Agora que já tudo foi dito e redito sobre a vida de Francisco Pinto Balsemão, o jornalista Frederico Duarte Carvalho deixa aqui o testemunho de cinco momentos-chave da sua vida profissional em que se cruzaram directa e indirectamente e que acabam por constituir um retrato de um País.
Momento nº 1
Dia 6 de Outubro de 1992. Estava de passagem em Lisboa, vindo do Algarve, onde tinha ido assistir ao concerto da Samantha Fox na discoteca Kiss, como jornalista estagiário de “O Primeiro de Janeiro” – ao mesmo tempo que frequentava a Escola Superior de Jornalismo do Porto – e resolvi ir com o Rui Arala Chaves fazer a reportagem sobre o primeiro dia da SIC. Vi Balsemão pela primeira vez, mas não falei com ele. Testemunhei o início histórico do primeiro dia da televisão privada em Portugal e escrevi depois um texto para “O Primeiro de Janeiro”.

Momento nº 2
Pouco tempo depois do lançamento da SIC – não consigo precisar quando, Balsemão foi ao Porto fazer uma apresentação sobre o Expresso e fui ao hotel onde decorria a sessão. Tinha na minha mente duas perguntas para lhe fazer: “Pode um jornalista ser candidato a Presidente da República” e a outra era saber onde iria ser a delegação da SIC no Porto.
Balsemão sorriu com a pergunta sobre o Presidente da República, pois considerou que era a pensar na hipótese de ser ele próprio o candidato, quando, na realidade, era eu a pensar na sempre eterna questão da isenção dos jornalistas. Quanto à localização da delegação, fiquei a saber que era no Edifício Capitólio, na Avenida da França, e que até nem era longe de minha casa. Mais tarde, fui perguntar ao delegado da SIC, José Manuel Lemos, se podia fazer um estágio.
Fiquei um mês até que me mandaram embora. Foi o suficiente para aprender como funciona o jornalismo televisivo e ficar amigo do Mário Augusto e do Alberto Serra.

Momento nº 3
Junho de 2010. Estou em Sitges, nos arredores de Barcelona, para assistir à reunião de Bilderberg. Pelo menos, até onde os jornalistas são autorizados a ir, fora do hotel e para lá do cordão policial. Balsemão convidou Paulo Rangel, então eurodeputado do PSD e o ministro das Finanças do governo socialista de José Sócrates, Fernando Teixeira do Santos. Será este último que, meses depois, em Abril de 2011, manda chamar a “Troika” à revelia do primeiro-ministro que, por sua vez, também fora um convidado de Balsemão para uma reunião de Bilderberg, em 2004, meses antes da sua ascensão ao cargo em S. Bento.
Momento nº 4
Março de 2011. Vou entrevistar Francisco Pinto Balsemão no seu palacete na Lapa, na Rua Ribeiro Sanches, para o meu livro sobre Camarate. Recebe-me com simpatia e temos uma conversa agradável, apesar da delicadeza do tema. Confirma-me aquilo que já era conhecido: estava no Porto desde quarta-feira, dia 3 de Dezembro de 1980, véspera da tragédia.
Coordenou com a direcção de campanha para que o empresário da RAR, João Macedo e Silva, emprestasse o avião Cessna da empresa e, no dia seguinte, levassem o primeiro-ministro Sá Carneiro de Lisboa ao Porto e, depois do comício extra no Coliseu, garantisse o regresso a Lisboa, de modo que o primeiro-ministro cumprisse a sua agenda oficial na sexta-feira. Estava no aeroporto à espera da chegada de Sá Carneiro quando soube da notícia da tragédia e arranjou um avião privado que o levou imediatamente para Lisboa. Sorriu quando disse que processou Augusto Cid pelas insinuações de que estava dentro de um plano para matar Sá Carneiro, nomeadamente quando o colaborador de “O Diabo” e autor de vários livros sobre Camarate contou que a sua mulher, Mercedes, teria desabafado num cabeleireiro que recebera um aviso do marido para não viajar com Sá Carneiro. “Fui até aos tarecos”, afirmou.

No fim do encontro, aproveitei para lhe fazer uma pergunta sobre a sua participação nas reuniões do Grupo Bilderberg. Disse-lhe que já ganhara várias apostas sobre quem seria primeiro-ministro em Portugal, bastando-me olhar para a lista das pessoas que ele convidava anualmente. E acrescentei que até tinha estado em Sitges. Ele perguntou como é que as pessoas que iam assistir de fora aos encontros “tinham dinheiro para estarem ali”.
Disse-lhe que, no meu caso, foi pago pelo meu próprio bolso. Lancei a provocação: “Se as reuniões não são assim nada de especial, então que tal levar-me a uma um dia para confirmar?”. Ele disse-me, com um sorriso de charme, que o meu estatuto profissional não o permitia. Três meses depois, para o encontro anual que decorreu na Suiça, Balsemão convidou António Nogueira Leite e… Clara Ferreira Alves, a ex-jornalista do Expresso e regular comentadora da SIC. Confesso que sorri e não levei a mal: confirmei que quem faz os estatutos não são as pessoas, mas sim o que Balsemão decidia sobre o que são os estatutos.
Momento nº 5
Noite de 22 de Outubro de 2025. Estou na fila para o velório de Balsemão. Atrás de mim está João Soares, que acabou de dar uma entrevista a José Manuel Mestre. Abordo o filho de Mário Soares e pergunto se se lembra da vez em que, antes das eleições europeias de 2004, fui a casa dele, junto ao Príncipe Real, para o entrevistar sobre uma possível candidatura à liderança do PS. E disse-lhe então, mal cheguei: “Então, o José Sócrates é que vai ser o próximo líder do PS!”.
Perante o espanto de João Soares, expliquei que acabara de ler que Balsemão convidara Santana Lopes e José Sócrates para o encontro de Bilderberg, que iria ter lugar em Junho, em Itália. Mencionei ainda ao filho do antigo Presidente da República que acabara de publicar um livro, em Novembro de 2003 – “Eu Sei Que Você Sabe” –, onde explicava como é que as reuniões do Grupo Bilderberg eram bons indicadores para futuras escolhas políticas. “Isso é que ainda vamos ver!”, respondeu-me João Soares, cheio de confiança.

Em Setembro, quando Sócrates venceu a corrida para a liderança do PS, telefonei ao João Soares para ouvir a sua opinião: “Frederico, acabei de sair da SIC onde encontrei Balsemão. Ele veio cumprimentar-me e dizer que tinha apreciado a forma como eu me tinha batido nas eleições. E eu, enquanto olhava para ele, só pensava: tenho de ler o livro do Frederico”. Lembrei isto ao antigo candidato e ele desabafou: “Já nem me lembrava”. A irmã, Isabel, não sei se ouviu toda a nossa conversa mas ouviu o meu desabafo: “O que Portugal não teria vivido se não tivesse sido o apoio de Balsemão a Sócrates”.
Conclusão: Agradeço a Balsemão a sua vida e o esforço que fez em deixar o mundo melhor da forma que ele acreditava como deveria ser o mundo. Foi ao fazer exactamente o contrário daquilo que os seus seguidores sempre acharam que eu deveria fazer, pude conquistar um dos mais preciosos bens que podemos ter na Terra enquanto cá estamos: liberdade de pensamento. E isso, felizmente, ao contrário de alguns que conheço, Balsemão nunca me conseguiu tirar. Antes pelo contrário, pois se não tivesse sido ele, nunca teria tido motivos para lutar pela Liberdade. Por isso, só lhe posso dizer: Obrigado por me ter dado a conhecer o que é ser-se livre de verdade!
