Autor: Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares

  • Reputação: Banco de Portugal contrata sondagem mas exige correcções se o resultado não agradar

    Reputação: Banco de Portugal contrata sondagem mas exige correcções se o resultado não agradar


    Para uma instituição que se quer sóbria, polémicas não têm faltado ao Banco de Portugal, a começar pelo seu governador até há pouco tempo, Mário Centeno. Talvez por isso, a instituição agora liderada por Álvaro Santos Pereira mantenha-se preocupada com a sua reputação e tenha seguido uma ideia herdada do seu antecessor: fazer um barómetro de reputação.

    Assim, dois dias após a substituição de Centeno por Santos Pereira, o banco confirmou a contratação de uma empresa de sondagens para perguntar aos portugueses o que pensam da instituição. Na verdade, o que os portugueses acharem é irrelevante: a acção do Banco de Portugal no quotidiano é praticamente nula, limitando-se à supervisão das instituições financeiras e à execução das directivas do Banco Central Europeu.

    Mário Centeno terminou oficialmente o seu mandato como governador do Banco de Portugal no dia 19 de Julho mas manteve-se no cargo até à nomeação do seu sucessor. Foi substituído pelo antigo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, cujo mandato como governador teve início no dia 6 de Outubro. / Foto: D.R.

    Certo é que a decisão de avançar com a despesa foi tomada pela direcção do Departamento de Logística e Instalações do Banco de Portugal no passado dia 20 de Julho, em pleno fim oficial do mandato de Centeno, mas o contrato foi celebrado dois dias após a tomada de posse de Santos Pereira, no dia 8 deste mês. A empresa escolhida, após um procedimento de consulta prévia, acabou foi a Marktest que receberá 73.099 euros, com IVA incluído, para elaborar e conduzir um estudo de mercado durante três anos, embora possa ser revogado a cada ano.

    Segundo o caderno de encargos do procedimento, consultado pelo PÁGINA UM, “o Banco de Portugal, com a elaboração de um Barómetro Anual da sua reputação, pretende monitorizar o nível de conhecimento e de confiança da sociedade sobre a sua missão e actividades e adaptar as suas estratégias de comunicação de forma mais eficiente”.

    No entanto, ainda não estão definidas as questões a colocar — estimadas em cerca de três dezenas — nem o número total de pessoas a inquirir. Em todo o caso, um estudo desta natureza, para ter credibilidade estatística representativa da população adulta portuguesa (cerca de 8,2 milhões de pessoas), deve incluir pelo menos 600 entrevistas, o que corresponde a um erro amostral próximo de ±4%. Para uma amostra de 1.000 inquiridos, o erro desce para cerca de ±3%, garantindo maior robustez. Em termos de custos, cada inquérito telefónico ronda entre 15 e 25 euros, dependendo da complexidade e duração, o que colocaria o valor total do estudo entre 9.000 e 25.000 euros.

    Álvaro Santos Pereira, governador do Banco de Portugal desde 6 de Outubro.

    Assim, face ao custo envolvido, é mais provável que seja escolhida uma amostra de cerca de 600 inquiridos, o mínimo necessário para garantir validade estatística, permitindo à empresa contratada maximizar a margem de lucro sem comprometer formalmente a credibilidade do estudo.

    A decisão deste barómetro surge ainda para cumprir uma meta do Banco de Portugal, que definiu, no seu plano estratégico para 2021-2025, como um dos objetivos aumentar a proximidade e a confiança junto da sociedade”.

    E bem que precisa. Têm sido várias as polémicas em torno da instituição, no passado mais distante e no mais recente. Basta lembrar que, apesar de toda a supervisão, grandes bancos colapsaram, com destaque para o BES, em 2014, com as decisões do Banco de Portugal a deixar um conjunto de investidores lesados. Depois, os gastos e alguns luxos, designadamente com salários, contratações e promoções, têm deixado marcas reputacionais negativas.

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    Foto: D.R.

    A somar, mais recentemente, há a polémica em torno da nova sede do Banco de Portugal, na zona de Entrecampo, envolvendo os terrenos da Fidelidade, agora com capitis chineses, que já é vista como um elefante branco. Acrescem todas as polémicas em torno de Mário Centeno, que até na saída do cargo de governador foi motivo de notícia devido ao conteúdo da mensagem que enviou aos trabalhadores da instituição, com um tom que alguns viram como narcísico.

    Agora, o Banco de Portugal contratou a Marktest para aferir “do conhecimento e confiança” que “a sociedade portuguesa adulta” tem desta instituição cada vez mais distantes dos portugueses..

    O contrato está dividido em três fases operacionais que incluem ao desenho, implementação e apresentação do estudo. Assim, “no prazo máximo de uma semana após a outorga do contrato ou em data posterior se o Banco de Portugal assim o indicar, deverá ser realizada uma reunião de kick-off entre as partes para a preparação do plano detalhado dos trabalhos a executar, a identificação de factores críticos de sucesso e riscos do estudo”.

    O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, junto a Entrecampos, Lisboa. Foto: PÁGINA UM

    Adivinha-se uma tarefa espinhosa para a Marktest e o Banco de Portugal. Por um lado, o banco quer ouvir os portugueses, por outro não quererá publicar um barómetro de reputação negativo. A chave estará nas questões a colocar aos portugueses que, certamente, não irão incluir perguntas sobre o que pensam da luxuosa Quinta da Fonte Santa, que exige uma manutenção milionária, ou o valor total pago pelo Banco de Portugal com mudanças, instalações temporárias (com tapumes em obras nunca iniciadas) e a construção na nova sede.

    Porém, a instituição agora liderada por Santos Pereira tem a ‘faca e o queijo na mão’: o caderno de encargos do contrato destaca explicitamente que, se houver alguma coisa que esteja ‘incorrecta’ no relatório final, a Marktest terá de “garantir a realização de todas as correcções e/ou propostas de melhoria, à sua custa, solicitadas pelo Banco de Portugal, e disponibilizar uma nova versão actualizada”.

  • Mais de 13% da população activa: Mourão, Monforte e Moura lideram dependência do Rendimento Social de Inserção

    Mais de 13% da população activa: Mourão, Monforte e Moura lideram dependência do Rendimento Social de Inserção


    Três concelhos alentejanos concentram o epicentro da dependência social em Portugal. Mourão, Monforte e Moura são os municípios que largamente sobressaem quando se observa o mapa de 2024 do Rendimento Social de Inserção (RSI) em função da população activa, ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

    A prestação social que deveria ser transitória mostra estar a enraizar-se em muitas regiões do país, constituindo uma espécie de indicador da pobreza estrutural portuguesa. Nestes três concelhos do Alentejo interior, de acordo com o INE, mais de 13% da população activa vive do RSI: 137,25 por mil em Mourão, 135,25 em Monforte e 133,66 em Moura. São valores mais de cinco vezes superiores à média nacional, que se situou no ano passado nos 24,22 por mil — ou seja, cerca de 2,4%.

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    O município da Ribeira Grande, nos Açores, com 100,29 beneficiários por mil habitantes activos — o equivalente a 10% da população — é o quarto concelho acima dos 10%, um número fortemente influenciado pela freguesia de Rabo de Peixe, símbolo histórico da exclusão social. No mesmo arquipélago, outros concelhos reforçam a gravidade da situação, ainda que com valores mais baixos: Nordeste (80,28), Povoação (77,56) e Santa Cruz da Graciosa (67,31). Estes dados evidenciam que, em várias ilhas açorianas, o RSI deixou de ser uma rede de segurança para se converter num pilar essencial da economia local.

    Ainda acima dos 6% da população activa destacam-se Elvas (65,84), Idanha-a-Nova (63,98), Serpa (63,62), Vidigueira (62,68) e Avis (61,49). A lista mantém-se quase toda no sul do país, reforçando o peso estrutural do Alentejo como território mais dependente de prestações sociais. Só Moimenta da Beira (61,44) rompe o padrão, surgindo como o primeiro concelho fora do Alentejo e dos Açores a ultrapassar a barreira dos 6%. Logo depois aparecem Santa Marta de Penaguião (59,94), Figueira de Castelo Rodrigo (58,89), Peso da Régua (58,59) e Murça (58,18), todos no interior norte, na zona de Trás-os-Montes e Douro.

