Autor: Pedro Almeida Vieira e Elisabete Tavares

  • Casas em Lisboa: Metade dos estrangeiros dispostos a gastar mais de 568 mil euros por 100 metros quadrados

    Casas em Lisboa: Metade dos estrangeiros dispostos a gastar mais de 568 mil euros por 100 metros quadrados

    A pressão inflacionista sobre o mercado habitacional das duas principais cidades portuguesas — Lisboa e Porto — continua a agravar-se, sobretudo por efeito da procura estrangeira. A análise aos dados do primeiro trimestre de 2025, hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), mostra que, considerando os valores medianos de transacção, os compradores estrangeiros pagaram, em média, 5.682 euros por metro quadrado em Lisboa e 3.680 euros no Porto, quando as medianas gerais de preço nessas cidades foram de 4.321 euros e 2.968 euros, respectivamente.

    Traduzido em termos absolutos, significa que, por um apartamento de 100 metros quadrados, um comprador estrangeiro pagou, num contrato ao preço de referência (mediana), mais 136.100 euros em Lisboa e mais 71.200 euros no Porto face ao preço mediano suportado pelos residentes nacionais. Noutra perspectiva, significa que 50% dos estrangeiros estiverem dispostos a pagar mais de 5.682 euros por metro quadrado em Lisboa e mais de 3.680 euros no Porto.

    brown and white concrete houses near body of water during daytime

    A desagregação dos dados do INE permite perceber que essa discrepância é particularmente acentuada entre os compradores oriundos de países extracomunitários. Em Lisboa, os cidadãos de fora da União Europeia pagaram um valor mediano de 5.836 euros por metro quadrado — mais 1.515 euros do que os compradores portugueses e mais 510 euros que os próprios cidadãos da União Europeia (que pagaram, em média, 5.326 euros). No Porto, o mesmo fenómeno repete-se, com os extracomunitários a pagarem 3.834 euros por metro quadrado, superando em 341 euros os compradores comunitários e em 866 euros os compradores nacionais.

    Convém sublinhar que os valores medianos representam o ponto de corte entre as duas metades de um conjunto ordenado: ou seja, 50% dos contratos celebrados registaram preços inferiores e 50% preços superiores. Ao contrário da média aritmética, a mediana não é distorcida por valores extremos — sendo, por isso, um melhor indicador do “coração” do mercado. Neste caso, a mediana elevada das transacções com compradores estrangeiros demonstra que não se trata de excepções pontuais, mas de uma tendência consistente e estatisticamente significativa.

    Ora, esta concentração de poder de compra — exterior e consideravelmente superior — nos centros urbanos mais dinâmicos está a ter efeitos estruturais. Embora o fenómeno se manifeste de forma mais visível nos segmentos de topo, onde se localizam os imóveis mais caros, os seus efeitos propagam-se em cascata: ao pagarem quase 6.000 euros por metro quadrado em Lisboa, os investidores estrangeiros não apenas absorvem a oferta de luxo, como induzem expectativas de valorização generalizada. Esta pressão tende a empurrar os preços dos imóveis de gamas intermédia e baixa, gerando um efeito inflacionista sistémico que acentua a exclusão da classe média dos centros urbanos.

    Valor mediano (em euros por metro quadrado) para o primeiro trimestre de 2025 das vendas de alojamentos familiares nos últimos 12 meses. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Contudo, o fenómeno não é novo. Segundo os dados do INE, o valor mediano das transacções em Lisboa passou de 3.375 euros por metro quadrado no primeiro trimestre de 2020 para 4.412 euros no primeiro trimestre de 2025 — uma subida de 1.037 euros, equivalente a +30,7%. No Porto, a evolução foi ainda mais expressiva: uma subida de 1.127 euros, com o valor mediano a passar de 1.808 para 2.935 euros por metro quadrado — ou seja, um acréscimo de 62,4%.

    Curiosamente, no agregado nacional, os dados mostram que os estrangeiros até pagaram menos em 2025 do que em 2020 — menos 146 euros por metro quadrado —, o que reforça a ideia de que a procura está concentrada em zonas urbanas específicas, com Lisboa e Porto no epicentro dessa pressão. É aí que o capital externo funciona como factor de desregulação silenciosa, criando desequilíbrios que o mercado interno, mais limitado e com menor capacidade de alavancagem financeira, não consegue contrariar.

    Noutros países — como o Canadá e a Nova Zelândia —, foram já aplicadas restrições à compra de imóveis por não residentes em certas zonas críticas. Na União Europeia, a aplicação de tais restrições a cidadãos comunitários esbarra com os princípios da livre circulação de capitais e pessoas inscritos nos tratados.

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    Contudo, importa compreender que a actual dinâmica inflacionista no mercado imobiliário nas zonas mais urbanas não resulta apenas de factores migratórios ou do crescimento turístico. A verdadeira raiz está na política dos bancos centrais dos últimos anos. Entre 2020 e 2022, só o Banco Central Europeu contribuiu para a expansão em mais 20 biliões de euros (milhões de milhões) o agregado monetário M2 — ou seja, a soma de moeda em circulação e depósitos de curto prazo.

    Essa expansão colossal de liquidez, sem estar associada a qualquer evolução económica, porque é accionada pelos burocratas da Zona Euro, teve origem sobretudo nas operações de compra de dívida pública por parte do BCE junto dos bancos comerciais, que passaram a trocar obrigações estatais por moeda nova, sem criação de riqueza real.

    Com taxas de juro em níveis historicamente baixos — que chegaram a ser negativas em 2021 —, os investidores institucionais viram-se compelidos a procurar alternativas de rentabilidade. O imobiliário urbano, pela sua natureza física, aparente segurança e capacidade de valorização sustentada pela procura, tornou-se um dos principais destinos desses fluxos financeiros. Este movimento criou uma espécie de “refúgio de valor inflacionado”, onde os imóveis deixaram de ser apenas activos de uso para se tornarem activos de reserva, especulativos e de arbitragem monetária. Quem precisa mesmo de casa para viver, não tem – ou vai ter de se endividar até ao tutano.

    Evolução (em biliões de euros) do agregado M2 na Zona Euro entre 1999 e 2024. Fonte: Banco de Portugal.

    Assim, o mercado habitacional português, sobretudo nas suas zonas de maior pressão na procura, deixou de funcionar como expressão das necessidades de alojamento da população para se tornar campo privilegiado da engrenagem monetária internacional.

    Neste cenário, a habitação passou a ser cotada não ao ritmo dos salários nacionais, mas à cadência das injecções de liquidez e dos circuitos de investimento financeiro — com consequências devastadoras na acessibilidade habitacional dos portugueses.

