Etiqueta: Transparência

  • PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    A Direcção-Geral da Saúde nunca divulgou um relatório sequer sobre os efeitos da pandemia nos lares, e procurou sempre falar pouco do assunto. O PÁGINA UM quis saber detalhes, e mais uma vez a entidade liderada por Graça Freitas recusou. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar esses dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.


    Em Novembro do ano passado, a Amnistia Internacional pediu ao parlamento italiano a realização de um inquérito independente sobre as mortes por covid-19 em lares de idosos e sobre “relatos de retaliação” que denunciaram condições de insegurança, relatou a Euronews.

    Na província canadiana de Ontário, uma comissão de cuidados de longo prazo concluiu que a região “não estava preparada para uma pandemia e que as casas de repouso da província, que foram negligenciadas por décadas por sucessivos governos, eram alvos fáceis para surtos descontrolados”

    No mês passado, um artigo no The Lancet destacava que a taxa de mortalidade nos lares ingleses em Abril de 2020 – quando surgiu a primeira vaga – tinha sido 17 vezes superior à registada nas pessoas com mais de 65 anos que viviam na comunidade, quando nos anteriores essa relação era de 10 vezes.

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    Também um artigo recente da Nature veio corroborar as críticas iniciais à gestão da pandemia da Suécia nos lares, embora de uma forma enviesada, porque comparou aquele país escandinavo apenas à vizinha Noruega, o país europeu menos afectado pela pandemia

    Em Portugal, pouco relevo tiveram os efeitos da pandemia nos lares. Não houve estudos divulgados nem relatórios oficiais executados.

    Sendo certo que foram frequentes as notícias de surtos e de mortes nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), na verdade nunca houve um relatório oficial sobre o verdadeiro impacte da covid-19 naquela comunidade. As últimas informações oficiais quantitativas, mas nunca discriminadas por ERPI, foram dadas em 8 Fevereiro do ano passado quando a Direcção-Geral da Saúde (DGS) revelou que tinham morrido, até àquela data, 3.750 idosos em lares, das quais 42% entre 4 de Janeiro e 4 de Fevereiro. Esse número representava então 26% do total dos óbitos atribuídos à covid-19, numa altura em que os dados oficiais apontavam para 14.354 vítimas da pandemia.

    Em Janeiro deste ano, o PÁGINA UM decidiu assim solicitar “ o acesso, para eventual obtenção de cópia (analógica ou digital), de todo e qualquer documento administrativo (em documento escrito ou sob a forma de base de dados) elaborado pela DGS, ou por outra entidade por sua iniciativa, ou ainda que esteja na sua posse, e que cont[ivesse] informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos [tivessem] ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que [tivesse] apresentado sintomas compatíveis com a doença”.

    Em suma, pretendia-se ter acesso às comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro deste ano.

    Como habitualmente, a DGS não respondeu ao PÁGINA UM, mas um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), aprovado na quarta-feira passada, considera agora que, apesar dos documentos solicitados respeitarem “a informação nominativa, reveste natureza quantitativa”, pelo que “livremente acessível”. E salienta que se a DGS quiser manter a recusa terá de “proferir decisão fundamentada” no prazo de 10 dias.

    Caso a DGS não reconsidere a sua postura, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.

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    Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram parecer da CADA. Além do pedido relacionado com os surtos e óbitos nas ERPI, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso às bases de dados dos internados e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser dirimida nas instâncias judiciais.

  • Base de dados dos internados-covid: DGS não quer dar; Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de dar

    Base de dados dos internados-covid: DGS não quer dar; Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de dar

    A Direcção-Geral da Saúde garantiu, em Fevereiro passado, que cerca de 75% dos internados-covid tinham sido internados por consequência directa da infeção pelo SARS-CoV-2, mas quando o PÁGINA UM quis ver a base de dados com esses elementos, mais uma vez obteve o silêncio e o obscurantismo como resposta. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar a base de dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) deverá formalmente disponibilizar ao PÁGINA UM a base de dados dos doentes-covid desde o início da pandemia até à data, considera a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em parecer emitido por unanimidade em reunião na quarta-feira passada.

    A deliberação da CADA, ontem enviada ao PÁGINA UM, resulta de mais uma recusa da DGS em divulgar documentos administrativos, desta feita a base de dados que a entidade liderada por Graça Freitas referiu existir quando, em comunicado de 4 de Fevereiro passado, divulgou que “no período entre 02/03/2020 e 10/12/2021, verifica-se que, das pessoas internadas com uma infeção por SARS-CoV-2, cerca de 75% estavam internadas por consequência direta dessa infeção.”

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    Nesse comunicado, a DGS confessava que “diariamente, as Administrações Regionais de Saúde recolhem manualmente de forma agregada junto dos hospitais o número total de camas ocupadas por pessoas com infeção por SARS-CoV-2/ COVID-19 em enfermaria e em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI)”, acrescentando que “estes dados são comunicados à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que os processa e valida, partilhando-os posteriormente com a Direção-Geral da Saúde para divulgação.”

    A existência da base de dados era, obviamente, conhecida pelo PÁGINA UM, tanto assim que tivera já acesso confidencial a uma cópia com registos individuais anonimizados entre Março de 2020 e meados de Maio, e que permitiu divulgar uma dezena de artigos de investigação inédita na comunicação social portuguesa durante a pandemia (Dossier P1 – Covid).

    Nesta base de dados não existe qualquer informação pessoal que possibilite a identificação dos doentes, uma vez que todos os registos se encontram anonimizados, constando somente registos individualizados identificados com caracteres alfanuméricos, com indicação da idade, sexo, período e hospital de internamento, output (óbito ou alta), incluindo se esteve em unidade de cuidados intensivos, e comorbilidades e referências à evolução do estado clínico.

    Aliás, no pedido do PÁGINA UM à DGS tinha sido salientado que os dados a disponibilizar deveriam ser anonimizados, para preservação da identidade e da esfera pessoal de cada doente. Cumprindo, aliás, não apenas o previsto no Regulamento Geral de Protecção de Dados como também o código deontológico dos jornalistas.

    Com este pedido formulado pelo PÁGINA UM à DGS, em 21 de Fevereiro passado – que resultou, agora, no parecer da CADA –, pretendia-se sobretudo que esta entidade respeitasse o princípio de “arquivo aberto” da Administração Pública. Além disso, permitindo também uma actualização da informação – uma vez que o PÁGINA UM deixou de ter acesso à base de dados a partir de Maio do ano passado –, seria ainda possível confirmar, de forma independente, a veracidade e rigor das informações tornadas públicas pelo Governo e pela DGS.

    A CADA, no seu parecer, destacando que “deverá ser cumprido o direito de acesso”, refere também que “se o volume ou complexidade da informação o justificarem, o prazo [de entrega dos documentos] (…) pode ser prorrogado até ao máximo de dois meses, devendo o requerente ser informado desse facto, com indicação dos respectivos fundamentos, no prazo de 10 dias”.

    Saliente-se, contudo, que a base de dados consiste, num conjunto de elementos, que, apesar de numerosos, são susceptíveis de serem transpostos numa simples folha de cálculo (tipo Excel), de acesso imediato.

    Caso não seja agora recebida finalmente uma cópia da base de dados dos internados-covid, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação contra a DGS que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.

    Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS já apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram outros tantos pareceres da CADA.

    Além do pedido relacionado com a base de dados dos internados, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso à base de dados sobre surtos e óbitos em lares durante a pandemia; à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser ainda dirimida nas instâncias judiciais.

  • Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos vão ter de revelar contabilidade de campanha mediática e milionária à custa da pandemia

    Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos vão ter de revelar contabilidade de campanha mediática e milionária à custa da pandemia

    Há dois anos, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, com o apoio da indústria farmacêutica, lançaram um campanha mediática, recorrendo a figuras públicas. Angariaram mais de 1,4 milhões de euros, que envolveu um polémico donativo de 380 mil euros da Merck S.A. e mais 665 mil euros da Apifarma. Na hora de prestar contas, até por serem entidades com deveres similares à Administração Pública, fecharam-se em copas. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora que são obrigados a dar documentos operacionais e contabilísticos. Se estas ordens profissionais recusarem cumprir o parecer (não vinculativo) da CADA, seguirá mais um processo de intimação para o Tribunal Administrativo.


