Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 1138 contratos públicos, com preços entre os 9,58 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, através de ajuste directo – e os 5.597.248,32 euros – para aquisição de medicamentos e imunomoduladores, pelo Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 22 contratos, dos quais 10 por concurso público, nove ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Foi uma ‘invenção’ do Governo socialista. Em vez de se aproveitar o know-know e as sinergias da Caixa Geral de Depósitos (CGD), criou-se em 2020 o Banco Português de Fomento (BPF), um micro-banco que, na verdade, sendo um ‘pigmeu financeiro’, gasta que se farta. Se a CGD despende 690 euros em serviços administrativos e com pessoal para obter 1.000 euros de lucro, já o BPF precisa de gastar 5.367 euros para alcançar o mesmo objectivo. Mas se o BPF – que teve apenas lucros de 3 milhões de euros em 2022 com 16,1 milhões de euros em gastos de funcionamento – aparenta ser um péssimo negócio para os contribuintes, há quem não terá, por certo, a mesma opinião. São os casos de grandes consultoras financeiras, empresas tecnológicas, seguradoras, empresas de leasing automóvel e sociedades de advogados, onde se inclui a de Luís Montenegro e a de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República. A avença do escritório do futuro primeiro-ministro terminou em Dezembro passado.
Ao fim de menos de três anos de funcionamento, o Banco Português de Fomento – uma instituição bancária autónoma criada pelo Estado quando já detinha um banco estável, a Caixa Geral de Depósitos – mostra ter sido uma opção vantajosa para muitos, mas não para os contribuintes.
Criado em finais de 2020 como um banco promocional de desenvolvimento – isto é, para facilitar a concessão de crédito proveniente sobretudo do Programa de Recuperação e Resiliência –, o BPF foi constituída pela fusão de diversas pequenas entidades financeiras públicas que não estavam sob alçada da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nomeadamente da PME Investimento (uma sociedade pública de investimentos), a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM). A estratégia política do Governo agora cessante foi, na verdade, criar um novo banco de investimento, mas à margem de toda a estrutura já consolidada da CGD.
Na verdade, olhando para as demonstrações contabilísticas das duas instituições bancárias públicas, o BFE é um autêntico pigmeu perante a CGD, o que leva a questionar a razão para não se ter criado um departamento autónomo na instituição liderada por Paulo Macedo aproveitando know-how e sinergias. Mas o BFE é um pigmeu mas com uma grande gula.
Em 2022, o BPF apresentava apenas 848 milhões de euros em activos, que representam apenas menos de 9% dos activos da CGD no ano passado, de acordo com os resultados hoje apresentados. No entanto, enquanto os activos da CGD contribuíram para um lucro (recorde) de quase 1,3 mil milhões de euros, a que acresce de 529 milhões de euros impostos ao Estado, o BPF conseguiu em 2022 – ainda não apresentou resultados do ano passado – apenas um lucro de 3 milhões de euros. Apesar disso, para ter lucros de 3 milhões de euros, o BPF teve de gastar quase 10 milhões de euros com pessoal e 6,2 milhões de euros em gastos administrativos, que inclui serviços externos. Assim, se por cada 1.000 euros de lucro a CGD registou gastos administrativos e com pessoal de 690 euros, já o ‘esfomeado’ BPF teve de ‘comer’ 5.367 euros em gastos administrativos e com pessoal por cada 1.000 euros de lucro. Saliente-se que os gastos com pessoal subiram cerca de 18% entre 2021 e 2022. Ainda não foram apresentados os resultados de 2023.
Esta absurda estrutura de custos do BPF tem uma explicação: criar um banco, independentemente da sua dimensão, implica um ‘custo fixo’ em termos de encargos com serviços financeiros (incluindo compliance e contabilidade), com assessoria jurídica e com tecnologias de informação, tanto de hardware como de software. E as duas administrações que já passaram por esta instituição bancária agora presidida por Ana Carvalho – e que acabou de celebrar um contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica para serviços ainda não completamente conhecidos – têm sido pródigas em gastos, e generosas na sua distribuição.
O Banco Português de Fomento foi uma ‘invenção’ do Governo socialista, que permitiu que muitas sociedades de advogados facturassem serviços. A sociedade de Luís Montenegro recebeu 100 mil euros numa avença que terminou em Dezembro passado.