  • Anjos vs. Joana Marques: ano do vídeo polémico até foi o mais rentável do último quinquénio para os irmãos Rosado

    Anjos vs. Joana Marques: ano do vídeo polémico até foi o mais rentável do último quinquénio para os irmãos Rosado

    Limites da sátira, impacto económico do humor – mesmo que mau –, crises de acne, triatlo para combater a depressão e até lapsos de memória de um gerente. De tudo isto se falou na sessão de hoje do julgamento que coloca no banco dos réus a humorista Joana Marques, processada pela dupla musical Anjos, que reclama uma indemnização de 1.118.500 euros por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais. Entre os prejuízos invocados contam-se o cancelamento de espectáculos e contratos de patrocínio, bem como danos à imagem e reputação dos irmãos Rosado.

    A polémica remonta ao dia 24 de Abril de 2022, quando os Anjos interpretaram o Hino Nacional antes da prova de MotoGP no Autódromo Internacional do Algarve. A actuação – marcada por problemas técnicos – gerou uma onda de críticas nas redes sociais, amplificada por Joana Marques, que publicou no Instagram uma montagem vídeo da performance dos Anjos intercalada com reacções negativas de jurados do programa televisivo Ídolos. Na legenda, acrescentou a provocatória frase: “Será que foi para isto que se fez o 25 de Abril?”

    Apesar de, na sessão de hoje, o pai dos irmãos Rosado – gerente da Angel Minds – ter manifestado lapsos de memória quanto à evolução dos rendimentos da empresa que gere a carreira dos músicos, o Página Um analisou as contas anuais da Angel Minds entre 2019 e 2023, último ano disponível. E, na verdade, se os Anjos têm motivo de queixa, será unicamente da pandemia, porque não se vislumbra qualquer impacto económico adverso derivado do vídeo de Joana Marques.

    Com efeito, apesar de a maior parte dos contratos de espectáculos ser formalizada através da empresa Senhores do Ar II –, detida pelo agente dos irmãos Rosado, é na Angel Minds que os artistas recebem os seus cachets líquidos.

    Ora, segundo as contas dessa sociedade, o melhor ano do quinquénio foi precisamente 2022, o ano da controvérsia com Joana Marques, registando vendas e prestações de serviços no valor de 448.571 euros – valor que representa uma recuperação significativa face aos dois anos pandémicos.

    Em 2019, último ano pré-covid, a Angel Minds tinha facturado cerca de 402 mil euros, mas esse valor caiu para menos de 90 mil euros em 2020 e apenas 105 mil euros em 2021, reflectindo os constrangimentos generalizados no sector cultural. Já em 2023, apesar de uma descida para 270 mil euros, não há qualquer indício que relacione esta quebra com o episódio humorístico.

    A actuação dos Anjos a cantar o hino em 25 de Abril de 2022 foi alvo da sátira de Joana Marques.

    Essa tese desfaz-se também ao analisar os contratos públicos de actuação dos Anjos, quase sempre celebrados com municípios. Entre 2019 e 2025, a dupla somou 63 espectáculos adjudicados por câmaras municipais ou empresas municipais, mantendo uma presença regular no circuito institucional.

    Em 2019, em plena normalidade, realizaram 19 espectáculos em municípios como Albufeira (com dois contratos distintos), Oeiras, Portel, Vieira do Minho, Beja, Penela, Aljezur, Lamego, Guarda, Batalha, Ourique, Calheta de São Jorge, Mealhada, Marco de Canaveses, Seixal, Ferreira do Zêzere, São Brás de Alportel e também com a empresa municipal Prazilândia, da Castanheira de Pêra. Este ano serve de referência para o nível de actividade pré-pandemia.

    Em 2020 e 2021, a pandemia reduziu drasticamente a actividade artística. Em 2020, realizaram apenas três espectáculos (Pinhel, Lagoa e Vila Franca de Xira); e em 2021 também três (Alandroal e duas vezes no Seixal).

    Chegado o ano de 2022, considerado de retoma, os Anjos celebraram 12 contratos públicos. E importa destacar que apenas um – com o município da Azambuja – foi assinado antes da publicação do vídeo de Joana Marques, a 25 de Abril. Todos os outros 11 contratos foram posteriores, incluindo actuações em Santarém (com um contrato de 60 mil euros), Moura, Fornos de Algodres, Corroios, Pombal, Paredes, São João da Pesqueira, Sabrosa, Estarreja, Miranda do Corvo e novamente Azambuja.

    Joana Marques

    Os valores por actuação em 2022 rondaram, por norma, os 17 mil euros, valor até ligeiramente superior ao verificado antes da pandemia. Além disso, os “fornecimentos e serviços externos” da Angel Minds – que reflectem sobretudo os cachets pagos aos artistas – atingiram em 2022 o valor recorde de quase 410 mil euros, face aos cerca de 285 mil euros em 2019, 82 mil euros em 2020 e 120 mil euros em 2021. Mesmo admitindo que alguns contratos pudessem ter sido cancelados, seria necessário um corte de mais de 50 espectáculos para justificar o valor de indemnização pedido pelos Anjos.

    Em 2023, embora tenha havido uma ligeira redução do número de contratos, os Anjos actuaram em 11 eventos públicos, com presença em Reguengos de Monsaraz, Lisboa, Borba, Ferreira do Alentejo, Moita, Vila Flor, Ílhavo, Águeda, Redondo, Tábua e Coruche. A actividade regular prosseguiu em 2024, com concertos em Braga, Moura, Vieira do Minho, Seixal, Portimão, Oeiras e Aljustrel, com cachets que, em regra, rondaram os 20 mil euros.

    Em 2025, os concertos já adjudicados incluem actuações em Chamusca, Vizela, Trofa, Estremoz, Póvoa de Varzim, Sesimbra e Amarante – neste último caso, a actuação realizou-se a 7 de Junho, com um cachet de 34.200 euros. Mas ainda não estão registados outros concertos já agendados. Só para este mês, segundo a sua página no Facebook, os Anjos têm agendados sete concertos, quatro dos quais em apenas uma semana.

    Sérgio e Nelson Rosado: os Anjos foram criados em 1999.

    Ou seja, apesar de uma ligeira redução no número de concertos, os valores contratados aumentaram, o que invalida qualquer narrativa de prejuízo reputacional ou boicote decorrente do vídeo humorístico.

    Acrescente-se ainda que, segundo as contas da Angel Minds, apesar de funcionar essencialmente como canal de recepção dos cachets dos irmãos Rosado, apresenta uma situação financeira sólida, com resultados transitados (lucros acumulados) na ordem dos 270 mil euros e saldos em depósitos bancários superiores a 300 mil euros.

  • Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante  5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante 5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Caiu em desgraça no início de 2021, quando liderava a task force do programa de vacinação contra a covid-19 — sendo então secundado por Gouveia e Melo, que lhe tomou o lugar —, mas Francisco Ventura Ramos nunca foi abandonado à sua sorte. Aos 69 anos, garantiu este mês a renovação por mais dois anos de uma choruda avença com o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade pública que tutelou directamente como governante

    Secretário de Estado na área da Saúde por cinco vezes, sendo que a última vez fora entre 2018 e 2019, como adjunto de Marta Temido, Francisco Ramos foi a escolha inicial do Governo em Novembro de 2020 para coordenador o processo de vacinação no auge da pandemia. No mês seguinte, acumulou com a presidência da comissão executiva do Hospital da Cruz Vermelha. E foi por causa de irregularidades na selecção de pessoal a ser vacinado nesse hospital, associado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que Francisco Ramos foi afastado da task force, dando lugar a Gouveia e Melo.

