MANIF DO AMOR I O meu Deus ex Machina é o Cupido de caracóis. O archeiro do Amor, de seta apontada a todos os pontos erógenos, que é como quem diz, ao coração de onde tudo pulsa. Nada como desferir um tiro de besta (um arco retesado) em cheio numa generosa reentrância ou ser engolido e mastigado com o vagar de quem sobe por um molusco aprazível, natureza viva e sã. Tudo consentido e sem ponta de abuso. Imaginemos, pois, um mundo de humanos e tudo o que mexe em cópulas doces ou mais intempestivas, em concílio e devoção de todos os envolvidos que serão todos até ao esgotamento das horas, coitos apenas interrompidos para comer maçãs bravo esmolfe e beber água de riachos e ribeiros onde não cai o mijo (vá, e dar um mergulho para remover os odores numa enseada amena). Todos de lombos nus derramados em solo fértil à luz do sol manso e tépido, ora derreados pela interminável dança dos ventres, ora rejuvenescidos por simbioses de riso e ocitoxinas. Alguém se lembraria de agarrar na G3 ou na ponta e mola, no canhão ou cerrar o punho da ideologia? Façamos uma ode aos gritos de prazer. Sem o empecilho da luxúria e do desempenho. Façai eco contra as desgraças. E se não puderes levantar o membro, ponde o dedo no cu.
Nota: isto é para levar quase a sério. Ninguém é forçado a aderir e orgulhosamente sós também resulta.

MEDICINA I Quando as crianças brincam aos índios e cóbois ou aos polícias e ladrões, melhor seria que os pais lhes dissessem para brincar aos médicos e enfermeiros. O mundo precisa é de curativos, de Avicenas e Gandhis, de paz e prosperidade e harmonia, de entendimento da diversidade, não de dicotomias e narrativas extremadas. És um ingénuo, um romântico, um idealista. Pois então que seja. Se brincar aos índios e cóbois faço de Touro Sentado ou de Gerónimo. Se for aos polícias e ladrões visto o fato de Pancho Villa. Ah, não. Esperem. Esse foi um guerreiro. Faço de Jesse James ou John Dillinger, ou de Robin dos Bosques. O Ernesto foi um assassino movido pelo ardor da paixão antimperialista, porém, fez o mesmo caminho de Aquiles. E o Nixon ou o bom Bush Jr, foram o quê, a não ser defensores do modelo de virtudes americano? Por essa ordem de ideias o Viriato, esse grande guerrilheiro que fez a vida negra aos justos romanos exterminadores de etnias e culturas, foi um terrorista inimigo da Pax Romana. Guerra e Paz, andamos nisto, dificilmente sairemos disto, enquanto houver quatro pés à face da terra e muita estupidez e ignorância. Basta uma acendalha, uma chispa, um insulto, para atear o fogo da emoção. Basta uma crítica depreciativa, um comentário atirado da tresloucada leitura apressada, para criar um novo inimigo. O bloqueio é o equivalente à declaração de guerra.
Posto isto, não significa baixar os braços ou alinhar por um rebanho em fúria. Um partido, um clube ou uma seita.
Se nos matarem ou violarem e torturarem um filho ou ente querido, o mais natural é respondermos na mesma moeda. É a condição humana.
TRINCHEIRAS I Os animais fazem tocas para se esconderem dos predadores. Os animais humanos cavam trincheiras. Armam-se, ferram o dente, disparam, matam sem ser por meras contingências da alimentação. Há gente má como as cobras. Mas também há gente do Bem, digamos assim. Ou seja, seres humanos. Capazes de sair do seu ego e das suas palas até para escutar o suposto inimigo. Não se trata de ter pobrezinhos de estimação para ornar como aves de gaiola. Trata-se de ir à raiz ou raízes do mal que aflige. Há quem faça da escrita um laboratório para o Mal (a vingança), como outros escrevem alimentados pela esperança.
P.S. um palavrão bem metido sabe bem, tal como há limites para a tolerância. Agora, não se alcança a paz a fomentar a guerra.