Ontem, a pretexto do contrato com a Universidade Católica, fonte do BPF referiu ao PÁGINA UM que, como o plano de actividades e orçamento de 2023 foi aprovado apenas em finais de Julho, apenas nos últimos meses do ano passado se concretizou “uma parte expressiva do início dos processos de contratações públicas”, salientando que foram desencadeados “456 procedimentos de contratação pública, com um investimento total de 4,21 milhões de euros”, dos quais 405 procedimentos, envolvendo 311.988 euros por ajuste directo simplificado e mais 34 por ajuste directo no valor de 1,1 milhões de euros. Em paralelo, o BPF efetuou quatro concursos públicos internacionais e nove nacionais, totalizando, respetivamente, 1,58 milhões e 962 mil euros.
Mas a estes somam-me muitos mais nos anos recentes. Incluindo período anterior à criação do BFP em 2020 por fusão de outras entidades – o banco ‘herdou’ o número de pessoa colectiva da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua –, já foram registados 268 contratos no Portal Base, dos quais 238 já como instituição bancárias.
Num agrupamento por tipologia feita pelo PÁGINA UM, de um total de 21,15 milhões de euros, os maiores gastos foram para equipamentos e serviços associados a tecnologia de informação, com cerca de 6,8 milhões de euros (32% do total), destacando-se os ganhos da Glintt (1,4 milhões de euros), a Hydra IT (quase 1,2 milhões de euros), a IDW (650 mil euros), a TCSI (418 mil euros) e a Divultec (358 mil euros).
Top 20 das entidades com maior valor de contratos celebrados com o Banco Português de Fomento. Antes de 2020, incluindo procedimentos para a criação do BPF, os contratos foram celebrados pela Sociedade Portuguesa da Garantia Mútua. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
A segunda maior tipologia de gastos foi para contratação de externa de serviços de assessoria financeira. Neste grupo destacam-se os contratos das consultoras Oliver Wyman (com 2,84 milhões de euros), Deloitte Risk Advisory (2,05 milhões de euros), KPMG (659 mil euros), Deloitte Consultores (334 mil euros) e ainda da Universidade Católica Portuguesa (720 mil euros, que inclui um pequeno ajuste directo de 20 mil euros em 2018).
No terceiro grupo de serviços mais gastadores estão as assessorias jurídicas, pagas sempre a peso de ouro e escolhidas invariavelmente a dedo. A vários dedos. E os beneficiários são sonantes, para repartir um ‘bolo’ que já vai em cerca de 4,2 milhões de euros, a começar pelo futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Em Janeiro de 2022, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro beneficiou de uma avença mensal que terminou em Dezembro do ano passado, amealhando 100 mil euros, a que acresceu o IVA. Também Pedro Rebelo de Sousa, o irmão do Presidente da República, já viu a cor do dinheiro saído do BPF. Por duas vezes, a Sociedade Rebelo de Sousa & Associados recebeu ajustes directos desta instituição bancária: primeiro em 2020, no valor de 79.560 euros, e no ano passado entraram mais 32.650 euros.
Valores dos contratos celebrados pelo Banco Português de Fomento (inclui valores gastos entre 2016 e 2019 pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua). Fonte: Portal Base. Agrupamento e análise: PÁGINA UM.
Mas Luís Montenegro e Pedro Rebelo de Sousa nem foram os advogados que mais receberam do BPF. Na lista de prestadores de serviços jurídicos, com contratos de mão-beijada, sem se saber ao certo aquilo que fizeram, estão conceituados escritórios de advogados como a Sérvulo & Associados (571 mil euros), a Cabeçais de Carvalho & Associados (270 mil euros), a Vieira de Almeida & Associados (254 mil euros), a Abreu & Associados (241 mil euros), a Santos Carvalho & Associados (179 mil euros), a Oliveira, Reis & Associados (168 mil euros) e a Andrade de Matos & Associados (120 mil euros).
Também com gastos relevantes estão os diversos seguros contratados, que já totalizam quase 1,4 milhões de euros, bem como as prestações de serviços de contabilidade, que se aproximam dos 824 mil euros. Para serviços de leasing de automóveis e transporte, a factura assumida pelo BPF ascende já aos 550 mil euros. E o marketing, sempre necessário, atinge, por agora, os 265 mil euros.
