Orçamento do Estado: um assalto que se renova


Na última terça-feira, o Parlamento português voltou a cumprir o ritual do espólio anual com a serenidade burocrática de quem pratica um gesto de rotina. Foi aprovado, na generalidade, mais um plano de assalto nacional.

O Partido Socialista, há muito senhor do aparelho de Estado, absteve-se para permitir a aprovação, e a direita parlamentar simulou indignação com a convicção ensaiada de quem, no poder, faria o mesmo. O Chega votou contra, isolado e teatral, mas sem alterar o desfecho de uma peça cujo guião está escrito há cinquenta anos.

Luís Montenegro, primeiro-ministro.

Desde a década de setenta que Portugal vive sob o mesmo regime económico: o socialismo fiscal, sustentado por uma máquina que sobrevive de confiscar, redistribuir e endividar-se, enquanto proclama a virtude das “contas certas”. A alternância partidária é apenas a rotação dos administradores de um mesmo condomínio parasitário. Um rouba, o outro confirma, e ambos vivem do trabalho alheio.

Em nome de nos “oferecerem” estradas, hospitais e escolas, o Estado irá arrancar a cada português em 2026 cerca de treze mil euros por ano, incluindo crianças e idosos – mais de mil e oitenta euros por mês. É o tributo moderno da servidão voluntária.

Este rendimento, confiscado pela força da lei e pela ameaça de sanções, incluindo prisão, alimenta uma máquina que se auto-intitula benfeitora, mas que não produz nada: apenas redistribui, sempre com perdas, aquilo que primeiro confiscou. É um sistema em que o cidadão já não é o sujeito do contrato social, mas o seu objecto. Sob o pretexto de nos proteger, o Estado ocupa todos os espaços: pensa por nós, cuida por nós, decide por nós – e, por conseguinte, cobra-nos por isso.

Se o rendimento permanecesse nas mãos de quem o gera, as pessoas contratariam livremente os serviços de que necessitam, escolhendo entre alternativas, comparando preços, avaliando qualidade. Mas não. O Estado impõe-se como mediador universal e monopolista: define o que é saúde, o que é educação, o que é justiça e até o que é moral.

A liberdade é substituída por tutela, e a propriedade privada por promessa de segurança. É o velho pacto de submissão: entreguem-me o vosso dinheiro e cuidar-vos-ei. No entanto, o que recebemos é um Leviatã fiscal e administrativo que nos rouba em nome da protecção, e nos oprime em nome da igualdade.

A saúde e a educação, as “jóias do regime de Abril”, são os melhores exemplos da ingovernabilidade do socialismo moderno. Sem preços nem lucros, são sectores cegos. A ausência de preços impede o cálculo económico – e sem cálculo, não há coordenação.

José Luís Carneiro, secretário-geral do PS.

O Estado não sabe o que os cidadãos valorizam, não distingue o necessário do supérfluo, não tem meios para avaliar se um euro gasto em hospitais rende mais saúde do que um euro gasto em educação. O dinheiro público é um dinheiro sem dono, e por isso mesmo, gasto com leviandade.

Os planeadores centrais desconhecem se o país precisa de bons professores de matemática, de ensino à distância, ou de formação artística, se deve investir numa urgência hospitalar em Vila Real ou num centro oncológico em Faro. O socialismo não é apenas uma falência moral: é, antes de tudo, uma impossibilidade técnica, apenas possível numa sociedade tribal.

A União Soviética já o demonstrara: sem preços e sem lucros, o planeamento central só sobrevive parasitando os mercados externos. Moscovo precisava de cotações capitalistas para saber o valor das coisas, tal como Lisboa precisa agora de Bruxelas para fingir que sabe governar.

André Ventura (à direita), líder do Chega.

Portugal repete, em escala menor, a mesma fraude: simula racionalidade financeira com défices baixos, quando na verdade vive do aumento da carga fiscal e da anestesia estatística dos fundos europeus. É um socialismo de folha de cálculo que substitui o mercado, em que o ministro das Finanças desempenha o papel de um contabilista de uma insolvência perpétua.

Toda a história das “contas certas” é uma mistificação. Desde 2013 até à previsão para 2026, as receitas fiscais cresceram a um ritmo médio de 4,8% ao ano, acumulando um crescimento de 84% em treze anos; as despesas, a 3,9% anuais, um total acumulado de 65%.

