribunal Arbitral no litígio com a Autoestradas do Atlântico.

    Foto: D.R.

    Pelo andar da carruagem, e dada a acumulação de processos arbitrais devido a este tema, é expectável que a despesa pública com serviços de assessoria financeira , técnica e jurídica se multiplique. Além disso, existe o risco de o desfecho de alguns destes processos resultarem em mais custos para o Estado, em compensações a pagar a concessionárias.

    Assim, para já, a ‘portagem’ paga pelos contribuintes em serviços de assessoria relacionada com os pedidos de compensação de concessionárias vai pelos 1,6 milhões. Mas a factura final, incluindo eventuais compensações do Estado, ainda está longe de ser contabilizada, até porque, ao contrário do que o Governo de António Costa fez crer, quando decidiu ‘fechar’ o país, nada ficouj bem bem.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

    orange and white medication pill

    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    Uma semana antes do apagão eléctrico histórico registado em Portugal, a empresa concessionária da rede de transporte de electricidade em muito alta tensão não aparenta ter um especial interesse em focar-se somente na salvaguarda da infraestrutura eléctrica nacional. Apesar de deter uma concessão estratégia, a REN, que tem como maior accionista a estatal chinesa State Grid Corporation of China, e já quase não conta com capitais de investidores portugueses, mostra sobretudo ambições de crescer no outro lado do Atlântico, mais concretamente no Chile, com uma população quase o dobro da portuguesa.

    No passado dia 21 de Abril, a segunda-feira anterior ao dia em que Portugal mergulhou no caos devido ao ‘blackout’, a REN, liderada pelo português Rodrigo Costa — antigo gestor do grupo Portugal Telecom —, anunciou a compra de mais uma empresa chilena: a TENSA – Transmisora de Energía Nacimiento, por 71,4 milhões de dólares (62,5 milhões de euros). Esta aquisição reforça a aposta declarada da empresa no Chile, onde já detém participações significativas na Electrogas e é accionista único da Transemel, adquirida em finais de 2019.

    Se o negócio chileno prossegue com ambição — somando a nova aquisição, os investimentos no país sul-americano ultrapassam já os 100 milhões de euros desde 2023 —, o mesmo não se pode dizer da estrutura patrimonial em Portugal, ou seja, da rede nacional de transporte de electricidade e da rede de gás.

    De facto, entre 2019 e 2024, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos indicadores financeiros mais relevantes da empresa, obtidos através dos relatórios e contas, a REN registou uma redução real de cerca de 939 milhões de euros em activos não correntes, quando ajustada à inflação acumulada de 17,36% neste período.

    Em euros reais, estes activos, constituídos maioritariamente pelas infra-estruturas concessionadas (e que necessitam de manutenção, substituição e expansão) caíram de um equivalente a 5.762 milhões em 2019 (o valor nominal foi de cerca de 4.910 milhões) para apenas 4.823 milhões em 2024 — uma redução efectiva de 16,3% do seu património técnico e operacional. Este número é sintomático: o investimento realizado pela empresa não tem sido suficiente para repor sequer o valor dos activos que se vão amortizando.

    No mesmo período, os investimentos líquidos da REN em Portugal foram negativos quando se descontam os cerca de 279 milhões de euros em subsídios ao investimento concedidos pelo Estado entre 2019 e 2024.

    Com efeito, excluindo a componente relativa ao Chile, os investimentos da REN em Portugal — conforme reportado nas demonstrações dos fluxos de caixa — ascenderam a 1.374 milhões de euros nos últimos seis anos, enquanto as amortizações (associadas aos activos intangíveis concessionados, como as linhas de muito alta tensão) totalizaram 1.476 milhões de euros. Ou seja, sem o apoio público através de subsídios, a concessionária teria investido menos do que aquilo que os seus principais activos perderam em valor, o que evidencia uma trajectória de desinvestimento líquido real na infraestrutura eléctrica nacional.