MOBILIZAÇÃO I Gostava de ver o nobre povo e a nação valente mobilizado para questões que matam na sua própria terra. A morte em vida é terrível. As nações também morrem. A falta de instrução e de educação espiritual, por exemplo, mata que eu sei lá, só com um dedo. Os baixos salários. A exploração do patronato. A corrupção endémica. Todo o tipo de abuso e injustiça, como o benefício que leva à exclusão. A mentira política e a desonestidade intelectual. A xenofobia e a misoginia e o feminismo esdrúxulo. A falta de saúde, sobretudo mental e do aparelho digestivo. A construção de um raciocínio sistemático (antes de dar ao dedo ou ao gatilho) com princípios, meios e um fim capaz de unificar. É claro que haverá sempre obstáculos, a começar pelas capacidades de cada um. As crenças são terríveis. Informação não é sabedoria. A mim, irão ter-me sempre do lado dos inocentes e das minorias, dos Davids. Há vítimas em todos os cantos do mundo. Eu vi.
Nota: Os bravos Templários, as Ordens Militares Religiosas, eram movidos por altos ideais mas havia um inimigo a abater. O bastardo de Avis matou pelo seu próprio punho. Admito admiração por William Wallace ou José Doroteo Arango Arámbula, todos os que estão do lado dos sem terras. Foram necessários combatentes para repor a justiça. Exércitos de Soldados da Paz, é o que faz falta.
FORMAS I As formas de levar bolos ao forno têm formas variadas. A variedade é salutar. Imagine-se Lisboa plana e sem colinas, toda igual de habitação e salário, elevado já agora. Lá se ia pelo cano o negócio dos tuks e as sociedades de investimento. Os gostos discutem-se. Discutir não é berrar ou acabar tudo à porrada, de naifa entre as costelas ou tiro nos miolos.
Vou dizer o seguinte à vossa sana consideração: posso gostar de escritores Israelenses como o falecido Meier Shalev ou um compositor judeu? Um Espinosa, uns Camondo, um Simão Sólis? Tal como apreciar um Ibn-Arabi, um Tagore, um Ali, um Gore Vidal, Norman Mailer, Truman Capote, Henry Miller, um zé não sei das quantas que dorme na Figueira porque veio aqui parar iludido com os euros europeus e precisa mas é de ajuda? O jornalismo ensinou-me a escutar ambas as partes e as terceiras. É tão radical quem está à esquerda ou à direita. A virtude do centro (não comercial) é a de quem calça os sapatos dos outros. Quando cito Emma Goldman ou Etienne de la Boétie, Montaigne ou Nestor Makhno, elejo quem considero virtuoso na defesa da individualidade, vulgo, Liberdade de pensar e agir. Alguns recorreram às armas para lutar pelo seu ideal. Se nos invadirem, atacarem, tentarem submeter, é justo. Ainda não descobri nenhum mais avisado do que o acrata teósofo Jiddu Krishnamurti.
Lede esta frase.
“A vida exige acção extraordinária, criadora, revolucionária. Só no despertar dessa inteligência criadora há possibilidade de se viver num mundo pacífico e feliz”.
É o meu santo e senha de todos os dias, enquanto faço pela Vida.
ESPERANÇA DE VIDA I Se tudo correr bem, daqui a 40 anos e picos ainda estaremos por cá a contar a História. Uns talvez partam em breve, ainda jovens ou já carcomidos. Quem sabe o dia do adeus, a não ser os suicidas? Os portugueses são peritos no suicídio. Unamuno dixit. Cada um de vós, tal como eu, tem uma ou duas estórias para contar, façanhuda ou cabotina, de maldade ou bondade. O somatório é a História da Humanidade. Há muito de desumano nessa História. É a selecção natural, dirão os cínicos e os clínicos. Se formos a ver bem, o que leva ao extermínio de uns e outros é a mania da superioridade. A reboque dessa mania vêm os deuses ou a fobia dos ateus profanos que odeiam os adoradores de templos. É como nos clubes de futebol ou hóquei. Também se mata por isso. Os tempos nunca foram pacíficos. Viver custa a todos, mais ou menos abonados pelas circunstâncias. O que fazer quando tudo arde?
Em primeiro lugar ajudar e apoiar filhos e pais, além do amor conjugal se o houver. A família é muito importante. Seja lá onde for, abrir os braços ao estrangeiro e ao desconhecido que é o que somos todos em qualquer parte. Aprender línguas, ler os humanistas cujas obras e vidas se entrelaçaram. De todos os quadrantes e hemisférios para lograr a mundividência. Evitar a cegueira das paixões (políticas, religiosas e clubísticas), e também no domínio das relações conjugais. O ciúme e a inveja matam. Cooperar no lugar de competir. Aceitar a diferença e até os pólos opostos. Nem todos sabem o que fazem, ou mesmo o que fazer.
Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)