A contingência da necessidade levou-me ao ofício de animador turístico. Vulgo condutor de animação turística, driver, guia ou, se for mais ousado, embaixador cultural. O romantismo ingénuo e a falta de cuidado na observação do contrato de casamento levaram-me tudo de material (até os anéis) e assim dei por mim a vender na rua. Mal que veio por bem, pois ter-me-ia passado ao lado esta grande carreira de diplomata.
Embora licenciado em Relações Internacionais, descurei a candidatura ao corpo diplomático e como Deus escreve direito e nós somos as linhas tortas, desaguei no mais próximo do ofício de honrar a pátria. O p pequeno advém do facto de não se dar um chavo por quem labuta neste serviço. É como ver um pedinte esquálido e sem dentes e só atentar na sua triste figura quando, por vezes, nele habita um génio incompreendido. Há um na Figueira, o senhor Carlos, que declama Gedeão deitado na lage onde dorme, come e sonha com dias melhores. Até escreveu um poema ao Moedas.
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Carlos como eu, és tu, ó Moedas
Tu dizes que fazes, e fazes
Mas não são grandes merdas
A praça que elegi para montar a loja é a da Figueira. Convivo com vendilhões de várias procedências, do Magrebe a terras de Vera Cruz. Marrocos, Argélia, Paquistão, Bangladesh, Índia, Brasil, França, Espanha, Itália… há guias de todas estas procedências. A maioria são tipos esforçados e vão além do aceno do folheto no imperativo de mostrar e contar a cidade. Um ou outro é da variante abrenúncio e só vê cifrões. Pode suceder que este ou esta não mereça o chão que pisa, entre a preguiça de falsear o contado e o descaramento de ludibriar as autoridades.
Nem a razão da praça se chamar da Figueira são capazes de dizer. É como os vendilhões da Sé, criaturas bíblicas que se engasgam nas rezas. Não me espanta ser por cá que se tenha estabelecido uma actividade como esta, afinal estamos na cidade rainha do comércio. Quem inventou o negócio dos tuks foi um senhor chamado Paulo Oliveira. Um dia, a passear no Chiado no seu Piaggio Apê Calessino, reparou no interesse dos estrangeiros na sua montada e logo mandou vir uma dúzia para explorar o filão. Os outros, macacos de imitação, seguiram-lhe a peugada. Sem espanto, o negócio foi estabelecido e ninguém das autoridades económicas e do Trabalho foi verificar de que se tratava.
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E quando foi já era tarde. Treze anos passados é uma actividade instalada onde aterra toda a sorte de necessitados. Não direi que se façam fortunas, mas posso garantir que só a apanha da amêijoa se equipara no banho à realidade tributária. No meu caso, enriqueci de tal forma que empreguei sem contrato o Nuno o Salazar o Garcia o Sousa e o Gomes. Somos uma empresa familiar. Tributada no altar do altíssimo que é a fonte de inspiração para a escrita de rua. O melhor lugar para se estar.
Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)