Florbela Espanca a dobrar: Isaltino pagou 100 mil euros por cópia de escultura

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”- assim escreveu Fernando Pessoa. Cerca de nove décadas depois, Inácio Esperança, presidente da Câmara Municipal de Vila Viçosa, diz que viu “a estátua de Florbela Espanca no Parque dos Poetas”, em Oeiras, e decidiu falar com Isaltino Morais para “ter uma igual” na vila alentejana onde a poetisa nasceu em 1894.

E deste sonho, “nasceu uma permuta” e um acordo que, segundo declarações à imprensa de Inácio Esperança, “passou pela cedência de blocos de mármore alentejano à Câmara de Oeiras”, e a entrega na vila alentejana de uma réplica da estátua do Parque dos Poetas.

Inácio Esperança ‘sonhou’ e o escultor Francisco Simões ganhou mais 100 mil euros pagos pela autarquia de Oeiras, i.e., pelos contribuintes..

Mas a história não termina aqui. Apesar da inauguração dessa réplica ter ocorrido no final de Março deste ano, na passada quinta-feira, 17 de Julho, a autarquia de Oeiras celebrou um contrato de 100 mil euros para pagar ao escultor Francisco Simões, autor da escultura original inaugurada em 2003.

Apesar de a escultura estar ainda abrangida por direitos de autor, por norma o escultor deveria receber entre 5% e 10% do preço de venda, ou seja, do contrato inicial com a autarquia de Oeiras. Em casos de artistas consagrados, ou quando o escultor tem forte controlo sobre a produção, esse valor pode ir até aos 15% ou 20%.

Original da estátua de Florbela Espanca, no Parque dos Poetas, em Oeiras. / Foto: Vítor Oliveira/ D.R.

Ora, os 100 mil euros pagos, ainda mais tendo a autarquia de Vila Viçosa cedido os materiais (ou seja, o mármore) será bastante exagerado.

No contrato assinado na semana passado não é referido sequer o destino da réplica nem que a obra já estava executada há mais de três meses e meio, o que aliás inviabilizaria a adjudicação. No ajuste directo celebrado entre o vice-presidente de Oeiras, Francisco Rocha Gonçalves, e Francisco Simões apenas é referido ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”..

Assim, ficando protegidos os direitos do autor da estátua original, ficam dúvidas se foram protegidos os direitos dos contribuintes à boa gestão dos dinheiros públicos.

O escultor Francisco Simões tem tido na Câmara de Oeiras um ‘patrono’ de luxo. Pelo menos desde 2009, o escultor ganhou cinco contratos por ajuste directo com aquele município, mas isso nem sequer incluiu ainda as 20 esculturas que fez para o Parque dos Poetas. Certo é que só com a autarquia de Oeiras, facturou 1,3 milhões de euros nos últimos 16 anos.

Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras. / Foto: D.R.

Aliás, foi precisamente com Oeiras que o escultor ganhou o seu maior ajuste directo público. Foi em 2012, no montante de 850 mil euros relativo à “Aquisição de um conjunto escultórico em homenagem ao poeta Luis Vaz de Camões e a sua obra Os Lusíadas”.

No global, em 16 anos – período em que estão disponíveis contratos com o escultor no Portugal Base – Francisco Simões ganhou mais 450 mil euros em ajustes directos com outros seis municípios: Vila Franca de Xira (três contratos), Covilhã (dois), Lisboa, Grândola, Fundão e Boticas. Ou seja, Oeiras representou 75% da facturação do escultor com contratos públicos.