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Deveria ter sido apenas mais um ‘banal’ contrato de consultadoria externa pelo Banco Português de Fomento, disfarçado no meio de muitos outros, mas o ajuste directo de 700 mil euros entregue no mês passado à Universidade Católica Portuguesa chamou a atenção ao PÁGINA UM: afinal, não é todos os dias que uma assessoria financeira é justificada como se estivesse em causa a segurança pública ou de bens, uma vez que, para evitar a abertura de um concurso público, foi alegada “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, para uma tarefa que durará três anos. Agora, o banco presidido por Ana Carvalho, uma antiga aluna da Católica, diz que afinal consultou “várias instituições académicas de renome”, mas isso implicaria a existência de um procedimento de consulta prévia, o que comprovadamente não sucedeu. Quanto à Universidade Católica, preferiu, através da sua porta-voz – que foi assessora de João Galamba até à sua demissão de ministro das Infraestruras em Novembro – criticar aspectos deontológicos do trabalho do PÁGINA UM.
Afinal, quais os serviços em concreto previstos no misterioso contrato de 700 mil euros adjudicado por ajuste directo ao Banco Português de Fomento (BPF) à Universidade Católica, noticiado anteontem pelo PÁGINA UM? E qual a razão para uma minúscula mas gastadora instituição financeira estatal – ao fim de dois anos de existência, nas contas consolidadas de 2022 apresentou um passivo de 284 milhões de euros com gastos de quase 10 milhões e um lucro de uns meros 3 milhões de euros – ter de fazer sucessivos contratos de consultadoria financeira e jurídica que não páram de se acumular?
Estas questões continuam sem uma resposta cabal, porque o BPF, apesar de aditar alguns esclarecimentos, continuou sem endereçar, apesar das insistências do PÁGINA UM, o caderno de encargos e um anexo ao contrato, inexistentes no Portal Base, que, em princípio definirá as tarefas a executar pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade do Porto. Saliente-se que a instituição bancária tem sede na Cidade Invicta e a sua presidente do Conselho de Administração, Ana Carvalho fez toda a sua formação universitária naquela instituição privada de ensino superior.
Ana Carvalho, CEO do Banco Português de Fomento. A Universidade Católica Portuguesa recebe 700 mil euros da instituição bancária liderada por uma sua ex-aluna.
Com efeito, sem remeter quaisquer dos documentos em falta no Portal Base – e que virão agora a ser solicitados formalmente pelo PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos com eventual remessa para o Tribunal Administrativo em caso de nova recusa no prazo de 10 dias –, fonte oficial do BPF diz que este ajuste directo se enquadra nas suas funções “de gestor do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR)”, em que se mostrou necessário “reforçar o acompanhamento na gestão dos investimentos diretos efetuados” por este programa.
Deste modo, acrescenta a mesma fonte, “com a perspetiva de assegurar um escrutínio prudente e neutro, o BPF decidiu pela designação [indicação] de ‘Observadores’ independentes, profissionais de elevada especialização, que terão assento nos Conselhos de Administração (CA) das Participadas do FdCR”. Esses ‘Observadores’, de acordo com o BPF, “como um elemento independente” têm como função “uma apreciação crítica sobre os temas de negócio e de gestão discutidos e as decisões tomadas, alertando para riscos e preocupações que sejam relevantes”, para além de terem um “papel de colaboração na preparação das intervenções do BPF nas Assembleias Gerais das Participadas”.
Sobre a razão de não ter sido, em caso de comprovada ausência de meios humanos próprio, lançado um concurso público, a fonte da instituição bancária liderada por Ana Carvalho diz que foram consultadas “várias instituições académicas de renome”, que não identifica, acrescentando que “a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto [foi], até então, a única que atendeu plenamente aos requisitos especificados pelo BPF e no prazo proposto”.
Saliente-se que este argumento de consulta agora aditado pelo BPF é estranho e contraditório mesmo com o expresso no contrato conhecido, porque uma consulta como a referida, com “requisitos especificados”, consubstanciria uma consulta prévia, com procedimentos contratuais próiprios, o que formalmente não foi feita, Na realidade, o BPF fez um ajuste directo – ou seja, entregou um contrato de 700 mil euros de mão-beijada à Universidade Católica, escolhida a dedo – alegando uma norma de excepção que permite o ajuste directo, mas apenas “na medida do estritamente necessário”, se se verificarem “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Como pode estar aqui em causa falsas declarações, a forma que o PÁGINA UM tem de esclarecer esta situação é solicitar agora ao BPF, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não apenas os ofícios que foram supostamente remetidos para as “várias instituições académicas de renome” como também os documentos que fundamentam os “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” que impediram a realização de um concurso público aberto e transparente. Obviamente, o Tribunal de Contas também terá, se assim desejar, os meios próprios de fiscalização deste contrato público.
