Usámos IA para denunciar quem usa IA sem vergonha

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Nota introdutória

O uso de inteligência artificial nas redacções é hoje um dos temas mais controversos — talvez mesmo um dos mais fracturantes — não apenas porque afecta a produção de jornalistas humanos, mas também porque, ao contrário do que muitos imaginam, as ‘máquinas’ não são infalíveis e, pior, têm uma ‘imaginação’ que pode gerar situações e factos inexistentes, que escapam ao escrutínio dos leitores e dos próprios editores.

No final de Agosto, uma polémica sacudiu o mundo dos media quando as reputadas revistas Wired e Business Insider publicaram reportagens assinadas por uma alegada correspondente chamada Margaux Blanchard, que afinal nunca existiu. Os textos tinham sido produzidos com recurso a inteligência artificial por alguém que, deliberadamente, os submeteu às redacções, criando uma personagem fictícia para lhes dar verosimilhança, e entregando reportagens falsas numa cidade inexistente. O embuste passou pelos filtros editoriais, revelando fragilidades graves nos mecanismos de verificação jornalística.

a robot holding a gun next to a pile of rolls of toilet paper

O uso de IA não deve ser proibido nas redacções, mas tem de ser cuidadosamente supervisionado — talvez até com mais atenção do que um jornalista estagiário. A IA é uma ferramenta de poder descomunal: pode processar e cruzar dados, analisar informação, rever ortografia, gerar imagens, transcrever entrevistas e compor textos a uma velocidade descomunal  que nenhum humano consegue igualar. Mas quanto maior a potência da máquina, maior o cuidado exigido ao condutor.

Costumo dizer que um bom jornalista conduz um topo de gama: e se lhe dermos um Fórmula 1 (IA), poderá ir muito mais rápido e chegar mais longe, mas terá também de redobrar a atenção, manter as mãos firmes e os olhos no asfalto — porque um pequeno erro pode significar sair de pista e esbardalhar-se de forma catastrófica. Darem a alguém, que nem sequer saber conduzir bem um simples carro, um Fórmula 1 é garantia de que se espetará na primeira esquina – ou, se calhar, nem consegue arrancar.

O grande problema do jornalismo contemporâneo é deixar-se deslumbrar com a IA sem perceber que quanto mais sofisticada for a ferramenta, mais rigorosa tem de ser a supervisão. Uma bicicleta e um avião são ambos meios de transporte, mas ninguém pilota um Airbus com a displicência de quem pedala na ciclovia. A velocidade de produção textual com IA é vertiginosa: em segundos é possível reescrever uma peça de qualquer órgão de comunicação social, dar-lhe nova roupagem e atenuar o risco de acusações de plágio com prova, criando algo que parece original. No limite, pode criar-se uma redacção que vive apenas de parasitar o trabalho alheio, sem acrescentar investigação própria nem valor jornalístico.

white and black typewriter with white printer paper

Porém, a velocidade com que a credibilidade pode ser destruída é ainda maior. Uma única citação mal atribuída ou um dado inventado pode ser replicado milhares de vezes em minutos, criando um efeito de cascata impossível de controlar.

Pequenos erros que num jornal tradicional seriam corrigidos discretamente no dia seguinte podem, no ecossistema digital, transformar-se numa bola de neve que mina de forma irreversível a confiança do leitor.

Foi precisamente para sublinhar este dilema que decidimos produzir um artigo relatando o caso Wired / Business Insider usando apenas inteligência artificial. Limitámo-nos a fornecer o texto original do Techdirt e instruções para o Mafarrico — baptizámos o nosso sistema do ChatGPT, que nos últimos meses já reviu dezenas de artigos do PÁGINA UM e auxiliei muitas análises — redigir ao estilo da nossa redacção.

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Mas, desta vez, abdicámos propositadamente de qualquer verificação editorial ou sequer revisão gramatical. Ou seja, o texto que iremos publicar é um texto em bruto sem o habitual selo de qualidade do PÁGINA UM. E talvez o mais surpreendente seja isto: o artigo do Mafarrico foi gerado em menos de dez segundos, enquanto este texto, que escrevi à mão, demorou mais de uma hora a ser concluído, e andei a pensar nele desde ontem.

O jornalismo – e essa é talvez a mensagem principal que gostaria de deixar – é mais do que escrever textos, e por isso mesmo a IA nunca conseguirá substituir o jornalismo puro. Pode, quando muito, criar sucedâneos – mais baratos, é certo, mas de qualidade inferior, incapaz de ser ‘mordido’ sequer por quem deseja ser e estar bem informado.

Pedro Almeida Vieira

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Usámos IA para denunciar quem usa IA sem vergonha

(Texto criado pelo Mafarrico – conta profissional do PÁGINA UM no ChatGPT sem qualquer revisão humana, depois de ser instruído a escrever um texto crítico baseado na informação de um artigo da Techdirt)

Este texto foi escrito com recurso a inteligência artificial. Sim, leu bem: IA a denunciar o mau uso da IA. É a prova viva de que a tecnologia não é o problema — o problema são as redações que despedem jornalistas, abdicam de editores e contratam fantasmas digitais para encher páginas com histórias inventadas.

Na semana passada, Wired e Business Insider foram apanhados a publicar artigos de uma alegada jornalista chamada Margaux Blanchard — que afinal não existe, tal como a cidade do Colorado onde dizia que havia um centro secreto de formação para investigação de mortes. Tudo escrito com IA, sem uma verificação de factos decente, sem um editor sénior a levantar sobrancelhas.

A revelação partiu do Press Gazette: pelo menos seis publicações caíram na esparrela, publicando histórias que iam desde casamentos virtuais no Roblox até personagens e lugares completamente fictícios. A cereja no topo? Só descobriram a farsa quando a “jornalista” se recusou a receber o pagamento pelos canais normais.

O Wired fez meia-culpa, admitindo que não seguiu os seus próprios protocolos de verificação e edição. Já o Business Insider, especialista em clickbait e em despedir jornalistas, continua no caminho de transformar a informação num repositório de conteúdo barato, bom para encher feeds mas mau para informar cidadãos.

O episódio é sintoma de uma indústria em colapso: redações esvaziadas, corte de custos, automação apressada, algoritmos que mandam mais do que editores. Resultado? Um ecossistema fértil para fraudes, desinformação e charlatães digitais. A ironia é que, enquanto o jornalismo real é despedido, o falso jornalismo prolifera — e com selo de qualidade de grandes marcas mediáticas.

Aqui, no PÁGINA UM, usamos IA como se deve: para pensar melhor, cruzar dados, aumentar o rigor. Não para inventar cidades e pessoas. O jornalismo precisa de jornalistas — e de leitores exigentes. O resto são fantasmas digitais.