    Francisco Ventura Ramos foi o primeiro coordenador da ‘task force’ criada em Novembro de 2020 para elaborar e gerir o plano de vacinação contra a covid-19. No início de Fevereiro de 2021, demitiu-se do cargo devido a irregularidades detectadas na administração de vacinas no Hospital da Cruz Vermelha, ao qual então presidia. Foi substituído na coordenação da ‘task force’ por Gouveia e Melo. /Foto: D.R.

    O administrador hospitalar acabaria por sair do Hospital da Cruz Vermelha em Junho de 2022, já em idade de reforma, mas mantendo as funções de professor convidado da Escola Nacional de Saúde Pública.

    Mas os seus rendimentos, e a sua ligação à Administração Pública, não se reduziram por muito tempo, porque menos de um ano depois foi-lhe oferecida de ‘mão-beijadas’ uma avença mensal de 5.535 euros com a Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade que tutelou directamente enquanto governante.

    Celebrado no dia 2 de Maio de 2023, o contrato entre o SUCH e Francisco Ramos engloba um valor de 132.840 euros, com IVA. Sem qualquer caderno de encargos publicado no Portal Base, o contrato de dois anos estabelece apenas que serão prestados serviços de “consultadoria de desenvolvimento de projectos”. Contactado o SUCH, não foram dados quaisquer esclarecimento sobre as funções e tarefas efectivamente concretizados por Francisco Ramos nos últimos dois anos.

    (Da esquerda para a direita) Joel Azevedo, administrador da SUCH, Paulo Sousa, presidente da SUCH, Marta temido, ex-ministra da Saúde, e Ana Maria Nunes, administradora da SUCH. A equipa executiva da SUCH foi reconduzida num despacho de Abril de 2022 pela então ministra da Saúde, Marta Temido (na foto, a segunda a contar da direita), e o ministro das Finanças, Fernando Medina. / Foto: D.R.

    E também não se sabe o que fará nos próximos dois anos, para além de receber mensalmente os 4.500 euros acrescidos de IVA. Nesta avença, integrada num contrato assinado na semana passada, está estabelecido que Francisco Ramos, que já deve ter desenvolvido todos os projectos do anterior contrato, mostrará a sua polivalência, passando agora a fazer “consultadoria no âmbito da comunicação institucional na área da saúde”.

    No global, nos dois ajustes directos, e durante quatro anos e sem funções específicas (e sem cumprimento de horário), o antigo governante encaixará 265.680 euros, com IVA incluído, a prestar serviços de consultadoria na entidade que agrega múltiplos serviços dos hospitais, desde a gestão dos resíduos até à manutenção. Aliás, foi no pólo logístico da SUCH que ficou sediada a recepção, armazenamento e distribuição das vacinas contra a covid-19.

    Recorde-se que enquanto secretário de Estado de Marta Temido, e mesmo antes, Francisco Ramos teve sob sua tutela directa diversos organismos públicos, incluindo o SUCH. Licenciado em Economia e diplomado em Administração Hospitalar, foi secretário de Estado em quatro anteriores governos, mesmo sem estar filiado no Partido Socialista. A partir de 2014, foi presidente do conselho diretivo do Grupo Hospitalar dos IPO. Voltou a integrar um governo quando, em 17 de Outubro de 2018, assumiu a secretaria de Estado da Saúde, cargo em que ficou até 26 de Outubro de 2019.

    Gouveia e Melo, actual candidato às presidenciais, e Paulo Sousa, presidente da SUCH, numa visita às instalações da SUCH em Setembro de 2021. Gouveia e Melo sucedeu a Francisco Ventura Ramos como coordenador da ‘task force’ da campanha de vacinação. Sob a liderança de Gouveia e Melo, foram administradas vacinas a médicos não prioritários do Hospital Militar e até a um político, numa operação envolvendo a Ordem dos Médicos e então bastonário Miguel Guimarães, actual deputado do PSD. / Foto: D.R.

    A sua queda em desgraça no processo de vacinação no Hospital da Cruz Vermelho, do qual viria a ser ‘ilibado’ ao fim de oito meses, marcou a ascensão do então discreto vice-almirante Gouveia e Melo que nunca teve problemas em cometer ‘pecadilhos’, como sucedeu na vacinação de cerca de quatro mil médicos não prioritários (e até a um político) à margem das normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde. Esta operação de desvio de vacinas, numa altura ainda em escassez, foi protagonizada por um acordo ‘ad hoc’ com o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, actual deputado do PSD.

    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriria formalmente um “processo de esclarecimento” sobre o caso, que envolveu indirectamentea gestão de um fundo solidário do qual esteve também envolvida a então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, actual Ministra da Saúde. Mas a IGAS acabou por deixar ‘morrer’ a investigação, recorrendo a uma mentira sobre a data crucial de uma norma da DGS e recusando pedir testemunhos e analisar a lista dos supostos médicos vacinados.

  • Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    O cunhado do ministro Amaro Leitão, o empresário Ricardo Machado – que passou a ostentar também o apelido Leitão depois de casar com uma irmã do governante – apenas comprou em Março passado a empresa contratada pela Força Aérea para fornecer três helicópteros para combate a incêndios rurais por cerca de 20 milhões de euros, com IVA. A empresa em causa, a Gesticopter Operation Unipessoal tem sido apontada como uma das visadas na operação ‘Torre de Controlo’.

    De acordo com elementos recolhidos pelo PÁGINA UM, a empresa em causa, a Gesticopter Operation, foi criada em Março de 2024, mas nessa altura ainda não tinha qualquer ligação ao familiar do actual ministro da Presidência. De facto, a sociedade, que apresenta um capital social de apenas 5.000 euros, teve como primeiro proprietário a Gestifly, uma empresa surgida em 2021 e que, em apenas três anos, acumulou contratos milionários com o Estado português – todos por ajuste directo – no sector altamente rentável da locação de meios aéreos de combate aos fogos florestais.

    Ricardo Leitão Machado, esta semana, em entrevista ao Diário de Notícias. Foto: DR.

    Segundo os registos do Portal Base, a Gestifly celebrou quatro contratos com o Estado-Maior da Força Aérea no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), todos em 2024. O primeiro, com data de 16 de Janeiro, refere-se à aquisição de serviços no valor de 3,8 milhões de euros. Seguiram-se, a 9 de Maio, mais 2,3 milhões de euros; a 3 de Junho, um novo contrato por 3,7 milhões de euros; e finalmente, a 7 de Agosto, o mais modesto, mas ainda assim expressivo, montante de 870 mil euros. No total, só com a Força Aérea, a Gestifly encaixou mais de 10,5 milhões de euros (sem IVA) em contratos de aluguer de meios aéreos no espaço de sete meses.