    Mas a maior surpresa acaba por ser o peso do RSI na cidade do Porto. Segundo o INE, o rácio foi no ano passado de 58,04 por mil habitantes em idade activa — o equivalente a 5,8% da população —, o que significa que cerca de 6.400 pessoas beneficiaram desta prestação. Em números absolutos, este é o concelho do país com o maior número de beneficiários.

    Mourão, no Alentejo, lidera a dependência social em Portugal: acompanhada de Monforte e Moura, têm um rácio de RSI em função da população activa mais de cinco vezes a média nacional.

    Ponta Delgada (58,35) e Lagoa (54,50), nos Açores, e Campo Maior (53,69), Cuba (52,75), Reguengos de Monsaraz (51,48) e Beja (50,02), no Alentejo, fecham o grupo dos territórios onde mais de 5% da população activa depende do subsídio. O Baixo Alentejo, no seu conjunto, regista 52,79 beneficiários por mil habitantes activos — 5,3% da população —, ultrapassando mesmo a média dos Açores (49,07).

    No plano regional, o contraste é evidente. A média nacional situa-se nos 24,22 por mil, o que significa que 2,4% da população activa portuguesa vive com o RSI. Acima deste valor encontram-se o Baixo Alentejo (52,79) e os Açores (49,07), mas também, com índices de apoio social bastante elevados, o Alto Alentejo (37,52), o Douro (37,26), a Península de Setúbal (31,62), a Área Metropolitana do Porto (31,61), as Terras de Trás-os-Montes (30,93) e o Alto Tâmega e Barroso (30,90). São, pois, regiões que ultrapassam os 3% da população activa dependente.

    O padrão é claro: as áreas com menor diversificação económica e menor densidade populacional exibem rácios mais elevados, e as zonas industriais ou mais urbanizadas apenas escapam a esta regra quando enfrentam problemas estruturais de emprego e rendimentos baixos.

    Porto é o município que, em termos absolutos, mais população activa beneficia de apoio social

    No extremo oposto, há um outro país: um total de 38 concelhos contam com menos de 1% da população activa a receber RSI. A liderança positiva cabe a Vizela, onde apenas 0,47% da população é beneficiária — 4,71 por mil. Barcelos (5,23) e Esposende (5,86) seguem-se como os concelhos com maior autonomia social. O top 10 dos menos dependentes completa-se com Oliveira de Frades (6,72), Óbidos (7,00), Ponte de Lima (7,80), Sever do Vouga (7,31), São Roque do Pico (7,32), Vila Verde (7,51) e Mealhada (7,61). Todos apresentam uma economia mais diversificada, níveis de emprego estáveis e maior coesão social — factores que mitigam a necessidade de apoio público permanente.

    Outros concelhos com valores inferiores a 1% incluem Oleiros, Melgaço, Arruda dos Vinhos, Mira, Arraiolos, Condeixa-a-Nova, Terras de Bouro, Vale de Cambra, Monção, Mafra, Póvoa de Lanhoso, Santiago do Cacém, Oliveira de Azeméis, Anadia, Vouzela, Santa Cruz, Guimarães, Arcos de Valdevez, Nazaré, Murtosa, Ponte da Barca, Ourém, Caldas da Rainha, Vila do Bispo, Caminha, Sobral de Monte Agraço e Arouca.

    A dispersão geográfica destes concelhos demonstra que a baixa dependência do RSI não é exclusiva de regiões consideradas ricas: há concelhos rurais, com indústria ou agricultura robusta, que conseguem garantir uma autonomia económica mínima sem recurso massivo ao subsídio.

    Nas grandes metrópoles, o quadro não é favorável, sobretudo porque os valores absolutos são inquietantes. Em Lisboa, 36,46 por mil habitantes activos — 3,6% — recebem RSI, valor acima da média nacional, embora inferior ao de outras áreas metropolitanas. Sintra, curiosamente, está muito abaixo (16,47), enquanto a Amadora (24,45) se situa praticamente na média nacional. Cascais, símbolo de riqueza, apresenta 17,11 por mil, e Oeiras, o concelho com maior proporção de licenciados, ainda regista 10,86 — cerca de 1,1% da população. Ou seja, mesmo nos territórios mais prósperos, persistem bolsas de vulnerabilidade.

    Estes números traçam um retrato nítido de um país dividido. Por um lado, um Portugal que conseguiu diversificar a sua base económica e reduzir a dependência; por outro, um Portugal que permanece encurralado em ciclos de pobreza e exclusão social, onde o RSI deixou de ser uma ponte para a integração para se transformar num pilar de sobrevivência.

    Haverá, por certo, quem queira retirar “dividendos” políticos — por ver predominância dos apoios sociais em Mourão e Monforte, com comunidades ciganas relevantes —, mas a equação é mais complexa. A interioridade, o isolamento e a fragilidade produtiva continuam a ser factores determinantes, mas há igualmente um problema de cultura institucional: a prestação foi concebida como instrumento de inserção, mas em muitas zonas está a tornar-se uma condição permanente, por faltarem investimentos públicos que quebrem uma crónica debilidade socioeconómica.

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    Aliás, mais do que uma “geografia étnica”, a distribuição do RSI coincide, em larga medida, com uma geografia do despovoamento e da concentração desregulada. Concelhos envelhecidos, com baixa natalidade e pouca oferta de emprego, acabam por depender de mecanismos de redistribuição que perpetuam a inércia — embora cada vez se observem mais franjas urbanas, como o Porto e até Vila Nova de Gaia, com problemas que já não parecem conjunturais.

    Mas também há lições a retirar do outro extremo, mais favorável. Se considerarmos que o rácio de RSI em função da população activa indica sinais de menor ou maior prosperidade económica, verifica-se que as regiões menos dependentes de apoios sociais não são necessariamente as mais ricas, mas aquelas que mantêm uma actividade económica real — indústria, agricultura ou serviços — e uma relação mais equilibrada entre Estado e comunidade.

  • ‘Flop’: 99% dos adolescentes não querem ler jornais portugueses… nem de borla

    ‘Flop’: 99% dos adolescentes não querem ler jornais portugueses… nem de borla


    Nem dado. O programa de ofertas digitais de jornais para jovens entre os 15 e os 18 anos está a revelar-se um rotundo fracasso, de contornos pouco abonatórios tanto para o Governo, que o concebeu, como para as empresas de comunicação social, que se revelaram incapazes de despertar o interesse de uma geração inteira que já nasceu em plena era digital.

    Prometido em Outubro do ano passado por Pedro Duarte, então ministro dos Assuntos Parlamentares e hoje candidato social-democrata à Câmara do Porto, o programa, gerido pela Estrutura de Missão para a Comunicação Social (#PortugalMediaLab), pretendia oferecer gratuitamente até 400 mil assinaturas digitais, por um prazo de dois anos, a jovens entre os 15 e os 18 anos, em jornais ou revistas digitais de informação geral ou económica. A ideia era ambiciosa: aproximar adolescentes do jornalismo profissional e fomentar hábitos de leitura informativa.

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    Contudo, a execução ficou muito aquém das intenções. Os jornais interessados tinham de ter periodicidade semanal ou inferior e subscrições pagas, o que automaticamente excluiu o PÁGINA UM, por ser um projecto de acesso livre, mas também outros órgãos que não trabalham com sistemas de paywall.

    O programa arrancou em Maio deste ano, permitindo a cada jovem escolher apenas uma publicação, entre os títulos aderentes, através de inscrição online no portal gov.pt, presencialmente ou por via telefónica. Apesar da simplicidade prometida, o processo revelou-se burocrático, com validações sucessivas, códigos de activação e pouca divulgação fora dos canais institucionais.

    Cinco meses depois, o resultado é desolador: apenas 4.442 jovens activaram assinaturas digitais, segundo dados oficiais. Tendo em conta que, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, existiam 418.682 adolescentes na faixa etária abrangida, significa que apenas 1,06% aderiu ao programa — ou seja, menos de 11 por cada mil potenciais beneficiários. A esmagadora maioria ignorou a oferta, mesmo sendo gratuita, o que levanta sérias dúvidas sobre a eficácia das políticas públicas de incentivo à leitura mediática.

    Num cenário negro, o Expresso lidera procura jovem com 1.592 assinaturas digitais, mas não se sabe a percentagem destes acessos que acabam usados pelos pais.

