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  • As “bolhas” nas escolas

    As “bolhas” nas escolas


    O meu nome é Ana Raquel Serra Evaristo e sou mãe de uma criança de oito anos que frequenta a EB1/JI do Bairro Novo no Seixal.

    Fui desde cedo crítica das medidas aplicadas nas escolas, sobretudo pela desproporcionalidade e pela diferença na actuação entre as próprias escolas, que adoptaram cada uma as medidas que entenderam…

    No auge da pandemia (ainda a minha filha andava na pré), vi-a a chorar em frente ao computador, a dizer que não queria ver os amigos assim, que queria estar com eles na escola. No regresso à escola em 2020, tive que pedir que não lhe aplicassem tanto álcool-gel nas mãos por lhe estar a fazer alergia.

    No primeiro dia de aulas em 2021 (já no primeiro ano), uma das meninas da sala dela, ficou a chorar no recreio sem entrar na escola. Precisava claro, de um último abraço ou de mais um bocadinho de conforto, mas os pais não podiam entrar, e as auxiliares entre aplicar álcool-gel a quem entrava e assegurar o distanciamento social, limitavam-se a dizer-lhe para entrar na escola, aos gritos e gesticulando.

    Foi a minha filha que, por indicação minha, lhe deu um abraço, lhe deu a mão e confortou a amiga, e assim entraram as duas na escola. Devia ter sido um dia de alegria, mas saí dali com o coração pesado.

    red and yellow metal frame under blue sky during daytime

    A minha filha anda agora no 2º ano, e não conhece o recreio de outra forma, a não ser em “bolhas”. Mesmo apesar do Referencial Escolas, para controlo da transmissão de covid-19 em contexto escolar, ter sido revogado, e de as mais recentes orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) nada referirem quanto à necessidade de distanciamento social nas escolas.

    Contactei a escola, em busca de esclarecimentos, e fui encaminhada para o Agrupamento. As respostas que obtive foram totalmente desfasadas da realidade e desprovidas de qualquer enquadramento legal.

    Contactei vários pais. Poucos concordam com as “bolhas”, mas nenhum se atreveu a questionar, ou a procurar esclarecer a situação, e quase todos demonstraram um desconhecimento total das orientações em vigor.

    Senti-me impotente para enfrentar sozinha este processo e contactei vários advogados e entidades. Apenas o Dr. Paulo Edson da Cunha acedeu a avançar comigo, assim como a organização Habeas Corpus, que deu o seu contributo com um parecer que suportava a nossa causa.

    E em boa hora o fiz. Durante mais de uma semana tentámos gerir um gigantesco muro de silêncio ou de respostas cheias de nada. Sem a ajuda do Dr. Paulo Edson da Cunha dificilmente eu teria conseguido avançar.

    Iniciámos, pois, uma escalada de contactos que implicou voltar a inquirir a direcção do Agrupamento, para construir um caso sólido. Eu a insistir numa actuação rápida, o Dr. Paulo Edson da Cunha a gerir a minha ansiedade, e a explicar que eram passos pequenos, e que embora parecessem retrocessos, teriam que ser dados.

    O Agrupamento recusou a realização da reunião que solicitámos e encaminhou para a Direção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo (DSRLVT). A DSRLVT devolveu para o Agrupamento. Recorremos à DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), que encaminhou para a DGS e para o respectivo delegado de saúde da área. A resposta ainda a esperamos, e assim andámos, num processo kafkiano, sem que nenhuma entidade fosse capaz de esclarecer de forma clara, objectiva e directa, acerca do enquadramento legal e o que é que suportava a continuação das “bolhas” no recreio.

    group of people wearing white and orange backpacks walking on gray concrete pavement during daytime

    Estas diligências aconteceram maioritariamente durante a pausa lectiva da Páscoa, e face à ausência de respostas, informámos que estaríamos dispostos a recorrer judicialmente para obter, por essa via, o que não estávamos a conseguir junto das entidades competentes.

    Surpreendentemente, ou talvez não, no primeiro dia de aulas “surgiram” orientações da  Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) indicando que “as crianças que se encontrem no espaço exterior, na altura do intervalo escolar podem circular/interagir livremente (…)”

    Gostaria muito de dizer que a história acaba aqui, mas infelizmente ainda não.

    Quando fui buscar a minha filha à escola ao final do dia, disse-me bastante entusiasmada que já não havia “bolhas”. No desenvolvimento da conversa, percebi que afinal ainda existiram duas “bolhas” e que as auxiliares ainda não agiam de forma uniforme, umas já não dando importância à circulação das crianças, outras insistindo na permanência nas mesmas.