    Já a Gesticopter, que acabaria por substituir a Gestifly – que deixou de concorrer aos meios aéreos, tendo apenas um pequeno contrato de pouco mais de 5 mil euros de venda de combustível à Força Aérea –, não registou qualquer contrato com o Estado ao longo de 2024. Contudo, nos últimos meses do ano passado e no início deste ano, começou a apresentar-se como concorrente em vários concursos públicos.

    Os dados recolhidos pelo PÁGINA UM mostram que a empresa participou em mais de uma dezena de concursos lançados pela Força Aérea nos últimos seis meses, sempre contra um lote recorrente de concorrentes do sector. A aparente repetição e previsibilidade das empresas candidatas – algumas das quais dificilmente teriam capacidade para assegurar todos os meios exigidos nos cadernos de encargos – suscitam, aliás, fundadas suspeitas de cartelização. Tal como não se monta um rent-a-car do dia para a noite, muito menos se arranjam helicópteros pesados de combate a incêndios com simples telefonemas ao fornecedor. Em muitos casos, as empresas subcontratam meios aéreos aos concorrentes que perderam concursos.

    Leitão Amaro, actual ministro da Presidência.

    A entrada de Ricardo Leitão Machado na Gesticopter fez-se através da Helifinance Asset Management, uma sociedade espanhola com sede em Madrid, constituída em Fevereiro de 2024. Formalmente, a compra da Gesticopter Operation, por valores desconhecidos, ocorreu a 12 de Março deste ano, segundo os registos comerciais consultados pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, em nenhum desses registos consta o nome do cunhado do ministro como sócio ou gerente, mas a consulta ao Registo de Beneficiário Efectivo revela que Ricardo Leitão Machado é o proprietário integral quer da Gesticopter, quer da Helifinance. Contudo, há algo surpreendente: nos registos de beneficiário efectivo, o nome de Ricardo Leitão Machado surge como titular das duas empresas desde a primeira quinzena de Janeiro, ou seja, antes mesmo da aquisição formal da Gesticopter. A incongruência entre os registos não deixa de levantar dúvidas sobre a transparência do processo de aquisição e da verdadeira data de entrada de Ricardo Leitão Machado no negócio.

    Também pouco transparente é o contrato celebrado entre a Força Aérea e a Gesticopter. Contrariando a lei – e mesmo decisões sobre esta matéria do Tribunal Administrativo, por estarem em causa actos administrativos em funções públicas –, a Força Aérea rasurou tanto o nome do adjudicante como do adjudicatário. Ou seja, ignora-se ainda quem da Gesticopter assinou o contrato. No caso da Força Aérea, é apagado o nome de quem assina o contrato, mas mantém-se a referência ao cargo: chefe do Serviço Administrativo e Financeiro. Esta função é actualmente ocupada pelo coronel Carlos Miguel de Amorim Inácio, que é economista.

    Helicopter: empresa com capital social de 5.000 euros ganha concurso de 20,1 milhões de euros.

    O contrato de 20,1 milhões de euros (quase 16,4 milhões sem IVA) agora atribuído à Gesticopter pela Força Aérea, para fornecimento de três helicópteros pesados durante três anos, constitui assim a primeira adjudicação pública da empresa sob a nova direcção. Mas não deixa de ser inquietante que uma empresa sem qualquer histórico de execução de contratos semelhantes, com um capital social mínimo e sem meios próprios conhecidos, vença um concurso desta dimensão.

    A avaliação de risco por parte da Força Aérea levanta, por isso, justas interrogações. Afinal, o custo de um helicóptero com as características técnicas exigidas pelo concurso oscila, segundo fontes especializadas contactadas pelo PÁGINA UM, entre 7 e 25 milhões de euros por unidade, dependendo do modelo, estado e equipamentos opcionais. Como pode uma empresa com 5.000 euros de capital social garantir três helicópteros, com estas especificações, por três anos, e cumprir as exigências operacionais e de manutenção previstas nos cadernos de encargos? Com meios próprios ou subcontratando concorrentes, ficando apenas com uma comissão?

    Saliente-se que este contrato não é, contudo, a primeira experiência de Ricardo Leitão Machado associado ao sector florestal. Há uma década, segundo uma investigação da revista Visão publicada no início de Agosto de 2022, o cunhado do ministro da Presidência foi arguido num processo judicial relacionado com fraudes no acesso a apoios do Fundo Florestal Permanente. No processo, julgado no Tribunal de Sintra em Outubro de 2014, o empresário foi inicialmente acusado, juntamente com três outros arguidos, de burla qualificada e falsificação de documentos.

    Registo mostra que a Helifinance Asset Management foi adquirida por Ricardo Leitão Machado apenas em 12 de Março de 2025.

    Durante o julgamento, veio a ser alegada – e aceite pelo tribunal – a reparação integral dos prejuízos causados aos lesados, nomeadamente ao BPI, que reclamava cerca de 321 mil euros. Essa reposição permitiu a extinção da responsabilidade criminal pelo crime de burla, mas o julgamento prosseguiu quanto à falsificação de documentos, pelo qual Ricardo Leitão Machado acabaria condenado a pagar uma multa de 10.000 euros. Tentou ainda recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso.

    No seu percurso empresarial, Ricardo Leitão Machado, que conta 45 anos, tem acumulado projectos e interesses diversos, incluindo a criação de cavalos e direitos nas Termas de Monfortinho, tendo também adquirido a Herdade do Vale Feitoso, uma propriedade com 7.300 hectares, que pertenceu a Ricardo Salgado. Terá pagado 25 milhões de euros. O cunhado de Amaro Leitão também teve negócios em Angola, onde terá enriquecido sobretudo durante o ‘reinado’ de José Eduardo dos Santos. Com a presidência de João Lourenço, os negócios complicaram-se. Em 2019, o Estado angolano arrestou os activos de uma sua empresa, a Aenergy, acusando-a de fraude num negócio de turbinas de mil milhões de euros. O caso está ainda num tribunal arbitral nos Estados Unidos.

  • Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Depois do apagão de 28 de Abril, que mergulhou o território nacional numa escuridão simultaneamente literal e simbólica, as vulnerabilidades estruturais ficaram bem patentes no abastecimento de edifícios e infra-estruturas estratégicas. Desde o caso dos jerricãs que o Governo queria enviar para a Maternidade Alfredo da Costa, através dos motoristas dos ministros, até às falhas na rede de comunicações, incluindo o SIRESP, foram os sinais mais evidentes de um país que continua a confiar no improviso como política de resiliência.