    Nos seus documentos estratégicos, a REN tem destacado como objectivo a expansão das suas operações no Chile com “crescimento orgânico e aquisições pontuais”. No caso da Tensa, agora adquirida, trata-se de uma empresa que opera cerca de 190 quilómetros de linhas de transmissão, situadas maioritariamente na zona Centro-Sul do Chile.

    Com esta operação, a REN passa a operar cerca de 280 quilómetros de linhas e cinco subestações no país sul-americano, consolidando uma presença que já consome recursos significativos: foram ali investidos 107 milhões de euros entre 2019 e 2024.

    Este avanço para o Chile faz parte do plano estratégico da REN que prevê um investimento entre 1.500 e 1.700 milhões de euros a efectuar no período 2024-2027. No seu plano estratégico, a REN garante aos investidores que vai acelerar o “compromisso de permitir a transição energética e promover o crescimento económico, intensificando o nosso plano de investimento para permitir o crescimento em energias renováveis”.

    Entretanto, os accionistas da empresa — onde, além dos chineses da State Grid Corporation, se destacam a Pontegadea, a Lazard Asset Management, a Fidelidade e a Red Eléctrica — têm colhido dividendos generosos. Tal não se tem devido tanto à expansão da actividade e da prestação de serviços, mas sobretudo à contenção de investimentos — uma postura típica de empresas em fase de exploração de activos maduros. Ou seja, a REN comporta-se num regime de “vaca leiteira”, como se o sistema de transporte eléctrico português existisse apenas para gerar retorno financeiro.

    No passado dia 15 de Abril, os accionistas da empresa aprovaram em assembleia-geral a distribuição de 104.749.028 euros em dividendos. Este montante corresponde a uma distribuição de 68,7% do resultado consolidado da REN no ano de 2024, que atingiu os 152,5 milhões de euros — um aumento de 2,2% face ao ano de 2023. A entrega desta verba aos accionistas foi feita através de reservas acumuladas disponíveis, o que reflecte uma política financeira focada na remuneração de capital, mesmo num contexto de estagnação dos activos operacionais.

    O conselho de administração da REN — composto por 14 membros — já tinha aprovado, no dia 6 de Março deste ano, o pagamento antecipado de 42,7 milhões de euros em dividendos aos accionistas da empresa. Assim, a empresa avançou com o pagamento de mais 62 milhões de euros aos seus investidores.

    Num país onde a infraestrutura eléctrica sofreu a sua maior falha em décadas, e onde os activos técnicos da rede de transporte se degradam em valor real, a aposta prioritária em geografias distantes como o Chile — aliada à drenagem sistemática de lucros sob a forma de dividendos — suscita dúvidas legítimas sobre as prioridades da REN. A empresa que nasceu da tutela do Estado português mostra hoje actuar segundo lógicas financeiras globais, sem compromisso estratégico claro com o investimento sustentado na infraestrutura crítica nacional.

    As trocas comerciais na passada segunda-feira — em que o mercado grossista estava a exportar electricidade para Espanha até cerca de três horas e meia antes do apagão, num cenário em que Portugal viria depois a importar 30% do seu consumo — são um exemplo paradigmático de como o sistema opera no fio da navalha. Embora estas decisões estejam automatizadas no quadro do mercado ibérico MIBEL e não dependam directamente da REN, o episódio levanta legítimas questões sobre a resiliência operacional e a eventual ausência de margens de segurança. Ironicamente, ficou-se a saber que se tem electricidade ‘sem rede’.

  • Excessiva dependência energética de Espanha causou ‘blackout’ em Portugal

    Excessiva dependência energética de Espanha causou ‘blackout’ em Portugal

    A opção política nos últimos anos de encerrar as centrais térmicas nacionais, nomeadamente a carvão e a gás, e de adoptar um modelo energético baseado na produção por renováveis e na importação de electricidade, tornou Portugal especialmente dependente do funcionamento do sistema eléctrico espanhol. Antes, apenas raramente Portugal recorria às importações de electricidade de Espanha; agora são praticamente diárias.

