É A ECONOMIA, ESTÚPIDO I A violência nasce da frustração. Pode ser apenas um grito de raiva ou uma acção colectiva. Por exemplo, sabemos (sabeis, certo? Talvez até tirais partido da propriedade) que arrendar uma casa não é para todos. Ide aos sites e vede quanto custam e o que é pedido. Os ordenados (quando os há) não batem certo com o valor da renda. O certo é uma renda representar um terço do salário e nunca acima das possibilidades. Isto, de cobrar os olhos da cara, não vai mudar. Quanto à aquisição e ao recurso ao crédito bancário são outros 500.
Depois, há o acesso aos alimentos e bens essenciais, nas mãos de galifões de grandes superfícies que recrutam na base do salário mínimo africano. Já para não falar da qualidade dos alimentos. Viver custa e não é barato. Enquanto isso, peleja-se pelas quinas e símbolos da agremiação desportiva onde o dinheiro é de outra galáxia. Aspiram os putos a serem artistas da bola. Pudera. Ou então entrarem na vida política e juntarem-se aos coros de sapos. Exibirem o que se constrói num chatgpt ou fazerem de conta que são felizes. Isto não vai mudar. O dinheiro é quem mais ordena e nós (a maioria) somos as tetas para ordenhar e manter ordenadas. De ordenado mínimo, se possível. Se escrever aqui for a pagantes, haverá deserção em massa, como quando a necessidade pede acção. Acção directa.

À MERCÊ DE MERCEEIROS E MERCENÁRIOS I O desastre do elevador da Glória levanta questões graves e sérias sobre a gestão e a política. Acidentes sucedem, mas podem ser evitados se houver o cuidado de não facilitar. Há uma manutenção imperativa a fazer e remunerada a condizer com a responsabilidade. Há a lotação para respeitar. Se for apurada a ausência de contrato de manutenção há pelo menos um mês (como se aventa) é um crime. Tal como muitos crimes e impunidades que se alastram onde cheira a dinheiro. Lisboa tresanda a esturro e avidez. Este acidente é muito mais do que um acidente. É um presságio.
P.S. Ando a alertar para a falta de obrigação de inspecções obrigatórias aos veículos de animação turística, que mais cedo ou mais tarde redundará num acidente fatal, fora o imperativo não obrigatório de certificado profissional para o exercício da profissão, ou mesmo o cadastro limpo. Leram aqui.

DESGRAÇAS I Se um tuk perder os travões numa rua íngreme e a descer pode dar-se o caso de morrerem 6 passageiros, mais o condutor e uns quantos transeuntes de passagem, vítimas do acaso. Não faço a mínima ideia de quantos tuks há a circular, ou quantos há no mercado (registados ou não, com matrículas falsas) mas serão mais de 500, todos os dias. Uma coisa é certa: não é obrigatório fazer inspeções aos veículos e duvido que os donos lhes dêem assistência regular. Ou seja, é mais um ramo de uma tragédia à espera de acontecer. Dou de barato que os governos se estejam nas tintas para a obrigatoriedade de certificação profissional, de cadastro limpo ou quem tem competências para este ofício.
Porém, nesta matéria de segurança não facilito. Até sou capaz de arriscar que há tuks a circular sem todos os seguros obrigatórios ou registos de animação turística. Como é próprio das repúblicas das bananas. Conduzir sob o efeito de estupefacientes são outros 500. Haveria mais temas de peso para analisar mas deixemos o tema de lado e voltemos à segurança. Não sinto segurança de qualquer espécie a circular nas ruas de Lisboa, seja pela condução mentecapta, seja pela agressividade lactente no rol de doentes mentais que pululam. Dou por mim sempre em guarda e volta e meia lá tenho que me socorrer do directo à cana do nariz sem me pôr com solilóquios. Imagino-me a viver um drama com família ou amigos, de uma desgraça fruto de incúria. Estou preparado para a vinda do fascismo. Tal como não vejo nada de auspicioso num mundo onde nos querem matar. Falo dos sem fortuna, como eu, cuja maior fortuna é Ver. Ver como nos tratam. E nos atiram areia para os olhos.

DA RESPONSABILIDADE I Tudo está ligado, a começar. Se vendo um “tour”, passeio, uma volta ao bilhar grande, um recojido, ballade ou giro, estou a vender uma experiência sensorial, cultural, histórica, política, social, antropológica, sociológica, filosófica que me exige rigores. Se for apeado, o dever implica certificar-me das informações prestadas além da voz colocada e da elegância. Da bastardia do mestre de Avis à zaragata de Luís Vaz, da passagem de Cagliostro por Lisboa e arredores à desbunda do Conde Duque de Olivares, da vida lisboeta de Cristóvão Colombo e seu irmão Bartolomeu, da graduação dos últimos vinte sete terramotos à negligência no Elevador (Ascensor) da Glória, da deambulação e flanneries de artistas à engenharia de Monsieur Ponsard, dos exilados brasileiros aos invasores franceses, dos sefarditas mais ou menos ilustres aos Califas e centuriões. É todo um trajecto de possibilidades infinitas. Convém ter bibliografia avisada e ler sem empinar. Os euros da viagem têm razões de ser. Tal como a condução segura, o brio e a seriedade intelectual. A negligência neste ramo só é ofensiva perante a concorrência desleal. Quando um patas de urso se achega a tentar o dumping o turista incauto só pensa na poupança. No poupar não está o ganho.