    O episódio, que transformou Portugal num caos ao longo de cerca de dez horas, revelou não apenas a fragilidade dos sistemas críticos, mas também a ausência de planeamento integrado para situações de emergência. A dependência de soluções ad hoc ilustra um modelo de governação mais próximo do remendo do que da prevenção.

    closeup photo of lighted bulb

    No caso do SIRESP, que deveria assegurar comunicações robustas entre forças de socorro, a sua falência parcial confirmou a persistência de erros que já tinham sido denunciados nos incêndios de 2017. O apagão de Abril funcionou, assim, como um teste involuntário à robustez do Estado – um teste que, mais uma vez, o país reprovou com estrondo.

    Não por acaso, a E-Redes – a subsidiária do Grupo EDP, anteriormente conhecida por EDP Distribuição e responsável pelo transporte em média tensão e para os consumidores residenciais – tem vindo a ser pressionada para encontrar soluções que permitam, caso haja novos apagões, a garantia do abastecimento ininterrupto em pontos estratégicos, como hospitais, centros de controlo operacional, quartéis de bombeiros ou infra-estruturas de comunicações.

    Exemplo claro desta mudança foi o lançamento, esta semana, de um concurso público protagonizado pela E-Redes para a aquisição de um total de 36 centrais móveis de produção de energia eléctrica. De acordo com os documentos aos quais o PÁGINA UM teve acesso, a medida visa reforçar a capacidade de resposta em situações de emergência, evitando cenas dignas de um país em vias de subdesenvolvimento.

    Maternidade Alfredo da Costa esteve em risco de não ter electricidade durante o apagão de 28 de Abril.

    Embora não se tenha ainda conseguido saber, junto de fonte oficial da E-Redes, se estão previstas mais aquisições nem apurada a distribuição, para já está prevista a compra de uma central móvel de 1250 kVA (kilovolt-ampere), equipada para operar em média tensão (10, 15 e 30 kV), com capacidade de sincronismo com a rede e de alimentar infra-estruturas críticas de grande dimensão. A par disso, prevê-se ainda o fornecimento de oito geradores móveis de 630 kVA e mais 27 de 250 kVA, todos desenhados para actuar em modo de socorro em postos de transformação ou directamente junto a edifícios estratégicos.

    Com uma potência de 1250 kVA, é possível assegurar o funcionamento contínuo de grandes infra-estruturas críticas, como hospitais centrais com blocos operatórios em actividade plena, centros de dados de média dimensão, aeroportos regionais com terminal e torre de controlo, ou ainda grandes centros comerciais e unidades industriais com maquinaria pesada. Já potências na ordem dos 630 kVA são compatíveis com hospitais distritais ou maternidades, escolas secundárias com sistemas integrados de climatização, edifícios governamentais com centros de dados, estações ferroviárias urbanas ou instalações fabris de menor escala.

    Por fim, equipamentos com capacidade para 250 kVA garantem o abastecimento de infra-estruturas mais compactas, como centros de saúde, quartéis de bombeiros, esquadras, supermercados de média dimensão, pequenos hotéis ou centros locais de comunicações, como retransmissores do SIRESP.

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    As especificações técnicas previstas no caderno de encargos são robustas, incluindo a existência de chassis com reboque apto para circulação em todo o território. E, claro, motores a diesel – porque, quando a electricidade falha, ainda são os combustíveis fósseis a dar uma ajuda.

    Embora o concurso público não indique um custo mínimo nem máximo, porque se estará numa fase de qualificação de concorrentes para depois se passar a um procedimento de negociação, o PÁGINA UM sabe que, considerando os preços de mercado de geradores desta natureza, mostra-se previsível que o investimento oscile entre 5,0 e 6,5 milhões de euros. Um valor significativo, mas irrisório se considerarmos que a EDP contabilizou um lucro de 801 milhões de euros no ano passado e que os serviços da E-Redes são uma concessão do Estado, que exige padrões de qualidade no abastecimento.

    Independentemente disto, estas compras da E-Redes não eliminam o risco de novas falhas na rede – sobretudo enquanto Portugal continuar estruturalmente dependente da energia importada de Espanha –, mas mitigam os efeitos mais visíveis e embaraçosos. Estas centrais móveis funcionam, na prática, como extintores sobre rodas: não impedem o incêndio, mas evitam que chegue com maior impacte à opinião pública.

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    E significa também que a E-Redes já não confia tanto na REN, depois do apagão de 28 de Abril, que, um mês depois, continua sem uma explicação formal. Aliás, ao longo das últimas semanas, a REN tem procurado desresponsabilizar-se do processo. Esta semana, a associação Frente Cívica, liderada por Paulo de Morais, pediu ao Governo que exigisse uma indemnização no valor de 780,5 milhões de euros, valor estimado dos prejuízos em diversos sectores, incluindo mesmo das empresas de distribuição eléctrica.

    Na carta enviada ao primeiro-ministro, a Frente Cívica diz mesmo que “na eventualidade de não conseguir indemnizar, a REN poderá sempre entregar a concessão de volta ao Estado português, legítimo representante dos cidadãos ludibriados pela sua incúria.”

  • Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    A factura da luta contra a vespa asiática, uma espécie exótica e invasora que chegou ao Minho em 2011, está a aumentar cada vez mais, e a estender-se por praticamente todo o país. De acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM aos contratos de entidades públicas com empresas externas – ou seja, sem considerar gastos com recursos próprios –, os encargos já atingem quase 8,9 milhões de euros, aproximando-se dos 11 milhões de euros considerando o IVA. O crescimento dos gastos tem sido particularmente evidente desde 2020.

    Os números não deixam margem para dúvidas: se entre 2015 e 2018 os valores anuais nunca ultrapassaram os 400 mil euros (sem IVA) – e totalizaram 748 mil euros nesse quadriénio –, a partir de 2019 os montantes dispararam. Nesse ano quase atingiram meio milhão de euros e em 2020 os gastos ultrapassaram os 885 mil euros, subindo para quase um milhão no ano seguinte.

    O pico foi, por agora, atingido em 2022, com 2,43 milhões de euros em encargos públicos com empresas contratadas para acções de controlo da vespa asiática, essencialmente a destruição de ninhos. Em 2023, apesar de uma ligeira redução para 1,66 milhões, os valores continuam a expressar uma pressão orçamental elevada. Em 2024, os contratos celebrados ascendem já a 1,17 milhões, e até ao final do quinto mês de 2025 os encargos atingem quase meio milhão de euros, perspectivando-se novo agravamento.

    Este esforço financeiro está a ser suportado maioritariamente por municípios e comunidades intermunicipais, que nos últimos anos têm multiplicado as adjudicações a empresas privadas para resposta rápida a situações de infestação. O PÁGINA UM contabilizou 108 entidades públicas com despesas registadas do Portal Base, localizadas em quase todas as regiões do país concedendo assim uma dimensão nacional a esta espécie invasora.

