A memória é uma maldição. De nada serve apontar os factos históricos, os processos lógicos, as evidências empíricas – a turba sempre volta a esquecer a essência do Estado. Poucos ousam dizê-lo com todas as letras, mas eis a verdade nua e crua: o Estado é um grupo de bandidos organizados que adquire propriedade de forma ilegítima.
Um assaltante de esquina, ao menos, não pretende dignificar a sua vileza com argumentos pomposos, não se esconde atrás de leis e regulamentos, nem se apresenta como benfeitor da humanidade. O Estado, esse grande parasita, disfarça-se de entidade moral e omnipotente, apresentando a pilhagem como um acto de justiça, a coerção como um serviço público e a violência como um dever cívico.
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Mas o que é, afinal, uma aquisição legítima de propriedade? Há três vias para tal: a apropriação original, a troca voluntária e a herança ou doação. Quem desbrava um campo e planta as primeiras sementes estabelece um direito legítimo sobre aquela terra. Quem troca trabalho por dinheiro ou bens e serviços pratica uma relação mútua, sem violência. Quem recebe algo por doação ou herança apenas vê transferida uma posse obtida legitimamente.
Eis a base da propriedade privada, um conceito que deveria ser óbvio para qualquer ser humano que não tenha sofrido uma lavagem cerebral em escolas públicas. No entanto, o Estado tem uma característica única que o distingue do ladrão vulgar: a capacidade de legalizar formas de apropriação de propriedade privada para si próprio, enquanto as torna ilegais para os demais.
Veja-se o caso dos impostos. Se um cidadão qualquer confiscar parte do salário de um vizinho sob ameaça de violência, chamar-se-á a isso roubo, e com razão. Mas quando o Estado o faz, chama-se tributação.
Se um indivíduo imprimir notas falsas e as introduzir na economia, será preso por falsificação de moeda. Mas se o Banco Central ou um banco o faz, é porque precisa de estimular a economia ou evitar uma recessão.
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Se um sujeito invadir uma casa e a tomar para si alegando necessidade, será desalojado e julgado. Mas se o Estado decide que aquela propriedade privada é necessária para um quartel de bombeiros, uma esquadra de polícia ou um hospital, a expropriação forçada torna-se um acto legítimo. A ironia é palpável, mas a aceitação desse duplo critério revela a profundidade da propaganda estatal.
O endividamento público é outro mecanismo de pilhagem. Os chamados representantes do povo, sem qualquer mandato expresso para tal, assinam contratos de dívida que amarram gerações futuras a um fardo impagável. Como essa dívida não pode ser paga com receitas fiscais – pois os impostos já se encontram no seu limite tolerável –, imprime-se moeda, desvalorizando o poder de compra dos cidadãos, roubando-lhes riqueza pela via silenciosa da inflação. Em qualquer outro contexto, isto seria chamado de esquema fraudulento, digno dos mais célebres charlatães. Mas quando praticado por banqueiros centrais, banqueiros do sistema e políticos engravatados, converte-se em política económica responsável.
O Estado não é apenas um ladrão comum. É um bandido catedrático, erudito, com um departamento de relações públicas eficiente e uma capacidade notável de manipular consciências. Rouba, mas apresenta-se como protector dos fracos e oprimidos. Confisca propriedade, mas afirma que é para garantir serviços essenciais. Extorque riqueza, mas proclama que é para combater desigualdades.
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É um parasita que não apenas suga os seus hospedeiros, mas também os convence de que tal processo é justo e necessário. O ensino estatal e a academia desempenham um papel fundamental nesta lavagem cerebral, disfarçando a exploração sistemática com teorias rebuscadas sobre bens públicos, concorrência perfeita e externalidades. O que outrora era visto como pilhagem descarada é hoje aceite como dogma económico.
A evolução do parasitismo estatal atingiu níveis de sofisticação inigualáveis. Já não há um rosto concreto para o roubo. Nos tempos da monarquia absoluta, havia um rei gordo e anafado, a quem se podia atribuir a responsabilidade directa pelos impostos opressivos. Hoje, a democracia criou um sistema de bandidagem difusa, onde os assaltantes são anónimos e se multiplicam em gabinetes, comissões, assessores e departamentos. A genialidade do modelo reside no facto de que o povo é ensinado a ver-se como responsável pela sua própria espoliação, pois são os seus representantes a conduzir os saques. O mecanismo tornou-se tão eficiente que as vítimas chegam ao ponto de defender apaixonadamente os seus algozes, recorrendo a expressões como os “meus impostos”, os “meus descontos”.