O QUE FAÇO EU ALI I De 1991 a até 2016 vivi materialmente do Jornalismo e, em parte, da venda de livros e cursos de Escrita de Viagens. Ou seja, paguei as minhas contas e outras contas que me foram imputadas pela ingenuidade de casar com comunhão de bens adquiridos. De confiar na idoneidade de quem entreguei o meu coração e tudo o que tinha. Cheguei ao mundo dos tuks por mero acaso. Para escrever ‘O Motorista Acidental’.
Escrever é tudo para mim. Em dez anos de tuks publiquei vários livros, sempre na esperança de poder viver somente da escrita. Fui encarando esta actividade como um serviço de embaixada cultural, e como não sou hipócrita, para beneficiar do vazio legal como 100% dos ramificados. Seria o primeiro a ser ordeiro nessa matéria se fossem martelar um a um dos que ali andam.
Pagaria outra vez o meu quinhão. O que mais me enoja é haver gajos que nunca na vida – a não ser como ladrões e vigaristas – teriam o soldo que têm e andam na rua a vender tours cujo passeio equivale ao embuste que são, a amedrontar os colegas, a picar, a espicaçar e a dropinar, cheios de papo com os seus euros amealhados sem vergonha do embuste que vendem. Gajos que não valem o chão que pisam, muitos deles iletrados e sujos da cabeça aos pés. Merda humana. Em todos os ofícios há disto. Pena que não morram nas tragédias da Glória. Oxalá a vida os foda bem fodidos. Eles sabem de quem falo.

FALAR DE COR E SALTEADO I O Jornalismo ensinou-me (entre outras coisas) a ouvir todas as partes visadas. É claro que onde há um sujeito há idiossincrasias, tendências, gostos, afinidades e recalcamentos e opiniões mais ou menos bem formadas. Quando o escritor Graham Greene escreveu “odeio mexicanos” pagou caro o preço da boutade. Ódios destes, generalizados, são comuns. Contra clubes rivais, religiões sectárias e ideologias políticas. Contra raças e cor de pele. A capacidade de aceitar a diferença é rara.
O caso de Gaza é um paradigma do ódio mútuo. Da tentação do mal. Se pudessem, e quando podem, as vítimas tornam-se carrascos. Um dia entrevistei um Rinpoche violentamente torturado no Tibete de sorriso nos lábios e na face. Tinha as marcas da tortura no corpo e decerto na alma, mas falava dos carrascos com compaixão. Afinal só cumpriam ordens. É como culpar os pais e o país pela atitude ressabiada. Ainda o melhor é ir às origens da maldade e avaliar as possibilidades de restauro. No lugar de pegar em armas.

DA MALDADE I Quando descobri a maldade era criança como todos nós. Um tio cobarde batia-me só por sadismo. Dava-me carolos na cabeça e deixava-me a chorar agarrado aos galos. Porquê o fazia, não sei. Talvez por querer fazer o mesmo ao meu pai e não ter coragem. Na rua havia uma resma de velhacos, caceteiros, invejosos e ardilosos vigaristas.
A minha estreia na maldade foi ir ao lote de papelão de um andrajoso e torná-lo a patacos. Tal como o fiz com os pinheiros dos ciganos da avenida da Igreja ou a aliviar as hóstias da sacristia para vender na padaria. Só parei a maldade do tio pulha no dia em que lhe dei com um cinzeiro nas fuças. No Jornalismo cruzei-me com vários tratantes, um deles o grande comunista Pedro Tadeu que me quis fazer a cama na Capital. Embirrava com o meu apelido e armou-me uma cilada como meu editor. Alterou o artigo (a patente do oficial da Polícia) e fez-me passar por um embaraço que quase me custava o emprego. Valeu-me a confiança da Helena Sanches Osório. Teria um rol simpático de histórias com patifes na minha vida profissional, como a equipa de produção e realização do Endereço Desconhecido, a começar e acabar no José Carlos Santos, esse biltre cocaínómano, psicopata e narcisista. No ramo dos tuks achei o pior da raça humana. Talvez por ser um trabalho de vendilhões de rua, cuja única lei é a do mais forte e astuto. É a condição humana animal fruto mormente da inveja do carisma.

GUIAS I Se me fosse dado poder de veto, só uma elite ilustrada faria serviços de guia. Nem eu o faria sem antes me sentar nos bancos universitários e dali saísse ornado de diploma. Toda a choldra teria guia de marcha e estou certo de que em havendo fiscalizações 99,99% teriam contas a ajustar com o fisco, a IGT e a ASAE. Para os Moedas da vida é mais fácil atiçar os cães da EMEL e da PM, do que ir ao cerne da questão. Ou seja, ser guia é guiar e quem o faz precisa de competências além de um bigode com laca ou um decote pronunciado. De arranhar as línguas aprendidas enquanto emigrantes de vão de escada ou citar a Wikipédia quando o faz. Já nem vou falar da chusma de asiáticos que descobriu uma mina de ouro ao conduzir um riquexó que nas suas terras lhes serve de táxi. Um embuste generalizado é o que é. Óbvio que há guias diplomados como a Dona Lígia ou arquitectos frustrados e empresários ávidos de dinheiro sem espinhas.
A Literatura levou-me ao ofício de guia. Primeiro em Istambul, depois em Praga e por fim, Lisboa, a minha menina rainha. Só preciso de um tuk para subir ribanceiras. De resto, posso sentar-me no British Bar, pedir um Jameson e brindar ao Zé Cardoso Pires, para nomear apenas um ilustre que decerto todos estes guias de ocasião devem achar ser um falecido jogador do Benfica.
Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)