    A proliferação da vespa asiática – uma predadora voraz de abelhas melíferas – tem vindo a provocar prejuízos significativos na apicultura nacional. A sua acção agressiva junto às colmeias compromete a produção de mel, ameaça a polinização e, em casos mais graves, conduz à destruição completa de enxames. A cada ano que passa, o problema deixa de ser apenas ambiental e económico para ganhar contornos de política pública, exigindo mais meios, mais formação e maior coordenação.

    Apesar de a invasão ter começado no Minho, a entidade com maior despesa acumulada é agora a Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Leiria, com 716.952 euros, distribuíudos por três contratos desde 2022, que abrangem os municípios de Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós. A retirada de cada nicho de vespa tem um custo de quase 90 euros. Segue-se a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, com 456.711 euros, e o município de Vila Nova de Famalicão, com 396.518 euros – este último com um histórico de despesas particularmente concentrado entre 2015 e 2017, o que reflecte uma das primeiras zonas mais severamente atingidas pela praga.

    Outros municípios de relevo na factura pública incluem o do Porto, com 324.400 euros; Cascais, através da sua empresa municipal de ambiente, com 274.500 euros; e a CIM do Alentejo Central, com 228.534 euros. Estes valores, distribuídos em muitos casos por vários anos, revelam tanto o carácter persistente do problema como a ineficácia das acções isoladas e reactivas.

    Acima de gastos de 100 mil euros encontram-se oito comunidades intermunicipais – CIM do Alentejo Central (228.534 euros), do Oeste (225.574 euros), das Beiras e Serra da Estrela (214.405 euros), de Viseu Dão-Lafões (147 845 euros), do Cávado (139.331 euros), do Douro (131.200 euros), Beira Baixa (126.310 euros), da Região de Coimbra (124.633 euros) – e municípios – Tondela (213.064 euros), Sintra (184.380 euros), Ílhavo (174.542 euros), Maia (152.336 euros), Montalegre (151.240 euros), Águeda (146.396 euros), Vagos (142.550 euros), Mortágua (122.500 euros), Mafra (120.220 euros), Loures (110.550 euros), Sertã (110.050 euros), Castro Daire (110.000 euros), Ourém (109.250 euros), Paredes (108.000 euros), Aveiro (107.250 euros) e Vila do Conde (107.083 euros) – e ainda a Universidade de Coimbra (111.160 euros).

    Actualmente, há registos de despesas em quase todas as regiões do país, incluindo municípios do Algarve, como Loulé e Alcoutim, que até há pouco tempo estavam fora do mapa de infestação. Também nos distritos de Guarda e Castelo Branco os contratos com empresas para destruição de ninhos tornaram-se mais frequentes, evidenciando a propagação da espécie para territórios anteriormente poupados.

    Apesar do esforço financeiro crescente, a eficácia do combate permanece questionável, porque embora os gastos globais tinham tido o seu pico em 2022, houve um alargamento geográfico nos últimos anos. Nos últimos cinco anos, entre 39 e 47 entidades públicas têm feito contratos para erradicação da vespa asiática, incluindo retirada e eliminação de ninhos, colocação de armadilhas ou estudos de monitorização.

    Em todo o caso, o impacto financeiro é apenas uma face visível de um problema com múltiplas consequências. Estima-se que uma colónia de vespa asiática possa capturar até 50 abelhas por dia, num processo contínuo que esvazia colmeias e perturba o equilíbrio dos ecossistemas. A ausência de predadores naturais e a elevada taxa de reprodução tornam o controlo extremamente difícil, sobretudo num território tão vasto e com dispersão habitacional significativa.

    Face ao crescimento da ameaça, vários especialistas têm apelado a uma resposta nacional concertada, com partilha de meios técnicos, formação de equipas especializadas e monitorização científica constante. No entanto, até agora, apesar de um plano de acção e de um sistema de monitorização e alerta, protagonizado pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, a actuação tem sido fragmentada, assente em reacções avulsas e numa lógica de “apagar fogos” à medida que os ninhos surgem.

    No início do ano passado, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelou que entre 2011 e 2023 tinham sido destruídos mais de 140 mil ninhos de vespa-asiáticas, mas sem o insecto dar tréguas. O resultado aparenta ser assim um contínuo ciclo de despesa sem controlo efectivo da propagação da praga.

  • Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Já passaram vários anos, mas as medidas restritivas impostas por António Costa na pandemia de covid-19 ainda hoje causam mossa aos contribuintes. É o caso dos litígios entre Estado e diferentes concessionárias de serviços de transportes, em fase de arbitragem, mas que só em assessores e peritos já custaram, por agora, mais de 1,6 milhões de euros ao erário público.

    A despesa mais recente, no valor de 80 mil euros (sem IVA), deveu-se à contratação de um perito de Israel, Andrés Ricover, no âmbito do processo de arbitragem solicitado pela ANA, que gere 10 aeroportos nacionais. A contratação daquele especialista do sector da aviação foi efectuada por ajuste directo, no passado dia 13, pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), segundo informação disponível no Portal Base, a plataforma que agrega os contratos públicos.

    Foto: D.R.

    Andrés Ricover, um perito de avião que opera a partir de Tel Aviv, vai assessorar o Estado na disputa com a ANA, que, como outras concessionárias, está a pedir uma compensação pública. A empresa gestora dos aerportos nacionais, subsidiária da francesa Vinci, pede 210 milhões de euros de indemnização ao Estado a título de reposição do equilíbrio financeiro (REF).

    Mas as despesas começaram já no ano passado com a contratação de diversos consultores e sociedades de advogados, pagos a ‘peso de ouro’. De entre os consultores contratados pelo IMT destaca-se a SFgo, uma empresa criada apenas em Novembro de 2022 por Joana Carvalho, logo no mês seguinte a esta economista ter antecipado a sua saída da vice-presidência da Admnistração Central do Sistema de Saúde (ACSS). A facilidade como certas novas empresas acumulam ajustes directos constituem uma das ‘maravilhas’ do modelo de contratação pública em Portugal.

    Desde Maio do ano passado, a empresa da antiga vice-presidente da ACSS e também ex-quadro do Banco Espírito Santo na área das parcerias público-privadas (PPPs), teve artes e engenhos para sacar 11 ajustes directos, com uma facturação previsível de cerca de mil euros. Só teve o incómodo de participar num concurso público, em companhia da sociedade de advogados Sérvulo & Associados, para um estudo de viabilidade financeira da barragem do Pisão, no Crato.

    Foto: D.R.

    No caso de litígios com concessionárias por causa da pandemia, o presidente do IMT, João Caetano da Silva, achou que não havia ninguém mais capaz do que a empresa recém-criada por Joana Carvalho, e entregou-lhe não um, nem dois, nem três, nem quatro, mas logo cinco ajustes directos para auxiliar a posição do Estado nos litígios com a Lusoponte, a Autoestradas do Douro Litoral (dois contratos), a Scutvias (Beira Interior) e a concessão Oeste. Cada contrato teve um valor unitário de 94.500 euros (sem IVA), totalizando assim 581.175 euros, com IVA incluído.