Além disso, a moralidade foi meticulosamente corroída, dando lugar ao relativismo como norma. Princípios fundamentais como a vida, a liberdade e a propriedade deixaram de ser valores absolutos, transformando-se em meros conceitos maleáveis, sujeitos ao arbítrio de burocratas e ideólogos. Hoje, pode-se eliminar um ser humano até às dez semanas de gestação, pois, segundo os burocratas, ainda não é um ser humano, ignorando-se o facto inegável de que a vida é um contínuo desde a concepção até à morte. Todos nós, os vivos, fomos, um dia, um ser humano com um dia, com dez dias ou com dez semanas. Mas agora, o Estado determina onde se inicia a sacralidade da vida, como se esta pudesse ser medida em dias, semanas ou meses.
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A impressão de dinheiro deixou de ser considerada roubo para ser promovida como uma ferramenta de política monetária. As proibições já não são vistas como censura, mas como uma protecção contra discursos perigosos. Veja-se o caso de pessoas presas por discursos de ódio, nos quais não há vítimas, pois a sua vida, propriedade e liberdade não foram minimamente afectadas. Tudo se tornou relativo, excepto a necessidade de pagar impostos.
O Estado, para garantir o seu domínio absoluto, precisa de fabricar constantemente inimigos comuns. A partir de 11 de Setembro de 2001, tivemos a guerra ao terror, que transformou árabes barbudos no inimigo global, justificando invasões, ocupações e assassinatos em massa. Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iémen – países arrasados em nome da liberdade e da democracia.
Depois, a putativa pandemia, em que um vírus se tornou o inimigo comum que justificou a suspensão arbitrária de liberdades constitucionais e a governação por decretos, sem qualquer escrutínio democrático. A propaganda oficial atingiu um paroxismo sem precedentes, com ritos de obediência transformados em mandamentos inquestionáveis: fraldas faciais, prisões domiciliárias, distanciamento social, certificados de pureza genética – toda uma panóplia de medidas que nunca tiveram qualquer base científica, mas que serviram para testar os limites da submissão.
Aqueles que ousaram questionar a narrativa oficial foram imediatamente rotulados de negacionistas, tratados como párias e perseguidos como criminosos de pensamento. A segregação social dos não vacinados atingiu níveis de discriminação comparáveis aos períodos mais negros da História, com indivíduos impedidos de trabalhar, viajar ou até de frequentar espaços públicos, reduzidos ao estatuto de sub-humanos – Untermenschen.
Os governos, movidos pelo pânico ou pelo desejo oportunista de expandir o seu poder, impuseram coercivamente a toma de uma substância experimental, sob a ameaça de exclusão social e económica, subvertendo o princípio fundamental da autonomia corporal. Tudo isto feito sob a égide do bem comum, utilizando a velha estratégia totalitária de forjar um inimigo invisível para justificar atrocidades bem visíveis. A liberdade, que outrora se dizia inalienável, foi obliterada sem resistência significativa, numa capitulação vergonhosa que revelou o quão frágil se tornou a ideia de autodeterminação numa sociedade educada para a obediência cega.
Enfim, a putativa pandemia serviu como o laboratório perfeito para testar os limites da nossa servidão voluntária. Mas quando o medo biológico já não bastava, foi necessário forjar um novo inimigo conveniente: Putin e a Rússia, rapidamente convertidos na raiz de todos os males, enquanto se esquece deliberadamente que o regime de Zelensky tem pouco ou quase nada de democrático, sendo um títere financiado pelo Ocidente, que persegue a oposição, suspende liberdades religiosas, envia jovens despreparados para a carnificina e rejeita eleições.
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A verdade inegável é que este conflito não tem heróis, apenas bandidos. Putin, com a sua nostalgia imperial e a sua política de força bruta, nada tem de libertador; os EUA, mestres na arte da desestabilização global, fomentaram a guerra para garantir os seus próprios interesses hegemónicos; a Ucrânia, longe de ser um bastião de liberdade, tornou-se um peão útil neste jogo sujo de geopolítica e manipulação.
Enquanto os grandes jogadores repartem os despojos, o cidadão comum, seja russo, ucraniano ou ocidental, paga a conta em sangue, inflação e perda de liberdades, enquanto os arquitectos do conflito assistem do alto das suas torres de marfim, indiferentes ao sofrimento que perpetuam.
Mas o arsenal de ameaças invisíveis não termina aqui. O inimigo eterno, aquele que nunca se extinguirá e cujo combate justifica o saque perpétuo, é o CO2, o gás da vida transformado em agente do apocalipse. No século XV, os desesperados compravam indulgências para salvar a alma; agora, pagamos taxas de carbono para salvar o planeta, rendendo-nos ao novo clero ambientalista, que impõe dogmas inquestionáveis e exige sacrifícios perpétuos. Desta forma, geração após geração, o grande saque prossegue, meticulosamente planeado e executado por uma casta de ladrões legalizados que, com mão de ferro e luva de veludo, perpetuam o maior embuste da história da humanidade: a ideia de que são necessários para a nossa existência.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
Nota: Ilustrações produzidas com recurso a inteligência artificial
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