Também foram pedidos esclarecimentos à Universidade Católica sobre o ajuste directo de 700 mil euros, incluindo se houve alguma proposta prévia, para complementar os factos noticiados pelo PÁGINA UM com base nos registos inseridos no Portal Base pelo BPF e validados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Em resposta, a porta-voz para a imprensa da instituição universitário, Rita Penela – ex-jornalista do Observador e assessora até Novembro passado do antigo ministro João Galamba – disse que “na sequência das questões dirigidas ontem, dia 11 de março, às 22h41 à Universidade Católica Portuguesa, vimos lamentar que não tenha sido respeitado o tempo de resposta por vós concedido e que tenham avançado com a publicação do artigo” – que, repita-se, se baseia em factos inseridos numa base de dados pública.
A mesma fonte da Universidade Católica – que ministra uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural – acrescentou ainda que “tal conduta desrespeita o direito ao contraditório previsto no Código Deontológico do Jornalista”, apesar de nada constar no dito código sobre um alegado ‘direito de contraditório’ –, concluindo que “a Universidade Católica Portuguesa não se revê na abordagem referida e muito lamenta que a _’Página Um’_ [sic] desrespeite o Código pelo qual devia pautar-se”.
Instado, novamente, a comentar e conceder mais esclarecimento sobre o contrato de 700 mil euros – o maior contrato público por si obtido (de forma isolada), ainda mais este, por ajuste directo, sem os ‘incómodos’ da concorrência –, a Universidade Católica nada mais acrescentou.
Nota: A fonte oficial do BPF também remeteu outras informações sobre os montantes das consultadorias, mas essa informação será, em breve, integrada num trabalho do PÁGINA UM sobre o universo dos contratos públicos desta instituição financeira.
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Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 23 contratos, dos quais 12 por concurso público, seis ao abrigo de acordo-quadro e cinco por ajuste directo.
Ontem, dia 12 de Março, no Portal Base foram divulgados 664 contratos públicos, com preços entre os 11,25 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde da Guarda, ao abrigo de acordo-quadro – e os 2.195.387,99 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, também ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 19 contratos, dos quais oito por concurso público, sete ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste-directo.
Ontem, dia 11 de Março, no Portal Base foram divulgados 768 contratos públicos, com preços entre os 20,10 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar Universitário de Cova da Beira, ao abrigo de acordo-quadro – e os 8.052.138,00 euros – para fornecimento de energia eléctrica, pelo Município de Sintra, também ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 22 contratos, dos quais 14 por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste-directo.
A plataforma da contratação pública, o Portal Base, exige a divulgação de informação detalhada sobre contratos, mas no caso daquele que foi celebrado no dia 23 de Fevereiro e divulgado na passada sexta-feira entre o Banco Português de Fomento (BPF) e a Universidade Católica aquilo que se destaca mais é o que não se mostra.
Assinado por dois administradores executivos do banco estatal, cujos nomes são intencionalmente apagados – e sabendo-se que a presidente da comissão executiva do BFP, Ana Carvalho, é uma alumna da Católica -, o ajuste directo de 700 mil euros tem um objecto ignoto, sobretudo porque documentos essenciais não constam no Portal Base, apesar de expressamente serem parte integrante do contrato. Assim, de acordo com o clausulado, o contrato “tem por objecto principal a aquisição de serviços de assessoria financeira, nas condições do Caderno de Encargos”, mas o Caderno de Encargos nem vê-lo. Aliás, a cláusula 2ª diz, de forma clara, que o Caderno de Encargos faz “parte integrante do contrato”, bem como a proposta adjudicada, mas nada disto foi colocado no Portal Base.
Por outro lado, nem sequer se sabe ao certo que tipo de serviços a Universidade Católica irá desempenhar, uma vez que estes alegadamente estarão definidos num “Anexo A”, indicado na cláusula 5, mas que não foi anexada ao contrato disponibilizado publicamente, como deveria.
Mais estranho ainda é o motivo alegado para se entregar um chorudo contrato de serviços de consultadoria à Universidade Católica sem os incómodos de um concurso público, numa área em que existe bastante concorrência. O BPF invocou, para o contrato de mão-beijada, escolhendo a dedo a Católica, uma norma de excepção que permite o ajuste directo “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Ora, esta norma de excepção serve quando, por exemplo, existe uma derrocada ou uma emergência pública e se mostra necessário uma intervenção imediata sem a qual existiriam constrangimentos graves. Em todo o caso, difícil se mostra também compreender como uma alegada “urgência imperiosa” necessita de serviços que duram três longos anos.
