LIS BOA I Parte dos meus dias são passados nas ruas de Lisboa. Nas ruas cheira a mijo e cáca. As fachadas, se lhes passar o dedo, trarão uns gramas valentes de bedum. Os donos (as sociedades de investidores) estão nas Maldivas, a chupar berbigões de putas finas. Nas condutas de ar do Metro os párias dormem ao relento, esquálidos, macerados, cagados e a feder. Os turistas detêm o olhar por instantes. Seguem viagem. Um ou outro agarrado já é nosso conhecido e pede uma moedinha para a buxa. Passam as velhas e os aleijadinhos romenos com as latas de badalo a dar e dar. Os carteiristas reconhecem-se à distância. Arrecadam, entram e saem do xilindró. Deito-me num banco da praça a observar os pássaros nas acácias. Caem moedas do céu. É o Carlos, o edil. Veio ver.

EVOLUÇÃO I Todos os dias faço o balanço (das ancas). Enquanto dou ao cóccix é inevitável pensar, nem que seja na morte da bezerra, um excelente objectivo da meditação. Penso rápido ou mais devagar. Escrevo uma frase ou outra, uma vez por outra. Uma expressão recorrente entre seres sencientes é “anda meio mundo a enganar outro meio”. Este axioma leva a seguir a máxima de Santo Agostinho de confiar, desconfiando. Como viver relações limpas? Quem me quer bem, eu sei porque sinto. Sinto, logo existo. Gostava e vou continuar a gostar à brava do Luís Fernando Veríssimo ou do Cervantes, do Beco das Pichas Murchas ou da rua Triste-Feia, como tantas. Gosto de todos os partidários do riso justo. O resto, os calhordas, os do rei na barriga, os sôfregos de chegar a todo o lado e a lado nenhum, é lá com eles. A não ser que me queiram governar. Aí saco da BIC.

TENDÊNCIAS I Quem vota no Chega acha estar ali a solução para os seus problemas. Sucede o mesmo em qualquer escolha, de qualquer partido, ideologia ou clubite. É o preço da Democracia apática. Enquanto os candidatos a donos disto tudo esfregam as mãos por serem empoderados, os votantes e simpatizantes delegam a sua responsabilidade com servidão voluntária. Acatam os ataques à sua liberdade e esperam que alguém resolva o que lhes cabe solucionar. O direito à igualdade. Neste momento quem é senhorio, proprietário ou societário está feliz e contente por haver turistas e emigrados que paguem o preço do livre mercado. Querem lá saber se os bairros estão imundos e descaracterizados. Se quem governa, governa em favor do seu umbigo. Desde que não lhes faltem os pagamentos, ou os acossem com taxas e taxinhas. Posso dizer o mesmo dos atentados à livre circulação de veículos motorizados para fins de animação turística. Só com imaginação e persistência se consegue mostrar uma cidade autêntica. Uma autêntica farsa, um embuste, se não se denunciar o que se faz por aqui. Contar as verdades da História com todos os seus podres e glórias, bem como levar os interessados a ver o que resta, para além do luzeiro dos miradouros. Falar de quem fez pouco e esbulhou, para além do Bonaparte e do Maneta. Exortar os artistas e os combatentes que muito fizeram para que nunca se tivesse chegado aqui, a esta lástima.
Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)
As ilustrações foram elaboradas com recurso a inteligência artificial.