Considerado uma espécie de ‘Richelieu da Saúde’ – aludindo à sua influência nos corredores do Ministério da Saúde, liderado por Ana Paula Martins –, Eurico Castro Alves tem vindo a coleccionar nos últimos anos um impressionante portefólio empresarial bastante diversificado, com investimentos nos sectores do imobiliário, consultoria, saúde e até canábis medicinal.
Porém, numa investigação do PÁGINA UM, com excepção da WiseHS – que, em breve, merecerá uma análise mais detalhada –, grande parte das empresas que criou ou ajudou a criar nos anos recentes foram descartadas ou acabaram por se ‘esfumar’ literalmente – como foi o caso da empresa Atlantiquality Unipessoal, criada em Abril de 2023 para “o exercício das actividades de cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação, exportação, transporte e circulação de medicamentos, preparações e substâncias à base de planta da canábis para fins medicinais, médico-veterinários e de investigação científica”.
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No mês passado, no dia 16, foi publicado o anúncio da dissolução desta ‘aventura’ de Castro Alves. As contas de 2023, apresentadas apenas em Novembro do ano passado, mostram uma actividade nula: apenas uma despesa de 5.400 euros e sem qualquer receita.
Sector bastante atractivo, embora burocrático e oneroso por exigir morosas autorizações do Infarmed e investimentos avultados, a produção e comercialização de canábis medicinal tem atraído muitos investidores nacionais e internacionais, desde que foi legalizada através de um diploma de 2018. De acordo com um artigo de análise publicado no jornal Cannareporter, a ascensão de Portugal na indústria global da canábis tem sido uma história de sucesso.
De um início modesto após a legalização da canábis medicinal em 2018, Portugal mostra-se agora uma potência no sector, apenas atrás do Canadá, estimando-se que as exportações no ano passado tenham ultrapassado as 25 toneladas, reflectindo uma taxa de crescimento anual composta superior a 80% durante este período. O negócio mostra-se bastante atractivo, podendo ser vendido sob a forma de flor ou óleo, com efeitos benéficos comprovados em dores crónicas, efeitos colaterais de quimioterapia, doenças neurodegenerativas e diversos transtornos mentais e psiquiátricos.
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Castro Alves – que foi presidente do Infarmed entre 2012 e 2015 – estava bem colocado neste sector emergente, e logo em 2018 a sua empresa WiseHS começou a desenvolver acções de formação no sector da canábis medicinal, elaborando mesmo relatórios regulares.
Porém, ao invés de usar a WiseHS, da qual é o sócio exclusivo, acabou por optar por criar uma empresa específica – a Atlantiquality, mas recorrendo a uma outra empresa que criou: a Interbuscon. Fundada em 2018, a Interbuscon tem um capital social de 1.000 euros, distribuído entre Eurico Castro Alves (75%) e Maria Amélia Pelicano Paulos, uma antiga inspectora coordenadora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Pessoa próxima do ‘ministro-sombra’ da Saúde, Amélia Pelicano Paulos foi até finais de Dezembro a directora-geral da WiseHS, e o seu endereço que surge em documentos comerciais é, por regra, o mesmo que o de Castro Alves, uma habitação numa zona residencial nas imediações do Bairro de Bessa Leite, na freguesia de Lordelo do Ouro e Massarelos.
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Apesar de objectos sociais muito distintos, em termos formais, a Atlantiquality foi ‘filha’ da Interbuscon – que tem uma actividade bastante residual, com receitas de menos de 43 mil euros em 2022. As contas de 2023 não foram ainda depositadas. Seja como for, a Atlantiquality teve ainda pior sorte, e nem sequer terá conseguido obter qualquer licença junto do Infarmed, não constando da base de dados das entidades do circuito da distribuição e da produção e aquisição directa de canábis medicinal, que integra actualmente 41 empresas.
Apesar de nunca ter constado como sócio, Eurico Castro Alves terá tido uma segunda ‘aventura’ na canábis medicinal que se ‘esfumou’. A sua sócia Amélia Pelicano Paulos também co-fundou em 2019 uma outra empresa neste sector, a Canfimed, detendo uma quota de 23% e tendo sido mesmo gerente. A Canfimed anunciou também no início de Janeiro passado a sua dissolução, e é aqui que existe a ligação a Eurico Castro Alves, porque é o seu nome que surge como depositante, bem como o endereço da WiseHS.
Aliás, mesmo tendo-se ‘esfumado’ estas duas empresas de canábis medicinal associadas directa ou indirectamente a Castro Alves, com ‘morte inglória’, ainda há mais três que lhe estarão associadas. A primeira é a Cannatech, formalmente detida por três residentes londrinos (Sangeeta Mittal, Shristi Mittal e Vartika Mittal Goenka), que comunga a sua sede com a WiseHS. Não existe, porém, qualquer informação comercial e económica sobre esta empresa desde Dezembro de 2020.
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E ainda há mais duas empresas com ligações a Amélia Pelicano Paulos, embora os objectos sociais sejam mais amplos, incidindo no cultivo, transformação e comercialização de plantas medicinais e farmacêuticas. A primeira, a Serioustendency, foi criada em 2019 e tem a sócia de Eurico Castro Alves como detentora de um terço do capital social. Um ano mais tarde, essa novel empresa criou a Serioustendency Madeira, com uma quota de 75% de um capital social de apenas 400 euros, tendo como parceira a Valsa das Ninfas.
O PÁGINA UM colocou diversas questões a Eurico Castro Alves sobre a sua actividade empresarial. No caso das empresas encerradas e a encerrar, Castro Alves diz apenas, laconicamente, que se relacionam “com projetos que não chegaram a concretizar-se”.