    Os dados por publicação são ainda mais reveladores do desinteresse. O Expresso ‘lidera’ com apenas 1.592 assinaturas, embora nada garanta que sejam efectivamente lidas por jovens e não pelos pais, que poderão ter aproveitado a oportunidade. Esse impacto, aliás, nunca foi avaliado pelo programa. O Observador surge em segundo lugar, com 1.066 assinaturas, seguido do Público com 911, número simbólico face aos custos do desenvolvimento da plataforma GenP, criada para atrair novos leitores.

    Nas restantes publicações, o panorama é quase residual. A Visão regista 382 subscrições, a Sábado 132 e o Jornal de Notícias 121. Abaixo das 100 adesões estão o Correio da Manhã (94), o Diário de Notícias (50), o Jornal Económico (47), o Eco (35) e a Vida Económica (11). No conjunto, estas cifras representam receitas mensais inferiores a 500 euros por título, tornando a participação no programa marginalmente relevante do ponto de vista financeiro.

    “Na fase actual considera-se uma adesão inferior à esperada”, admite uma fonte governamental ao PÁGINA UM, sublinhando que a avaliação ainda não permite identificar as causas concretas do insucesso. A dúvida divide-se entre a falta de interesse dos jovens em consumir informação jornalística e a ausência de uma estratégia de divulgação eficaz. Na prática, a maioria das publicações não investiu em promover a iniciativa, talvez antecipando o seu desfecho.

    Segundo a mesma fonte, o Governo aguarda o fim do período eleitoral para “avaliar o impacto da medida e a sua divulgação”, lembrando que nos últimos meses estava legalmente impedido de lançar campanhas institucionais devido às restrições impostas pelas eleições legislativas e europeias. O programa prolonga-se até 31 de Dezembro.

    Diário de Notícias, liderado por Filipe Alves, fechou o primeiro trimestre de 2025 com 723 assinaturas digitais. Com o programa de incentivo à literacia mediática para jovens conseguiu 50 assinaturas.

    No entanto, essa justificação dificilmente explica um desastre desta dimensão, tanto mais que o público-alvo é altamente digitalizado e deveria ser fácil de alcançar através de redes sociais, escolas e parcerias educativas.

    A ironia é evidente: um programa concebido para aproximar os jovens dos media acabou por expor o fosso geracional e a irrelevância crescente da imprensa tradicional junto das novas gerações. Se nem quando o jornal é oferecido de graça o público juvenil se mostra interessado, a crise estrutural do sector assume contornos ainda mais graves — não apenas financeiros, mas também culturais e democráticos.

  • Impresa: Família Balsemão está a tentar ‘passar a perna’ aos seus parceiros históricos para reforçar posição antes da venda aos italianos

    Impresa: Família Balsemão está a tentar ‘passar a perna’ aos seus parceiros históricos para reforçar posição antes da venda aos italianos


    A família Balsemão está a pressionar os accionistas minoritários da Impreger – a empresa que, detendo 50,31% das acções, controla a Impresa – a venderem-lhe as suas participações antes da entrada da MediaForEurope (MFE), o grupo italiano ligado à família Berlusconi que pretende dominar a SIC e o Expresso até ao final do ano.

    Numa ‘ofensiva’ que envolve antigos aliados e amigos de Pinto Balsemão – entre os quais a famílias Boullosa (11,98% da Impreger) e quatro ramos da família Ruela Ramos (herdeiros do antigo director do Diário de Lisboa, que no conjunto detêm 14,98%) e até António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, que mantém uma pequena participação (0,07%) –, o argumento apresentado pelo actual CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, é o da “salvação do grupo” e permitir algo retorno ao investimento numa altura aflitiva. A ideia transmitida é de que só uma posição accionista unificada da Impreger permitirá concluir com sucesso as negociações em curso com a MFE.

    Contudo, apurou o PÁGINA UM, o verdadeiro objectivo poderá não ser apenas viabilizar a entrada da MFE, mas sim garantir que a família Balsemão ainda permaneça na estrutura accionista da Impresa – ainda que numa posição minoritária – mesmo depois da entrada do grupo italiano.

    Na prática, a compra das participações dos minoritários serviria para a família Balsemão reconcentrar o capital da Impreger na esfera da Balseger – a holding familiar de Francisco Pinto Balsemão que controla, actualmente, 71,41% da Impreger e, por essa via, domina (ainda) a Impresa. Tal permitiria aos Balsemão negociar uma venda parcial à MFE, mas dando-lhe mais de dois terços do controlo da Impreger, para não só tomar o domínio da Impresa (e da SIC e Expresso) como também ter a capacidade de alterar o contrato social.

    A confirmar-se, este movimento, a solução mostrar-se-ia uma saída ‘honrosa’ da família Balsemão do controlo da Impresa. Mas seria também mais uma ‘facada nas costas’ da segunda geração da família Balsemão aos accionistas minoritários da Impreger, que desde a entrada da Impresa em bolsa jamais obtiveram quaisquer dividendos, nem sequer a possibilidade de integrarem o Conselho de Administração da empresa.

    Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, tem os dias contados á frente do grupo de media.

    Conforme o PÁGINA UM revelou há três semanas, só nos últimos 10 anos a família Balsemão arrecadou 6,6 milhões de euros em salários e pensões. Todos os outros accionistas da Impreger – que, em conjunto, detêm 28,59% do capital, equivalentes a 14,38% da Impresa – nunca receberam um tostão.

    Os conflitos entre a família Balsemão e os sócios minoritários da Impresa nunca correram bem para os segundos. O caso mais conhecido opôs Nuno Vasconcellos, da Ongoing, a Francisco Pinto Balsemão, culminando com a saída do primeiro da Impresa, após vender em 2014 a sua participação de 23,13% por 51 milhões de euros. Nessa altura, a venda foi concretizada a 1,3 euros por acção; na passada sexta-feira, a cotação fechou em apenas 0,126 euros.

    Há 11 anos, Pinto Balsemão afirmou que “esta saída [da Ongoing] coloca um ponto final numa estratégia hostil de tentativa de controlo de um grupo de comunicação livre e independente”. Na verdade, a família Balsemão nunca apreciou dividir a gestão com outros accionistas, conseguindo mandar no grupo de media como se tivesse 100%, apesar de deter 35,93% das acçoes da Impresa.

    Mas, neste momento, no contexto do negócio com a MFE, as conversações entre a família Balsemão e os restantes accionistas minoritários da Impreger não estão a ser fáceis. Desde o afastamento do chairman Francisco Pinto Balsemão, por motivos de saúde, a gestão do grupo pelo seu filho, Francisco Pedro, tem sido duramente criticada – e mais ainda a sua postura. O PÁGINA UM soube que alguns accionistas da Impreger apenas tomaram conhecimento das conversações com a MFE através das notícias publicadas na imprensa.

    A desconfiança é profunda – algo que já se revelara na Assembleia-Geral da Impreger realizada em Maio passado. De acordo com a acta a que o PÁGINA UM teve acesso, os accionistas minoritários abstiveram-se no voto de louvor à administração, algo inédito, confirmando o clima de tensão. O representante da família Boullosa lamentou mesmo que “a relação próxima de outrora entre os accionistas, quase como irmãos, tenha dado lugar a uma maior dispersão”. Apesar das manifestações de vontade em melhorar a comunicação, a família Balsemão boicotou nessa assembleia – bastante tensa – a inclusão de quaisquer representantes dos accionistas minoritários, tanto na Impreger como na Impresa.

    Numa análise estratégica, esta tentativa da família Balsemão em afastar de imediato os seus parceiros minoritários na Impreger, denuncia, em certa medida, a intenção de manter um pé na Impresa. Com efeito, caso o propósito da família Balsemão fosse apenas ceder o controlo (e as dívidas) da Impresa à MFE, bastaria vender-lhes directamente a Balseger, que, com 71,4% da Impreger, já garantiria aos italianos a maioria efectiva da Impresa.

    Extracto da acta da assembleia geral da Impreger de Maio passado. Accionistas minoritários já se queixavam da falta de informação veiculada pela família Balsemão.

    E depois ficaria ao critério da MFE a aquisição das participações dos restantes 28,59% da Impreger dos accionistas maioritários. Mas existem vantagens da família Balsemão em ‘passar a perna’ aos antigos parceiros da Impreger, porque, mantendo ou não uma posição com a entrada do grupo italiano, sempre conseguirão, desse modo, melhores condições.

