Mesmo inexperto em coisas de futebol (assisti a três jogos nos últimos 11 anos) e morador de uma cidade que não têm tradição no esporte bretão (Brasília), resolvi meter a minha colher nesse assunto milionário para dizer que – atenção! cuidado! – o Brasil não é mais o país do futebol. Mas de imediato, antes de ser acusado de lesa-pátria, faço uma ressalva: os países do futebol, hoje, são muitíssimos.
Vejamos. O Brasil foi mesmo o país do futebol até o final dos anos 1970, ou mais exatamente até a tragédia da Copa de 1982. A nossa última grande geração foi aquela de Zico, Falcão, Cerezo, Júnior, Sócrates, Paulo César Caju, Edinho e Careca. Mas ainda ganhamos três bolas de ouro entre 2002 e 2007 (Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká). Depois, necas.

Há uns trinta ou quarenta anos, todas as grandes equipes de futebol da Europa, contavam com uns poucos jogadores de fora que, na sua maioria, eram brasileiros, argentinos e uruguaios. Em 1995, veio a lei Bosman que escancarou as porteiras para que os europeus contratassem tanto forasteiros quantos seus cofres pudessem aguentar.
Essa lei mudou profundamente o panorama. Hoje, todos os grandes clubes europeus contam com verdadeiras legiões estrangeiras. Há uns que tem vários integrantes das seleções nacionais de muitas outras terras. E a maioria dos vindos de fora não é mais formada por argentinos, brasileiros e uruguaios, não.
Basta ir à internet buscar os números.
Vejamos como são formados os plantéis de quatro grandes times do Velho Continente.

PORTUGAL
Comecemos pelo Benfica. A equipa encarnada de Lisboa conta com 13 jogadores nacionais. Já Áustria, Ucrânia, Argentina e Noruega contribuem com dois peladeiros. Aí vem a estrangeirada (cada país com um atleta): Bélgica, Brasil, Colômbia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Grécia, Guiné, Inglaterra, Itália, Luxemburgo, Suíça, Tchecoslováquia e Turquia.
ESPANHA
Passemos agora ao vizinho, o Real Madrid. Sim, depois dos 14 jogadores espanhóis, os mais numerosos estrangeiros são os brasileiros, que somam quatro. Mas, opa, quatro é o mesmo número de franceses! Os ingleses entram com dois.
Depois vêm (com um solitário): Alemanha, Argentina, Bélgica, Holanda, Bélgica e, ainda, quem diria, Áustria, Turquia e Ucrânia.
Detalhe sórdido: No RM, o Brasil tem um jogador para cada 53 milhões de seus habitantes. O Uruguai tem um jogador para seus 3,5 milhões de habitantes.
Esse número, o relativo, medido entre a população de um país e os seus craques de exportação, deveria ser examinado com mais cuidado. Porque é, de fato, mais certeiro, mais correto.

INGLATERRRA
Passemos ao badalado Manchester City, desconhecido antes da chegada por lá de Pep Guardiola. Conta com 16 britânicos. Os portugueses se apresentam com três representantes. Os brasileiros, claro, vêm num honroso terceiro lugar, com dois atletas. Aliás, o mesmo número de croatas, espanhóis, holandeses e noruegueses. Aparecem ainda Alemanha, Argélia, Argentina, Bélgica, Burkina, Egito França, Itália, Noruega, Serra Leoa, Suíça, Uzbequistão.
Em 2018, um amigo meu, que foi assistir a um jogo do City, ficou em choque com o fato de haver um só jogador inglês naquele dia em campo.
ALEMANHA
Vamos encerrar com o time germânico que vence tudo há muito tempo por lá. De forte tendência nacionalista têm 24 jogadores pátrios. Com dois atletas entram Croácia, França e Reino Unido. E aparecem (com 1 representante): Áustria, Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos da América, Israel, Japão, Luxemburgo, Senegal, Sérvia e Suécia.

CROÁCIA
Esses números mostram que, em nossos dias, a produção de talentos se estende por todo o Universo, sim. Mas eu destacaria o Leste da Europa: vide Croácia. E, para não perder a caminhada planetária, vou até o Norte da África, para dar uma olhadinha em Egito e Marrocos
Há quem diga que o Brasil é ainda o maior exportador de jogadores. Provavelmente é mesmo, mas não por um mérito especial, ou determinação dos deuses do balão esférico, mas, sim, porque tem uma impressionante população de 212 milhões habitantes, superada apenas por China, Índia, Estados Unidos, Indonésia, Paquistão e Nigéria, países sem tradição nos gramados. E amantes de outros esportes, como a Índia, que prefere o movimentado e empolgante críquete, cujas partidas podem durar 5 dias.
PAÍS TROPICAL
Passemos agora à terra de Pelé. Amigos jornalistas conhecedores do tema me dizem que, atualmente, a maioria dos treinadores dos nossos grandes clubes não nasceu no país tropical, de Jorge Benjor, não. Entre eles, destacam-se os lusitanos (Abel Ferreira, 47 anos, já está entre os maiores da nossa história) e os argentinos.

Disseram-me também que as quatro divisões do nosso futebol reúnem cerca de 245 alienígenas.
Só na Série A eles são 137, de 18 nacionalidades, sobressaindo-se argentinos (46), uruguaios (26), colombianos (15), paraguaios (12), equatorianos e até (céus!) venezuelanos (7). E as más línguas fazem questão de lembrar que dois dos chamados grandes do Brasil, Grêmio e Vasco, contam com 11 exóticos no seu quadro.
Lourenço Cazarré é escritor
(*) Com a cumplicidade dos jornalistas Cezar Motta, José Cruz, Luiz Lanzetta e Mário Medaglia.
