Há quase quatro anos que o PÁGINA UM tem vindo a provar que o jornalismo português pode ser diferente — não apenas na forma como se faz, mas sobretudo no modo como se pensa. Desde o primeiro dia assumimos que o nosso compromisso não é com o poder nem com qualquer ideologia, mas com a verdade, a transparência e o escrutínio. E é por isso que, entre tantas incompreensões e desconfianças, fomos afirmando um caminho singular: o de um jornal que denuncia promiscuidades e confronta poderes, sem filtros nem favoritismos.
Ao contrário de grande parte da imprensa tradicional, que ora se curva ao poder político, ora serve de caixa-de-ressonância ao económico, o PÁGINA UM recusou escolher trincheiras. Nunca mitigámos uma ideologia nem diabolizámos outra. Limitámo-nos — como é dever de um jornal livre — a aplicar o mesmo grau de rigor e exigência a todos. E é precisamente essa coerência, essa recusa em dobrar a espinha perante o peso dos interesses ou das modas, que explica as reacções hostis que ainda hoje recebemos.

Basta olhar para o que o Google sugere quando alguém pesquisa o meu nome: “Chega”, “Bloco de Esquerda”, “partido”, “covid”, “Gustavo Carona”, “ERC”… as pessoas procuram rótulos, querem caixinhas. Mas o PÁGINA UM não cabe em nenhuma.
Contra ventos e marés — e, muitas vezes, contra silêncios — temos trilhado o nosso caminho. Com uma redacção fixa de apenas dois jornalistas e alguns colaboradores, somos obrigados a acumular tudo: investigação, edição, resposta a e-mails, gestão de assinaturas e de apoios, coordenação logística e até tarefas administrativas. Não há secretariado, não há assessores, não há agências. Há apenas um jornalismo que se faz com convicção, tempo e sacrifício. E, por isso mesmo, reconhecemos que nem sempre conseguimos responder a todos os leitores como desejaríamos. Falhamos nos agradecimentos, por vezes demoramos nas respostas. Mas não é por desinteresse: é por falta de mãos.
Nos últimos meses, o PÁGINA UM tem vivido uma das fases mais intensas desde a sua fundação. Reformulámos o nosso site, criámos uma nova plataforma de apoio financeiro, lançámos novos projectos editoriais e aprofundámos investigações que continuam a incomodar. Mesmo com o quase total silêncio da imprensa mainstream — que prefere ignorar o incómodo em vez de o reconhecer —, o nosso trabalho tem chegado a cada vez mais pessoas. Em Julho, atingimos 687.454 visualizações, superando o recorde anterior. Em Agosto, chegámos a 713.941. E, em Setembro, alcançámos um número impensável para um jornal independente e sem publicidade: 1.610.490 visualizações, quase mais 900 mil do que no mês anterior.

Tudo isto aconteceu apesar dos ataques. O mais recente, vindo do director do Diário de Notícias, Filipe Alves, é paradigmático: em vez de se ocupar da falência técnica da sua própria casa — a Global Notícias, atolada em dívidas de milhões ao Estado e há anos sem publicar contas —, optou por lançar artigos inqualificáveis contra o PÁGINA UM. São os sintomas do velho jornalismo de poder: quem vive à sombra dos subsídios não tolera quem vive da independência.
Mesmo assim, crescemos. E, com o crescimento, aumentou também o número de leitores dispostos a apoiar este projecto: em Setembro recebemos 747 contributos individuais, com montantes muito diversificados. Um número expressivo, mas ainda aquém do necessário para garantir a sustentabilidade que ambicionamos. Continuamos fiéis ao princípio que nos fundou: acesso livre, sem publicidade, sem patrocínios, sem dívidas e sem empréstimos. Vivemos apenas com o apoio voluntário dos leitores — e é assim que queremos continuar.
Estamos agora a atravessar uma fase de expansão e diversificação, estando a procurar novos colaboradores para conseguirmos dar resposta aos infindáveis temas e assuntos que gostaríamos de publicar. Por vezes, não fazemos mais por manifesta capacidade física e financeira – não é por falta de coragem ou por desinteresse.

Além da componente jornalística, lançámos uma área editorial própria. O primeiro fruto é o livro “Correio Mercantil de Brás Cubas”, um projecto literário pessoal que transporta a nossa irreverência para o campo das letras. Esta é mais uma daquelas tarefas que fizemos com a ‘prata da casa’, o que via incluir o seu envio para os quase 500 leitores que já o adquiriram nesta fase. E temos, obviamente, mais para enviar para quem desejar um exemplar… ou mais.
Mas o crescimento é, inevitavelmente, lento. O comboio não pode parar — e, ao mesmo tempo que publicamos notícias diárias e mantemos as investigações em curso, tentamos abrir novas frentes sem comprometer a qualidade nem o ritmo a que habituámos os nossos leitores.
Os próximos meses serão exigentes. Tenho em curso três processos judiciais — intentados por Gustavo Carona, pelo Almirante Gouveia e Melo e pela Ordem dos Médicos (em nome de três médicos) —, que representam não apenas um esforço financeiro acrescido, mas sobretudo uma batalha em defesa da liberdade de imprensa. Até Dezembro estão já marcadas seis audiências, que implicam dias de ausência e muitas horas de preparação. E muitos custos, felizmente ‘amenizados’ pelos nosso leitores, através do FUNDO JURÍDICO.
Cada um desses processos é um lembrete do preço da independência — e, ao mesmo tempo, a prova viva de que vale a pena pagá-lo. E isto sem contar com os diversos processos de intimação que temos colocado nos tribunais administrativos (mais e duas dezenas). Tudo isto não seria possível sem a inestimável ajuda dos ‘nossos’ advogados, como destaque para o Miguel Santos Pereira, Bruno Santos Pereira e também o Rui Amores (que foi quem liderou a esmagadora maioria das nossas ‘batalhas’ nos tribunais pelo acesso à informação).

O crescimento que já alcançámos consagra um princípio simples, mas fundamental: a independência paga-se, mas não se vende. Num país onde quase todos os jornais dependem do Estado ou de grandes grupos económicos, o PÁGINA UM é a excepção que confirma a regra — e que a desafia. Somos a demonstração de que é possível fazer jornalismo livre, rigoroso e incómodo sem depender de ninguém, apenas da confiança dos leitores.
E é por isso que este editorial é, mais do que um balanço, um agradecimento. A todos os que acreditam que o jornalismo ainda pode ser um exercício de liberdade — e não de conveniência —, o nosso compromisso mantém-se inalterável: continuar a perguntar, continuar a investigar, continuar a publicar. Contra ventos, marés e silêncios.