Na entrevista feita esta semana por Piers Morgan, Cristiano Ronaldo falou da sua carreira – que já o coloca no Olimpo do futebol, a ‘escassas’ dezenas de golos para ultrapassar a barreira dos mil –, mas também da sua vida pessoal e dos seus negócios. Mas se dentro de campo, CR7 desafia os limites e o tempo, convenhamos que fora dele, no mundo dos negócios, o génio madeirense ainda aguarda um toque de mestre para transformar o seu já ‘império empresarial’ num colosso de rentabilidade.
O mais recente relatório e contas da sua holding, a CR7, referente ao exercício de 2024, mostra uma estrutura societária em grande crescimento e diversificação, mas com resultados financeiros ainda longe do brilho desportivo.

Sediada na Torre II das Amoreiras, em Lisboa, a CR7 já não é uma empresa pequena, embora seja considerada uma microempresa, por ser uma holding com poucos empregados. Tem activos de quase 148 milhões de euros, quase tudo (138,7 milhões) indexados às participações financeiras em 29 empresas espalhadas por Portugal, Espanha, Reino Unido, Países Baixos, Alemanha, Chipre, Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos.
Digamos que se trata de um império de amplitude global, mas o retorno económico é, para já bastante modesto: em 2024, a CR7 registou lucros líquidos de apenas 724.977 euros, o que representa uma rentabilidade de 0,5% sobre o activo — um número que, ironicamente, fica abaixo do juro médio de um simples depósito a prazo.
A leitura detalhada das contas permite perceber porquê. A esmagadora maioria das empresas do grupo ainda não gera lucros significativos nem dividendos. O desempenho consolidado da holding assenta sobretudo em dividendos de apenas três das 29 subsidiárias do grupo, além de rendimentos financeiros, com 245.650 euros obtidos em juros de aplicações bancárias, provavelmente devidos aos quase nove milhões de euros do activo em depósitos bancários. Este será um sinal de liquidez folgada, mas também de subaproveitamento financeiro.

De acordo com a análise do PÁGINA UM, no ano passado os investimentos da CR7 resultaram num retorno por via de dividendos de 1.220.046 euros. A Insparya, clínica de transplante capilar e medicina estética, contribuiu com 200.040 euros; a Insparya National, que gere a rede portuguesa do mesmo grupo, pagou-lhe 300.006 euros; e a Medialivre, através da Expressão Livre distribuiu 720.000 euros. Uma suprema ironia: para já, a empresa mais lucrativa de Cristiano Ronaldo é a que publica o Correio da Manhã e é dona da CMTV, que durante anos infernizou a vida do futebolista com ‘escândalos’ e fofocas. O cenário mudou quando há dois anos Cristiano Ronaldo entrou com 30% no capital do grupo de media.
Todas as restantes subsidiárias – num total de 26 – apresentaram resultados negativos ou optaram por reter lucros para reinvestimento. A conclusão é inequívoca: Cristiano Ronaldo está, sem dúvida, a construiu uma constelação empresarial vasta, mas o brilho financeiro e económico ainda é ténue.
O grupo mantém, contudo, uma solidez estrutural invejável. A CR7, S.A. apresenta capitais próprios de 20,9 milhões de euros, face a um endividamento de 126,9 milhões, mas que é essencialmente composto por financiamentos de longo prazo, internos e externos. No entanto, os custos operacionais são elevados para uma estrutura desta natureza: em fornecimentos e serviços externos a CR7 gastou quase 477 mil euros e em gastos com pessoal (apenas cinco pessoas) 167 mil euros.

Pela análise do balanço e da demonstração de resultados, o passivo será suportado pelo próprio Cristiano Ronaldo – e não por empréstimos bancários ou dívidas a terceiros, porque o pagamento de juros é praticamente zero. A estrutura de capital é robusta, a tesouraria é confortável e as contas revelam disciplina. Falta, porém, o essencial: o lucro operacional que justifique a magnitude do império.
O portefólio empresarial de Cristiano Ronaldo é hoje, de facto, uma das mais complexas estruturas privadas detidas por uma figura pública portuguesa. Com 29 empresas identificadas — 19 em Portugal e 10 no estrangeiro —, o universo CR7 constitui um verdadeiro conglomerado transnacional que se estende do turismo à biotecnologia, da tecnologia digital ao imobiliário de luxo, do entretenimento desportivo à saúde personalizada.
Acrescem outras que ainda não estão integradas na holding, como a CR7 Sports Investments e a CR7 Lifestyle. Em todo o caso, é um império onde o nome próprio é o activo mais valioso e a diversificação a estratégia dominante, mesmo que, por agora, a rentabilidade continue modesta.

