Três concelhos alentejanos concentram o epicentro da dependência social em Portugal. Mourão, Monforte e Moura são os municípios que largamente sobressaem quando se observa o mapa de 2024 do Rendimento Social de Inserção (RSI) em função da população activa, ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
A prestação social que deveria ser transitória mostra estar a enraizar-se em muitas regiões do país, constituindo uma espécie de indicador da pobreza estrutural portuguesa. Nestes três concelhos do Alentejo interior, de acordo com o INE, mais de 13% da população activa vive do RSI: 137,25 por mil em Mourão, 135,25 em Monforte e 133,66 em Moura. São valores mais de cinco vezes superiores à média nacional, que se situou no ano passado nos 24,22 por mil — ou seja, cerca de 2,4%.

O município da Ribeira Grande, nos Açores, com 100,29 beneficiários por mil habitantes activos — o equivalente a 10% da população — é o quarto concelho acima dos 10%, um número fortemente influenciado pela freguesia de Rabo de Peixe, símbolo histórico da exclusão social. No mesmo arquipélago, outros concelhos reforçam a gravidade da situação, ainda que com valores mais baixos: Nordeste (80,28), Povoação (77,56) e Santa Cruz da Graciosa (67,31). Estes dados evidenciam que, em várias ilhas açorianas, o RSI deixou de ser uma rede de segurança para se converter num pilar essencial da economia local.
Ainda acima dos 6% da população activa destacam-se Elvas (65,84), Idanha-a-Nova (63,98), Serpa (63,62), Vidigueira (62,68) e Avis (61,49). A lista mantém-se quase toda no sul do país, reforçando o peso estrutural do Alentejo como território mais dependente de prestações sociais. Só Moimenta da Beira (61,44) rompe o padrão, surgindo como o primeiro concelho fora do Alentejo e dos Açores a ultrapassar a barreira dos 6%. Logo depois aparecem Santa Marta de Penaguião (59,94), Figueira de Castelo Rodrigo (58,89), Peso da Régua (58,59) e Murça (58,18), todos no interior norte, na zona de Trás-os-Montes e Douro.
Mas a maior surpresa acaba por ser o peso do RSI na cidade do Porto. Segundo o INE, o rácio foi no ano passado de 58,04 por mil habitantes em idade activa — o equivalente a 5,8% da população —, o que significa que cerca de 6.400 pessoas beneficiaram desta prestação. Em números absolutos, este é o concelho do país com o maior número de beneficiários.

Ponta Delgada (58,35) e Lagoa (54,50), nos Açores, e Campo Maior (53,69), Cuba (52,75), Reguengos de Monsaraz (51,48) e Beja (50,02), no Alentejo, fecham o grupo dos territórios onde mais de 5% da população activa depende do subsídio. O Baixo Alentejo, no seu conjunto, regista 52,79 beneficiários por mil habitantes activos — 5,3% da população —, ultrapassando mesmo a média dos Açores (49,07).
No plano regional, o contraste é evidente. A média nacional situa-se nos 24,22 por mil, o que significa que 2,4% da população activa portuguesa vive com o RSI. Acima deste valor encontram-se o Baixo Alentejo (52,79) e os Açores (49,07), mas também, com índices de apoio social bastante elevados, o Alto Alentejo (37,52), o Douro (37,26), a Península de Setúbal (31,62), a Área Metropolitana do Porto (31,61), as Terras de Trás-os-Montes (30,93) e o Alto Tâmega e Barroso (30,90). São, pois, regiões que ultrapassam os 3% da população activa dependente.
O padrão é claro: as áreas com menor diversificação económica e menor densidade populacional exibem rácios mais elevados, e as zonas industriais ou mais urbanizadas apenas escapam a esta regra quando enfrentam problemas estruturais de emprego e rendimentos baixos.

