Afinal, é Cristiano Ronaldo a ditar as ‘regras do jogo’ da empresa fundada por Rui Costa


Apesar de Rui Costa, actual presidente do Benfica, ter sido apontado como o rosto visível da FootlabWorld — a empresa que detém uma parceria exclusiva com a Liga de Clubes para explorar sistemas de testes de perícia e velocidade de jogadores em contexto lúdico e profissional —, afinal é Cristiano Ronaldo quem dita as ‘regras do jogo’.

A primeira pedra do negócio, inaugurado com pompa e circunstância em Dezembro do ano passado, na presença de Luís Montenegro, do então ministro Pedro Duarte e do autarca Rui Moreira, foi promovida como uma aposta na “inovação e engagement digital” do futebol português. Porém, nem nas imagens então divulgadas nem nas notícias se revelou que a estrutura accionista da sociedade apresentava Rui Costa como um participante, na prática, minoritário, enquanto o futebolista madeirense, directa e indirectamente, se afirmava como beneficiário efectivo de 50%, concentrando ainda o controlo da gerência.

Rui Costa e Cristiano Ronaldo: com 13 anos de diferença de idades, depois de terem partilhado o campo, partilham agora negócios.

Com efeito, uma análise feita pelo PÁGINA UM à evolução da estrutura societária da FootlabWorld permite desmontar a narrativa mediática que atribuía ao presidente do Benfica um controlo que, na realidade, já não detinha à data da celebração da parceria com a Liga de Clubes.

Constituída em Abril de 2022, a FootlabWorld era inicialmente detida em 75% pela 10 Events, empresa ligada a Rui Costa, e em 25% pela 7EGEND, sociedade de tecnologia associada ao empresário Luís Parafita, que desde 2017 mantém uma relação estreita com Cristiano Ronaldo, quando o futebolista adquiriu a sua start-up Think Pink. Contudo, em Julho do ano passado, verificou-se uma alteração profunda na composição accionista: através de um aumento de capital, a 10 Events passou a deter apenas 50%, e os restantes 50% ficaram distribuídos entre a CR7 (25%) e a própria 7EGEND (25%).

Esta transformação transferiu o eixo de controlo da empresa para a órbita de Cristiano Ronaldo, uma vez que tanto a CR7 como a 7EGEND integram o mesmo universo societário e são geridas por quadros pertencentes ao seu império empresarial. Com esta alteração, e dado que Rui Costa apenas detém 70% da 10 Events — sendo os outros 30% pertença do seu sócio e amigo Hugo Pires Domingues —, a sua participação acaba por ser de apenas 35% da empresa parceira da Liga de Clubes.

Luís Montenegro durante a inauguração do Footlab White Label, em Dezembro do ano passado, a parceria entre a FootlabWorld e a Liga de Clubes. Foto: DR.

Na verdade, o peso pessoal de Rui Costa é ainda um pouco inferior, uma vez que os 70% que detém são exercidos através da sua holding familiar, a 10 Invest SGPS, que desde 2019 é detida por si em 90,9%, sendo os restantes 9,1% repartidos, em partes iguais, pelos seus dois filhos, Filipe e Hugo. Deste modo, a participação efectiva do presidente do Benfica na FootlabWorld é de pouco menos de 32%, por via indirecta, enquanto Cristiano Ronaldo controla 50%, Hugo Pires Domingues 15%, e cada um dos filhos de Rui Costa 1,6%.

Quanto à actividade concreta da empresa — que começou por funcionar como um ramo da 10 Events, mas agora está sob controlo da 7EGEND, uma vez que partilham agora a sede em Vila Nova de Gaia —, sabe-se que o contrato assinado com a Liga prevê que apenas 10% das receitas geradas pelos projectos tecnológicos sejam encaixadas pela FootlabWorld. Mas, independentemente desta cláusula, a situação financeira da empresa, cujo gerente é Luís Parafita, não aparenta ser nem particularmente saudável nem transparente.

De acordo com as contas analisadas pelo PÁGINA UM, em 2023 — antes da inauguração do primeiro Footlab White Label —, a empresa declarou 798.726 euros de volume de negócios e um resultado líquido de 32.174 euros, valores aparentemente modestos. Contudo, as demonstrações financeiras mostram que as contas bancárias da empresa registaram movimentos superiores a 1,4 milhões de euros, quase o dobro da facturação reconhecida.

Pedro Duarte, Luís Montenegro, Rui Moreira e Pedro Proença: nunca o nome de CR7 surgiu envolvido no projecto.

No ano seguinte, este fenómeno contabilístico intensificou-se: o volume de negócios desceu ligeiramente para 769.566 euros, mas os movimentos bancários ascenderam a 2,24 milhões, ou seja, três vezes mais do que as receitas declaradas.

Para além disso, as demonstrações financeiras revelam “Outros activos correntes” de 1,7 milhões de euros e “Outras contas a pagar” de 1,62 milhões, rubricas que praticamente se compensam e que indiciam a existência de fluxos financeiros transitórios não reconhecidos como rendimentos nem custos. Este padrão repete-se de forma sistemática entre 2023 e 2024, o que exclui a hipótese de erro pontual e reforça a suspeita de uma engenharia contabilística deliberada.

No plano técnico, esta neutralização dos fluxos faz-se através de lançamentos em contas de balanço, e não na demonstração de resultados. Na prática, o dinheiro entra na empresa — registado como “adiantamentos” ou “valores de terceiros” —, passa pelas contas bancárias e é depois transferido para entidades relacionadas, sem nunca aparecer como receita. Trata-se de um expediente que permite movimentar milhões sem aumentar o lucro nem pagar impostos proporcionais à actividade real.

Sede da Liga dos Clubes no Porto foi inaugurada em Dezembro de 2024.

A norma contabilística aplicável é clara: quando uma entidade recebe e controla o dinheiro, mesmo que parte das receitas seja partilhada com terceiros, deve reconhecer o valor total como rendimento, registando a parte correspondente como custo. Ora, no caso da FootlabWorld, nada disso aconteceu. Ao não reconhecer a totalidade da prestação de serviços, a empresa reduz artificialmente o volume de negócios e mantém-se no regime simplificado de microentidade, escapando assim às exigências de transparência e auditoria externa.

Apesar da narrativa pública que apresenta a FootlabWorld como um “laboratório de inovação desportiva”, as suas contas mostram mais características de empresa de interface financeiro do que de centro tecnológico. Com um activo total superior a 2,2 milhões de euros e capitais próprios negativos (–57 mil euros em 2024), a sociedade encontra-se tecnicamente em falência, mas continua a movimentar montantes significativos, apoiada apenas no nome dos seus sócios e nas parcerias institucionais que a legitimam.