Em Portugal, concentram-se as empresas mais activas e operacionais. A CR7 Footwear é a mais antiga e mantém a exploração da marca de calçado e acessórios, um dos primeiros projectos de licenciamento da imagem de Ronaldo. A 7EGEND, fundada em 2017, tornou-se o núcleo tecnológico e criativo do grupo, responsável pela comunicação digital, conteúdos e inovação associada à marca. No sector do turismo, a Category Challenge, em parceria com o grupo Pestana através da Pestana CR7 Holding, S.A., gere os hotéis CR7 em Lisboa, Madrid, Funchal e Marraquexe, consolidando a vertente de hospitalidade e lazer do império.
Na vertente da saúde e bem-estar, destacam-se a Insparya, clínica de transplante capilar e dermatologia de referência, e a Insparya National, que centraliza a gestão da rede portuguesa. Ambas foram responsáveis por dividendos no último exercício, sinal de vitalidade empresarial. A este núcleo soma-se a Erakulis, dedicada à nutrição e desempenho físico, e a Green Fit Recovery, centrada na reabilitação e performance desportiva.
No imobiliário e na gestão patrimonial, a Domum Septem e Ponta de Lança, gere activos de luxo e investimentos residenciais, enquanto a Maravilha Décimal comercializa água alcalina. Na comunicação, o seu principal activo é a participação na MediaLivre e mais recentemente a CR7 Media, por agora dedicada à coordenação mediática e digital do jogador.

Outras sociedades portuguesas ocupam nichos estratégicos: a Footlabworld, que explora a combinação entre futebol e tecnologia em experiências imersivas; a Celestialaxis, de consultoria e gestão de participações; a Smooth Odyssey, vocacionada para inovação tecnológica; a Vista Alegre Atlântica, que liga o universo CR7 ao sector do luxo e design português; e a Lisboa Racket Centre, centrada no desporto e lazer. Juntas, estas empresas representam o corpo operativo nacional do império, a partir do qual se articulam investimentos e participações externas.
No plano internacional, o grupo assume um perfil mais sofisticado e disperso. Em Espanha, Cristiano Ronaldo participa na Global Leisure Partners, dedicada à consultoria em lazer e entretenimento, na Xcell Medical Solutions, focada em medicina regenerativa, e na Dutton Invest, que gere activos e aeronaves. A sua presença ibérica completa-se com a VA Vista Alegre España, responsável pela distribuição da marca de porcelana e cristal em território espanhol.
Nos Países Baixos, Ronaldo é investidor na Catapult Therapeutics, uma start-up de biotecnologia que desenvolve terapias com anticorpos monoclonais aplicados a doenças hematológicas. No Reino Unido, detém uma posição na BQ Holding Limited (Bioniq), empresa de health-tech especializada em nutrição personalizada. Já em Chipre, através da XTEN Limited, controla uma holding de investimento tecnológico. No Luxemburgo, é accionista da Fresh-52 SARL, dedicada ao retalho alimentar e produtos de bem-estar, mas que tem um projecto planeado para Almeirim de cultura de cenouras.

O mapa empresarial completa-se com duas estruturas mais recentes e estratégicas: a CR7 Middle East, com sede nos Emirados Árabes Unidos, que gere a expansão comercial e o licenciamento da marca CR7 no Golfo; e a MPN Marketplace Holdings Ltd., ligada à operação alemã de comércio digital.
Este mosaico de 29 empresas – onde a CR7 apenas controla (mais de 50% do capital) uma dezena, sendo que as restantes acabam por ser mero investimento – traduz uma ambição global de Cristiano Ronaldo, mas também gostos e interesses pessoas: criar um império diversificado e de investimento de longo prazo que sobreviva ao jogador e transforme a marca pessoal numa holding internacional de luxo, saúde e performance.