    Uma outra hipótese que se coloca é a Balseger entregar a totalidade da Impreger à MFE mas com uma cláusula que, depois da OPA à Impresa, permitisse a separação da Impresa Publishing, a empresa que gere o Expresso e o Blitz, e a sua entrega em exclusivo à família Balsemão. Ao contrário da holding Impresa, que está em situação aflitiva, a subsidiária Impresa Publishing está de boa saúde: no ano passado registou 1,46 milhões de euros de lucro e contabiliza resultados positivos no mais recente quinquénio de cerca de 8,8 milhões de euros. Essa hipótese mostra-se mais plausível atendendo que o ‘core business’ da MFE não é a imprensa escrita.

    Em todo o caso, conforme apurou o PÁGINA UM, a Balseger já terá proposto às famílias dos sócios minoritários da Impreger um preço próximo da actual cotação bolsista da Impresa, ou seja, apenas 0,126 euros por acção, o que avalia o conjunto das participações em cerca de três milhões de euros. O valor nominal de cada acção é, porém, de 0,50 euros, o que corresponderia a um valor teórico de 12 milhões. Embora o valor nominal seja apenas uma referência contabilística, sobretudo numa empresa fortemente endividada, a discrepância evidencia a baixa valorização atribuída às participações minoritárias – ainda mais tendo em conta o interesse manifestado pela MFE.

    Francisco Pinto Balsemão: ‘espólio’ da família poderá reduzir-se, na melhor das hipóteses, ao jornal Expresso, fundado em 1972.

    Embora não tenha sido possível conhecer a posição dos minoritários da Impreger, a opção poderá ser a de negociar directamente com o grupo italiano, que estará interessado num clean deal (ou seja, numa operação simplificada e sem conflitos societários), ou, no limite, manter a posição, embora isso implique abdicar de qualquer controlo e sujeitar-se a alterações nas políticas de dividendos, retenção de lucros ou fusões que diluam ainda mais a sua influência.

    Certo é que, se os minoritários venderem directamente à MFE, receberão um preço justo, e eventualmente com um prémio; se venderem à Balseger, poderão estar apenas a financiar a permanência da família Balsemão na empresa ou conseguir que fique com o jornal Expresso, que é a ‘menina dos olhos’ de Pinto Balsemão.

  • ‘Esquizofrenia’: Família Balsemão avisa mercado de que foi informada pela família Balsemão sobre entrada da família Berlusconi na Impresa

    ‘Esquizofrenia’: Família Balsemão avisa mercado de que foi informada pela família Balsemão sobre entrada da família Berlusconi na Impresa


    Menos de três horas após o PÁGINA UM ter revelado que a Impresa estava em violação do Regulamento Abuso de Mercado (RAM) da União Europeia por estar em negociações com a MFE-MediaForEurope sem avisar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e os accionistas, o grupo controlado e dominado pela família Balsemão foi literalmente a correr avisar a ‘polícia da bolsa’.

    A holding fundada e presidida por Francisco Pinto Balsemão, e que tem o seu filho Francisco Pedro como CEO, arrisca, mesmo assim, uma coima até 5 milhões de euros e outras penalidades se a CMVM não fechar os olhos, uma vez que a falta de informação ou a revelação de informação incompleta para o “sistema de difusão “são consideradas contra-ordenações “muito graves”.

    Francisco Pinto Balsemão em 2015. / Foto: Imagem de entrevista à PSD-TV

    O jornal italiano Il Messaggero já revelara ontem de manhã que no conselho de administração da MFE, que aprovara as contas semestrais na passada quarta-feira, o CFO Marco Giordani tinha informado sobre a retoma das negociações para uma entrada na Impresa, o grupo de media fundado por Francisco Pinto Balsemão e actualmente em situação financeira fragilizada.

    Ao final da tarde de ontem, a partir das 19h00, a imprensa económica portuguesa – como o Jornal de Negócios e o Eco – começaram a divulgar também essa notícia do jornal italiano, mas sem destacarem que a Impresa tinha obrigações legais de avisarem o regulador e o mercado sobre essas negociações, que tenham ou não sucesso acabam por possuírem uma potencial influência na cotação das acções em bolsa.

    Somente depois de o PÁGINA UM ter revelado pelas 22h15 de ontem que estaria a ser violado o Regulamento Abuso de Mercado da União Europeia e as regras da CMVM – porque as empresas cotadas ou emitentes de dívida têm a obrigação de esclarecer o mercado sempre que circulem rumores ou notícias susceptíveis de influenciar a cotação dos seus títulos -, a Impresa fez um comunicado no site do regulador. O comunicado da Impresa na área da informação privilegiada foi feito numa hora inusitada: 00 horas, 59 minutos e 47 segundos. Ou seja, menos de três horas depois, num fim-de-semana. O mercado bolsista em Portugal só reabre na próxima segunda-feira. Impresa fechou ontem a 0,126 euros

    Foto: D.R.

    Nesse comunicado nocturno, a Impresa manifesta uma estranha esquizofrenia corporativa porque começa por dizer “que lhe foi comunicado pelo seu accionista maioritário que este se encontra a desenvolver contactos, em exclusividade, com o grupo MFE com vista à avaliação de potenciais operações societárias para a aquisição de uma participação relevante na Impresa, embora não exista, nesta data, qualquer acordo vinculativo entre o acionista e a MFE para o efeito”.

    Ora, sucede que o tal accionista maioritário (com 50,1%) da Impresa é a Impreger, que por sua vez é controlada (cerca de 71,4%) pela Balseger. E em todas estas empresas, a família Balsemão é dona e senhora. Com efeito, a administração da Impresa é constituída pelo patriarca Francisco Pinto Balsemão (chairman) e por dois dois seus filhos: Francisco Maria (vice-presidente) e Francisco Pedro (vogal e CEO), sendo que todos os restantes quatros membros são indicados pela Impreger.

    Por sua vez, a Impreger só tem Balsemão nos apelidos dos três administradores: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Mónica Balsemão, que é também quadro de topo da Impresa. Por fim, a Balseger, detida a 100% pela família Balsemão, é presidida pelo patriarca e tem como membros do conselho geral e de supervisão todos os seus cinco filhos: Francisco Pedro, Francisco José, Mónica, Henrique e Joana.

    Pier Silvio Berlusconi, presidente-executivo do grupo MFE. / Foto: D.R.

    Só os dois últimos não estão associados aos negócios familiares nos media, sendo que Joana Balsemão foi vereadora da autarquia de Cascais e actualmente é administradora não executiva da Brisa, ocupando ainda funções no Kaizen Institute.

    Em suma, trocando por miúdos, o comunicado nocturno da Impresa pretende convencer o mercado de que só ontem à noite Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Francisco Pedro Balsemão, administradores da dona da SIC e do Expresso, foram formalmente informados por Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Mónica Balsemão de que a própria Impreger (sócia maioritária da Impresa) estava em negociações com a MFE, controlada pela família Berlusconi, “para avaliar potenciais operações societárias com vista à aquisição de uma participação relevante” no grupo.

    Seria uma tese aceitável — se não fosse o pequeno detalhe da impossibilidade técnica de Francisco Pinto Balsemão e Francisco Maria Balsemão notificarem-se a si próprios, a menos que o conselho de administração tenha passado a reunir-se em frente a um espelho na Quinta da Marinha.

    Impresa comunicou informação privilegiada às 00h59m47s de hoje sem querer assumir que a escondeu ao mercado durante bastante tempo.

    Também curioso é observar o facto de o comunicado da Impresa no site da CMVM, que só por si constitui “informação privilegiada” (daí a publicação), terminar com a frase: “Caso venha a existir informação privilegiada, será feita comunicação ao mercado nos termos previstos no artigo 29.º-Q do Código dos Valores Mobiliários e do Regulamento (UE) n.º 596/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014”.

    Ou seja, a Impresa quer dar a entender que a informação privilegiada que escondeu ao mercado (negociações em curso que podem levar mesmo a uma OPA e à mudança de mãos de importantes órgãos de comunicação social) não é informação privilegiada, tanto assim que promete revelar informação privilegiada quando a houver. Uma curiosa subversão do conceito de transparência, porque se a informação privilegiada fosse um conceito definido pelo livre arbítrio das empresas cotadas corria-se o risco de nada ser relevante para ser considerada informação privilegiada.

    Aliás, ainda ontem, fonte oficial da Impresa tinha dito que “não existe informação privilegiada” a reportar, mas ao fazer um comunicado poucas horas depois – e sem que fosse possível avançar com factos novos por se tratar de uma sexta-feira à noite – acabou por confessar implicitamente que existia informação privilegiada escondida.