No extremo oposto, há um outro país: um total de 38 concelhos contam com menos de 1% da população activa a receber RSI. A liderança positiva cabe a Vizela, onde apenas 0,47% da população é beneficiária — 4,71 por mil. Barcelos (5,23) e Esposende (5,86) seguem-se como os concelhos com maior autonomia social. O top 10 dos menos dependentes completa-se com Oliveira de Frades (6,72), Óbidos (7,00), Ponte de Lima (7,80), Sever do Vouga (7,31), São Roque do Pico (7,32), Vila Verde (7,51) e Mealhada (7,61). Todos apresentam uma economia mais diversificada, níveis de emprego estáveis e maior coesão social — factores que mitigam a necessidade de apoio público permanente.
Outros concelhos com valores inferiores a 1% incluem Oleiros, Melgaço, Arruda dos Vinhos, Mira, Arraiolos, Condeixa-a-Nova, Terras de Bouro, Vale de Cambra, Monção, Mafra, Póvoa de Lanhoso, Santiago do Cacém, Oliveira de Azeméis, Anadia, Vouzela, Santa Cruz, Guimarães, Arcos de Valdevez, Nazaré, Murtosa, Ponte da Barca, Ourém, Caldas da Rainha, Vila do Bispo, Caminha, Sobral de Monte Agraço e Arouca.
A dispersão geográfica destes concelhos demonstra que a baixa dependência do RSI não é exclusiva de regiões consideradas ricas: há concelhos rurais, com indústria ou agricultura robusta, que conseguem garantir uma autonomia económica mínima sem recurso massivo ao subsídio.

Nas grandes metrópoles, o quadro não é favorável, sobretudo porque os valores absolutos são inquietantes. Em Lisboa, 36,46 por mil habitantes activos — 3,6% — recebem RSI, valor acima da média nacional, embora inferior ao de outras áreas metropolitanas. Sintra, curiosamente, está muito abaixo (16,47), enquanto a Amadora (24,45) se situa praticamente na média nacional. Cascais, símbolo de riqueza, apresenta 17,11 por mil, e Oeiras, o concelho com maior proporção de licenciados, ainda regista 10,86 — cerca de 1,1% da população. Ou seja, mesmo nos territórios mais prósperos, persistem bolsas de vulnerabilidade.
Estes números traçam um retrato nítido de um país dividido. Por um lado, um Portugal que conseguiu diversificar a sua base económica e reduzir a dependência; por outro, um Portugal que permanece encurralado em ciclos de pobreza e exclusão social, onde o RSI deixou de ser uma ponte para a integração para se transformar num pilar de sobrevivência.
Haverá, por certo, quem queira retirar “dividendos” políticos — por ver predominância dos apoios sociais em Mourão e Monforte, com comunidades ciganas relevantes —, mas a equação é mais complexa. A interioridade, o isolamento e a fragilidade produtiva continuam a ser factores determinantes, mas há igualmente um problema de cultura institucional: a prestação foi concebida como instrumento de inserção, mas em muitas zonas está a tornar-se uma condição permanente, por faltarem investimentos públicos que quebrem uma crónica debilidade socioeconómica.

Aliás, mais do que uma “geografia étnica”, a distribuição do RSI coincide, em larga medida, com uma geografia do despovoamento e da concentração desregulada. Concelhos envelhecidos, com baixa natalidade e pouca oferta de emprego, acabam por depender de mecanismos de redistribuição que perpetuam a inércia — embora cada vez se observem mais franjas urbanas, como o Porto e até Vila Nova de Gaia, com problemas que já não parecem conjunturais.
Mas também há lições a retirar do outro extremo, mais favorável. Se considerarmos que o rácio de RSI em função da população activa indica sinais de menor ou maior prosperidade económica, verifica-se que as regiões menos dependentes de apoios sociais não são necessariamente as mais ricas, mas aquelas que mantêm uma actividade económica real — indústria, agricultura ou serviços — e uma relação mais equilibrada entre Estado e comunidade.