    Os documentos operacionais e contabilísticos que comprovem o recebimento e distribuição dos donativos da campanha “Todos por Quem Cuida”, que terá angariado mais de 1,4 milhões de euros em 2020 e 2021, deverão ser disponibilizados ao PÁGINA UM pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos, as entidades que a promoveram em conjunto com a Associação Portuguesa de Indústrias Farmacêuticas (Apifarma). A campanha foi iniciada em 22 de Abril de 2020, ou seja, há exactamente dois anos, logo na primeira fase da pandemia.

    Esta é a decisão de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, aprovado na quarta-feira passada e hoje comunicada ao PÁGINA UM. Tanto a Ordem dos Médicos – liderada pelo urologista Miguel Guimarães – como a Ordem dos Farmacêuticos – então liderada por Ana Paula Martins, que desde Fevereiro deste ano é directora de assuntos governamentais da farmacêutica Gilead e desde Dezembro passado vice-presidente do PSD – recusaram o acesso do PÁGINA UM aos documentos que comprovem o valor concreto e a proveniência dos fundos, bem como a correcta e prometida distribuição desses equipamentos e bens.

    Campanha recolheu 1.401.545 euros, mas ignora-se os montantes em género e em dinheiro, e
    nem sabe o destino de tudo.

    No site da campanha consta apenas o valor total angariado, o número de instituições apoiadas (1.238) e as quantidades do diverso material doado, mas sem identificar essas instituições nem tão-pouco as quantidades que cada uma terá eventualmente recebido. Também é referido que seriam “cedidos a hospitais” 20 ventiladores produzidos em Portugal pela Sysadvance, mas ignora-se se tal ocorreu, e se sim, quais as unidades de saúde beneficiadas. Nem qual o preço pago à Sysadvance. A única informação recolhida pelo PÁGINA UM sobre esta matéria é o anúncio pelo Jornal Médico em Abril do ano passado da entrega do primeiro destes ventiladores, indicando-se então que seriam afinal entregues 30 unidades.

    De igual modo, o site da campanha indica que seriam distribuídos 300.000 euros para criar 12 unidades de cuidados intensivos no Hospital de Santo António, quatro camas de isolamento aéreo para cuidados intensivos no Hospital de São João e uma unidade centralizada de farmácia de ambulatório no Hospital de São José.

    De entre estes projectos, somente no mês passado – já muito depois do PÁGINA UM ter começado a questionar a Ordem dos Médicos sobre aspectos da gestão contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida” – foi anunciado que 100 mil euros seriam entregues pela Ordem dos Médicos para contribuir para remodelação da unidade de cuidados intensivos do Hospital de São João. O orçamento total será de 500 mil euros, sendo que a Associação Empresarial Portuguesa também doou 300 mil euros.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Um dos aspectos mais estranhos e polémicos desta campanha foi um donativo considerado em termos contabilísticos de 380.000 euros, sob a forma de máscaras FFP2, da farmacêutica alemão Merck S. A. directamente à Ordem dos Médicos. Não consta que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde tivessem tido alguma vez falta de máscaras. Sabe-se sim que a Merck S.A. poderá vir a receber benefícios fiscais por este alegado donativo.

    A Ordem dos Médicos também terá recebido mais 20.000 euros em 2021 da A. Menarini, ignorando-se se em dinheiro ou em género. Os Laboratórios Medinfar também terão contribuído, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, nesta campanha mas sem passar pelas entidades organizadoras. No portal do Infarmed contabilizam-se 44 donativos ao longo de 2020 desta empresa portuguesa, para hospitais do SNS e instituições de solidariedade social em montantes que variaram entre os 78,3 euros e os 626,4 euros. No total, a empresa terá doado 8.972,56 euros.

    A Apifarma também terá doado 665 mil euros para este fundo, mas apenas através da análise de documentos contabilísticos se poderá apurar se houve ou não uma mera engenharia contabilística com efeitos fiscais.

    No site da campanha, ainda operacional mas já com o IBAN indicado para donativos inoperacional, não consta qualquer relatório circunstanciado.

    A Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos têm agora 10 dias para disponibilizar, ou não, toda a documentação solicitada pelo PÁGINA UM. Caso tal não suceda será então entregue um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa com vista a ser imposta uma obrigatoriedade sob pena de multas pecuniárias por cada dia de atraso.

    Os processos de intimação têm sido uma das estratégias do PÁGINA UM para contribuir para uma maior transparência das entidades da Administração Pública ou de instituições equiparadas, como as Ordens profissionais. E, sobretudo, para contornar a sistemática recusa das entidades públicas, que apesar dos pareceres da CADA, que não são vinculativos, continuam a não fornecer os documentos solicitados.

    Aliás, o PÁGINA UM já obtivera da CADA, em Janeiro passado, um parecer relativo exclusivamente ao donativo da Merck S.A, à Ordem dos Médicos, mas o bastonário e urologista Miguel Guimarães continuou a recusar, algo que já não poderá continuar a suceder se a intimação do Tribunal Administrativo lhe for desfavorável.

    Anúncio de promoção da campanha “Todos por Quem Cuida”, iniciada em 22 de Abril de 2020

    Este mês, o PÁGINA UM já intentou processos de intimação contra o Conselho Superior da Magistratura e o Infarmed, recorrendo ao seu FUNDO JURÍDICO – suportado por donativos dos leitores –, estando agora ser preparado um processo global contra a Direcção-Geral da Saúde, agrupando a totalidade das solicitações não satisfeitas pela entidade liderada por Graça Freitas, pese embora os pareceres da CADA.

    A mediática campanha “Todos por Quem Cuida” contou com o apoio de figuras da política, da cultura, desporto e entretenimento, como o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, o ex-presidente da República Ramalho Eanes, os cantores Ana Moura, Mariza, Camané, Pedro Abrunhosa, Rui Veloso e Luís Represas, o ex-futebolista Luís Figo e os apresentadores Fernando Mendes e Manuel Luís Goucha.

    Teve também o apoio de duas dezenas de órgãos de comunicação social, a saber: Correio da Manhã TV, Ekonomista, Jornal Económico, Marketeer, Público, Porto Canal, Sapo, TVI, Vida Ativa, Visão, Correio da Manhã, Dinheiro Vivo, Eco, Flash, Jornal i, Jornal de Notícias, Negócios, Record, Sábado e Sol.

  • Consultores: do zero aos 263.389 euros do Doutor Froes

    Consultores: do zero aos 263.389 euros do Doutor Froes

    O PÁGINA UM decidiu escalpelizar, a título de exemplo, as relações entre farmacêuticas e especialistas de uma área médica que esteve na berlinda nos últimos dois anos: a Pneumologia, sobretudo quando estes também estão próximos dos corredores de decisão. Ou seja, quando são também consultores da DGS, que nada lhes paga (e devia) mas lhes oferece um apetecível título de consultor, que pode valer ouro num currículo. Há quem se aproveite disso; e há quem não. E há quem esteja incompatível, e/ou próximo disso. Uma viagem ao mundo da Ética.


    Seis dos 17 consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que integram o Programa Nacional de Doenças Respiratórias (PNDR) não tiveram qualquer relação comercial com o sector farmacêutico, de acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed entre 2017 e o mês corrente.

    Tendo como funções assessorar cientifica e gratuitamente a DGS neste programa de saúde prioritário, os consultores do PNDR – tal como dos outros sete existentes – não têm, por norma, vínculo àquela entidade, sendo “recrutados” sem qualquer vencimento junto das universidades e hospitais públicos. Aceitam, e nada ganham por isso do Estado; mas recebem o título de consultores da DGS. Para muitos é serviço para a comunidade; para outros um bom cartão de visita para efeitos de marketing pessoal.

