Amadora: Câmara socialista gasta 246 mil euros em obra de cimento de oito toneladas para celebrar Mário Soares


A arte urbana vale ouro – pelo menos quando sai das mãos de Vhils, nome artístico de Alexandre Farto, um dos mais conceituados artistas plásticos da cena de street art ligada ao graffiti com obras em cidades como Londres, Xangai, Paris, Los Angeles e Hong Kong. E sobretudo vale ouro quando sai dos cofres públicos.

Na sexta-feira passada, em vésperas de eleições, o município da Amadora, liderado pelo socialista Vítor Ferreira, decidiu encomendar uma uma peça artística — um diorama de oito toneladas — para comemorar o centenário do nascimento de Mário Soares, apesar de o antigo presidente da República e primeiro-ministro, falecido em 2017, ter nascido em Dezembro de 2024. Preço: 246 mil euros, com IVA incluído, uma vez que Vhils usará a sua empresa, a Silhuetas Difusas.

Obra de Vhils na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. / Foto: D.R.

De acordo com o caderno de encargos, a que o PÁGINA UM teve acesso, a obra ficará instalada na Praça da Liberdade, no antigo Ski Skate Park, na cidade da Amadora, e terá uma altura de 2,5 metros e um comprimento de cinco metros. E será “construído integralmente em cimento, conferindo-lhe uma solidez e durabilidade apropriadas para o espaço público. No documento, destaca-se que “a escolha do material reforça a ideia de permanência e resistência, em consonância com os ideais que a obra procura representar”, ou seja, o papel de líder socialista na implantação da democracia.

O contrato relativo a esta encomenda, que foi adjudicado por ajuste directo, prevê que o prazo para conclusão da peça artística “não poderá ser superior a 120 dias”, o que permitirá, eventualmente, que esteja pronta para as comemorações não do 100.º aniversário de Mário Soares, que foi em 7 de Dezembro de 2024, mas pelo menos de 101.º aniversário.

Os custo da obra contempla tanto a “criação e concepção artística” como a “a execução, coordenação, desenvolvimento e finalização da obra artística e respetivos materiais e equipamentos de apoio”, e inclui ainda o transporte desde o atelier de Vhils até á praça escolhida para a instalação do diorama.

Mário Soares. / Foto: D.R.

O município da Amadora fica, porém, “responsável pelas intervenções necessárias, preparação do local e equipamento necessário (grua) para a instalação da obra artística no Parque da Liberdade, antigo Ski Skate Park, sito na Rua Carvalho Araújo, 105”.

Este é o primeiro grande contrato público que Vhils garante em 2025. Até agora, desde Janeiro, tinha apenas registado um contrato por ajuste directo, de 11.880 euros, adjudicado pela autarquia de Santa Maria da Feira para “serviços de Restauro e Manutenção da Peça Diorama Cork Factory”.

Mas ainda faltam quatro meses para o ano terminar e Vhils pode ainda angariar mais encomendas públicas. Foi o que aconteceu em 2024, quando facturou 442.505,6 euros através de quatro contratos com municípios. Um deles foi o da Amadora, que pagou então 113.955,60 euros pelo “fornecimento de obra artística pública”. Os outros três municípios foram Albufeira, Grândola e Castelo de Vide.

Foto: D.R.

Em 2023, o artista de 38 anos “apenas” ganhou 71.500 euros da autarquia de Albufeira pela “locação de exposição ART REEF by VHILS por Nuno Sá”.

Em 2021 e 2022 não há registo de contratos públicos com o artista, mas o ano de 2020 foi o melhor: facturou 474.577 euros, sobretudo graças a uma aquisição de obra artística e prestação de serviços pela Estrutura de Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia em 2021. 

Antes, Vhils ganhou 420.060,97 euros em 2017. Os outros dois anos em que houve encomendas públicas foram os de 2013 e 2014, com contratos de 11.550 euros e 19.900 euros, respectivamente.

Foto: Instagram / D.R.

Assim, apesar de 2025 ainda estar longe dos seus melhores anos em termos de encomendas públicas, com este ajuste directo do Município da Amadora, o ano já ficou “composto”.

Assim, a empresa do artista lisboeta ainda poderá encaixar mais alguns milhares de euros com entidades públicas este ano. Para já, a Silhuetas Difusas tem outra tarefa a cumprir: publicar as contas de 2024, que já estão em atraso. E também as de 2023.