Ana Carvalho, presidente da comissão executiva do Banco Português de Fomento. (Foto: D.R./BPF)
O ajuste directo entregue pelo BPF constitui o quarto de valor mais elevado de sempre, sendo que os três maiores foram adjudicados à mesma entidade: a consultora Oliver Wyman. De acordo com o contrato com a Universidade Católica, a factura para o banco público poderá ser ainda superior, uma vez que os 700 mil euros (a que acresce IVA) não inclui outras despesas que sejam necessárias para a execução do serviço, as quais serão pagas à parte.
Desde que foi fundado em Agosto de 2020, com a missão de promover a modernização das empresas e o desenvolvimento económico e social – e por via da fusão da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e da PME Investimentos na Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua – o BPF tem sido sobretudo um manancial de contratos públicos. De acordo com o Portal Base, esta instituição já celebrou 367 contratos que englobam mais de 21,1 milhões de euros, sendo que uma parte substancial se referem a serviços de consultadoria financeira ou jurídica e ainda serviços e equipamentos informáticos.
Mais de dois em cada três destes contratos (252 em 367) são ajustes directos, que totalizam quase 11,1 milhões de euros. O recurso a concurso público é uma minoria: apenas 68 contratos envolvendo um total de pouco mais de 6,8 milhões de euros.
O maior ajuste directo contratado pelo BPF beneficiou a consultora Oliver Wyman, com um valor de 1,2 milhões de euros e foi efectuado em 2021. Mas, no total, esta empresa sacou mais três ajustes directos de valor ‘chorudo’: em 2021 consta um de 895 mil euros, e no ano anterior outro de 749 mil euros. No total, a consultora norte-americana, com escritórios em Lisboa, ganhou, só nestes três contratos, 2,8 milhões de euros, mas a sua ligação ao Governo vem desde 2016 quando foi contratada pelo Ministério das Finanças para tratar do Fundo de Resolução do Novo Banco.
Tendo em consideração que o PÁGINA UM detectou este caso apenas ao final da tarde de hoje, no decurso da habitual elaboração do Boletim P1 sobre contratação pública, não foi possível contactar ainda o BPF e a Universidade Católica Portuguesa para obter mais esclarecimentos sobre o ajuste directo de 700 mil euros. Saliente-se, contudo, que a filosofia subjacente ao Portal Base é de que a informação aí constante, a começar pelo clausulado nos contratos, seja suficientemente clara para evidenciar a forma como se gerem os dinheiros públicos.
O contrato celebrado pelo BPF e a Universidade Católica integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 8 e 10 de Março de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
ET/ PAV
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 823 contratos públicos, com preços entre os 52,50 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, ao abrigo de acordo-quadro – e os 6.201.029,20 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde de Santa Maria, também ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 17 contratos, dos quais 11 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste-directo.
Ontem, dia 7 de Março, no Portal Base foram divulgados 775 contratos públicos, com preços entre os 11,86 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães, ao abrigo de acordo-quadro – e os 14.405.000,00 euros – para empreitada de construção da variante a Olhão na EN 125, pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados oito contratos, dos quais seis por concurso público e dois por ajuste-directo.
Ontem, dia 6 de Março, no Portal Base foram divulgados 806 contratos públicos, com preços entre os 7,02 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde de Santa Maria, ao abrigo de acordo-quadro – e os 11.169.122,40 euros – para empreitada de concepção e construção de parque empresarial, pelo Município de Rio Maior, através de concurso limitado por prévia qualificação.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 15 contratos, dos quais cinco por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e cinco por ajuste-directo.
Um contrato de concessão para a gestão do Centro Cultural da Malaposta, entre a autarquia de Odivelas e a Yellow Star Company, detida pela ex-modelo Carla Matadinho, é um caso paradigmático da absurda falta de cultura de transparência na Administração Pública: uma lei impõe a publicitação numa plataforma de acesso público (Portal Base); os gestores públicos tratam de meter um manto escuro sobre o papel. O texto do contrato que vale mais de 2,7 milhões de euros, inserido por obrigação legal no Portal Base, está inundado de rasuras a negro, ficando sem se perceber o seu conteúdo. O edil socialista Hugo Martins, que assinou o contrato, nem se digna a dar explicações.