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    Estes peritos são muito “apetecíveis” para a indústria farmacêutica. Devido à sua proximidade com a Autoridade de Saúde Nacional (DGS), responsável pelas normas e orientações que podem ser relevantes para o uso de medicamentos e tecnologias de saúde, têm potencialmente acesso a informação privilegiada. Se forem maleáveis, e até integrarem o quadro de consultores de um determinado medicamento, podem contribuir para os “milagres” acontecerem junto dos órgãos decisórios.

    Excepto se forem seus funcionários, a DGS permite que esses consultores possam receber até 50 mil euros por ano, em média no quinquénio anterior, provenientes do sector farmacêutico, se forem membros de órgãos sociais de sociedades científicas, associações ou empresas privadas. A título individual só violam o regime de incompatibilidades se trabalharem com um vínculo contratual para as farmacêuticas, o que facilmente se contorna através de pagamentos por “prelecção em palestras ou conferências organizadas” por este tipo de empresas, ou ainda se participarem em estudos e ensaios clínicos.

    Assim, no caso do PNDR, com excepção evidente de um dos 17 consultores – António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), que de forma clara viola o regime de incompatibilidades, como o PÁGINA UM denunciou esta semana –, não há mais ninguém em claro incumprimento da lei.

    A incompatibilidade de António Morais – pneumologista que também acumula funções no Hospital de São João do Porto e na empresa privada Trofa Saúde – advém apenas do seu cargo na SPP (porque esta entidade tem fortes relações comerciais com as farmacêuticas), e não naquilo que delas recebe a título pessoal. Em todo o caso, Morais recebeu para o seu próprio bolso, desde 2017, um total de 24.951 euros da indústria farmacêutica, sobretudo da Roche e da Boehringer Ingelheim.

    António Morais, ao centro, preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia e ainda é consultor da DGS.

    Há um outro caso bicudo que envolve outro consultor do PNDR: o do pneumologista Filipe Froes, que poderá estar também em situação de incompatibilidade, porque tem recebido montantes bastante elevados nos últimos anos das farmacêuticas, sobretudo através da sua empresa Terra & Froes.    

    De acordo com a análise do PÁGINA UM ao portal do Infarmed, desde 2017 até agora, Froes recebeu da indústria farmacêutica um total de 263.389 euros, com a Pfizer à cabeça (85.096 euros), seguindo-se a Merck Sharp & Dohme (67.859 euros) e a BIAL (17.417 euros). Em média, no último quinquénio arrecadou 47.520 euros. Está portanto, próximo da fasquia dos 50.000 euros.

    Contudo, conforme o PÁGINA UM já denunciou, mas ainda sem consequências para o pneumologista, existem discrepâncias entre os valores constantes da plataforma do Infarmed e do relatório e contas da sua empresa.

    Apesar da polémica das suas relações com a indústria farmacêutica, Froes não tem parado. Este ano, em menos de quatro meses, já contabiliza 15.764 euros, dos quais quase três mil euros como consultor da Gilead para o polémico anti-viral remdesivir. Froes continua a ser também membro da equipa de médicos que determina as terapêuticas de tratamento para a covid-19, e que manteve aquele fármaco incluído, apesar dos riscos e ineficácia.

    Filipe Froes, durante um webinar em Abril de 2021, patrocinado pela Ascensia Diabetes Care, Boehringer Ingelheim, Roche, Gasomed e Medtronic, intitulado “Um ano de covid-19 ou o bom, o mau e o vilão”.

    O consultor do PNDR que, a seguir a Froes, mais recebeu do sector farmacêutico é Paula Gonçalves Pinto, especialista em apneia obstructiva do sono, que trabalha no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte e dá ainda aulas na Faculdade de Medicina de Lisboa e na Universidade Nova. Recebeu desde 2017 um total de 45.708 euros, embora esse rendimento se tenha reduzido bastante a partir de 2020. No ano passado, por exemplo, recebeu da indústria farmacêutica apenas 1.737 euros.

    Com valores ligeiramente mais baixos surgem as consultoras Celeste Barreto (35.968 euros) e Ana Arrobas (35.164 euros). A primeira trabalha no serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria, sendo especialista em fibrose quística. A segunda trabalha no Hospital Universitário de Coimbra e no Hospital da Luz, sendo especialista em asma.

    Os consultores do PNDR sem qualquer relação comercial conhecida com as farmacêuticas são António Fonseca Antunes (consultor para o Planeamento e Estratégia), Elisabete Melo Gomes (que é técnica da DGS), Elsa Soares Jara (pneumologista especializada em cuidados respiratórios domiciliários), Emília Nunes (especialista em tabagismo), Paulo Diegues (chefe de divisão de Saúde Ambiental e Ocupacional, sendo engenheiro do ambiente) e Paulo Nogueira (especialista em vigilância epidemiológica e docente da Faculdade de Medicina de Lisboa).

    A directora do PNDR, Cristina Bárbara, pneumologista no Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, regista verbas recebidas directamente das farmacêuticas desde 2017 bastante baixas: somente 1.101 euros. E não arrecadou qualquer verba desde 2019.

  • Infarmed no banco de réus por esconder dados sobre vacinas contra a covid-19

    Infarmed no banco de réus por esconder dados sobre vacinas contra a covid-19

    Depois de tentar convencer, sem sucesso, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para não dar razão ao PÁGINA UM, e manter escondidos dados sensíveis para proteger farmacêuticas, o Infarmed terá agora de convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que o secretismo da Administração Pública é a melhor forma de se viver numa sociedade democrática.


    O PÁGINA UM deu esta tarde entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa com um processo de intimação contra o Infarmed, a agência reguladora do medicamento em Portugal. O processo, considerado urgente, com o número 980/22.5BELSB, deverá ser amanhã distribuído a um juiz, o que implicará que o Infarmed seja constituído réu e imediatamente citado para responder no prazo de 10 dias.

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    Em causa está a recusa desta entidade, presidida por Rui dos Santos Ivo – que ocupou, entre 2008 e 2011, o cargo de director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) –, em acatar um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) para disponibilizar o acesso ao PÁGINA UM dos dados brutos relativos aos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e também do anti-viral remdesivir, um polémico fármaco da Gilead.

    Este processo de intimação insere-se na campanha do PÁGINA UM em prol da defesa da informação científica e da transparência, sendo integralmente financiada pelo FUNDO JURÍDICO, através de donativos dos leitores na plataforma MIGHTYCAUSE, tendo como patrono o advogado Rui Amores, especialista em Direito Administrativo.

    A acção de intimação do PÁGINA UM pretende contrariar a posição de obscurantismo do Infarmed que defende que devem ser apenas disponibilizados ao público “os dados constantes da base de dados EudraVigilance”, mesmo sabendo que estes são apresentados em formato agregado, não sendo possível grande detalhe informativo.

    Na sua deliberação de 1 de Abril passado, onde recusa o acesso de informação a um órgão de comunicação social – violando assim a Lei da Imprensa –, a direcção do Infarmed conclui que, “face ao parecer emitido [pela CADA] e no quadro dos regimes legislativos e regulamentares supra expostos, é [nosso] entendimento (…) que os dados solicitados devem ser obtidos por consulta à base de dados” da Agência Europeia do Medicamento.

    Recorde-se que, em carta enviada à CADA, onde tentou convencer aquela entidade a não conceder opinião favorável ao PÁGINA UM, Rui dos Santos Ivo defende que os jornalistas são “não-especialistas” com “um elevado potencial para criar alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    Pagamento de custas do processo de intimação contra o Infarmed

    O director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, tem formação académica multidisciplinar e é mesmo sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia.

    Opinião contrária teve a CADA, presidido pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, ao considerar num seu parecer de 16 de Março passado que “a informação solicitada” ao Infarmed constitui mesmo “documentos administrativos” não-nominativos – ou seja, sem possibilidades de identificar pessoas.

    Por outro lado, esta entidade salientava que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina [contra a covid-19] é, por conseguinte, manifesto”.