A diferença entre ambas é apresentada como virtude: “equilíbrio”, dizem eles. Na realidade, o equilíbrio resulta apenas de se roubar mais depressa do que se gasta. O superávite orçamental, essa jóia de propaganda do regime, é apenas o nome polido da pilhagem. As contas estão certas porque o assalto é metódico. O Estado é o único ladrão cuja regularidade contábil é celebrada como probidade.

Na educação, a farsa atinge o grotesco. O Estado gastará 10,7 mil milhões de euros em 2026, somando o ensino básico, secundário e universitário. Com 2,06 milhões de alunos – 270 mil no pré-escolar, 955 mil no básico, 390 mil no secundário e 448 mil no ensino superior -, o custo médio é de 5 190 euros por aluno por ano, ou 520 euros por mês, considerando apenas os dez meses de aulas.

É o preço de uma escola privada de qualidade, com resultados incomparavelmente superiores. Ou seja, o Estado gasta mais que o sector privado, mas oferece o pior ensino da OCDE. Chama-lhe “gratuito” e, por essa via, compra votos. A educação pública é o espelho moral da sociedade portuguesa: uma fábrica de mediocridade que confunde igualdade com nivelamento por baixo.

Na saúde, o cenário repete-se. O Estado gastará 17,3 mil milhões de euros em 2026. Dividindo esse valor pelos 10,8 milhões de utentes, o custo médio é de 1 600 euros por pessoa por ano, cerca de 133 euros por mês. O que se recebe em troca são filas, greves e má gestão crónica.

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Num sistema onde tudo é “grátis”, o racionamento é inevitável. O doente é tratado como um número, a espera é considerada normal e o sofrimento, inevitável. Não há preços, não há escolha, e por isso não há eficiência. Ninguém vai a um restaurante para ser informado de que “hoje só há sopa para três”, mas na saúde pública, essa é a norma. O racionamento é a essência do socialismo: a escassez disfarçada de justiça.

Mas talvez a parte mais reveladora deste orçamento esteja no seu subtexto demográfico. O Estado admite, implicitamente, que não sobrevive sem imigração. Precisa de “novos contribuintes” – leia-se, novos assaltados – para alimentar o esquema.

O modelo é um saque disfarçado de solidariedade: cada nova geração é assaltada para financiar o colapso adiado da anterior. Só em 2026, o Estado gastará 58 mil milhões de euros em prestações sociais, mais de 40% da despesa pública. É a confirmação de que o Estado português não é uma comunidade, mas uma máquina de redistribuição: um sistema de compra de votos financiado por impostos coercivos. Chamam-lhe “contribuições”, mas o termo exacto é extorsão institucionalizada.

O drama português é que a maioria dos contribuintes acredita sinceramente que o Estado é quem os protege. Confunde protecção com submissão, solidariedade com expropriação, moralidade com dependência. O Orçamento do Estado tornou-se a liturgia anual da servidão, celebrada por comentadores e jornalistas como um acto de virtude nacional. A cada Outubro, o país ajoelha-se perante o novo sumo-sacerdote das finanças públicas, que proclama a boa nova das “contas equilibradas” e da “sustentabilidade”. Ninguém ousa perguntar o óbvio: quem paga, afinal, a conta dessa virtude?

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: Presidência da República)

Portugal transformou-se num país governado por um cartel político-fiscal, uma sociedade em que a espoliação é disfarçada de progresso. O Orçamento do Estado não é um instrumento de planeamento: é um documento de chantagem, um plano de assalto. A cada linha, uma promessa que serve para legitimar o roubo; a cada rubrica, uma forma mais sofisticada de dependência. O Estado social é o nome elegante de um mecanismo de pilhagem, e os seus defensores, conscientes ou não, são apenas os administradores morais da servidão.

Enquanto o cidadão continuar a acreditar que o Estado é quem o protege – e não quem o explora -, este ciclo de espoliação continuará a repetir-se todos os anos, em Outubro, com pompa parlamentar e manchetes reverentes: “Aprovado o Orçamento do Estado.” Mais um assalto a ser aplaudido!

Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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