O município de Odivelas celebrou um contrato de concessão da gestão e exploração do Centro Cultural da Malaposta no valor de cerca de 2,7 milhões de euros com uma empresa detida pela ex-modelo Carla Matadinho, mas a cópia inserida por obrigação legal no Portal Base está pejado de rasuras, que em muitos casos nem sequer permitem compreender o seu alcance. O contrato foi oficialmente assinado em 14 de Fevereiro, mas somente colocado na plataforma da contratação pública na quinta-feira passada.
Contratualizada após um concurso público em que apenas a Yellow Star Company Unipessoal – a empresa detida integralmente por Carla Matadinho –, a concessão terá um prazo inicial de vigência de quatro anos, podendo eventualmente prolongar-se por mais quatro. Em termos práticos, a autarquia entregará por ano 336 mil euros pela produção de 94 espectáculos, desde teatro e música até oficinas artísticas e projecção de cinema, nas quatro salas, constituídas pelo auditório principal (com 159 lugares), sala experimental (40 lugares), sala de cinema (54 lugares), sala Black Box (50 lugares) e café-teatro (100 lugares).
Carla Matadinho, proprietária exclusiva da Yellow Star Company, numa homenagem este mês ao actor Ruy de Carvalho, ao lado do encenador Paulo Sousa Costa (seu marido) e de Marcelo Rebelo de Sousa.
Independentemente de se considerar ou não um bom negócio para as partes envolvidas, aquilo que mais estupefacção causa é a quantidade absurda de rasuras que constam no contrato que sem qualquer justificação legal, tanto mais que não aparentam esconder dados pessoais.
Por exemplo, logo na cláusula primeira a segunda frase é amputada. Refere-se que “o objecto de concessão incluiu igualmente as instalações, equipamentos, materiais e espaços complementares de apoio”, com vista a algo desconhecido porque foi eliminado. O mesmo sucede no ponto 2 dessa cláusula sobre os espaços excluídos
A cláusula quarta, referente ao prazo de vigência, também tem três rasuras. A cláusula seguinte referente ao preço contratual tem uma rasura que torna mesmo enigmático o preço contratual, porque se fica a saber que os 336 miul euros por ano, acrescidos de IVA, são pagos à empresa de Carla Matadinho pela “concessão objeto presente contrato, bem como pelo cumprimento das demais”… coisas que estão rasuradas.
Centro Cultural da Malaposta, em Olival de Basto, no concelho de Odivelas.
Parte da cláusula das condições de pagamento estão também eliminadas no contrato disponível no Portal Base, o mesmo se verificando no clausulado do direito de utilização, dos investimentos complementares, das obrigações do concessionário (Yellow Star Company), das obrigações do concedente [autarquia), e muitas mais, ficando mesmo a desconhecer-se o calor da caução que corresponde a 5% do preço de algo que também foi rasurado.
Este contrato inédito pela quantidade de rasuras que possui na cópia inserida no Portal Base – e o PÁGINA UM, ao longo dos últimos meses analisou centenas de contratos – tem, no total, de 164 manchas rectangulares a preto, tapando por completo partes do texto9, embora haja até sobreposições de rasuras e mesmo umas poucas rasuras que, na verdade, nem sequer ocultam texto.
O PÁGINA UM procurou saber os motivos desta ‘fúria obscurantista’ num contrato público junto da autarquia de Odivelas, liderada pelo socialista Hugo Martins, que o assinou, mas não obteve qualquer resposta. Também sem resposta ficou a razão pela qual um concurso público desta natureza apenas recebeu o interesse de uma empresa.
O contrato entre a Câmara Municipal de Odivelas e a Yellow Star Company é um caso paradigmático da absurda falta de cultura de transparência na Administração Pública: uma lei impõe transparência; os gestores públicos tratam de meter um manto escuro sobre o papel.
Antes desta concessão, que entrará em breve quando o Tribunal de Contas conceder visto, o Centro Cultural da Malaposta era gerido, desde 2019, por um colectivo de artistas, a Minutos Redondo. Contactada pelo PÁGINA UM, uma das produtoras deste colectivo, Manuela Jorge, diz que perante as condições colocadas pelo município de Odivelas no concurso público não se mostraram suficientemente atractivas para concorrerem e tentarem renovar a conceção, que assim durou cerca de quatro ano.
A Yellow Star Company tem sido produtora de recentes espectáculos de sucesso, entre os quais Os Monólogo da Vagina, e os musicais Madagascar e A Bela e o Monstro, grande parte dos quais encenados por Paulo Sousa Costa – marido de Carla Matadinho -, bem de Ruy, a História Devida, em homenagem a ao actor Ruy de Carvalho, que este mês perfez 97 anos de idade.
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