    Foto: Mediaset Itália

    Na verdade, ontem, através da agência de comunicação JLMA, a Impresa não negava conversações, mas relativiza o ponto da situação das negociações, afirmando que, “como no passado, não deixará de analisar parcerias que contribuam para o crescimento e cumprimento dos [seus] objectivos estratégicos”, acrescentando ainda que “mantém, há alguns anos, uma relação de cooperação comercial com o grupo MFE”.

    Recorde-se que o Il Messaggero salientava ontem que as negociações entre a MFE, sediada em Cologno Monzese, e a Impresa tiveram início no Verão de 2024, embora já tivessem existido contactos em 2019. A nova fase de negociações incide sobretudo sobre a SIC, subsidiária da Impresa que mantém resultados operacionais positivos, ainda que em queda devido ao peso da dívida acumulada pela casa-mãe nos últimos anos.

    O jornal italiano referiu ainda que vários pontos permanecem em aberto, estando a MFE a avaliar se avança para a compra de todo o grupo Impresa ou apenas de activos específicos, como a SIC. O fecho das negociações é apontado para o final do ano, com a nota de que “o preço não será elevado, mas terá de contemplar uma eventual OPA”, uma vez que a dívida a ser assumida pela MFE será significativa.

    Francisco Pedro Balsemão. / Foto: D.R.

    A MFE tem prosseguido uma estratégia agressiva de expansão e não esconde as suas ambições. No final do ano passado, o presidente-executivo, Pier Silvio Berlusconi, afirmou ter garantido o apoio de bancos para um empréstimo de 3,4 mil milhões de euros destinado a financiar o crescimento do grupo na Europa. “Queremos estar prontos para avaliar o que, se é que há algo, poderá ser a decisão certa a tomar na Alemanha, mas também relativamente a quaisquer outras oportunidades”, afirmou então Berlusconi, citado pela Reuters, acrescentando esperar que o ano em curso fosse de consolidação.

    A megaholding italiana de media, anteriormente denominada Mediaset Group, é controlada pelos herdeiros do antigo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi através do Fininvest Group. O grupo detém operações de televisão privada, bem como cinemas, produtoras e editoras em Itália, Espanha e Alemanha, país onde passou este mês a controlar a ProSiebenSat.1.

  • SIC: Família Balsemão esconde da CMVM que está em negociações com a família Berlusconi

    SIC: Família Balsemão esconde da CMVM que está em negociações com a família Berlusconi


    A Impresa ainda não comunicou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) estar em negociações com a MFE-MediaForEurope – a megaholding italiana de comunicação anteriormente denominada Mediaset Group, controlada pelos herdeiros do antigo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi através do Fininvest Group.

    O grupo detém operações de televisão privada, bem como cinemas, produtoras e editoras em Itália, Espanha e Alemanha, país onde passou este mês a controlar a ProSiebenSat.1.

    Foto: D.R.

    Segundo o jornal italiano Il Messaggero, no conselho de administração da MFE que aprovou as contas semestrais na passada quarta-feira, o CFO Marco Giordani informou sobre a retoma das negociações para uma entrada na Impresa, o grupo de media fundado por Francisco Pinto Balsemão e actualmente em situação financeira fragilizada.

    A Impresa detém, entre outros activos, a SIC e o semanário Expresso (através da Impresa Publishing). A existência de negociações configura um facto relevante para os accionistas – ou, mais precisamente, “informação privilegiada” no quadro das regras aplicáveis às empresas cotadas.

    Até ao momento, porém, a Impresa não comunicou ao mercado quaisquer negociações com a MFE, alegando que “não existe informação privilegiada” a reportar, segundo fonte oficial do grupo contactada pelo PÁGINA UM.

    Foto: D.R.

    De acordo com essa fonte – na verdade, a agência de comunicação JLMA, que representa a empresa – a Impresa não nega conversações, mas sublinha que, “como no passado, não deixará de analisar parcerias que contribuam para o crescimento e cumprimento dos [seus] objectivos estratégicos”, acrescentando ainda que “mantém, há alguns anos, uma relação de cooperação comercial com o grupo MFE”.

    A mesma fonte garante que “não há, no entanto, qualquer acordo ou compromisso vinculativo entre a Impresa e a MFE”, afirmação contrariada pelas informações avançadas pelo jornal italiano.

    Importa recordar que, de acordo com o Regulamento Abuso de Mercado da União Europeia, as empresas cotadas ou emitentes de dívida têm a obrigação de esclarecer o mercado sempre que circulem rumores ou notícias susceptíveis de influenciar a cotação dos seus títulos.

    Foto: Mediaset Itália

    Isto significa que, mesmo que não existam negociações em curso, a empresa deve confirmar ou desmentir publicamente tais informações, de modo a assegurar que os investidores não são induzidos em erro e a preservar a integridade e transparência do mercado.

    O Il Messaggero acrescenta que as negociações entre a MFE, sediada em Cologno Monzese, e a Impresa tiveram início no Verão de 2024, embora já tivessem existido contactos em 2019. A nova fase de negociações incide sobretudo sobre a SIC, subsidiária da Impresa que mantém resultados operacionais positivos, ainda que em queda devido ao peso da dívida acumulada pela casa-mãe nos últimos anos.

    O jornal italiano refere ainda que vários pontos permanecem em aberto, estando a MFE a avaliar se avança para a compra de todo o grupo Impresa ou apenas de activos específicos, como a SIC. O fecho das negociações é apontado para o final do ano, com a nota de que “o preço não será elevado, mas terá de contemplar a eventual OPA”, uma vez que a dívida a ser assumida pela MFE será significativa.

    Pier Silvio Berlusconi, presidente-executivo do grupo MFE. / Foto: D.R.

    A MFE tem prosseguido uma estratégia agressiva de expansão e não esconde as suas ambições. No final do ano passado, o presidente-executivo, Pier Silvio Berlusconi, afirmou ter garantido o apoio de bancos para um empréstimo de 3,4 mil milhões de euros destinado a financiar o crescimento do grupo na Europa. “Queremos estar prontos para avaliar o que, se é que há algo, poderá ser a decisão certa a tomar na Alemanha, mas também relativamente a quaisquer outras oportunidades”, afirmou então Berlusconi, citado pela Reuters, acrescentando esperar que o ano em curso fosse de consolidação.

    N.D. O PÁGINA UM contactou, pelas 17h43 desta tarde, o consultor Daniel Vaz, da agência de comunicação JLMA, solicitando comentários sobre as negociações entre a MFE e o Grupo Impresa. Contudo, a JLMA apenas nos remeteu a resposta oficial da Impresa às 20h04, mais de uma hora depois de já a ter distribuído a vários outros órgãos de comunicação social — numa evidente tentativa de boicotar o trabalho do PÁGINA UM. Declara-se, por isso, que este jornal não voltará a contactar nem a aceitar comunicados da JLMA em qualquer representação empresarial. Naturalmente, se o assunto noticioso for a própria JLMA, o PÁGINA UM dirigirá os pedidos de informação directamente à gerência da empresa.

  • Cabo do elevador da Glória: Carris esconde relatório de instalação em 2024 e não revela fornecedor

    Cabo do elevador da Glória: Carris esconde relatório de instalação em 2024 e não revela fornecedor


    A substituição do cabo do Elevador da Glória — que rompeu na passada quarta-feira, causando a morte de 16 pessoas e ferimentos em mais de duas dezenas — foi executada no ano passado pela MNTC, empresa responsável pela manutenção dos ascensores de Lisboa desde Setembro de 2022, mas não existem garantias de que os seus técnicos possuíam as certificações exigidas por lei para inspeccionar e intervir em sistemas técnicos desta complexidade.

    De acordo com a análise dos relatórios de manutenção disponibilizados pela Carris na sexta-feira passada, a MNTC usou quatro técnicos – João Antunes, Rafael Rosado, Sérgio Carvalho e Tiago Ribeiro. De acordo com as normas, quando uma empresa solicita o alvará EMIE à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) , tem de indicar pelo menos um técnico responsável pela execução (TRE) e, se aplicável, um técnico responsável pela exploração. Estes técnicos ficam associados ao registo da empresa e constam da sua ficha no processo de licenciamento.

