Há uma diferença subtil mas devastadora entre o desencanto e a desilusão. O desencanto é um abatimento da alma, uma espécie de resignação melancólica perante aquilo que já sabíamos, no íntimo, não poder ser muito diferente – é o fumo que se dissipa depois da chama, sem surpresa.
A desilusão, pelo contrário, é mais cruel: exige que antes tenha havido uma ilusão, uma crença, uma esperança pintada com as cores da vitória, um engano a que nos entregámos de boa vontade. A desilusão é, pois, um duplo golpe: não só perdemos o que desejávamos, como ainda descobrimos que fomos ingénuos ao acreditar.

No futebol, como na vida, raramente temos o luxo de escolher entre um e outro. Mas se pudesse escolher, preferiria o desencanto, porque é menos corrosivo: dói, mas não humilha. A desilusão, essa sim, traz consigo a vergonha íntima de termos acreditado demasiado cedo, de termos caído na armadilha do entusiasmo. E o Benfica, por estes dias, parece especializado em fabricar ilusões com validade curtíssima — como aquelas promoções de supermercado que enchem o saco por instantes e, quando chegamos a casa, percebemos que o que levámos não serve para a refeição que queríamos cozinhar.
Foi mais ou menos isso o que se passou com a entrada de José Mourinho. À saída de Bruno Lage, a alma benfiquista respirou como quem larga um fardo. E ao ver chegar Mourinho, mesmo já sem a aura de ‘Special One’, ainda se acendeu a ilusão de que os pergaminhos de glórias passadas poderiam obrar uma reviravolta numa equipa de milhões. Acreditou-se — ou melhor, iludiu-se — que o nome por si só poderia impor disciplina, intensidade e génio, como se a simples presença fosse suficiente para pôr os jogadores a correr e a pensar como outrora.
A vitória por 3-0 na Vila das Aves, contra o AVS, ainda que com mais eficácia do que futebol, funcionou como tónico ilusório. Afinal, as chicotadas psicológicas pareciam existir mesmo. Quem não se deixou embalar pela doce narrativa de que o problema estava resolvido, que o feitiço Mourinho começava a operar, que em breve voltaríamos a ver uma equipa competitiva? Pois bem: pura ilusão. E como toda a ilusão, cedo ou tarde, veio a fatura: a desilusão.

Esta terça-feira esperava-se fogo, intensidade, soluções. Mas o que se viu foi cinza: novamente, uma equipa sem chama, repetindo erros, sem clareza de ideias. Os adeptos, mesmo na sua ingenuidade, foram mantendo-se iludidos. Eu incluído. “Ainda vem aí o raspanete ao intervalo”, pensei, como se Mourinho fosse capaz, em dez ou quinze minutos de palavras, de converter o chumbo em ouro.
Nada disso. Mesma lógica, mesmo arrastamento, até que um golo fortuito pareceu cair do céu. Mas a suspeita do VAR, como um dedo que puxa a manta e revela a nudez da realidade, devolveu-nos à verdade.
Quando Sudakov marcou aos 87 minutos, in extremis, já não se tratava de ilusão, mas de sobrevivência: uma réstia de esperança sustentada mais pelo hábito de acreditar do que pela convicção no que se via em campo.

E eis que vieram os sete minutos de descontos, o momento em que se podia sonhar com o Benfica de outros tempos, o que sabia transformar a ansiedade em triunfo. Mas também aí o real se impôs: como contra o Santa Clara, um contra-ataque fatal e o empate do Rio Ave, uma equipa de tostões a arrancar aos milhões encarnados a prova irrefutável de que, afinal, não era desencanto o que se instalava, mas a desilusão em toda a sua crueza.
Desencanto seria, enfim, nada esperar e, por isso, não sofrer nada. Desencanto seria ver o Benfica empatar e pensar: “Era previsível, é esta a nossa medida, já nem espero melhor.” Mas o que houve foi mais doloroso: houve um acreditar prévio, uma ilusão cultivada pela vitória anterior, pelo nome do treinador, pela aura ainda reluzente das memórias passadas. Houve um entregar-se ao engano. E por isso o golpe dói mais: não é apenas a perda de dois pontos, é a consciência de que fui cúmplice do autoengano.
E aqui percebo claramente a diferença entre viver no desencanto e viver da desilusão. O desencanto é um estado quase filosófico, de aceitação amarga, mas serena.

A desilusão é um lamento jocoso: rimo-nos da nossa ingenuidade, mas por dentro ficamos a sangrar. E o Benfica desta época não nos deixa viver no desencanto, o que seria até suportável — insiste em nos iludir primeiro, para depois nos desiludir com maior estrondo.
A moral da história é que, no futebol como na vida, é preciso aprender a desconfiar das ilusões fáceis. Mourinho não é mais o ‘Special One’, e receio que não será em semanas que transformará uma equipa instável numa máquina de vencer. Talvez traga ordem, talvez traga resultados, mas não trará milagres. E cada vez que acreditarmos em milagres, pagaremos com a moeda da desilusão.