Comunicação social: Depois da catástrofe dos fogos, Governo ‘despeja’ 725 mil euros em publicidade

looking up at a tall tree with no leaves

Uma campanha publicitária de prevenção de incêndios rurais, que foi aprovada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) no mês de Maio, só agora viu a luz do dia. Foi assinado ontem o contrato que pode já não vir a tempo de prevenir alguns grandes incêndios, mas, que vem mesmo a calhar para empresas de comunicação social, sedentas de receitas.

Em causa está uma verba de 589.900 euros, (ou 725.577, com IVA) que sai dos cofres do ICNF e vai direitinha para a comunicação social para a “difusão de publicidade institucional, no âmbito da campanha de sensibilização para a redução dos incêndios rurais”. Trata-se de uma campanha publicitária que arranca com dois meses de atraso, face ao previsto. Isto numa altura em que há uma forte pressão mediática em relação aos incêndios rurais, dado o acumular de tragédias e a grande dimensão da área ardida este ano.

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Foto: D.R.

O contrato foi adjudicado à empresa Nova Expressão, através de concurso público — sem ser divulgado se houve mais concorrentes. A decisão de adjudicação foi tomada pelo ICNF no dia 4 de Agosto e, segundo as condições do procedimento, o contrato entrou em vigor no 11º dia após aquela data, ou seja, no dia 19 deste mês. Isto apesar de o contrato só ter sido assinado ontem, segundo a data que consta na plataforma de registo de contratos públicos, o Portal Base.

O contrato vai vigorar durante cinco meses “não devendo a respectiva vigência estender-se para além de 31/12/2025, incluindo eventuais prorrogações dos prazos de execução contratualmente previstas”.

Os principais beneficiários desta “chuva” de anúncios — e de receita — serão os canais de televisão generalista de âmbito nacional, os quais irão arrecadar entre 59% e 61% dos anúncios, de acordo com o caderno de encargos consultado pelo PÁGINA UM. “A difusão da campanha [a nível nacional] deve utilizar preferencialmente os canais ‘free-to-air’ (FTA) RTP 1, SIC e TVI,
atingindo, no mínimo, 85,00 % da população-alvo”, refere o documento.

O contrato do ICNF de distribuição de publicidade pela comunicação social foi assinado no mesmo dia em que a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, visitou as áreas protegidas da Serra do Açor afetadas por incêndios rurais. Fizeram parte da comitiva ministerial Nuno Sequeira, vogal do conselho diretivo do ICNF , e Paulo Farinha Luís, diretor regional da Conservação da Natureza e das Florestas do Centro. / Foto: ICNF

Mas o ICNF admite que “podem ser utilizados outros canais de televisão, de abrangência nacional, desde que não seja prejudicada a performance pretendida”.

A comunicação social regional e local também vai receber entre 39% e 41% do ‘bolo’ que vai ser distribuído nesta receita publicitária, designadamente rádios e imprensa. Aqui enquadram-se estações de rádio de grandes grupos de media. “A difusão da campanha [em rádios regionais] deverá considerar as seguintes estações: Rádio M80 e Rádio TSF, com um mínimo de 200 spots em cada uma”, diz o mesmo documento.

Serão ainda beneficiadas “pelo menos, 30 estações a nível local” e “um mínimo de 40 jornais regionais e ou locais”, com o foco nos que cobrem os concelhos e freguesias de risco prioritário em matéria de fogos.

Foto: ICNF

Esta campanha de prevenção de incêndios estava prevista ser feita em três fases, sendo que a primeira, dedicada ao tema das “queimadas”, deveria ter tido início 15 de Junho e terminado a 24 de Junho, de acordo com o caderno de encargos.

A segunda fase da campanha, sobre o tema “fogos de artifício, churrascos e beatas”, deveria ter arrancado a 25 de Junho e prolongar-se até 23 de Setembro. Por fim, a terceira fase da campanha, dedicada ao tema das “máquinas” tinha data marcada de início para 24 de Setembro e iria terminar a 31 de Outubro. Contudo, o próprio caderno de encargos já previa que pudesse vir a haver um ajustamento das datas das três fases, dependendo da data de adjudicação.

A “chuva” de anúncios milionária que vai cair no “colo” de alguma comunicação social nacional surge depois de Portugal registar o pior incêndio rural de sempre — em Arganil — e quando a área ardida do país está em níveis recorde da última década.

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Foto: D.R.

Segundo dados provisórios do Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais, até hoje, 27 de Agosto, a área ardida em espaços rurais atingiu os 251.131 hectares, com o registo de 6.939 ocorrências. O ano de 2025 é, assim, o pior da década em matéria de incêndios rurais.

Esta distribuição de verbas pelos media, sobretudo pelos três grandes canais de televisão, surge quando os fogos ocupam quase diariamente a abertura dos telejornais, com imagens de tragédias e desolação, com serras, casas e campos pintados de negro ou ainda em chamas.

Anúncio de sensibilização do ICNF divulgado na sua página no Facebook. / Foto: ICNF

Mas, se é certo que a campanha de prevenção de incêndios rurais do ICNF começa tarde, não começa a más horas. Pelo menos para as empresas de media que vão ter receita extra graças a esta oportuna campanha do ICNF.

O PÁGINA UM contactou o presidente do ICNF, Nuno Banza, que remeteu esclarecimentos para o departamento de imprensa daquele organismo. Até à hora de publicação desta notícia, ainda não foi possível obter um comentário do ICNF sobre este contrato publicitário.