    Mas a empresa MNTC recusa responder às questões do PÁGINA UM sobre este assunto – aliás, apenas quebrou o silêncio por uma vez para indicar que estava a ser representada pelo advogado Ricardo Serrano Vieira, mas sem adiantar contactos –, embora tudo indique que estes mesmos colaboradores já executariam tarefas de inspecção e manutenção ao longo do período de três anos de um contrato saído de um concurso público que vigorou entre Setembro de 2022 e 31 de Agosto de 2025.

    A certificação EMIE não é um mero detalhe burocrático: trata-se de uma exigência destinada a assegurar que apenas profissionais qualificados, com provas dadas e reconhecidas pela autoridade reguladora, possam intervir em sistemas cuja falha representa risco directo para a segurança de passageiros. Por outro lado, a Lei n.º 65/2013 exige que empresas e técnicos de manutenção e inspecção de elevadores (EMIE, TRM, EIIE, directores técnicos e inspectores) tenham reconhecimento prévio da DGEG. Ora, nas três manutenções diárias de Setembro e na mensal, realizada no dia 1, um técnico de nome Tiago Ribeiro é sempre o mesmo que valida os relatórios.

    Esta questão ganha ainda maior gravidade quando se sabe que o cabo de tracção — peça crítica do sistema dos elevadores — foi substituído no âmbito de contrato entre a Carris e a MNTC, por via de uma reparação intermédia realizada entre finais de Agosto e o início de Outubro do ano passado. Essa intervenção, que deveria ter sido acompanhada de rigorosos procedimentos de ensaio e registo documental, foi executada pela MNTC, conforme era obrigação prevista no caderno de encargos, sem que haja provas de que técnicos certificados tenham participado na sua montagem.

    O PÁGINA UM solicitou formalmente à Carris que esclarecesse a data exacta da instalação, se foi elaborado algum relatório técnico, quem foram os engenheiros ou técnicos presentes na operação, se existem fotografias ou imagens que documentem o acto, e que tipo de testes foram realizados para aferir da resistência e da correcta colocação do cabo. Solicitou ainda a identificação do fornecedor e cópia da factura da compra do cabo.

    Na resposta recebida, a Carris limitou-se a afirmar que “a substituição do cabo do Ascensor da Glória decorreu no âmbito da reparação intermédia realizada entre 26 de Agosto e 1 de Outubro de 2024” e que “os trabalhos foram acompanhados por técnicos da Carris”, acrescentando que “a documentação solicitada está na posse das entidades que conduzem a investigação no âmbito do inquérito em curso”.

    Contudo, apesar da insistência do PÁGINA UM, a Carris não revelou se detém cópia desse relatório nem confirmou se a presença de técnicos próprios era suficiente para suprir a eventual falta de certificação da equipa da MNTC. A empresa municipal também se recusou a fornecer o nome do fornecedor do cabo, não enviou a factura nem revelou o respectivo custo, criando um manto de opacidade sobre uma operação que deveria ser transparente, sobretudo quando está em causa um acidente com 16 mortes e mais de uma dezena de feridos.

    No passado sábado, em conversa com o PÁGINA UM, o presidente da Carris, Pedro Bogas, prometeu “máxima transparência”, incluindo a colocação de relatórios de inspecção no seu site. Ora, o relatório mais fundamental para desvendar eventuais falhas – a colocação do cabo, operação que nunca antes tinha sido realizada pela MNTC – é logo escondido, alegando-se ter sido enviado para a equipa de investigação.

    Fontes ligadas ao sector da manutenção de sistemas de transporte vertical sublinham que a instalação de cabos de tracção deve ser acompanhada por engenheiros especializados, sujeita a procedimentos de tensionamento controlado e seguida de ensaios mecânicos que comprovem a correcta fixação.

    A ausência de documentação acessível ao público e a falta de clareza sobre a qualificação dos técnicos da MNTC colocam novas interrogações sobre a forma como a Carris supervisionou os contratos de manutenção. Recorde-se que o caderno de encargos que vigorou até ao passado dia 31 de Agosto é completamente vago ao ponto de apenas exigir a realização de verificações diárias, semanais, mensais e semestrais, sem especificar que tipo de ensaios ou medições deviam ser efectuados. A expressão usada — “verificação” — deixa em aberto se bastava uma inspecção visual ou se seriam obrigatórios testes com instrumentação.

    Pedro Bogas, presidente da Carris.

    A revelação de que o cabo foi instalado por técnicos sem certificação reconhecida pela DGEG torna-se ainda mais inquietante tendo em conta que este mesmo componente falhou menos de um ano depois da sua colocação, num acidente que se transformou na maior tragédia nos tempos recentes envolvendo um sistema de transporte público em Lisboa.

    Apesar das tentativas de agora se debater o acidente numa perspectiva de responsabilidade política a ser ‘resolvida’ nas eleições autárquicas de Outubro, o PÁGINA UM continuará a pressionar a Carris e a Câmara Municipal de Lisboa para que toda a documentação referente à substituição do cabo e à manutenção do Elevador da Glória seja tornada pública, incluindo relatórios técnicos, lista de intervenientes, fotografias, facturas e comprovativos de ensaio.

    Entretanto, Pedro Bogas, presidente da Carris, mantém-se em incumprimento legal quanto à publicitação no Portal BASE do ajuste directo da manutenção dos ascensores iniciado este mês, que chegou a exibir aos jornalistas — numa conferência de imprensa — sob a forma de minuta sem assinaturas, forjada para parecer um contrato válido.

    Apesar de o presidente da Carris insistir que tal publicação não é obrigatória para entidades dos “sectores especiais”, como os transportes, esta alegação cai por terra com a própria prática da empresa municipal. Ainda hoje, a Carris publicou dois contratos no Portal BASE, incluindo um concurso público para a manutenção de 123 autocarros MAN no valor de 430 mil euros e a aquisição de 15 mini-autocarros eléctricos para serviço urbano no valor de cerca de 4,4 milhões de euros.

    O argumento de isenção legal, além de contrariado por juristas, fica assim desmentido pela evidência documental fornecida pela própria Carris. Aparentemente, Pedro Bogas considera que usufrui do direito de disponibilizar contratos não de acordo com a lei, mas com as suas vontades pessoais, que incluiu enganar jornalistas com uma minuta mal forjada, culpando depois os seus serviços por excesso de zelo em meter tarjas negras onde nem sequer existiam assinaturas.

  • Elevador da Glória: empresa de manutenção nem sequer tinha licença (nem experiência) quando se candidatou ao concurso público de 2022

    Elevador da Glória: empresa de manutenção nem sequer tinha licença (nem experiência) quando se candidatou ao concurso público de 2022


    A Administração da Carris aceitou que a MNTC – a empresa que assegurou, nos últimos três anos, a manutenção dos ascensores da Glória, Lavra, Bica e do Elevador de Santa Justa – concorresse ao concurso público lançado em 2022 sem sequer possuir, na altura, o obrigatório alvará EMIE, emitido pela Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que certifica a aptidão técnica para executar trabalhos de manutenção de instalações de elevação. Ou seja, nos últimos três anos, os elevadores de Lisboa estiveram literalmente nas mãos de uma ‘empresa novata’.

    A exigência de alvará, prevista na lei para a esmagadora maioria das actividades económicas mais complexa, visa precisamente garantir que apenas empresas com competências reconhecidas e equipas qualificadas possam intervir em equipamentos de transporte vertical, cuja segurança depende de rigorosos procedimentos de manutenção.

    Porém, de acordo com informação obtida pelo PÁGINA UM, a MNTC só viria a obter o alvará para o sector da manutenção de equipamentos de elevação no dia 29 de Junho de 2022 – cerca de três semanas depois de terminado o prazo de apresentação de propostas para o concurso, que fora aberto em 11 de Maio desse ano. Ou seja, à data da candidatura, a MNTC não tinha qualquer histórico ou experiência certificada no sector de manutenção de ascensores. Antes, a MNTC somente tinha contratos públicas para manutenção de piscinas e de revisão de veículos eléctricos.

    Contudo, em 2022, a Administração da Carris, já então presidida por Pedro Bogas, achou que não era necessário que os concorrentes tivessem ainda certificação ou outra habilitação para apresentarem propostas. À data do concurso existiam, segundo os registos da DGEG, exactamente 100 empresas em Portugal com o alvará EMIE válido, pelo que não se pode alegar falta de oferta no mercado.

