Será Montenegro o carrasco do PSD?


Luís Montenegro chegou ao poder como promessa de mudança, mas em poucos meses já colecciona episódios que colocam em causa a sua credibilidade e a confiança dos cidadãos. Depois das últimas semanas, em que uma alteração da Lei dos Solos descambou em revelações pouco éticas (ou mesmo ilegais) sobre o seu passado, envolvendo a empresa Spinumviva, a questão não é apenas se haverá uma crise política que leve a novas eleições legislativas. A verdadeira questão é a integridade política de quem governa o país.

Pode-se confiar num primeiro-ministro que, até há bem pouco tempo, recebia avenças mensais de empresas ligadas ao jogo e de outras entidades com as quais manteve relações comerciais antes de assumir funções governativas? E, num plano mais abrangente, podem os políticos continuar a proclamar um regime de transparência quando, na prática, este mais não é do que um exercício de opacidade institucionalizada?

Os contornos deste caso – e das relações pouco saudáveis de um primeiro-ministro – deveriam inquietar qualquer cidadão atento. O histórico de Montenegro não é um exemplo de sólida integridade, sobretudo quando se considera os sucessivos contratos públicos da sua sociedade de advogados. Enquanto líder da oposição, auferia remunerações regulares de entidades cujo sector depende, directa ou indirectamente, da regulação e acção do Estado. O conflito de interesses é evidente e a justificação, frouxa. O primeiro-ministro apressou-se a garantir que tudo foi feito dentro da legalidade, como se isso, por si só, bastasse para ilibá-lo do problema ético maior: a percepção de que, antes de se sentar à mesa do Conselho de Ministros, estava comprometido com interesses privados.

E os problemas não ficam por aqui. Hoje mesmo, veio a público mais um caso. Segundo o Correio da Manhã, há discrepâncias nas declarações de rendimentos enviadas pelo primeiro-ministro à Entidade para a Transparência (EpT), nomeadamente na compra de dois apartamentos em Lisboa. Os imóveis, avaliados em mais de 715 mil euros, foram pagos a pronto, sem recurso a crédito bancário. Porém, na aquisição de um deles, há um montante de 226 mil euros cuja origem não foi possível apurar. Confrontado com estas dúvidas, Montenegro saiu-se com a habitual evasiva: “A origem do meu património foi o trabalho. Não existem dados ou meios ocultos.”

E há mais. Muito antes do caso Spinumviva, Montenegro já acumulava episódios que lançam sombras sobre a sua conduta. O primeiro-ministro beneficiou de isenções fiscais na construção da sua vivenda em Espinho. O pedido foi submetido à Câmara Municipal quando esta era liderada pelo seu amigo Pinto Moreira – que, por coincidência, está a ser julgado por corrupção. O parecer favorável foi posteriormente emitido pelo sucessor, o socialista Miguel Reis. Oficialmente, a obra foi licenciada como uma reabilitação, mas o que aconteceu foi uma construção nova: uma moradia de seis pisos perto da Praia Azul, que resultou da demolição de uma minúscula casa. O Ministério Público arquivou o caso, mas deixou muitas perguntas sem resposta.

E quem se lembra do Galpgate? Em 2016, Montenegro, então líder parlamentar do PSD, foi um dos políticos apanhados na polémica das viagens pagas pela Galp para assistir ao Euro 2016. Apresentou mais tarde comprovativos de pagamento, mas há suspeitas de que os cheques foram emitidos apenas depois de o caso ter sido denunciado, com datas duvidosas e, nalguns casos, fora de validade. O inquérito foi arquivado em 2021, mas o rasto de desconfiança permanece.

O problema, agora, é que Montenegro está politicamente ferido. Em vez de assumir responsabilidade, parece preferir colocar-se no papel de vítima, aguardando uma moção de censura – desta vez aprovada (com apoio do PS) – ou sendo empurrado para uma moção de confiança que não conseguirá vencer.

Seja qual for o desfecho, o primeiro-ministro, que quis vender-se como um líder credível e confiável, está profundamente fragilizado. O PSD, num Governo minoritário sem rumo claro, encontra-se numa encruzilhada, talvez rezando para que não surja mais um “elemento” que destrua o pouco que ainda resta da credibilidade de Montenegro.

A partir de hoje, se um novo escândalo rebentar e o Governo de Montenegro cair com estrondo, o PSD não terá apenas um problema de liderança – poderá estar perante o início do seu próprio colapso. Entre a Iniciativa Liberal e o Chega, que se aproveitarão da ‘desgraça alheia’, e a habitual transição de votos para o Partido Socialista, a sobrevivência do PSD pode ficar seriamente comprometida.

Montenegro entrou já na História como líder do PSD e primeiro-ministro. Resta saber se o seu nome não acabará também gravado na lápide do seu próprio partido.