O jornalismo independente sentado no ‘banco dos réus’ do Tribunal do Bolhão


Está na moda falar em “defesa da democracia” e na importância de existir uma “imprensa livre”. Ainda bem. Afinal, ninguém no mundo Ocidental quer mergulhar numa era de condicionamento da imprensa nem em regimes autoritários. Portugal já viveu em ditadura e sabe o preço que acarretou para as liberdades fundamentais e para os jornalistas.

O problema é que, até pode estar na moda “defender a democracia” e a “imprensa livre”, mas soa cada vez mais a falso. Parecem palavras ocas num mundo em que a comunicação social se confunde com uma indústria de conteúdos para alimentar as massas de smartphone na mão. E para servir os clientes e parceiros de negócios, que pagam para terem promoção e publicidade, seja através de eventos, seja através de conteúdos pagos mais ou menos disfarçados de informação.

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Foto: D.R.

Afinal, o que é isto de “imprensa livre”? Será um mantra para acalmar os receios, perante os sinais de que o passado de autoritarismo no continente europeu ainda deixou sementes que progridem a olhos vistos?

Esta quinta-feira, a partir das 9h00, o director deste jornal vai, de novo, estar sentado no banco dos réus para a segunda sessão de um julgamento que nem deveria estar a decorrer, não fosse pela acção do Ministério Público que se esqueceu que Portugal é um país em que (ainda) existe liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

Pedro Almeida Vieira está a ser acusado de mais de três dezenas de crimes de difamação, entre os quais de ter criticado um péssimo poema de Gustavo Carona.

Mas este não é o único julgamento que o director do PÁGINA UM vai ter ainda este ano. Há já datas para as sessões de mais um julgamento. Mais uma tentativa de intimidação e silenciamento.

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O facto de se aceitarem sequer estas acções de perseguição judicial para silenciar e intimidar jornalistas (conhecidas como SLAPP) alimenta o “sonho” de outros que almejam esmagar o jornalismo livre, o verdadeiro.

É o caso de Dino d’Santiago que deixou uma ameaça a Pedro Almeida Vieira por ter investigado e publicado notícias sobre o financiamento público que o empresário e artista arrecadou nos últimos anos.

Outro caso, é o de Pedro Guerra Alves, advogado da consultora BDO, que não se coibiu de ameaçar Pedro Almeida Vieira com processos judiciais, como forma de o intimidar. Tudo para que não publicasse uma notícia sobre a auditoria da BDO à campanha “Todos por quem cuida”, dinamizada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

Voltando à questão sobre o que é “imprensa livre”, a resposta é simples. Se alguém tiver dúvidas sobre o que é, basta seguir o rasto dos processos judiciais, as migalhas das ameaças, os e-mails de intimidação.

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O jornalismo verdadeiramente livre não teme estas tentativas de silenciamento. Pelo contrário, esses esforços para calar reforçam ainda mais a vontade de se investigar e escrutinar.

O jornalismo verdadeiramente livre é aquele que é respeitado e também temido por aqueles que têm algo a esconder.

Hoje, o jornalismo não é temido. Está, em geral, domesticado. Parece livre, mas não é. Não verdadeiramente.

A imprensa verdadeiramente livre questiona, investiga, escrutina. Exige acesso a informação que deve ser pública. Exige transparência de quem tem de prestar contas à população. Avança com processos na justiça, se necessário, para que a transparência e a lei se cumpram, libertando informação que nunca deveria estar fechada num cofre por ser pública.

É isso que o PÁGINA UM tem procurado fazer. E, por isso, o seu director se senta no banco dos réus. Não porque “difama” ou emite informação falsa. Mas porque faz o que muitos não estão habituados a ter: escrutínio.

A defesa da democracia só é verdadeira se também se defender a verdadeira imprensa livre, a que não serve “clientes” nem “parceiros comerciais”.

Até porque uma imprensa verdadeiramente livre é, em simultâneo, o termómetro da democracia e a bússola que aponta o caminho. Para que não se caia na tentação de seguir por atalhos e desvios que levam ao passado, ao tempo em que a imprensa existia mas tinha um ‘polícia’ a dizer o que se podia investigar e escrever.