Confesso um vício, e dos assumidos com gosto: tenho verdadeira devoção pelas querelas oitocentistas, essas em que o florete era extensão do espírito e a pena um prolongamento da lâmina. Era o tempo em que se travavam duelos com a gramática e se vencia pela argúcia da frase, pelo requinte da ironia e pelo poder fulminante de uma boa citação latina. Foi esse o tempo em que Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, com as suas Farpas, rasgavam o tecido podre da sociedade lisboeta, expondo-o ao ar livre para que apodrecesse de vez.
Ora, foi nesse estado de espírito — meio filólogo, meio panfletário — que há dois dias procurei uma palavra que fizesse justiça ao comportamento do director do Diário de Notícias, Filipe Alves. Não me bastava uma injúria vulgar, era preciso a exactidão cirúrgica da etimologia. E encontrei-a: imbecilis – ou seja, imbecil. O termo chocou muitos, mas explico: é palavra antiga, nascida do latim, que designava aquele que anda sem baculum, sem bastão, sem apoio. De outra forma, diz-se do fraco, daquele que não tem com que se amparar. Usei-a, confesso, com o mesmo prazer com que Eça se deliciava a chamar “burro” a certas excelências parlamentares — mas também com o rigor do filólogo que sabe que, ao fazê-lo, está a acertar no nervo.

E como não chamar imbecilis a quem, numa compreensível sanha, usou as páginas de um jornal com 160 anos para lançar lama — lama vã, diga-se — sobre mim e sobre o PÁGINA UM? Não bastou uma vez: insistiu, voltou a insistir – e ainda ontem à noite voltou à carga num artigo de opinião, usando o título de director do Diário de Notícias – como quem crê que a repetição transforma calúnia em verdade.
E tudo isto porque, num orçamento anual de 60 mil euros do PÁGINA UM, fruto de milhares de pequenos donativos de leitores, ele vê “evidência” de falsos recibos verdes e até de esquemas com vista a fugir-se ao fisco. Por 6 mil euros recebidos em 22 meses – coisa que ele omite numa microempresa de contas certas, sem passivo (que ele também omite) e que até paga IRC porque nunca apresentou prejuízos (mas não faz distribuição de lucros). A bagatela transformada em escândalo, o nada elevado à categoria de crime de lesa-fisco.
Não é o dinheiro que está em causa — é a desonra do método. É a acusação sem florete, a tese sem aço, o argumento sem bastão. Filipe Alves empunha um jornal com nome respeitável como quem empunha um galho podre, e julga que é lança. Mas não é lança, é vime. Sem um fiscalista, um jurista, alguém que lhe sustente a pífia sanha contra os alegados crimes do PÁGINA UM.

Daí o epíteto: Filipe Alves é um homem sem bastão – é um imbecil, por não ter argumentos que o sustentem: sem a espinha dorsal do Direito, sem a musculatura dos factos, sem a firmeza da lógica. Apenas com a fúria de quem precisa de encher páginas e encontrar um inimigo conveniente que faça esquecer os pecadilhos e os grandes pecados do seu patrão, a Global Notícias, com prejuízos acumulados de 78 milhões de euros, falência técnica com capitais próprios negativos e sem contas públicas apresentadas, evitando assim que se saiba em quanto vão as dívidas ao Estado.
E, como se não bastasse, regressa sempre com a mesma ladainha, o mesmo eco surdo, a mesma prosa de conventículo. Regressa escudado nas páginas de um Diário de Notícias que já não é tribuna de ideias, mas boletim de liquidação. A decadência deixou de ser metáfora e passou a ser rubrica contabilística.
Perante isto, dou por mim a parafrasear livremente Sá de Miranda, com a irreverência de um folhetinista de oitocentos: “Que farei quando um burro é um asno?” Porque é exactamente isto que vejo: um jornal que outrora foi praça pública transformado em chiqueiro; um director que, em vez de argumentar, zurra; uma instituição que, em vez de claridade, serve penumbra.

E se o Diário de Notícias, os seus accionistas e os seus leitores se resignam à agonia, eu não me resigno. Continuarei a empunhar o florete da palavra, a rasgar a mortalha de um jornalismo que morre de inanição intelectual, e a lembrar que a honra de um periódico não se mede pela sanha contra quem ousa investigar, mas pela coragem de fazer o mesmo.
Se o Diário de Notícias e os seus jornalistas – que deveriam questionar o seu director sobre o modus operandi da sua peça –, já não sabem o que isso é, paciência: ficarão nos rodapés da História. Nós, no PÁGINA UM, ficaremos na legenda — e com o bastão inteiro.