    Esta dependência estrutural, assente na interligação ibérica e na redução da capacidade de resposta interna, fragilizou a segurança energética do país, tornando mais vulnerável o equilíbrio da rede nacional em caso de perturbações externas. E hoje esse problema tornou-se evidente.

    green trees near snow covered mountain during daytime

    Segundo apurou o PÁGINA UM, a origem do “apagão” em Portugal teve como causa um problema ocorrido no sistema eléctrico espanhol. No momento da falha, o consumo em território nacional rondava os 8.000 MW (ver nota em baixo), dos quais cerca de 3.000 MW provinham de importações de Espanha. Desde a madrugada, por opções estratégicas no despacho energético, a produção interna — através de centrais hidroeléctricas e eõlicas — tinha vindo a reduzir-se consideravelmente.

    Durante a noite de hoje, os consumos estavam a basear-se na produção hidroeléctrica e de energia não-renovável, mas a partir do nascer do sol seguiu-se o agora ‘protocolo’ habitual em dias ensolarados: aumentou a produção de energia fotovoltaica, houve uma redução expectável na produção eólica, mas em vez de se compensar com a produção hidroeléctrica, optou-se por ‘desligar’ as barragens e aumentar as importações de Espanha. O colapso deveu-se a esta opção.

    A sugestão do ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, de se estar perante um eventual ciberataque ainda coloca maior fragilidade ao sistema eléctrico português, porque está agora bastante mais dependente do seu único vizinho, Espanha, algo que não sucedia no passado. Portugal tinha, há poucos anos, um excesso de potência instalada.

    Repartição do consumo de electricidade em Portugal no dia de hoje (até às 12h15) em função do tipo e origem de produção. Fonte: REN.

    Devido a uma perturbação no fornecimento externo, aliada à impossibilidade de resposta imediata da produção nacional, gerou-se um desequilíbrio crítico: um blackout ocorre quando o consumo instantâneo excede de forma significativa a capacidade de produção disponível (ver nota em baixo). Ora, com o corte abrupto da electricidade proveniente de Espanha e sem alternativas técnicas para compensar esse défice, o sistema entrou em colapso.

    A reposição da rede eléctrica — processo designado por “black start” — pode demorar várias horas (ver nota explicativa em baixo), dependendo da necessidade de reiniciar, de forma sequencial e controlada, as diversas centrais produtoras, garantindo a estabilização da frequência da rede (50 Hz) e evitando novos desequilíbrios.


    Notas Explicativas:

    1. MW vs MWh:
      O consumo instantâneo de electricidade mede-se em megawatts (MW), enquanto o megawatt-hora (MWh) é uma unidade de energia consumida ao longo do tempo. No contexto de um apagão, o valor relevante é a potência instantânea.
    2. Equilíbrio da Rede e Frequência:
      O sistema eléctrico europeu opera de forma síncrona a 50 Hz. Pequenas oscilações são normais, mas uma queda abrupta da frequência devido a défice de produção leva ao desligamento automático para proteger equipamentos e evitar danos de maior escala.
    3. Black Start:
      A reposição de energia após um blackout não pode ser feita automaticamente. Apenas certas centrais (normalmente hidroeléctricas) têm capacidade de arranque autónomo. Estas são usadas para religar gradualmente outras centrais e restabelecer a rede, num processo que pode demorar várias horas, dependendo da extensão do apagão e das infra-estruturas afectadas.

  • Embaixador dos Estados Unidos quer empregada para todo o serviço por 7 euros à hora

    Embaixador dos Estados Unidos quer empregada para todo o serviço por 7 euros à hora

    A Casa Carlucci, majestosa residência oficial do embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, está à procura de uma nova empregada doméstica, mas não se pense que sejam extraordinárias as regalias oferecidas: cada hora de trabalho será paga a cerca de 7,5 euros, o que contrasta com a exigência de um extenso leque de tarefas.

