A pobreza extrema foi, durante milénios, a condição natural da humanidade. Não era um acaso, nem uma injustiça histórica, nem o resultado de alguma trama dos ricos contra os pobres.
Era simplesmente a realidade bruta: escassez de comida, abrigos rudimentares, mortalidade infantil, vidas curtas e sofrimento permanente. A verdadeira pergunta é outra: como é que se saiu dessa pobreza? Por que motivo essa saída ocorreu na Europa, mais precisamente em regiões como a Inglaterra, Bélgica, Alemanha, os países escandinavos, o império Austro-húngaro e os EUA, e só mais tarde no sul da Europa?

(Unidade: Dólares internacionais a preços de 2021) / Fonte: OurWorldinData.org; Dados compilados a partir de várias fontes pelo Banco Mundial (2025); Bolt e van Zanden – Base de Dados do Projecto Maddison 2023; Base de Dados Maddison 2010
A resposta não está na geografia nem em dádivas naturais. Está na cultura. Mais concretamente, está na adopção de valores que promovem o aforro, o capitalismo, o acesso a energia barata e uma ética de trabalho enraizada.
Começamos pelo aforro. Poupar é, essencialmente, abdicar de um consumo imediato em favor de um futuro melhor. Imagine-se um homem numa ilha com coqueiros. Se quer aumentar a produção de cocos, terá de construir uma vara. Para isso, precisa de tempo e energia. Para sobreviver durante essa produção, precisa de ter poupado cocos. A vara não o alimenta, mas permite-lhe colher mais no futuro. Isso é um bem de capital. Essa é a essência do desenvolvimento: produzir bens de capital através da poupança.
Ora, sociedades que não poupam vivem como crianças. Perante a escolha entre um caramelo hoje ou cinco amanhã, preferem o de hoje. Não há planeamento, não há responsabilidade, não há futuro. A sociedade moderna, embriagada de consumismo e subsídios, tornou-se infantil.

Mas para que exista poupança é necessário um certo tipo de cultura. O cristianismo e a Igreja Católica desempenharam aqui um papel fundamental. Desde cedo, a moral cristã valorizou a frugalidade, o trabalho, o sacrifício e a preparação para um bem maior. As ordens monásticas, com a sua disciplina, tornaram-se verdadeiras fábricas de capital humano e de bens de capital.
A Igreja instituiu uma cultura de compromisso, estabilidade familiar e confiança interpessoal: valores essenciais para que o futuro seja previsível e, por isso, digno de ser planeado. O casamento monogâmico e duradouro, a condenação da usura e da fraude, e a sacralização do futuro funcionaram como pilar civilizacional.
Em Portugal, durante o Estado Novo, essa cultura estava enraizada. A poupança era regra. A família era o centro da vida económica. A comunidade impunha vergonha a quem falhava com as suas obrigações. Havia confiança. O Estado não prometia paraísos. Obrigava cada um a ser responsável.

A estabilidade monetária e orçamental favoreceu um crescimento sólido. Havia uma estrutura etária jovem, famílias fortes, e um sentimento de dever intergeracional. E, acima de tudo, ausência de um Estado social parasitário que anestesia a responsabilidade pessoal.
Outro ponto essencial: sem respeito pela propriedade privada não há incentivos para poupar ou investir. Se o homem da ilha sabe que, ao terminar a vara, virá outro roubá-la, por que motivo haveria de a produzir? Ora, o que o Estado faz hoje é isso mesmo. Através de impostos, inflação e dívida, confisca os frutos do trabalho e da poupança, matando os incentivos à responsabilidade.
A dívida pública é o equivalente a armar um grupo de bandidos para saquear vizinhos, com a promessa de repartir o saque. Os recursos não vão para investimentos produtivos, como fábricas ou computadores, mas sim para consumo imediato e votos comprados. Este mecanismo destrói a poupança, distorce a economia e cria uma população viciada em esmolas.

O segundo pilar: o capitalismo. Sem propriedade, sem lucros, sem preços livres, não há como afectar capital de forma eficiente. O socialismo é apenas viável em tribos, onde não há mercados. Na ex-URSS, os dirigentes recorriam aos preços dos mercados ocidentais para tomar decisões, pois sem preços não havia cálculo económico possível.
Se um empresário tem de somar ovos, calças e laranjas nas receitas e subtrair carne, fiambre e couves nos custos, como sabe se obteve lucro? Precisa de uma moeda. Precisa de preços livres. Precisa de contabilidade. A partida dobrada, inventada nas cidades-estado católicas italianas, foi um marco civilizacional nesse sentido. Hoje, a contabilidade foi capturada pelo Estado, e os contabilistas servem para denunciar os que tentam escapar ao confisco.
Outro instrumento essencial: as bolsas de valores. Criadas na Holanda protestante e depois replicadas em Inglaterra, Alemanha, países escandinavos e Império Austro-húngaro, foram instituições fundamentais para a descoberta de preços, mobilização da poupança e afectação eficiente de capital. Chegaram tarde ao Sul da Europa. Onde existiam, prosperava-se.

As bolsas permitem liquidez, permitem que pequenos investidores sejam integrados no sistema capitalista, na correcta afectação de capital, e impõem disciplina às empresas. A selecção é natural: os melhores prosperam, os piores desaparecem. É a destruição criadora. É o que o Estado tenta impedir, ao resgatar empresas falidas ou impor regras ESG ridículas que obrigam a contratar segundo quotas e não segundo a competência.
Terceiro pilar: energia barata. O crescimento vertiginoso do PIB per capita desde o século XIX coincide com o início da exploração de combustíveis fósseis e da energia a vapor. Foi isso que substituiu a escravatura. Deixámos de depender do braço humano. A produtividade explodiu. Mas hoje, diaboliza-se essa energia barata com a mentira climática. Os impostos ecológicos servem para roubar e redistribuir aos amigos com empresas de energia verde subsidiada. O critério não é económico. É político.
Por fim, a ética de trabalho. Trabalhar é produzir. Quem trabalha não está a consumir, está a gerar riqueza; mais: está a adquirir experiência, relações, mérito. Cada dia de trabalho é um dia de capital humano acumulado. Mas hoje venera-se o ócio. Feriados. Pontes. Subsídios. Rendimento mínimo garantido. Como se a riqueza surgisse do ar. Quem é que vai sustentar essa gente? O Estado? O Estado só pode tirar a quem produz. É um intermediário de saque.

Por isso, a riqueza não se explica por magia, sorte ou planificação central. Explica-se por cultura, por responsabilidade, por liberdade e por propriedade. A riqueza é a excepção. A miséria é o estado natural. Tudo o que hoje vemos ser destruído — a poupança, a propriedade, a confiança, a liberdade de investimento — são os alicerces da civilização. Quando forem totalmente arrasados, não restará senão a pobreza. Como antes. Como sempre.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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