    E relembrava ainda ao Infarmed um aspecto óbvio em democracia: “as entidades não podem limitar o acesso com base no receio de alguma deturpação que possa ser feita”.

    Este é o segundo processo de intimação intentado pelo PÁGINA UM este mês, após ter também colocado no banco dos réus o Conselho Superior de Magistratura por recusar ceder documentos administrativos relacionados com a inspecção à distribuição do Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre.


    O FUNDO JURÍDICO DO PÁGINA UM pode ser apoiado através da plataforma do MIGHTYCAUSE ou pedindo informações complementares pelo correio electrónico geral@paginaum.pt.

  • 10 casos que correram mal: quando a Ciência falha ou a Ganância fala mais alto

    10 casos que correram mal: quando a Ciência falha ou a Ganância fala mais alto

    Salvam vidas, mas podem tornar-se venenos. Para evitar vítimas indesejáveis, mas também controlar a cobiça da indústria farmacêutica, os ensaios clínicos dos medicamentos são uma prática comum, cada vez mais exigentes. Mas nem sempre este sector tem só bons samaritanos, e por falhas (mais ou menos intencionais) das companhias, ou por deficiências na regulação, há casos que dão para o torto. O PÁGINA UM recorda 10. Podiam ser mais, podiam ser menos. Mas, em época de pandemia, convém recordar que nunca outro fármaco teve uma utilização tão massiva como as vacinas contra a covid-19, utilizadas num regime de emergência.


    Todos os anos, as farmacêuticas disponibilizam para o mercado centenas de novos medicamentos, que salvam e prolongam vidas. Mas, para que não suceda o oposto – ou seja, para que não se morra da cura –, e porque cada medicamento comporta um investimento enorme – que será deitado fora se a sua eficácia e segurança não ficarem demonstradas –, esses fármacos têm de passar por várias fases até finalmente chegarem ao balcão das farmácias.

    Por norma, sempre acompanhados pelos reguladores – que vão autorizando ou não há etapa seguinte –, os potenciais fármacos passam por quatro fases de ensaios clínicos. Na chamada Fase I estuda-se sobretudo a segurança e a tolerabilidade do medicamento, recorrendo a voluntários saudáveis. Em circunstâncias especiais podem ser admitidos doentes nesta fase, se existir risco de morte evidente. Quando se fala de alguém que se encontra a tomar um medicamento experimental, geralmente trata-se de um novo medicamento que ainda se encontra na Fase I.

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    Caso se confirme que o medicamento não é tóxico, então passa-se para a Fase II, que tem como objectivo avaliar a terapêutica e dose terapêutica mais adequada. Neste caso, usam-se já apenas doentes com a patologia que será “atacada” pelo fármaco, abrangendo algumas dezenas de voluntários e podendo demorar alguns meses.

    Se os objectivos forem alcançados, então passa-se para a Fase III, que constitui um ponto crucial para o sucesso comercial do medicamento, porque aí já se aplica um estudo comparativo.

    Além de confirmar os resultados obtidos nas fases anteriores (segurança e terapêutica), na Fase III compara-se sobretudo o novo medicamento com um placebo ou com uma terapêutica já comercializada, avaliando-se os efeitos tanto positivos como negativos.

    Esta fase pode demorar mesmo vários anos, em função do medicamento e da patologia, e exige assim pelo menos dois grupos de indivíduos e um número de voluntários que podem chegar aos vários milhares.

    Para garantir um elevado rigor, estes estudos têm normas muito rígidas para evitar manipulação e enviesamento dos resultados. Por isso, se ouvem, muitas vezes, “palavrões técnicos” como um certo ensaio clínico ter sido “multicêntrico, randomizado, duplo-cego, duplo-mascarado”.

    Na verdade, isso significa que, na maioria dos casos, ninguém sabe, no início, quem tomou o novo medicamento ou o comparativo, incluindo o voluntário, quem administra, quem escolhe em que grupo são colocados os voluntários nem que grupo está o investigador a analisar os resultados. Apenas no fim, com os resultados, isso se conhecerá.

    Contudo, isto é a teoria. Na prática, se não existir transparência, e o regulador for pouco exigente, tudo se mostra possível.

    Se tiver aprovação do regulador, a farmacêutica pode respirar de alívio e fazer a festa, porque começa a comercializar o novo medicamento. Porém, não escapa à Fase IV – a da farmacovigilância –, que é onde ocorrem as surpresas mais desagradáveis. Ou até agradáveis, se porventura se descobrirem, afinal, que o novo medicamento tem efeitos benéficos ainda mais estupendos para solucionar que inicialmente não estavam previstos. Nunca é demais invocar, e evocar, o famoso Viagra.

    A farmacovigilância é uma fase extraordinariamente importante, porque se passa da aplicação de um medicamento em poucas centenas de milhares de pessoas para um uso que pode ser mais ou menos massivo. Veja-se o caso, por exemplo, das vacinas contra a covid-19.

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    Na Fase IV, que pode decorrer ao longo dos anos, os episódios de reacções adversas são individualmente reportados pelos profissionais de saúde junto dos reguladores – em Portugal, é o Infarmed.

    Cada reacção adversa nunca é uma boa notícia para a farmacêutica, e aqui entra em jogo as potenciais promiscuidades ou conflitos de interesse que possam ocorrer entre farmacêuticas e peritos que colaboram com os reguladores.

    Além disso, nunca esquecer que as receitas dos reguladores provêm, em grande medida, das comparticipações do sector farmacêutico. E estamos a falar das comparticipações legais, estabelecidas em diplomas legais…

    Enquanto até à Fase III, um insucesso – e há muitos, daí a necessidade de o preço dos medicamentos bem-sucedidos suportarem os investimentos falhados – pode ocorrer de forma discreta, na Fase IV pode ser uma “facada”, letal até, na credibilidade de uma farmacêutica.

    E redundar em prejuízos astronómicos, sem falar em potenciais indemnizações. Se forem nos Estados Unidos podem ser chorudas. No limite, um rombo financeiro ou mesmo a falência. Já sucedeu.

    Assim, em abono da verdade, embora possam existir imponderáveis – porque na farmacovigilância detectam-se efeitos adversos adicionais, por interacções medicamentosas ou factores imprevisíveis –, as evidentes falcatruas são de evitar em demasia. Como o azeite em água, mais tarde ou mais cedo acabam por se saber eventuais enviesamentos, ou mesmo fraudes, cometidos em ensaios clínicos das fases anteriores.

    O regulador também não aprecia ser surpreendido com más notícias, porque são reveladoras, muitas vezes, de desempenhos fracos nas suas funções. E, por outro lado, sucedem sempre muitas oportunidades de funcionários do regulador saltarem para as farmacêuticas, e vice-versa. A promiscuidade existe neste sector.

    Por isso, estas questões são sempre tratadas com pinças. E, por isso, bastas vezes joga-se sujo, com sonegação de estudos, campanhas de marketing enganosas, subornos à classe médica, tudo em nome das receitas. Nos casos mais graves fica em causa a independência dos reguladores. A História tem mostrado que nem sempre a regulação defende os interesses dos consumidores.

    No entanto, um alerta: na esmagadora maioria dos medicamentos, o sistema funciona. Felizmente, poucas são as vezes que temos conhecimento de problema relevante em redor de uma das 2.937 substâncias activas e 36.803 medicamentos registados em Portugal no Infomed, o portal dos medicamentos de uso humano gerido pelo Infarmed.

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    Mas, é exactamente por os casos escandalosos serem cada vez mais raros – e de um mais apertado controlo, embora ainda pouco transparente, nos ensaios clínicos e na farmacovigilância –, que convém estar sempre de sobreaviso quando, como sucedeu com as vacinas contra a covid-19, se saltam etapas.

    Ou se escondem dados dos efeitos adversos, como tem estado a acontecer com o Infarmed em relação a pedidos do PÁGINA UM, o que nos obrigará a recorrer a uma intimação junto do Tribunal Administrativo.

