Carris: investimento real na manutenção de eléctricos caiu 21% entre o último ano de Medina e o terceiro de Moedas


A Carris sob a tutela de Carlos Moedas, no período 2022-2024, reduziu de forma expressiva o investimento real na manutenção e reparação dos eléctricos e ascensores, quando comparado com os quatro anos anteriores, em que Fernando Medina liderava a autarquia (2018-2021). Comparar o investimento do último do mandato do socialista (2018) com o terceiro ano do mandato do social-democrata é constatar que o investimento em manutenção caiu 566 mil euros em termos práticos.

De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas da empresa municipal desde 2018, verifica-se que no último ano de Medina, em 2021, foram aplicados cerca de 2,68 milhões de euros em valores reais — já corrigidos pelo efeito da inflação. Em 2024, essa verba caiu para apenas 2,11 milhões de euros, o valor mais baixo da série e que representa um corte de 21% em termos efectivos. Embora os montantes nominais tenham permanecido aparentemente estáveis ao longo de todo o período de análise desde 2018 — na ordem dos 2,5 a 2,7 milhões de euros anuais —, o impacto da inflação no último triénio traduziu-se num desinvestimento inequívoco.

Carlos Moedas, com a ministra do Ambiente e o presidente da Carris no anúncio da Carris da formalização da candidatura da empresa para fornecimento de 15 elétricos, em 28 de Junho de 2024.
/ Foto: CML/ D.R.

O contraste entre os dois ciclos autárquicos é notório. Entre 2018 e 2021, sob Medina, o investimento real em manutenção e reparação dos eléctricos cresceu de 2,41 para 2,68 milhões de euros, traduzindo um aumento efectivo de 11%. Já entre 2022 e 2024, sob Moedas, o percurso foi inverso: os valores reais caíram consecutivamente, de 2,37 milhões em 2022 para 2,11 milhões no ano passado. Esta trajectória anulou os ganhos do ciclo anterior e mergulhou a cidade numa situação de subfinanciamento estrutural, precisamente numa fase em que a inflação acelerava e exigia maior esforço orçamental. O ano de 2024 foi mesmo aquele com valores reais, a preços de 2018, mais baixos nos últimos sete anos.

Compreender esta evolução obriga a distinguir valores nominais de valores reais. Os primeiros correspondem às verbas inscritas em orçamento e efectivamente gastas; os segundos resultam da aplicação de deflatores baseados no Índice de Preços no Consumidor (IPC), que corrigem a perda de poder de compra causada pela inflação. Assim, um milhão de euros em 2018 não tem o mesmo peso económico que um milhão de euros em 2023 ou 2024: para assegurar o mesmo nível de bens e serviços, é necessário gastar mais.

No caso concreto da manutenção dos eléctricos, o PÁGINA UM recorreu à série histórica do IPC publicada pelo Banco de Portugal, tomando 2018 como ano-base (100 pontos). A divisão dos valores nominais pelos deflatores anuais permitiu calcular as despesas em preços constantes de 2015, neutralizando o efeito da inflação e assegurando uma comparação precisa.

Evolução do investimento da Carris na manutenção e reparação de eléctricos e ascensores (2018-2024), em valores nominais (amarelo) e reais (vermelho). FM correspondem aos anos de mandato de Fernando Medina e CM aos de Carlos Moedas, Usaram-se os seguintes deflatores: 100,00 (2018, ano base); 100,30 (2019); 100,20 (2020); 101,10 (2021); 109,29 (2022); 115,08 (2023) e 117,85 (2024), Fonte: Relatórios e Contas da Carris no período 2018-2024 e INE (deflatores), Análise: PÁGINA UM.

Os resultados são claros: em 2022, apesar de estarem orçamentados 2,59 milhões de euros, o deflator de 109,29 pontos reduziu a despesa efectiva para 2,37 milhões. Em 2023, com 2,66 milhões de euros nominais, o deflator de 115,08 pontos — que reflecte já uma inflação acumulada de 15% face a 2018 — cortou o valor real para 2,31 milhões. Finalmente, em 2024, os 2,49 milhões de euros inscritos corresponderam, após aplicação do deflator de 117,85 pontos, a apenas 2,11 milhões de euros reais, o nível mais baixo desde 2018.

Durante o mandato de Medina, o efeito da inflação foi praticamente irrelevante: os deflatores oscilaram entre 100 e 101 pontos, pelo que os aumentos nominais significaram, na prática, aumentos reais. Ou seja, Medina aplicou mais verbas e garantiu mais manutenção efectiva da rede. Já Moedas, mantendo valores nominais semelhantes, deixou que a inflação corroesse esses montantes, conduzindo a uma quebra substancial e prolongada.

O problema não é apenas aritmético. Ao contrário do que aconteceu com a rede de autocarros — que entre 2018 e 2024 aumentou de 75 para 102 carreiras —, o número de carreiras de eléctricos (seis) e de ascensores (três), a que se soma o elevador de Santa Justa, manteve-se inalterado. Ou seja, não houve qualquer redução de equipamentos que pudesse justificar a descida do investimento real.

O corte de recursos traduziu-se directamente em menor capacidade de manutenção preventiva e correctiva, em maior desgaste da frota e das infra-estruturas, em mais falhas operacionais e em riscos acrescidos de acidentes.

É neste enquadramento que o desastre do Elevador da Glória adquire um significado mais do que simbólico: não se trata de um episódio isolado, mas da consequência previsível de três anos consecutivos de cortes efectivos na verba destinada à manutenção. Uma negligência que, longe de ser acidental, é estrutural e revela a falta de prioridade política dada à preservação e segurança de um dos ícones mais emblemáticos da cidade.