Sou jornalista desde os anos 1990. E desde essa altura — quando poucos davam atenção ao que então se chamava “efeito de estufa” — que acompanho as questões ambientais e, em especial, a problemática das alterações climáticas, quando então as petrolíferas gastavam imenso dinheiro para condicionar estudos sobre estas matérias.
Acredito na Ciência, e sei que o planeta está a aquecer. E digo isto não por confiar na infalibilidade dos modelos matemáticos — pelo contrário, se enviesados ou com “arquitectura” mal concebida, mostram-se erráticos e de utilidade meramente especulativa —, mas sim por sinais biológicos e ecológicos. São os animais e as plantas que melhor sinalizam modificações climáticas: espécies que sobem em altitude e latitude, ciclos reprodutivos a mudar, migrações a antecipar-se. E os indícios estão aí. São múltiplos e cumulativos. São reais.

Mas uma coisa é isso — e outra, muito diferente, é o espalhafato. A dramatização constante. O sensacionalismo catastrofista. A hipocrisia política. O histerismo mediático. A transformação do aquecimento global num épico de Hollywood, onde parece que já estamos a viver dentro de O Dia Depois de Amanhã, de 2012 ou de Geostorm — tal como sucedeu com a pandemia, onde, às tantas, estivemos a viver Contágio, com o Matt Damon.
Olhando para os jornais, os telejornais, os portais e os podcasts, o que se vê? Um fogo permanente. Um inferno meteorológico a escorrer pelas palavras. E depois vê-se os políticos e “especialistas residentes” com a pala do costume: “temos de agir já!”, como se nunca se tivesse feito nada, como se a mudança dependesse unicamente da intensidade da histeria retórica. E das pessoas individualmente — nunca dos políticos ou das suas (más) políticas de desenvolvimento, de planeamento, de ordenamento.
Dou, portanto, por mim cada vez mais exasperado. Irritado, mesmo. E não é com o clima — é com a forma como se tenta injectar, a martelo e com cuspo, uma narrativa armagedónica na imprensa dita “de referência”. Todos os dias se tenta colar uma nova tragédia ao aquecimento global. Já não há onda de calor, seca, chuvada, furacão, incêndio, peixe morto ou mosquito que não esteja, directa ou indirectamente, a ser “culpa do clima”. Como se as políticas de gestão territorial não existissem. Como se a má governação, a incúria, o desordenamento, a incompetência, as más prioridades orçamentais ou a ausência de prevenção fossem meras vítimas inocentes do CO₂.

Hoje, por exemplo, dei de caras com a notícia do Público: “A água do Mediterrâneo nunca esteve tão quente em Julho como este ano”. A gota de água — com trocadilho — que me fez transbordar.
O título é alarmante. O texto, mais ainda. A temperatura média da água no Mediterrâneo em Julho foi de 26,68 °C. Dado que o recorde anterior era de 26,65 °C, temos uma “diferença histórica” de… 0,03 graus. Repito: três centésimas de grau — um valor inferior à margem de incerteza estatística associada à maioria dos métodos de medição e interpolação da temperatura da superfície oceânica. E no entanto, a autora do artigo transforma isso numa espécie de profecia apocalíptica. Segundo ela, esse valor “favorece tempestades, inundações, secas e incêndios”. Assim mesmo, num parágrafo só, sem hierarquia de causas, sem filtros, sem bom senso.
Enumeremos mais casos:
1 – Temperatura “a ferver” – O subtítulo “Mediterrâneo a ferver” aparece em destaque, quando a temperatura média do mar rondou os 26,68 °C. Um valor inferior ao de muitas piscinas públicas. Não é um valor extraordinário para o próprio Mediterrâneo, que todos os verões ultrapassa os 26 graus. A expressão é enganadora. E é sensacionalista.
2 – Causalidade simplista – A autora sugere que a tragédia de Derna em 2023, na Líbia, com centenas de mortos por colapso de barragens, teve relação com a temperatura do mar. Uma correlação abusiva, destituída de substância técnica, que ignora os factores estruturais do colapso — como a negligência prolongada na manutenção de infraestruturas hidráulicas obsoletas.

3 – Secas, fogos, tempestades e furacões – Tudo junto, tudo misturado. Usa-se a subida de três centésimas de grau em determinadas zonas como rastilho narrativo para descrever um planeta em chamas. E nem uma linha sobre o ordenamento florestal, a falta de limpeza de matas ou o abandono rural. Aliás, em Portugal, as condições meteorológicas mais adversas, promotoras de aumento do risco de incêndio, nem costumam ser ventos de oeste nem de norte nem de sul (marítimos), mas sim de leste, transportando ar seco e quente da Península Ibérica interior, frequentemente associado a descidas de humidade relativa e aumento do risco de ignição — como documentado em vários estudos sobre incêndios extremos em Portugal.
4 – Selecção de dados – O artigo afirma que 51,9% da Europa e do Mediterrâneo estiveram em seca entre 11 e 19 de Julho. Mas não refere que Julho de 2025 foi menos quente do que Julho de 2023 e 2024. Nem que, no total dos últimos 25 meses, houve vários em que a temperatura média global não ultrapassou o limiar de 1,5 graus sobre os níveis pré-industriais. E, mesmo quando ultrapassa, fá-lo apenas de forma pontual e não sustentada — ao contrário do que prevê o Acordo de Paris para definir um real agravamento climático. O dado inconveniente é omitido. A nuance desaparece. Enfim, escolhe-se um mês (meteorologia) para fazer conclusões sobre o clima (que é outra coisa).
5 – Alarme sem contexto – Afirma-se que em 13% do oceano a temperatura esteve “um grau acima da média”. Mas qual média? Qual o período de referência? Qual a significância estatística? Nada disso é explicado. Fica apenas um número, a flutuar como uma bóia de pânico.

Se isto não é propaganda, é pelo menos um jornalismo excessivamente alinhado com um discurso único — onde prevalece o dogma apocalíptico.
E é pena. Porque a causa é séria. Porque a adaptação às alterações climáticas exige inteligência, planeamento, responsabilidade. E o histerismo ajuda pouco. O drama por atacado desacredita quem, com serenidade e rigor, tenta mudar comportamentos, políticas e modelos económicos. O jornalismo tem a obrigação de informar, não de assustar.
Transformar o Verão Mediterrânico — que é uma bênção da Natureza para um ser humano feliz — num “forno climático” logo que os termómetros sobem acima dos 30 ou 32 graus é um exercício de revisionismo climático sem memória.

Estamos, pois, a viver não uma crise ou emergência climática — mas uma emergência narrativa. Um colapso do discernimento. Uma febre ideológica que se esconde atrás da Ciência para impingir agendas políticas, económicas e comunicacionais. E que, no fundo, infelizmente, apenas serve para transformar o aquecimento global num novo moralismo redentor, com pecadores, castigos, indulgências e profetas.
A Terra está a aquecer — e é preciso agir. Mas não precisamos de entrar num filme de terror. Precisamos de verdade, não de histeria. Precisamos de jornalismo, não de alarmismo. E eu, que ando nisto há 30 anos, não estou disposto a ser cúmplice de uma neurose colectiva só porque ela parece bem na fotografia… e na infografia.