    Por isso, recordemos alguns dos casos mais tristemente famosos de medicamentos colocado no mercado, muitos usados massivamente, e cujas consequenciais se mostraram desastrosas.

    Avandia

    Concebido pela farmacêutica britânica GlaxoSmithKline e aprovado em 1999 pela Food and Drug Administration (FDA), Avandia foi a marca comercial do fármaco rosiglitazona, que visava controlar os níveis de açúcar no sangue e sobretudo para tratamento de diabetes mellitus tipo 2. Contudo, rapidamente, acabou por provar ser sobretudo desastroso para a saúde. 

    Em 2007, um estudo  de investigadores da Massachusetts Medical Society publicado no New England Medical Journal, apontava para um risco de ataque cardíaco em cerca de 43%.

    Três anos mais tarde, um outro estudo, desenvolvido por investigadores da FDA, publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) mostrava que, entre mais de 67 mil pessoas que tinham tomado Avandia, se tinham registado quase três mil ataques cardíacos, que resultaram em 814 mortes.

    Nesse mesmo ano, a EMA suspendeu a comercialização do fármaco.

    Também o Senado americano emitiu, também em 2010, um comunicado que revela que a GlaxoSmithKline já sabia dos riscos associados ao Avandia desde 2000.

    No início da década passada, a GlaxoSmithKline chegou a um acordo extrajudicial no valor de 770 milhões de dólares (cerca de 707 milhões de euros) para pôr fim a 16.200 processos por mortes e problemas cardíacos e hepáticos causados do fígado e morte.

    No entanto, a GlaxoSmithKline acabaria, em 2012, por ser condenada ao pagamento da maior multa até então aplicada pelo Departamento de Justiça norte-americano por “fraude sanitária”: 3 mil milhões de dólares por responsabilidade civil e criminal, por ocultação de dados sobre três medicamentos (além do Avantia, também do Paxil e do Wellbutrin) e por práticas ilegais de preços.

    No comunicado então emitido, Bill Corr, vice-secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, disse que “o acordo histórico (…) é um marco importante nos esforços para acabar com a fraude de saúde”, acrescentando que, “por muito tempo, o sistema de saúde norte-americano foi alvo de trapaceiros que pensavam que poderiam lucrar facilmente às custas da segurança pública, dos contribuintes e dos milhões de americanos que dependem de programas de saúde”.


    Elixir Sulfanilamide
    Criado sob a forma de comprimido em 1937, pela farmacêutica americana Massengil, sulfamilamida era um antibiótico revolucionário. Porém, para aumentar as vendas, decidiu transformar o medicamento em elixir, para lhe introduzir um sabor agradável a framboesa.

    Assim, a farmacêutica usou dietilenoglicol, um éter, e colocou o elixir no mercado sem qualquer teste de toxicidade. Os efeitos foram terríveis.

    De acordo com o Independent Policy Report, morreram mais de 107 pessoas, sobretudo crianças.  Em 1938, a Massengil deu-se como culpada, pagando 24 mil dólares de multa, a maior até então aplicada a uma farmacêutica.

    Em 18 de Janeiro de 1939, o engenheiro químico que criou o elixir, Harold Watkins, foi encontrado em casa com uma bala na cabeça. Tinha-se suicidado.

    Mediator
    Concebido pela farmacêutica francesa Servier em 1976, o benfluorex, comercializado sob a marca Mediator, destinava-se ao tratamento da diabetes, mas começou a ser usado como supressor de apetite para emagrecimento.
    Em 1998, a Agência Francesa da Segurança dos Produtos de Saúde (AFSPS) abriu uma investigação em redor do Mediator por suspeitas de efeitos adversos (valvopatia aórtica e hipertensão arterial pulmonar), mas apenas em 2003 a Servier deixa de comercializar Mediator em Espanha e Itália.

    Contudo, demoraria ainda mais anos até que os reguladores cumprissem o seu dever, pois apenas em 2010 a AFSPS assumiu que as mortes relacionadas com o Mediator ascendiam então às cinco centenas. No entanto, estimativas mais recentes apontam para mais de duas milhares de mortes.

    Em Março do ano passado, a Servier seria multada em 2,7 milhões de euros e a AFSPS em 303 mil euros por falhas na regulação. Um dos executivos da farmacêutica francesa, Jean-Philippe Seta, foi condenado a quatro anos de prisão de pena suspensa.

    No rescaldo deste escândalo, seria criada em 2018, pela AFSPS e pelo Seguro Nacional de Saúde (CNAM) a EPI-PHARE, uma entidade para melhorar a farmacovigilância.

    OxyContin

    Deu origem à falência de uma farmacêutica, e serviu como mote de uma mini-série (Dopesick), estreada no ano passado, protagonizada por Michael Keaton e realizada por Barry Levinson. E, na realidade, tem todos os ingredientes de um filme: droga, conspiração, dinheiro e tribunais.

    A oxicodona – comercializada sob a marca OxyContin – é um analgésico da classe dos opioides, usada para atenuar as dores severas. Embora tivesse sido sintetizada em 1917 na Alemanha, a farmacêutica norte-americana Purdue Pharma desenvolveu-a como analgésico de libertação prolongada, tendo sido aprovada pela FDA em 1995. A comercialização desta marca de oxicodona começou no ano seguinte.

    Porém, a farmacêutica escondeu dos reguladores, algo que os traficantes e utilizadores rapidamente descobriram: esmagando os comprimidos facilmente retiravam a componente pura de oxicodona, para cheirar ou injectar, sendo tão poderosa como a heroína. Dessa forma, o OxyContin foi um dos principais contribuidores para a denominada “epidemia dos opioides” nos Estados Unidos. E a Purdue Pharma teve receitas recorde.

    Segundo a FDA, em 2003 havia já 2,8 milhões de norte-americanos que admitiam usar OxyContin para usos não-médicos, quando quatro anos antes eram apenas 400 mil. Mas nesse ano, o regulador apenas emitiu uma carta de advertência contra a Purdue Pharma por publicidade enganosa, porque os anúncios excluíam os sérios riscos de dependência e danos para a saúde.

    Somente em 2007 o cerco à farmacêutica começou a apertar, quando foi condenada a pagar 634 milhões de dólares (cerca de 582 milhões de euros) por publicidade enganosa, mas apesar de três executivos da companhia terem sido também multados, o OxyContin manteve a sua comercialização. E em 2010 seria mesmo autorizada uma nova fórmula que visava diminuir a possibilidade do seu uso não-médico, sendo retirada a versão original.

    Apesar da FDA ter sempre tentado proteger a estabilidade financeira da farmacêutica, os processos judiciais em diversas partes dos Estados Unidos fizeram a Purdue Pharma caminhar para o descalabro. E em 2019, a Purdue Pharma abriu falência.

    No mês passado, no dia 11 de Março, os executivos da Purdue Pharma conseguiram um acordo extrajudicial envolvendo oitos estados norte-americanos (Califórnia, Connecticut, Delaware, Maryland, Oregon, Rhode Island, Vermont e Washington) e milhares de requerentes individuais no valor de 6 mil milhões de dólares (cerca de 5,5 mil milhões de euros). Os executivos da companhia, grande parte dos quais da família Sackler, poderão ainda ser, contudo, julgados em processo criminal.

    No processo de falência – que será sobretudo de plano de reorganização –, grande parte das futuras receitas serão destinadas a diminuir a crise dos opiáceos e de dependência de opioides, devendo ser propriedade principalmente da National Opioid Abatement Trust (MOAT).

    Ficou também determinado que as famílias Sackler não terão qualquer envolvimento na nova empresa, devendo ainda pagar 4,325 mil milhões de dólares, além dos 225 milhões anteriormente pagos para resolver ações civis.

    Talidomida

    Criado pela farmacêutica alemã Chemie Grunenthal em 1954, inicialmente como um sedativo de uso geral, passou a ser muito popular entre grávidas por ser eficaz nos enjoos matinais, dores de cabeça e insónias.