    O meu coração gelou, a pensar que afinal ainda não podíamos cantar vitória e lá se passou mais uma noite mal dormida, a pensar no que faríamos a seguir, caso as “bolhas” não fossem totalmente removidas.

    No dia seguinte lá estávamos junto da escola, à hora do intervalo para perceber o que aconteceria às “bolhas”. Felizmente, desapareceram! Vimos um recreio cheio de meninos a circular livremente e a finalmente interagir sem nenhum constrangimento.

    Resta-lhes agora ser crianças, brincar muito e recuperar destes dois anos de falta de interacção. O meu coração de mãe está agora mais leve e infinitamente mais feliz, e com a certeza de que tudo fiz para garantir à minha filha nada menos do que lhe é devido enquanto criança.

    “Bolhas” no recreio, só se forem das de sabão, para as crianças brincarem com elas!!


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • VOZ P1, para dar voz aos leitores

    VOZ P1, para dar voz aos leitores


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  • Não queremos ser heróis; o que nos dói é sermos retirados da equação

    Não queremos ser heróis; o que nos dói é sermos retirados da equação


    Neste tempo de incertezas, em que um ser microscópico atacou, silenciosamente, e espalhou o seu mal – de forma ordeira, disseminada, que em pouco tempo provocou caos no Mundo, ao ponto de nos fechar em casa, de fechar as sociedades à livre convivência, tentando estas, desta forma conter um mal maior –, existiram seres humanos, que por inerência das suas funções e obrigações profissionais, não o puderam fazer.

    Os Técnicos Auxiliares de Saúde estão entre estes muitos profissionais que viram a sua já fragilizada situação ainda ficar mais agravada, pois nestes dois anos, que tem durado esta crise de saúde mundial, houve um sério retrocesso em algumas garantias e, direi mesmo, liberdades que lhes foram bloqueadas.
    Estes profissionais, que auferindo o salário mínimo nacional, estando sujeitos – direi mesmo, subjugados – à vontade de chefias coniventes com administrações de cariz economicista – que não lhes reconhecem nome, mas sim números –, são catalogados de soldados rasos, obrigados a jornas intermináveis, muitas delas de 14 e 18 horas, que nestes tempos pandémicos se agravaram ainda mais.

    Contudo, sempre souberam responder de uma forma cabal ao apelo nacional, deram de si mais do que podiam. Milhares, com receio, ficaram impedidos da convivência da família; fizeram dos doentes a sua família, deram a estes a Família que lhes faltava, dentro de fatos e mais fatos, em autênticas saunas ambulantes, com turnos de 12, 14 e, não raras vezes, de 18 horas. Prestaram um serviço de relevância ao país.

    person in white robe holding black and yellow umbrella

    Estes mesmos profissionais, que sendo soldados rasos, estiveram na linha da frente no primeiro contato – aliás, como o fazem sempre, mesmo sem pandemia. Estes mesmos profissionais que são os que cuidam, alimentam, que ajudam na higiene, na eliminação das necessidades fisiológicas, dão o ombro ao choro; por vezes, são os para-raios das angústias dos doentes, estão presentes 24 horas sobre 24 horas, todos os dias da semana, para que os outros profissionais de grau superior, possam ter mais tempo livre para ministrar as terapêuticas.

    Estes profissionais que têm família, que também sentem, que também têm alma, foram e são relegados para o esquecimento, quando enfatizaram o bem que o Serviço Nacional de Saúde prestou à sociedade, ao ponto de pensarmos que ali só existe duas classes: médicos e enfermeiros. E esquecem-se que sem os Técnicos Auxiliares de Saúde a prestação de cuidados, que foi tão bem apregoada pela comunicação social, não teria sido possível; atrevo-me a dizer que teria sido um caos, sem a nossa prestação e sentido de missão.

    Quem iria distribuir o pequeno-almoço, com um bom dia e um sorriso sonoro, atrás de máscaras, e capacetes parecendo astronautas?

    Quem ajudaria no ministrar da medicação a muitos que só a conseguem ingerir juntamente com a refeição?

    Quem depois os ajuda no banho, no levante, para ir fazer as suas necessidades, ou então na troca de fraldas ou mesmo por aparadeiras?

    Quem atenderia as chamadas dos doentes, pedindo isto e aquilo, imensas das vezes só com o intuito de se sentirem acompanhados e poderem falar um pouco?

    Em média, passamos três vezes mais tempo com os doentes do que qualquer outro profissional de saúde.
    Quem depois desinfeta as unidades dos doentes que partem, uns para suas casas, outros deste mundo? Sendo que a estes, ainda com um sentido de humanidade, lhe prestamos um último auxílio, no tratar do corpo, com toda a dignidade que merecem, e depois os transporta para a morgue.