    Apesar disso, a Carris permitiu que empresas sem alvará, e portanto com experiência nula, apresentassem propostas para a manutenção dos quatro ascensores públicos de Lisboa – equipamentos classificados como Monumentos Nacionais ou de elevado valor histórico e turístico.

    Desastre do elevador da Glória: colapso ‘repentino’ do cabo coloca dúvidas sobre qualidade da manutenção.

    O caderno de encargos do concurso não atribuía qualquer ponderação à experiência ou ao currículo técnico das concorrentes: o critério de adjudicação era exclusivamente o preço. Assim, numa decisão que hoje se revela catastrófica, a Carris escolheu a proposta mais barata, independentemente da falta de historial ou de capacidade comprovada do adjudicatário.

    No concurso de 2022, cuja adjudicação foi decidida a 21 de Julho, a MNTC apresentou um preço de apenas 995.515 euros para um contrato de três anos, valor que representa cerca de 58% do preço base fixado pela Carris, que era de 1.728.000 euros. Ou, noutra perspectiva, 42% abaixo do preço base. A diferença foi esmagadora e tornou praticamente impossível às empresas com histórico e experiência competir em igualdade de circunstâncias.

    Importa referir que a MNTC não foi a única empresa sem alvará que a Carris deixou concorrer. Entre as quatro concorrentes – MNTC, Gasfomento, GMF e Liftech –, apenas esta última detinha o alvará EMIE e experiência consolidada no sector.

    Pedro Bogas, presidente da Carris: em 2022 aceitou que empresas sem experiência e sem licença activa pudessem concorrer para a manutenção dos elevadores.

    A Liftech – que pertenceu até 2002 ao Grupo Efacec – é, de facto, uma referência na manutenção de ascensores, funiculares e teleféricos em Portugal, contando no seu portefólio com o funicular dos Guindais, no Porto, o teleférico da Penha, em Guimarães, o funicular de Viseu, o funicular de São João da Malta, na Covilhã, e o funicular de Santa Luzia, em Viana do Castelo, entre outros.

    Em Lisboa, esta empresa foi ainda responsável pela instalação do funicular da Graça, gerido pela Carris e inaugurado no ano passado, tendo mesmo recebido o Prémio Valmor de Arquitectura. A Liftech foi também, pela sua experiência de reabilitação de equipamentos histórica, a responsável pela remodelação profunda do elevador de Santa Justa também em 2024. Tem ainda contratos relevantes com entidades públicas, incluindo a manutenção de elevadores nos bairros sociais da Gebalis, contrato esse renovado em Abril deste ano por 4,6 milhões de euros.

    A opção da Carris, em 2022, de escolher exclusivamente com base no preço, sem qualquer valorização da competência técnica ou da experiência acumulada, é tanto mais grave quanto o caderno de encargos permitia que as “verificações” fossem meramente visuais.

    Não havia qualquer obrigatoriedade de ensaios mecânicos ou testes não destrutivos aos cabos de tracção, limitando-se o contrato a prever que as empresas entregassem relatórios de verificações diárias, semanais, mensais e semestrais – relatórios que, como se veio a verificar, se resumiam muitas vezes a registos com a palavra “OK”.

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    Elevador de Santa Justa teve uma profunda remodelação em 2024.

    Aquilo que então parecia ser um bom negócio para a administração presidida por Pedro Bogas revelou-se ruinoso. O trágico descarrilamento do Elevador da Glória na passada quarta-feira, que provocou 16 mortes e mais de duas dezenas de feridos, tornou evidente que a opção por uma manutenção de preço mínimo pode ter comprometido a segurança.

    O desastre resultou também em danos irreversíveis num dos veículos, na suspensão por tempo indeterminado da operação dos quatro ascensores de Lisboa – todos eles rentáveis e importantes para a mobilidade e o turismo da cidade – e numa crise reputacional grave para a Carris, para Lisboa e para o turismo de Portugal.

    Funicular dos Guindais, no Porto, foi instalado e mantido pela Liftech / Foto: STCP/D.R.

    Convém ainda sublinhar que o processo de obtenção do alvará EMIE não é complexo: é um procedimento administrativo, praticamente automático para empresas já detentoras de certificação de qualidade ISO 9001, não exigindo auditorias nem verificações prévias da existência de técnicos qualificados para o serviço. Este dado reforça a estranheza de a MNTC só ter obtido o alvará depois de concorrer e não antes, bem como a permissividade da Carris em aceitar uma proposta de quem ainda não tinha sequer dado esse passo formal.

    No final, o que deveria ser um procedimento de contratação pública destinado a assegurar a melhor relação qualidade-preço para um serviço de segurança crítica acabou por se transformar numa escolha baseada exclusivamente no preço, ignorando a qualificação e o histórico das empresas. Hoje, com um elevador destruído, quatro ascensores parados, dezenas de vítimas e danos reputacionais incalculáveis, a decisão de há dois anos revela-se um exemplo paradigmático do que acontece quando se confunde poupança com gestão eficiente.

  • Elevador da Glória estava sem serviços de manutenção e segurança desde finais de Agosto

    Elevador da Glória estava sem serviços de manutenção e segurança desde finais de Agosto


    A Carris deixou caducar no passado domingo, 31 de Agosto, o contrato de manutenção de segurança dos quatro ascensores de Lisboa – Glória, Bica, Lavra e Elevador de Santa Justa – e encontrava-se, hoje, no momento do fatídico acidente no elevador da Glória – que terá causado já 15 mortes e 18 feridos –, sem acordo em vigor para assegurar a prevenção de falhas e a resposta a emergências.

    O PÁGINA UM apurou que um novo concurso público lançado em Abril deste ano, com um preço base de cerca de 1,2 milhões de euros para três anos, foi cancelado pela Administração da Carris no passado dia 14 de Agosto por considerar que todas as propostas apresentadas superavam o valor-base.

    O efeito da suspensão foi imediato, coincidindo com o termo do contrato anterior, o que significa que, desde anteontem, dia 1 de Setembro, a empresa pública não tinha cobertura contratual para a manutenção e segurança dos ascensores. O PÁGINA UM confirmou que não tinha sido ainda sequer assinado um ajuste directo urgente para garantir a continuidade dos serviços.

    O contrato agora extinto tinha sido assinado a 31 de Agosto de 2022 com a MNTC – Serviços Técnicos de Engenharia, no valor global de 995.515,20 euros para 36 meses. Apesar de só ter sido publicado no Portal Base em 2024, o acordo previa a execução de manutenção preventiva e correctiva, bem como serviços de resposta rápida a emergências, para os quatro equipamentos icónicos da cidade. Havia também uma componente para reparação de actos de vandalismo.

    O preço mensal pago pela Carris em cada um dos ascensores era de apenas 5.913,30 euros (acrescido de IVA), valor que aparenta ser muito económico face à complexidade técnica dos ascensores, que exigem supervisão constante para garantir a segurança dos passageiros e a fiabilidade das operações.

    Anúncio do cancelamento do concurso público aberto em Abril passado e que produziu efeitos no dia 1 deste mês. O contrato anterior tinha expirado no dia 31 de Agosto, ou seja, no domingo passado.

    No caso do Elevador da Glória, o caderno de encargos era particularmente exigente, prevendo um regime de manutenção diária, semanal, mensal e semestral. As tarefas incluíam, entre outras, a limpeza e lubrificação do pantógrafo, a verificação das baterias e do cabo de tracção, a inspecção do governador e do controller, a purga do compressor e a lubrificação geral das cancelas, bem como a inspecção periódica do motor de tracção e disjuntores. Estava ainda estipulado que o cabo de tracção fosse substituído após 1.500 dias de serviço ou sempre que houvesse uma reparação geral, de forma a reduzir o risco de avarias graves.

    Para garantir um serviço fiável, o contrato fixava uma taxa mínima de disponibilidade de 98%, com um regime de penalizações pesadas em caso de falhas: mil euros por trimestre se a taxa caísse para 97%, dois mil euros para 96% e três mil euros se descesse para 95% ou menos, com agravamentos adicionais em caso de indisponibilidade prolongada. Este modelo permitia pressionar a empresa de manutenção a assegurar intervenções rápidas e eficazes, protegendo os milhares de utentes diários que utilizam os ascensores.

    Certo é que, desde o início de Setembro, os ascensores de Lisboa funcionam sem a cobertura contratual que assegurava a sua manutenção e segurança, uma situação que pode ter implicações e responsabilidades no contexto do acidente de hoje.