    O seu sucesso fez com que se disseminasse rapidamente por quase meia centena de países sob a forma de mais de três dezenas de marcas comerciais. Em Portugal foi comercializado com o nome Softenon, mas na maior parte dos países foi vendida sob a marca Contergan.

    O seu uso massivo entre as grávidas de todo o Mundo veio a revelar um trágico efeito secundário: malformações congénitas gravíssimas. Em 1961, o medicamento começou a ser retirado do mercado, mas em Portugal somente no ano seguinte surgiram as primeiras notícias em jornais médicos sobre os graves efeitos da talidomida quando tomado entre os dias 14 e 50 da gravidez.

    Estima-se que, pelo menos, 100 mil fetos foram afectados, dos quais 80% não se desenvolveram. Aqueles que nasceram mostravam malformações terríveis nos membros superiores e inferiores, incluindo mesmo a ausência de braços e pernas, em órgãos internos, nos olhos e ouvidos, e paralisia cerebral.

    Cerca de 25% das crianças nascidas sob efeito da talidomida morreram nos primeiros meses de vida. No início da década passada, estimava-se que ainda estariam vivas entre 10 mil e 15 mil pessoas afectadas por este fármaco.

    Os Governos dos diferentes países lidaram de forma muito distinta com este assunto ao longo do tempo, havendo processos judiciais em diversos países. Na Austrália, cerca de uma centena de vítimas receberam, em 2014, um total de 89 milhões de dólares pagos pela distribuidora Diageo. Dois anos antes, a Grunenthal pediu, pela primeira vez, desculpas às vítimas.

    Na altura, o director executivo Harald Stock – durante a inauguração de uma escultura evocando o desastre da talidomida, na cidade de Stolberg, sede da farmacêutica – garantiu que tinham sido doados quase 500 milhões de euros às vítimas até 2010. Na Alemanha, os sobreviventes recebem uma pensão mensal de até 1116 euros de um fundo para o qual a farmacêutica contribui.

    A talidomida continua, contudo, a ser usada actualmente para determinadas doenças, como o mieloma múltiplo.

    Trasylol

    Desenvolvido pela farmacêutica alemã Bayer, a aprotinina, comercializada sob o nome Trasylol, foi aprovada pela FDA em 1993 para ser usada em blocos operatórios para reduzir no sangramento em cirurgias cardíacas e hepáticas.

    Apesar de existirem já avisos preocupantes envolvendo a morte de mais de 200 pessoas em que se usara este fármaco, a FDA foi pouco lesta nas investigações.

    Entretanto, um estudo científico observacional publicado no New England Journal of Medicine, tirou qualquer dúvida, ao concluir que “a associação entre aprotinina e lesões graves em órgãos-alvo indica que o uso continuado não é prudente”, acrescentando mesmo que “em contraste, os medicamentos genéricos menos caros, como ácido aminocapróico e ácido tranexâmico, são alternativas seguras”.

    O primeiro autor deste estudo, Dennis Mangano diria mesmo que mais de 22 mil pessoas poderiam ter sido salvas se o Trasylo tivesse sido retirado do mercado atempadamente.

    A partir deste estudo, a FDA pressionou a Bayer, que acabou por confessar a existência de um estudo interno, baseado em dados com 67 mil pacientes, onde se detectara casos graves. A farmacêutica alegou “erro humano” para o atraso no envio desse comprometedor relatório.
    Em 2010, a Bayer conseguiu um acordo extrajudicial, pagando 60 milhões de dólares (cerca de 55 milhões de euros) para arquivamento de 150 processos judiciais.

    Trovan

    Antibiótico de amplo espectro, a trovafloxacina foi desenvolvida pela farmacêutica norte-americana Pfizer, sob a marca comercial Trovan, tendo vida curta e polémica, antes de ser retirado do mercado por efeitos hepáticos adversos muito graves.

    Mas, antes de ser abandonado, esteve envolvido num escândalo da Pfizer que aproveitou uma epidemia de meningite na Nigéria, em 1996, para proceder a um ensaio clínico não autorizado.

    A empresa, sem conhecimento prévio, inoculou 100 crianças dos 3 meses aos 18 anos de idade para um tratamento com duração de duas semanas. Destas,11 morreram e dezenas soferam efeitos secundários graves, como paralisia e insuficiência hepática.

    Mesmo assim, a FDA aprovou este medicamento em 1998 para o tratamento de vários tipos de infecção, como peritonites e sinusites. O sucesso comercial nunca veio, porque o regulador foi contabilizando efeitos adversos, e recomendando o seu uso de forma cada vez mais restrita. Em 1998, a Pfizer teve apenas uma receita de 160 milhões de dólares, quando previa pelo menos mil milhões de dólares.

    Após terem sido registados em 1999, 14 casos de insuficiência hepática e seis mortes, a FDA viria a suspender o uso de trovafloxacina no ano 2000. Medida similar tomou a Agência Europeia do Medicamento (EA). De acordo com a declaração publicada, esta suspensão foi efectuada depois da recepção de 152 relatórios de insuficiências hepáticas.

    Apenas em 2011, quinze anos após os ensaios clínicos, a Pfizer se predispôs a a assinar um acordo extrajudicial para arquivar o escândalo na Nigéria, envolvendo 175 mil dólares (cerca de 160 mil euros) por família. A farmacêutica concordou ainda em criar um fundo de 35 milhões de dólares (32 milhões de euros) para compensar os possíveis afectados pelo uso do Trovan.

    Vioxx
    Desenvolvido pela farmacêutica americana Merck Sharpe & Dohme, e aprovado pela FDA em 1999, o rofecoxib – comercializado sob a marca Vioxx – era um anti-inflamatório destinado sobretudo ao tratamento da artrite.

    Em Portugal chegou a ser o anti-inflamatório mais vendido em Portugal.

    Em 2004 começaram a surgir estudos com resultados preocupantes, que revelavam um elevado risco de enfartes do miocárdio ao fim de apenas alguns meses de tratamento com Vioxx, independentemente da dose. David Graham, investigador da FDA, estimou numa declaração ao Senado norte-americano que teriam ocorrido, por causa do rofecoxib, pelo menos 139 mil casos de ataques cardíacos, que culminaram em 55 mil mortes.

    Confirmou-se também que a empresa tinha contratado médicos para assinar artigos científicos, para os credibilizar, que não tinham sido por eles elaborados.

    Em 2017, a Union of Concerned Scientists denunciaria que a Merck Sharpe & Dohme manipulou os resultados sobre os riscos de ataque cardíaco e exagerou os efeitos positivos do Vioxx.

    Para evitar um julgamento, a Merck Sharpe & Dohme conseguiu um acordo extrajudicial em 2007, pagando 4,85 mil milhões de dólares em indemnizações, ou seja, mais de 3,75 mil milhões de euros.

    Xarelto
    Produzido pela Bayer e comercializado pela Johnson & Johnson, o Xarelto é o nome comercial do fármaco rivaroxabana, um anticoagulante oral utilizado sobretudo no tratamento de trombose venosa profunda. Foi aprovado pela FDA em 2011.

    Porém, logo no ano seguinte, vários estudos alertaram para efeitos adversos graves. Por exemplo, o Institute for Safe Medical Practices – uma organização não-governamental norte-americana vocacionada para a prevenção de erros farmacológicos – contabilizou 356 casos graves associados ao Xarelto, dos quais 158 embolias e 121 hemorragias.

    Uma outra entidade similar, o DrugWatch, indicava também que uma pesquisa em Outubro de 2018 do Sistema de Relatórios de Eventos Adversos da FDA indicava que, pelo uso de Xarelto, tinham ocorrido 92.125 casos de hemorragias, grande parte dos quais gastrointestinais.

    Em 2019, a Bayer e a Janssen Pharmaceuticals chegaram a um acordo extrajudicial, comprometendo-se a pagar 775 milhões de dólares (cerca de 710 milhões de euros) para encerrar 25 mil processos de litígio, assumindo que não tinham feito os avisos necessários sobre efeitos adversos.