    A nova contratação surge no contexto da chegada do novo embaixador, John Arrigo, que chegará em breve ao palacete da Lapa, sucedendo a Randi Levine, que deixou funções no passado mês de Janeiro. Arrigo é amigo de longa data de Donald Trump, sendo empresário do sector automóvel de West Palm Beach, na Flórida, na região do resort de Mar-a-Lago, detido pelo actual presidente norte-americano.

    A oferta de emprego surgiu quarta-feira na própria página oficial no Facebook da Embaixada dos Estados Unidos, onde se anuncia “a procura de candidatos para o cargo de Housekeeper for Official Residence of the U.S. Ambassador in Lisbon”. Na ligação indicada surge então o vencimento mensal bruto proposto de 956 euros, pagos em 14 meses, o que se traduz num salário líquido que pouco difere do praticado em sectores menos exigentes. Com uma carga horária de 40 horas semanais, a remuneração por hora de trabalho efectivo situa-se assim nos 7 euros, considerando-se o período de férias.

    Além do salário bastante baixo, pouco consentâneo com o trabalho numa embaixada de uma potência mundial, ainda é exigido, como requisito, um horário flexível, porque, apesar de se preverem folgas aos fins-de-semana, pode ser requerida a presença da funcionária — ou do funcionário — para eventos ou outras necessidades do embaixador.

    Em todo o caso, o candidato seleccionado não irá ao engano para a Casa Carluci, porque o anúncio explicita, em detalhe, as tarefas: deverá assegurar, com diligência, a limpeza diária de uma vasta residência, realizando tarefas como aspirar, lavar o chão, limpar cozinhas e casas de banho, fazer camas, tratar de roupa pessoal e de casa, incluindo lavar e engomar. A preparação de quartos para hóspedes será igualmente da sua responsabilidade, bem como a colaboração pontual em eventos oficiais, sendo-lhe até exigido que receba convidados à porta, lave a loiça durante e após os eventos, e até sirva à mesa, se necessário.

    A par destas tarefas, há ainda a expectativa de que colabore com os restantes funcionários da casa, num total de cinco, assegurando substituições quando outros membros da equipa estiverem ausentes. A discrição é uma qualidade considerada fundamental, a par da capacidade de trabalhar em equipa e da proficiência básica em inglês e português.

    Apesar da descrição detalhada e exigente das funções, o contrato não será celebrado directamente com a Embaixada dos Estados Unidos, mas sim com o próprio embaixador, enquanto agente diplomático.

    A residência oficial do embaixador norte-americano, situada numa das zonas mais nobres da capital portuguesa, tem sido palco de inúmeros eventos protocolares e recepções diplomáticas, exigindo naturalmente uma manutenção rigorosa e uma equipa operacional eficiente. No entanto, a remuneração proposta para este cargo suscita dúvidas sobre o equilíbrio entre as responsabilidades atribuídas e a retribuição oferecida, especialmente tendo em conta os padrões salariais dos Estados Unidos. Embora o salário mínimo federal seja de apenas 7,25 dólares por hora, em cidades como Washington, D.C., o mínimo legal ultrapassa os 17 dólares por hora.

    John Arrigo, ao centro, foi indicado em Dezembro por Donald Trump como embaixador em Portugal, mas ainda não apresentou credenciais, estando a Embaixada norte-americana a ser representada transitoriamente por um ‘chargé d’affaires’.

    A diferença abissal entre o que se paga a uma empregada doméstica nos Estados Unidos e o que agora se propõe pagar em Portugal — por funções similares e num contexto diplomático — poderá ser vista como um sinal de desconsideração pelas condições laborais dos trabalhadores portugueses, em particular num contexto em que o custo de vida em Lisboa tem vindo a aumentar de forma significativa.

    A vaga, que deverá ser preenchida até ao final do mês de Maio, exige ainda que as candidatas tenham pelo menos o ensino básico completo, e comprovem experiência anterior em hotelaria, restauração ou funções domésticas similares. As candidaturas deverão ser enviadas em inglês, juntamente com comprovativo de residência legal em Portugal.

  • Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Cada voto concretizado nas Legislativas do ano passado por eleitores recenseados no estrangeiro teve um custo médio de 24,4 euros – e a factura global chegou aos 8,13 milhões de euros. Este montante ainda deverá sofrer um acréscimo significativo nas próximas eleições de Maio: na passada sexta-feira, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45%.

    No contrato agora assinado – ao contrário daquele que foi estabelecido no ano passado –, não estão discriminados os preços unitários por expedição nem pela resposta sem franquia (RSF), apenas cobrada, neste caso, se o eleitor enviar o seu voto. Em função da taxa de abstenção, que se reflectirá no custo referente aos votos endereçados por RSF, o custo poderá ascender aos 35 euros por voto. O PÁGINA UM ainda não conseguiu apurar a causa para o forte agravamento do preço unitário, tanto mais que o caderno de encargos não consta no Portal Base.

    a person is casting a vote into a box

    De acordo com os números provisórios, existem actualmente cerca de 1,6 milhões de eleitores portugueses no estrangeiro com capacidade de voto, sendo que, de acordo com o contrato celebrado no passado dia 4 de Abril, cerca de 953 mil viverão em países europeus – que elegem dois deputados. Noutros continentes estão recenseados 647 mil eleitores, dos quais 73 mil nos Estados Unidos, que são destacados no contrato por os serviços postais serem substancialmente superiores.

    Para as eleições de 10 de Março do ano passado – cujo contrato somente foi disponibilizado no Portal Base em 26 de Março deste ano –, previa-se um custo de envio dos boletins de voto para todos os eleitores na ordem dos 7,4 milhões de euros, a que acresciam mais quase 2,6 milhões de euros de custos de RSF. Porém, a taxa de abstenção terá sido superior ao esperado, pelo que o contrato acabou por se fixar em quase 8,13 milhões de euros.

    Recorde-se que, nas Legislativas do ano passado, de um universo de 1.546.747 inscritos no estrangeiro, votaram apenas 33.520, ou seja, registou-se uma taxa de abstenção de cerca de 78%. A abstenção no círculo Fora da Europa – que elegeu um deputado da Aliança Democrática e outro do Chega – atingiu quase 84%: votaram apenas 98.866 eleitores num universo de 609.436 inscritos. Em países africanos, a abstenção foi de quase 95% e, mesmo no Brasil, foi de um pouco mais de 78%. No caso da Europa, a taxa de abstenção global rondou os 75%, tendo votado quase 235 mil eleitores num universo de 937 mil, para eleger um deputado do Chega e outro do Partido Socialista.

    Note-se, contudo, que, devido às especificidades para cumprimento da validade destes votos vindos do estrangeiro, as quantidades de votos nulos foram avassaladoras. Apenas são considerados válidos os votos que sejam acompanhados por cópia de um documento de identificação, o qual deve ser colocado dentro do envelope branco, mas fora do envelope verde, que deve conter apenas o boletim de voto. Ora, em imensos casos tal não se verifica, o que leva à anulação do voto.

    Nas Legislativas do ano passado, foram considerados nulos mais de 38 mil votos no círculo Fora da Europa, que corresponderam a 32,4% dos votos enviados. Os votos nulos superaram mesmo a percentagem da Aliança Democrática (22,9%), a força partidária que ficou em primeiro lugar.

    Similar situação ocorreu no círculo da Europa, mas de forma ainda mais agravada: 38,5% dos votos enviados foram considerados nulos – uma percentagem que foi mais do dobro da alcançada pelo Chega (18,3%), o partido mais votado.

    O contrato celebrado para as Legislativas do próximo mês de Maio é o de maior valor celebrado com entidades públicas para prestação de serviços postais pelos CTT, constituindo uma importante fatia de negócio. Mas não se sabe a verdadeira dimensão. De facto, para envio dos boletins de voto e posterior recepção, somente constam no Portal Base os contratos com os CTT para a gestão do envio e RSF das Legislativas de 2024 e 2025, embora se saiba que este serviço foi prestado em anos anteriores pelos CTT.