    Pouco atrás, nos benefícios pelos litígios, encontra-se a Sérvulo & Associados, que facturou cerca de 544 mil euros (IVA incluído) em dois contratos. O primeiro foi assinado no dia penúltimo dia do ano passado, no valor de 221 mil euros (sem IVA), para a aquisição de serviços de representação jurídica, patrocínio forense da concessão da Auto-Estrada do Douro Litoral.

    O segundo contrato com esta sociedade de advogados foi assinado no passado dia 24 de Fevereiro referente à a aquisição de serviços de representação jurídica e patrocínio forense no âmbito da arbitragem com vista à eventual prorrogação da concessão das pontes sobre o Tejo à Lusoponte. Também este contrato foi adjudicado por ajuste directo pelo valor de 221 mil euros.

    Foto: D.R.

    Recorde-se que a Lusoponte detém a concessão das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, em Lisboa, e tem actualmente como presidente do conselho de administração António Ramalho, ex-presidente-executivo do Novo Banco. A concessionária exige o prolongamento da concessão – que terminaria em Março de 2030 – por mais 10 meses.

    Houve mais duas sociedades de advogados que já encaixaram verbas para ‘ajudar’ o Estado: a Lobo Vasques & Associados teve direito a 75 mil euros por diversos pareceres, enquanto a Vieira de Almeida foi contratada pela Direcção-Geral das Obras Púlicas e Transportes Terrestres do Governo Regional dos Açores Serviços para serviços de assessoria jurídica no âmbito da acção arbitral relativa ao impacto da pandemia na SCUT da ilha de São Miguel. Receberá 160 mil euros (sem IVA). Em ambos os casos os contratos foram celebrados por ajuste directo, sendo que, entre as razões para a escolha destas sociedades, pode estar, por hipótese académica, uma vez que se desconhecem critérios objectivos, a cor dos olhos dos advogados.

    Contando com estes contratos, são 13 os que já foram assinados para litígios com concessões alegando impactes da pandemia. Um dos mais recentes é o contrato feito com a TIS PT para para estudar o tráfego das pontes concessionadas à Lusoponte “destinado a fundamentar a posição do Estado português no litígio arbitral”. São mais 19.500 euros por ajuste directo, sem IVA.

    Também relevante, até por ter sido o primeiro neste ‘lote pandémico’, foi a contratação, por ajuste directo, da Ernst & Young em Abril do ano passado. No valor de 90.000 euros (sem IVA), foram contratados serviços à consultora para análise à demonstração do reequilíbrio financeiro da concessão Oeste com o objectivo de fundamentar a posição do Estado Português no Tribunal Arbitral no litígio com a Autoestradas do Atlântico.

    Foto: D.R.

    Pelo andar da carruagem, e dada a acumulação de processos arbitrais devido a este tema, é expectável que a despesa pública com serviços de assessoria financeira , técnica e jurídica se multiplique. Além disso, existe o risco de o desfecho de alguns destes processos resultarem em mais custos para o Estado, em compensações a pagar a concessionárias.

    Assim, para já, a ‘portagem’ paga pelos contribuintes em serviços de assessoria relacionada com os pedidos de compensação de concessionárias vai pelos 1,6 milhões. Mas a factura final, incluindo eventuais compensações do Estado, ainda está longe de ser contabilizada, até porque, ao contrário do que o Governo de António Costa fez crer, quando decidiu ‘fechar’ o país, nada ficouj bem bem.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

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    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    Uma semana antes do apagão eléctrico histórico registado em Portugal, a empresa concessionária da rede de transporte de electricidade em muito alta tensão não aparenta ter um especial interesse em focar-se somente na salvaguarda da infraestrutura eléctrica nacional. Apesar de deter uma concessão estratégia, a REN, que tem como maior accionista a estatal chinesa State Grid Corporation of China, e já quase não conta com capitais de investidores portugueses, mostra sobretudo ambições de crescer no outro lado do Atlântico, mais concretamente no Chile, com uma população quase o dobro da portuguesa.

    No passado dia 21 de Abril, a segunda-feira anterior ao dia em que Portugal mergulhou no caos devido ao ‘blackout’, a REN, liderada pelo português Rodrigo Costa — antigo gestor do grupo Portugal Telecom —, anunciou a compra de mais uma empresa chilena: a TENSA – Transmisora de Energía Nacimiento, por 71,4 milhões de dólares (62,5 milhões de euros). Esta aquisição reforça a aposta declarada da empresa no Chile, onde já detém participações significativas na Electrogas e é accionista único da Transemel, adquirida em finais de 2019.

    Se o negócio chileno prossegue com ambição — somando a nova aquisição, os investimentos no país sul-americano ultrapassam já os 100 milhões de euros desde 2023 —, o mesmo não se pode dizer da estrutura patrimonial em Portugal, ou seja, da rede nacional de transporte de electricidade e da rede de gás.

    De facto, entre 2019 e 2024, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos indicadores financeiros mais relevantes da empresa, obtidos através dos relatórios e contas, a REN registou uma redução real de cerca de 939 milhões de euros em activos não correntes, quando ajustada à inflação acumulada de 17,36% neste período.

    Em euros reais, estes activos, constituídos maioritariamente pelas infra-estruturas concessionadas (e que necessitam de manutenção, substituição e expansão) caíram de um equivalente a 5.762 milhões em 2019 (o valor nominal foi de cerca de 4.910 milhões) para apenas 4.823 milhões em 2024 — uma redução efectiva de 16,3% do seu património técnico e operacional. Este número é sintomático: o investimento realizado pela empresa não tem sido suficiente para repor sequer o valor dos activos que se vão amortizando.

    No mesmo período, os investimentos líquidos da REN em Portugal foram negativos quando se descontam os cerca de 279 milhões de euros em subsídios ao investimento concedidos pelo Estado entre 2019 e 2024.

    Com efeito, excluindo a componente relativa ao Chile, os investimentos da REN em Portugal — conforme reportado nas demonstrações dos fluxos de caixa — ascenderam a 1.374 milhões de euros nos últimos seis anos, enquanto as amortizações (associadas aos activos intangíveis concessionados, como as linhas de muito alta tensão) totalizaram 1.476 milhões de euros. Ou seja, sem o apoio público através de subsídios, a concessionária teria investido menos do que aquilo que os seus principais activos perderam em valor, o que evidencia uma trajectória de desinvestimento líquido real na infraestrutura eléctrica nacional.

    Nos seus documentos estratégicos, a REN tem destacado como objectivo a expansão das suas operações no Chile com “crescimento orgânico e aquisições pontuais”. No caso da Tensa, agora adquirida, trata-se de uma empresa que opera cerca de 190 quilómetros de linhas de transmissão, situadas maioritariamente na zona Centro-Sul do Chile.