    Zantac

    Desenvolvido pela farmacêutica britânica GlaxoSmithKline em 1977, e aprovado para comercialização pela FDA em 1983, o Zantac chegou a ser o medicamento mais vendido do Mundo em 1988, superando mil milhões de euros. Sob licença ou como genérico por outras farmacêuticas, este medicamento – que tem a ranitidina como princípio activo – uma eficácia rápida no tratamento de úlcera duodenal e gástrica e sobretudo contra a azia.

    Apesar das garantias de segurança, tanto assim que podia ser usado sem prescrição médica, em 2019 uma farmácia online alertou a FDA da presença de elevados níveis de N-nitrosodimetilamina (NDMA), um perigoso cancerígeno.

    Na segunda metade desse ano chegou-se à conclusão que o NDMA não era apenas uma impureza, mas que advinha do próprio processo de fabrico da ranitidina. Em consequência, a esmagadora maioria dos países retiraram o medicamento de circulação nos últimos dois anos.

    Em Portugal, a retirada da autorização de introdução do mercado (AIM) verificou-se em Janeiro do ano passado, mas já houvera uma retirada preventiva dos lotes em Setembro de 2019.

    De acordo com o Shapiro Legal Group – um escritório de advogado norte-americano especializado em litígios contra farmacêuticas –, o Zantac terá causado 55,891 efeitos adversos graves, dos quais 66% foram cancros, alegando que já se registaram 4.926 mortes.

    Nos próximos anos será provável que os casos ainda disparem mais à medida que se foram associando uma relação causa-efeito. O Shapiro Legal Group estima que só em 2018 o Zantac tenha sido usado por quase 19 milhões de norte-americanos. Prevê-se assim processos judiciais envolvendo muitos e muitos milhões.

  • Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia ‘insufla’ há três anos graves incompatibilidades, mas manteve-se como consultor de entidades públicas

    António Morais manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed depois de ter tomado posse em 2019 como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), uma das associações médicas com maiores relações comerciais com a indústria farmacêutica. A lei determina que só poderia manter aquelas funções se a SPP recebesse em média um máximo de 50 mil euros por ano. Porém, a SPP recebeu no último quinquénio 17 vezes mais do que esse patamar. Todas as decisões da DGS e do Infarmed que tenham sido tomadas com base em pareceres de António Morais estão feridas de nulidade.


    O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, está a violar há três anos as regras de incompatibilidade que o deveriam impedir de se manter como consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde. As decisões administrativas que tenham sido tomadas com base em pareceres em que este pneumologista tenha participado são nulas.

    As duas entidades públicas, contactadas pelo PÁGINA UM, não se pronunciam. António Morais – que é desde 2016, e apresenta-se como tal no seu currículo, consultor de doenças intersticiais pulmonares do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da DGS e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed – também não respondeu ao pedido de esclarecimentos.

    António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.

    Em causa está o incumprimento do regime de incompatibilidade previsto num decreto-lei de 2014 que abrange consultores, membros de comissões, grupos de trabalho, júris de concursos que, entre outras funções, “participem na escolha, avaliação, emissão de normas e orientações de carácter clínico, elaboração de formulários, nas áreas do medicamento e do dispositivo médico no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua natureza jurídica, bem como dos serviços e organismos do Ministério da Saúde”.

    As normas deste diploma acabaram também por ser adoptadas pelo Infarmed, a entidade reguladora dos medicamentos.

    De entre as diversas incompatibilidades, aquela que mais salta à vista, no caso de António Morais, é a que proíbe os consultores da DGS e do Infarmed de serem membros de órgãos sociais de sociedades científicas – como é o caso da SPP – que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.

    Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguíssimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Quando este pneumologista – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – tomou posse, a SPP tinha recebido no quinquénio anterior uma média de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.

    Receitas totais directas (em euros) da Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2014 e 2022 provenientes do sector farmacêutico. Fonte: Infarmed.

    No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais: situam-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico de 1.301.972 euros.

    Até à data, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP amealhou 329.393 euros em 2022, mas usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.

    No ano passado, para a realização deste evento de três dias num hotel de cinco estrelas em Vilamoura, a SPP obteve quase 370 mil euros de patrocínios, além de inscrições de médicos no valor de 193 mil euros que acabaram também por ser pagas pelas farmacêuticas.

    Sé neste último quinquénio, a SPP recebeu mais de 50 mil euros em média por ano de nove companhias farmacêuticas: Boehringer Ingelheim (104.034 euros), Novartis Farma (90.914 euros), BIAL (89.236 euros) Pfizer (82.440 euros), GlaxoSmithKline (71.189 euros), A. Menarini (68.533 euros), AstraZeneca (61.930 euros), Roche (53.050 euros) e Sanofi (51.895 euros). Teve ainda relações comerciais, envolvendo sobretudo patrocínios, de mais 20 empresas farmacêuticas e de produtos médicos.

    Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Para além da questão ética, as incompatibilidades de António Morais têm consequências legais e jurídicas muito graves. De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.

    António Morais, por seu turno, pode vir também a ser sancionado, porque o artigo 6º do mesmo diploma legal determina a obrigatoriedade de ele cessar as suas funções de consultor a partir do dia de tomada de posse como presidente da SPP (14 de Janeiro de 2019). O PÁGINA UM teve acesso à sua última declaração, com data de 5 de Março de 2018 – numa altura, portanto, em que ainda não presidia à SPP, e não estaria a violar o regime de incompatibilidades –, e que ainda consta no site do Infarmed.

    Por essa falha, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde pode, de acordo com a lei, aplicar-lhe uma coima entre 2.000 e 3.500 euros.

  • PÁGINA UM já colocou o Conselho Superior da Magistratura no banco dos réus

    PÁGINA UM já colocou o Conselho Superior da Magistratura no banco dos réus

    Primeira acção de intimação do PÁGINA UM, utilizando o seu FUNDO JURÍDICO, pretende obrigar o Conselho Superior da Magistratura a ceder documentos administrativos sobre a Operação Marquês. A entidade de cúpula do sistema judiciário já foi mesmo hoje citada pelo Tribunal Administrativo de Lisboa para responder em 10 dias. Visando aumentar a transparência e abertura da Administração Pública, nas próximas semanas o PÁGINA UM intentará processos similares contra o Infarmed, a Direcção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos.


    O PÁGINA UM apresentou ontem uma acção de intimação no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa contra o Conselho Superior da Magistratura (CSM).

    Em causa está a recusa desta entidade de cúpula do sistema judiciário português em facultar o acesso aos documentos de inspecção à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates é o principal arguido –, contrariando mesmo um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Extracto da citação ao Conselho Superior de Magistratura hoje feita pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

    Inicialmente, o CSM exigia que o director do PÁGINA UM PÁGINA UM esclarecesse “qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados, embora a juíza Ana Sofia Wengorovius, encarregada da protecção de dados daquela entidade defendesse, desde já, num longo parecer de sete páginas, o secretismo deste inquérito, que na verdade se trata da “averiguação sumária nº 2018-346/AV”.

    Mais tarde, após o parecer favorável da CADA, o CSM reiterou a recusa, recordando que os pareceres daquela entidade “não são vinculativos”, e desafiava “o requerente [director do PÁGINA UM] querendo, intentar respetiva acção especial de acesso a documento administrativo”.

    O PÁGINA UM aceitou o “convite”, depois de exarar o seu público protesto num artigo, publicado em 23 de Março passado, intitulado “Da justiça do Burkina Faso e do Conselho Superior da Magistratura de Portugal“.

    Esta inédita acção de intimação do PÁGINA UM contra o CSM – é a primeira vez que uma acção deste género é intentada por um órgão de comunicação social contra este organismo para “prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões” – já foi hoje distribuída ao juiz Pedro de Almeida Moreira, tendo o processo recebido o número 894/22.9BELSB.