    Por exemplo, nas eleições Legislativas de 2022, os CTT até acabaram por ter um “bónus” de 4,6 milhões de euros, depois de o Tribunal Constitucional ter mandado repetir as eleições na sequência da mistura de milhares de votos válidos e inválidos. Os juízes detectaram “procedimentos anómalos” no apuramento dos votos daquele círculo, uma vez que a maioria das mesas validou votos sem a obrigatória cópia da identificação do eleitor.

  • Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Vinte e quatro horas antes do Governo Montenegro cair com o ‘chumbo’ da moção de confiança, director de Cultura da Assembleia da República assinou um inusitado contrato de 140 mil euros (IVA incluído) para um concerto de Rui Veloso nas escadarias do Parlamento viradas para a Rua de São Bento. O concerto, por um cachet ‘gordo’ – duas a três vezes o montante habitual cobrado pelo cantor de ‘Chico Fininho’ –, realizar-se-á, ainda por cima, no dia 24 de Maio, ou seja, apenas seis dias após as eleições legislativas antecipadas.

    A confirmação da queda do Governo ainda levou a ponderar-se a suspensão do contrato, mas Aguiar-Branco – colega de liceu e amigo de longa data do músico portuense – e os líderes parlamentares decidiram, na quarta-feira passada, que o concerto vai mesmo avançar.

    Rui Veloso quase perdeu um concerto com um ‘cachet’ de 140 mil euros.

    Embora de forma oficiosa o PÁGINA UM tenha apurado que este concerto está enquadrado ainda nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos – mesmo se já depois de se soprarem 51 velas –, certo é que não consta em qualquer programa conhecido do Parlamento ou mesmo da comissão oficial.

    Num programa que consta no site da Assembleia da República sobre iniciativas previstas para este e para o próximo ano no âmbito das comemorações destacam-se, entre outras, a exposição ‘As Primeiras Eleições Livres’, a publicação da antologia ‘A Poesia está na Assembleia’ e do livro ‘Memórias: o Jornalismo e os Jornalistas nos 50 Anos do 25 de Abril’, a produção em parceria com a RTP de documentários, bem como a encenação de uma peça de teatro pelos Artistas Unidos sobre a democracia e a Constituição.

    Nada há, neste programa, sobre um concerto musical, e muito menos se conhecem as razões da escolha do músico do Porto para abrilhantar uma noite de sábado ao preço de 140 mil euros. A preços de mercado, este montante daria para um festival com três ou quatro grupos musicais, opção bem mais democrática.

    Apesar de o PÁGINA UM ter procurado ao longo do dia entender as razões da oportunidade do contrato e, mais em concreto, de Rui Veloso – que será acompanhado pela banda Sinfónica da GNR (sem custos) –, não foi ainda possível obter, apesar de diversas tentativas, comentários do director de Informação e Cultura da Assembleia da República, José Manuel Araújo, que também ocupa há mais de 12 anos o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português.

    Em todo o caso, a proposta inicial da contratação de Rui Veloso veio da actual secretária-geral do Parlamento, Anabela Cabral Ferreira, desembargadora do Tribunal da Relação que liderou a Inspecção-Geral da Administração Interna entre 2019 e o ano passado. A aprovação passou ainda pelo crivo do Conselho de Administração, que inclui, além da secretária-geral, sete deputados: Emídio Guerreiro (PSD), Eurídice Pereira (PS), Pedro dos Santos Frazão (Chega), Rui Rocha (IL), Joana Mortágua (BE), Alfredo Maia (PCP) e Rui Tavares (Livre). Conforme a acta da reunião, a proposta “foi aprovada por maioria”, com os votos favoráveis dos deputados do PSD, PS, PCP, e do representante dos funcionários parlamentares, a abstenção do Chega, IL e BE, e registando-se a ausência do deputado do Livre.