    Com esta operação, a REN passa a operar cerca de 280 quilómetros de linhas e cinco subestações no país sul-americano, consolidando uma presença que já consome recursos significativos: foram ali investidos 107 milhões de euros entre 2019 e 2024.

    Este avanço para o Chile faz parte do plano estratégico da REN que prevê um investimento entre 1.500 e 1.700 milhões de euros a efectuar no período 2024-2027. No seu plano estratégico, a REN garante aos investidores que vai acelerar o “compromisso de permitir a transição energética e promover o crescimento económico, intensificando o nosso plano de investimento para permitir o crescimento em energias renováveis”.

    Entretanto, os accionistas da empresa — onde, além dos chineses da State Grid Corporation, se destacam a Pontegadea, a Lazard Asset Management, a Fidelidade e a Red Eléctrica — têm colhido dividendos generosos. Tal não se tem devido tanto à expansão da actividade e da prestação de serviços, mas sobretudo à contenção de investimentos — uma postura típica de empresas em fase de exploração de activos maduros. Ou seja, a REN comporta-se num regime de “vaca leiteira”, como se o sistema de transporte eléctrico português existisse apenas para gerar retorno financeiro.

    No passado dia 15 de Abril, os accionistas da empresa aprovaram em assembleia-geral a distribuição de 104.749.028 euros em dividendos. Este montante corresponde a uma distribuição de 68,7% do resultado consolidado da REN no ano de 2024, que atingiu os 152,5 milhões de euros — um aumento de 2,2% face ao ano de 2023. A entrega desta verba aos accionistas foi feita através de reservas acumuladas disponíveis, o que reflecte uma política financeira focada na remuneração de capital, mesmo num contexto de estagnação dos activos operacionais.

    O conselho de administração da REN — composto por 14 membros — já tinha aprovado, no dia 6 de Março deste ano, o pagamento antecipado de 42,7 milhões de euros em dividendos aos accionistas da empresa. Assim, a empresa avançou com o pagamento de mais 62 milhões de euros aos seus investidores.

    Num país onde a infraestrutura eléctrica sofreu a sua maior falha em décadas, e onde os activos técnicos da rede de transporte se degradam em valor real, a aposta prioritária em geografias distantes como o Chile — aliada à drenagem sistemática de lucros sob a forma de dividendos — suscita dúvidas legítimas sobre as prioridades da REN. A empresa que nasceu da tutela do Estado português mostra hoje actuar segundo lógicas financeiras globais, sem compromisso estratégico claro com o investimento sustentado na infraestrutura crítica nacional.

    As trocas comerciais na passada segunda-feira — em que o mercado grossista estava a exportar electricidade para Espanha até cerca de três horas e meia antes do apagão, num cenário em que Portugal viria depois a importar 30% do seu consumo — são um exemplo paradigmático de como o sistema opera no fio da navalha. Embora estas decisões estejam automatizadas no quadro do mercado ibérico MIBEL e não dependam directamente da REN, o episódio levanta legítimas questões sobre a resiliência operacional e a eventual ausência de margens de segurança. Ironicamente, ficou-se a saber que se tem electricidade ‘sem rede’.

  • Excessiva dependência energética de Espanha causou ‘blackout’ em Portugal

    Excessiva dependência energética de Espanha causou ‘blackout’ em Portugal

    A opção política nos últimos anos de encerrar as centrais térmicas nacionais, nomeadamente a carvão e a gás, e de adoptar um modelo energético baseado na produção por renováveis e na importação de electricidade, tornou Portugal especialmente dependente do funcionamento do sistema eléctrico espanhol. Antes, apenas raramente Portugal recorria às importações de electricidade de Espanha; agora são praticamente diárias.

    Esta dependência estrutural, assente na interligação ibérica e na redução da capacidade de resposta interna, fragilizou a segurança energética do país, tornando mais vulnerável o equilíbrio da rede nacional em caso de perturbações externas. E hoje esse problema tornou-se evidente.

    green trees near snow covered mountain during daytime

    Segundo apurou o PÁGINA UM, a origem do “apagão” em Portugal teve como causa um problema ocorrido no sistema eléctrico espanhol. No momento da falha, o consumo em território nacional rondava os 8.000 MW (ver nota em baixo), dos quais cerca de 3.000 MW provinham de importações de Espanha. Desde a madrugada, por opções estratégicas no despacho energético, a produção interna — através de centrais hidroeléctricas e eõlicas — tinha vindo a reduzir-se consideravelmente.

    Durante a noite de hoje, os consumos estavam a basear-se na produção hidroeléctrica e de energia não-renovável, mas a partir do nascer do sol seguiu-se o agora ‘protocolo’ habitual em dias ensolarados: aumentou a produção de energia fotovoltaica, houve uma redução expectável na produção eólica, mas em vez de se compensar com a produção hidroeléctrica, optou-se por ‘desligar’ as barragens e aumentar as importações de Espanha. O colapso deveu-se a esta opção.

    A sugestão do ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, de se estar perante um eventual ciberataque ainda coloca maior fragilidade ao sistema eléctrico português, porque está agora bastante mais dependente do seu único vizinho, Espanha, algo que não sucedia no passado. Portugal tinha, há poucos anos, um excesso de potência instalada.

    Repartição do consumo de electricidade em Portugal no dia de hoje (até às 12h15) em função do tipo e origem de produção. Fonte: REN.

    Devido a uma perturbação no fornecimento externo, aliada à impossibilidade de resposta imediata da produção nacional, gerou-se um desequilíbrio crítico: um blackout ocorre quando o consumo instantâneo excede de forma significativa a capacidade de produção disponível (ver nota em baixo). Ora, com o corte abrupto da electricidade proveniente de Espanha e sem alternativas técnicas para compensar esse défice, o sistema entrou em colapso.

    A reposição da rede eléctrica — processo designado por “black start” — pode demorar várias horas (ver nota explicativa em baixo), dependendo da necessidade de reiniciar, de forma sequencial e controlada, as diversas centrais produtoras, garantindo a estabilização da frequência da rede (50 Hz) e evitando novos desequilíbrios.


    Notas Explicativas:

    1. MW vs MWh:
      O consumo instantâneo de electricidade mede-se em megawatts (MW), enquanto o megawatt-hora (MWh) é uma unidade de energia consumida ao longo do tempo. No contexto de um apagão, o valor relevante é a potência instantânea.
    2. Equilíbrio da Rede e Frequência:
      O sistema eléctrico europeu opera de forma síncrona a 50 Hz. Pequenas oscilações são normais, mas uma queda abrupta da frequência devido a défice de produção leva ao desligamento automático para proteger equipamentos e evitar danos de maior escala.
    3. Black Start:
      A reposição de energia após um blackout não pode ser feita automaticamente. Apenas certas centrais (normalmente hidroeléctricas) têm capacidade de arranque autónomo. Estas são usadas para religar gradualmente outras centrais e restabelecer a rede, num processo que pode demorar várias horas, dependendo da extensão do apagão e das infra-estruturas afectadas.