    O processo intentado pelo PÁGINA UM tem como patrono o advogado Rui Amores, e o valor da causa é de 30.000,01 euros para permitir a possibilidade de recurso ao Supremo Tribunal Administrativo em caso de o juiz Pedro de Almeida Moreira considerar que o CSM tem o direito, 48 anos após a instauração da democracia em Portugal, de manter escondido documentos que exemplificam o funcionamento do sistema judiciário do país.

    Pagamento de custas do processo de intimação contra o Conselho Superior da Magistratura

    Os custos processuais – incluindo a taxa de 306 euros, já pagos – serão integralmente pagos pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, criado no passado dia 1 de Abril através de donativos dos leitores. Actualmente, este fundo conta com o apoio de cerca de 150 pessoas e um montante arrecadado já acima dos 4.000 euros.

    Este FUNDO JURÍDICO servirá para suportar encargos similares aos do processo contra o Conselho Superior de Magistratura, nomeadamente envolvendo, para já, o Infarmed (cuja intimação será entregue na próxima semana), a Direcção-Geral da Saúde e Ordem dos Médicos.  

    Hoje mesmo o Conselho Superior da Magistratura, como réu, foi já “devidamente citado, para no prazo de 10 dias, responder, querendo ao requerido pelo requerente [Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM], nos autos de intimação”.

    Se outras diligências não forem consideradas necessárias, o juiz Pedro de Almeida Moreira terá de decidir ao fim de cinco dias, arquivando o processo ou obrigando o CSM a facultar a documentação ao PÁGINA UM, aplicando uma sanção pecuniária por cada dia de atraso.

    No entanto, apesar de serem processos urgentes, existem mecanismos de dilação que podem fazer estes prazos escorregarem por alguns meses. Em todo o caso, a decisão final deste processo constitui sobretudo (mais) um teste à maturidade da democracia portuguesa.


    O FUNDO JURÍDICO DO PÁGINA UM pode ser apoiado através da plataforma do MIGHTYCAUSE ou pedindo informações complementares pelo correio electrónico geral@paginaum.pt.

  • Ordem dos Médicos Dentistas compra entrevista no Diário de Notícias

    Ordem dos Médicos Dentistas compra entrevista no Diário de Notícias

    A Global Notícias está a guinar a informação portuguesa para campos perigosos. Pagar para ter notícias ou mesmo entrevistas é já possível, e até é agora feito às claras com papel escrito para apresentar à contabilidade. O PÁGINA UM descobriu um contrato comercial que garantiu à Ordem dos Médicos Dentistas uma entrevista nas páginas do Diário de Notícias ao seu bastonário e a cobertura de um evento sobre saúde oral a troco de quase 20 mil euros.


    Dias mundiais de qualquer coisa há, enfim, todos os dias. Por ironia, em 20 de Março coincidem o Dia Internacional da Saúde Oral, o Dia do Pontapé no Rabo (Kick Butts Day) e o Dia Internacional da Felicidade. E há pouco mais de duas semanas, houve uma estranha coincidência dos “astros” no jornalismo português: para se celebrar o primeiro daqueles dias – o da Saúde Oral –, Diário de Notícias (DN) e Jornal de Notícias (JN) deram um “pontapé no rabo” aos princípios da independência da imprensa e aceitaram vender directamente serviços noticiosos à Ordem dos Médicos Dentistas, incluindo uma entrevista ao seu bastonário, para felicidade da administração da Global Notícias, que assim recebeu 19.970 euros.

    Debate para uma sala vazia. Conferência sobre saúde oral em Viseu foi uma “prestação de serviços” paga pela Ordem dos Médicos Dentistas.

    De acordo com o Portal Base, dois dias antes da celebração do Dia Internacional da Saúde Oral, em 18 de Março, a Ordem dos Médicos Dentistas e a Global Notícias – detentora daqueles dois diários – formalizaram um contrato de “prestação de serviços de divulgação, promoção e cobertura do Dia Mundial de Saúde Oral”, que tiveram como ponto alto uma conferência em Viseu no dia 21. E pode-se dizer que os dois diários da Global Media cumpriram a preceito essa “prestação de serviço” a uma entidade externa, apesar de travestida de “conferência promovida pela Ordem dos Médicos [Dentistas]”, integrando um “debate, organizado em parceria com o DN e o JN”.

    Com efeito, além da participação, como moderador de dois debates, de Pedro Araújo, editor-adjunto do JN, a cobertura noticiosa – sem qualquer referência de se tratar de conteúdo pago – foi executada por uma jornalista, Marisa Silva (CP 7319). E inclui mesmo uma entrevista ao bastonário Miguel Pavão.

    Nessa entrevista, publicada no própria Dia Mundial da Saúde Oral (20 de Março), o bastonário dos dentistas aproveitou sobretudo para lançar críticas ao Serviço Nacional de Saúde e ao projecto do cheque-dentista e também a defender a redução das vagas dos cursos superiores de Medicina Dentária.

    Os mesmos tópicos haveriam de ser os pontos centrais também de uma notícia de Marisa Silva publicada no dia 22 de Março no Diário de Notícia que abordou o evento, onde também participou Graça Freitas, directora-geral da Saúde, através de vídeo-chamada.

    Ordem de Miguel Pavão pagou quase 20 mil euros para cobertura noticiosa de evento e entrevista no Diário de Notícias.

    Para que não surjam dúvidas de ser este o evento alvo da prestação de serviços, refira-se que o contrato estipulava um prazo de execução de sete dias. Ou seja, todas as notícias e a entrevista a Miguel Pavão foram publicadas entre os dias 18 e 25 de Maio.

    Recorde-se que o Estatuto dos Jornalistas (Lei nº 1/99) estipula que estes profissionais, para garantir a sua independência, estão impedidos de participar em acções de marketing ou de relações públicas. Além disso, a escrita de conteúdos comerciais “travestidos” de notícias e, em especial, a realização de entrevistas em que o entrevistador a pagou é incompatível com a actividade jornalística. E fomenta a desconfiança sobre a independência da imprensa.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário através de correio electrónico sobre este contrato de prestação de serviços junto do bastonário Miguel Pavão e da directora do DN, Rosália Amorim, e do JN, Inês Cardoso, mas não obteve qualquer resposta.

  • Campanha de angariação de fundos “INFARMED: UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” a caminho do Tribunal Administrativo…

    Campanha de angariação de fundos “INFARMED: UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” a caminho do Tribunal Administrativo…

    O Infarmed, um regulador que deveria defender os interesses dos cidadãos e não os interesses da indústria farmacêutica e do Governo, mandou “às malvas” os pareceres (não vinculativos) da CADA, e remeteu o PÁGINA UM para a base de dados da EudraVigilance. O PÁGINA UM iniciou ontem uma campanha de angariação no MightyCause denominada “INFARMED – UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” com o objectivo específico de suportar custos de patrocínio jurídico e demais despesas correlacionadas junto do Tribunal Administrativo. Angariámos já 1.100 euros em menos de 24 horas, mas além deste processo haverá outros, se os recursos financeiros o permitirem, sobretudo envolvendo a Direcção-Geral da Saúde.


    Pedindo desculpa pela qualidade do som, siga em baixo um vídeo explicativo sobre a fraca qualidade da informação da EudraVigilance relativa aos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do remdesivir, e que justifica assim ser fundamental o acesso aos dados em bruto do Portal RAM na posse do Infarmed.

    Os apoios podem ser encaminhados directamente para a plataforna de angariação no MightyCause denominada “INFARMED – UMA LUZ PARA A TRANSPARÊNCIA” com o objectivo específico de suportar custos de patrocínio jurídico e demais despesas correlacionadas.

    Pode também contactar o PÁGINA UM através do e-mail: gera@paginaum.pt.

    Os montantes angariados nesta campanha destinam-se em exclusivo para gastos judiciais nestes e em outros processos dinamizados pelo PÁGINA UM, e será feito, com periodicidade a indicar, um relatório circunstanciado dos montantes gastos.

    Os apoios gerais ao PÁGINA UM podem continuar a ser feitos pela via normal, através das subscrições no STEADY ou na outra campanha do MIGHTYCAUSE.