    Contactado pelo PÁGINA UM no início desta noite, Emídio Guerreiro, que formalmente preside ao Conselho de Administração da Assembleia da República, confirmou a aprovação desta contratação sob proposta dos serviços do Parlamento, embora não se recordando, por não deter os documentos à mão, os motivos para a escolha do músico portuense.

    José Manuel Araújo, director de Informação e Cultura da Assembleia da República, ocupa também o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português. Foi ele que assinou o contrato na véspera da queda do Governo / Foto: D.R.

    Porém, o PÁGINA UM sabe que, já depois da assinatura do contrato, e sabendo-se já da realização de eleições antecipadas, a secretaria-geral ponderou a suspensão do concerto, decidindo dar a última palavra à Conferência de Líderes. Esta estrutura – formada pelo presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco, e dos deputados Hugo Soares (PSD), Alexandra Leitão (PS), Pedro Pinto (Chega), Mariana Leitão (Iniciativa Liberal), Fabian Figueiredo (BE), Isabel Mendes Lopes (Livre), Paula Santos (PCP) e Paulo Núncio (CDS) – acabou por aprovar a manutenção do concerto.

    De um modo formal, não existem indícios de que José Pedro Aguiar-Branco tenha influenciado a escolha de Rui Veloso, apesar da sua longa amizade com Rui Veloso, desde os tempos de liceu. No ano passado, o ainda presidente da Assembleia da República confessou que, por ocasião do seu 50º aniversário, organizou uma festa para a família e amigos e surpreendeu todos com o disco gravado no estúdio da casa de Belas de Rui Veloso. Terão gravado juntos ‘Não Há Estrelas no Céu’ e ‘Porto Sentido’. Ainda não foi possível obter comentários de Aguiar Branco para saber se participará no concerto do amigo.

    Por parte da agência que representa Rui Veloso – a PG Booking, que assinou o contrato como adjudicatária –, foi apenas indicado ao PÁGINA UM que o anúncio do concerto ainda não era público. Os únicos aspectos conhecidos surgem no contrato assinado na passada semana, onde se refere Rui Veloso será acompanhado pela Banda Sinfónica da GNR num concerto de 100 minutos sob oito arranjos musicais de John Beasley, um pianista de jazz norte-americano.

    José Pedro Aguiar-Branco preside também à Conferência de Líderes, onde estão os líderes dos diferentes grupos parlamentares, onde se decidiu esta quarta-feira manter o concerto de Rui Veloso.

    Aos 67 anos, Rui Veloso – que saltou para a ribalta logo em 1980 com o seu disco de estreia ‘Ar de Rock’ – continua a ser um dos músicos portugueses mais requisitados por entidades públicas. De acordo com o Portal Base, desde o início de 2024, o espectáculo na Assembleia da República será o seu 24º concerto alvo de contrato público, embora este seja de longe o de maior valor.

    Em média, excluindo o concerto das escadarias do Parlamento, Rui Veloso cobra uma média de 45 mil euros. Curiosamente, é nos concertos comemorativos do 25 de Abril que Rui Veloso mais tem facturado. No ano passado, no dia 25 de Abril esteve no castelo de Alandroal e cobrou um pouco mais de 71 mil euros. Dois meses depois, também no âmbito da Revolução dos Cravos, pelo  concerto em Alcácer do Sal facturou, através da agência PG Booking, um pouco menos de 60 mil euros. O mais barato foi um concerto em Novembro passado no Cine-Teatro Avenida de Castelo Branco, que ‘só’ custou cerca de 27 mil, uma vez que já havia palco.

    N.D. Notícia actualizada no dia 15/03/2025 para acrescentar a informação de que a proposta de adjudicação do contrato foi aprovada por maioria, mas com a abstenção do Chega, da IL e do BE, enquanto o deputado do Livre este ausente da reunião.