    Quem iria levar os doentes aos exames, que têm de ser feitos em outros locais das unidades de saúde?

    Quem iria levar amostras biológicas, ou buscar medicação à farmácia hospitalar?

    Quem faz e está atento às necessidades de pedir e repor todo o material, para o bom funcionamento das unidades de saúde?

    person wearing orange and white silicone band

    Não podemos, e nem devemos, esquecer todos os profissionais que trabalham no setor social. Estes lutam ainda mais com um grave problema de falta de profissionais de enfermagem, ao ponto de muitas vezes não estarem a tempo inteiro, cabendo aos Técnicos Auxiliares de Saúde prestar terapêuticas que só aos enfermeiros caberia fazer.

    A penosidade da nossa profissão vai muito além das questões físicas; ela insere-se numa abrangente problemática, psicológica e fisiológica. Os estudos e estatísticas só referem o burnout e o stress às classes superiores, mas os Técnicos Auxiliares de Saúde são a classe que está mais sujeita a estas patologias, agravadas agora com a pandemia, pois fomos os que mais contraímos covid-19.

    Em suma, esta é a nossa realidade, mas deparamo-nos com um total desprezo por aquilo que fazemos e que tanto damos à sociedade. Temos ordenados equiparados a varredor de rua – com imenso respeito para com estes –, mas, na verdade, temos índice remuneratório semelhante, além da nomenclatura profissional: somos chamados de Assistentes Operacionais, não existindo progressão na carreira, porque nem sequer é considerada uma profissão.

    Foi por tudo isto que a Associação Portuguesa dos Técnicos Auxiliares de Saúde (APTAS) se criou, tendo na sua génese a persecução de um objetivo primordial: a reposição/criação de uma profissão que já existiu (Auxiliar de Ação Médica), sabendo-se ser esta de suma importância para a sociedade. E dando também a estes profissionais, que todos os dias dão de si em prol dos outros, o digno reconhecimento da sua missão, inserindo-os nas equipas especiais da saúde, dando-lhe um bem-estar pessoal, que vai muito além de qualquer questão monetária.

    Dentro deste pressuposto, a APTAS detém na sua raiz de existência, uma visão holística sobre o Técnico Auxiliar de Saúde, e o que ele representa dentro do Serviço Nacional de Saúde. Sabemos ser um trabalho árduo, pois queremos quebrar dogmas em vários quadrantes, e em especial no seio dos profissionais inseridos nesta profissão. Será uma cruzada, por isso mesmo elaborámos já também um Código Deontológico.

    Como disse Fernando Pessoa: “Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso”.

    Esta é, sem sombra de dúvida, a frase que nos define. A APTAS nasceu de um sonho, sonho esse tornado realidade, mas não se extingue o ónus do sonho após a sua realização. Sonhamos elevar a nossa profissão a patamares de excelência, onde os objetivos primordiais sejam, educar, formar e qualificar todos aqueles que estejam abertos a serem Técnicos Auxiliares de Saúde.

    person walking on hallway in blue scrub suit near incubator

    Aquilo que perspectivamos, como base fundamental para esta nobre profissão, numa visão presente/futura, é qualificar todos os Assistentes Operacionais, que se encontrem a prestar serviços, dentro das funções exigidas pelo referencial de Técnico Auxiliar de Saúde. Este documento foi aprovado e usado pela ANQEP – Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional. E, nessa medida, se enquadrem também as várias especificidades aí previstas, designadamente auxiliares de enfermagem, de alimentação, de descontaminação e de desinfeções.

    Por fim, continuaremos a lutar para que esta nossa pretensão, culmine com a tão desejada carreira, reivindicação essa já reconhecida pela Assembleia da República, e referida no programa de proposta do recém-eleito Governo.

    Esperemos que o novo Governo honre e cumpra, respondendo desta forma à confiança que milhares de Técnicos Auxiliares de Saúde depositaram nele.

    A APTAS, tem como pretensão, lutar por esta causa, mas não queremos fazer desta luta, uma luta só nossa. Existem outras organizações que lutam também para esse objetivo. Aquilo que prometemos, como trabalho, vai muito além de protagonismos pessoais, que só minam as sinergias que deveriam existir entre todos para um bem maior: a criação da nossa tão desejada e necessária profissão de Técnico Auxiliar de Saúde.

    Adão Artur M. Rocha, presidente da Direcção da Associação Portuguesa dos Técnicos Auxiliares de Saúde (APTAS)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.