    O Elevador da Glória foi inaugurado em 24 de Outubro de 1885, foi o segundo ascensor a ser construído em Lisboa e continua a ser um dos símbolos da cidade. Originalmente movido a vapor e, mais tarde, a água, foi electrificado em 1915, ligando a Praça dos Restauradores ao Jardim de São Pedro de Alcântara, vencendo um desnível de 265 metros. Está classificado como Monumento Nacional desde 2002.

  • Impresa: Edifício-sede ‘fiscalmente sujo’ foi motivo invocado para anular negócio

    Impresa: Edifício-sede ‘fiscalmente sujo’ foi motivo invocado para anular negócio

    A transacção parecia fechada, o valor anunciado, a dívida em vias de ser aliviada. Mas uma expressão técnica — de ressonância quase policial — acabou por arruinar um negócio de milhões: o edifício-sede da Impresa, em Paço de Arcos, estava, segundo apurou o PÁGINA UM, “fiscalmente sujo”.

    O termo, usado nos bastidores para designar imóveis com irregularidades fiscais latentes, surgiu na análise feita por uma consultora especializada, contratada pela sociedade gestora do BPI Imofomento – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto para a habitual ‘due diligence’ — uma análise prévia e aprofundada para avaliar os riscos e oportunidades de um negócio.

    O edifício-sede da Impresa tem estado no centro de estranhos negócios. Foi vendido ao Novo Banco em 2018 e recomprado secretamente pela Impresa em 2022. Em Junho, o grupo de Balsemão anunciou estar em “negociações avançadas” para revender o edifício, por 37 milhões de euros, a um fundo de investimento do BPI, grupo do qual foi administrador, até 2024, o actual vice-presidente da Impresa, Pedro Barreto. / Foto: D.R.

    O problema — identificado como uma quebra na cadeia de IVA durante a fase de construção e posterior ampliação do imóvel — terá levado o potencial comprador a recuar subitamente, mesmo depois de semanas de negociações com a administração da Impresa, que foi assessorada pela sociedade de advogados PLMJ neste processo.

    Em termos técnicos, a “quebra da cadeia de IVA” traduz-se numa falha documental ou contabilística que compromete a regularidade fiscal do imóvel. Embora a transacção estivesse isenta de IVA e não envolvesse qualquer dedução por parte do comprador, as irregularidades acumuladas em operações anteriores poderiam dar origem a rectificações ou correcções fiscais que poderiam ser reclamadas ao novo proprietário, nomeadamente por via da reversão de benefícios fiscais ou exigências da Autoridade Tributária.

    Ainda que os montantes em causa não fossem elevados – e até pudessem ser sanados junto da própria Autoridade Tributária –, os gestores do fundo terão considerado que o risco era suficiente para colocar em causa a operação. O cancelamento do negócio foi feito sem sequer antes ter sido assinado qualquer contrato-promessa.

    Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa. / Foto: D.R.

    Recorde-se que a Impresa tinha anunciado no dia 20 de Junho que estava em “negociações avançadas” com a BPI – Gestão de Activos, que gere o fundo BPI Imofomento, para a ‘revenda’ do seu edifício-sede, com posterior arrendamento. A BPI-Gestão de Activos, liderada por Jorge Teixeira, pertence ao grupo BPI, do qual foi administrador, até 2024, Pedro Barreto, actual vice-presidente da Impresa.

    A decisão apanhou a administração da Impresa completamente desprevenida. A operação era vista como fundamental para equilibrar as contas do grupo dono da SIC e do Expresso, pressionado por uma dívida elevada, que consome cerca de um milhão de euros por ano apenas em juros e obrigações. O encaixe de 37 milhões de euros permitiria, segundo os planos internos, reduzir significativamente esse encargo e libertar liquidez imediata para despesas operacionais, incluindo salários.

    Mais do que uma venda simples com arrendamento posterior, — como foi publicamente anunciado pela Impresa em Junho — o negócio configurava na verdade um típico ‘leaseback‘ — ou seja, a empresa vendia o edifício e passava a arrendá-lo ao novo proprietário.

    Pedro Barreto foi administrador do BPI até 2024. É actualmente o vice-presidente da Impresa. / Foto: D.R.

    No final de Maio, Francisco Pedro Balsemão chegou a explicitar este modelo em reuniões com accionistas, destacando os efeitos positivos esperados nos indicadores financeiros. Contudo, fontes contactadas pelo PÁGINA UM indicam que, ao contrário do que sucedeu com o anterior ‘leaseback’ celebrado com o Novo Banco, o modelo em negociação com o BPI Imofomento era ainda mais desfavorável para o comprador.

    O valor pedido pela Impresa — 37 milhões de euros — representava um excesso de cerca de 17,4 milhões de euros face ao valor da recompra em 2022 junto do Novo Banco, o que fazia prever que a rentabilidade do investimento teria de ser assegurada através de um arrendamento muito acima do valor de mercado — cenário de elevado risco para um fundo de investimento conservador e que vive da confiança institucional.

    Além disso, estranhamente, o fundo BPI Imofomento, antes do negócio ser rasgado, até estava disponível para aceitar que a Impresa subarrendasse parte do imóvel: três pisos do lado A do edifício-sede, com cerca de 500 metros quadrados cada.

    Interior do edifício-sede da Impresa, em Paço De Arcos. / Foto: D.R.

    A descoberta da “fiscalidade suja” — embora sanável — forneceu ao fundo o pretexto ideal para travar o negócio. A gestora do fundo BPI Imofomento terá concluído que o risco era desproporcionado, sobretudo face a um investimento claramente sobrevalorizado. E a ausência de qualquer contrato vinculativo permitiu-lhe sair sem custos.

    O facto é que existiam diversos factores que ensombravam a compra do imóvel por parte do fundo do BPI. O valor do negócio era considerado excessivo, sobretudo face ao montante a que foi vendido ao Novo Banco em 2018. Além disso, o facto de o actual vice-presidente da Impresa ser um ex-administrador do BPI, colocava dúvidas sobre os contornos em que o negócio tinha surgido.

    Acresce que, este ano, os negócios entre a Impresa e o Novo Banco foram alvo de escrutínio por parte do Ministério Público. Numa investigação estranhamente célere, o Ministério Público não encontrou provas de corrupção passiva nos negócios que envolveram o edifício-sede da Impresa e um empréstimo ruinoso que o Novo Banco concedeu à Trust in News para a compra de um portfólio de publicações ao grupo de Balsemão. O certo é que esta investigação permitiu ‘limpar’ os negócios passados envolvendo o edifício-sede da Impresa.

    Jorge Sousa Teixeira, presidente-executivo da BPI-Gestão de Activos. / Foto: Captura de ecrã de vídeo do grupo BPI.

    Para o BPI e para o seu fundo, o negócio com a Impresa começou a tornar-se numa grande “dor de cabeça” que ameaçava colocar em causa a credibilidade e a confiança nos critérios seguidos pela BPI-Gestão de Activos para a escolha dos investimentos.

    Para a Impresa, a não concretização da venda é um golpe brutal. O grupo registou prejuízos de 5,1 milhões de euros apenas no primeiro semestre de 2025, e as receitas publicitárias mantêm-se em queda, tanto no canal SIC como no semanário Expresso.

    Sem a injecção financeira prevista, a situação de tesouraria degrada-se rapidamente. Há já relatos de atrasos nos pagamentos a fornecedores e receios crescentes sobre a capacidade de cumprir atempadamente com os salários dos trabalhadores nos próximos meses.

    Foto: D.R.

    Além do impacto financeiro directo, o falhanço do negócio compromete a credibilidade da gestão da Impresa. A operação fora comunicada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) como estando praticamente fechada — uma afirmação que agora se prova precipitada, senão enganosa. Para investidores e credores da Impresa, a quebra de confiança pode ser mais danosa do que o próprio falhanço do encaixe.

    A administração liderada por Francisco Pedro Balsemão, filho de Pinto Balsemão, enfrenta, assim, uma crise que não é apenas patrimonial, mas institucional. Sem o “balão de oxigénio” do negócio imobiliário, resta-lhe pouco fôlego para manter à tona um grupo de media cuja marca de prestígio não basta, por si só, para pagar contas. E não é apenas a cadeia de IVA do seu edifício-sede que se partiu. É a própria Impresa que começa a “ruir”, agora sem comprador para o imóvel, sem liquidez e sem soluções à vista.