Ontem, dia 11 de Outubro, no Portal Base foram divulgados 691 contratos públicos, com preços entre os 11,06 euros – para aquisição de produtos alimentares, pelo Agrupamento de Escolas Soares Basto de Oliveira de Azeméis, através de ajuste directo – e os 4.883.105,76 euros – para fornecimento de rede e serviços de comunicações, pelo Município de Sintra, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 19 contratos, dos quais 13 por concurso público, três ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 13 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Santa Casa da Misericórdia da Trofa (com a Fullprojekts, no valor de 3.490.299,89 euros); Município de Ovar (com a Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar e com a ICA – Indústria e Comércio Alimentar, no valor de 636.550,74 euros); Centro Hospitalar do Baixo Vouga (com a Janssen Cilag, no valor de 544.334,74 euros); três do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (um com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 413.455,26 euros, outro com a Sanofi, no valor de 367.182,88 euros, e outro com a Takeda Farmacêuticos, no valor de 164.800,00 euros); Infraestruturas de Portugal (com a FUTRIFER – Indústrias Ferroviárias, no valor de 376.027,96 euros); Município de Lisboa (com a CPITI – Companhia Portuguesa de Impressoras, Tecnologias de Impressão, no valor de 290.000,00 euros); Escola Básica com Pré-escolar de Santo António (com a Porto Editora, no valor de 206.418,90 euros); Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (com a MBA Portugal, no valor de 192.278,00 euros); Escola Secundária da Ribeira Grande (com a Porto Editora, no valor de 191.772,21 euros); Hospital Garcia de Orta (com a General Electric Healthcare, no valor de 142.000,00 euros); e o Município de Montalegre (com a Granitos de Montalegre, no valor de 135.707,48 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 11 de Outubro
Se sói dizer-se que não há duas sem três, subentendido está então que, antes disso, havendo um contrato por ajuste directo, sempre poderá vir um segundo contrato do género, por mais inusitado que seja a prestação de serviços em si face ao objecto social da empresa beneficiária.
Há sensivelmente um mês, o PÁGINA UM relatou a contratação pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, e por ajuste directo, de uma empresa de serralharia de Guimarães, a Custódio de Castro Lobo & Filhos, para a montagem de duas salas cirúrgicas de um novo bloco operatório, “em estrutura aligeirada amovível em regime de aluguer pelo prazo presumível de 12 semanas”, em sistema chave na mão “com transferência da titularidade da propriedade para a entidade adjudicante findo o aluguer e respectivas ações de manutenção preventiva e correctiva”.
Pelo preço de 800.000 euros, a administração do CHUA decidiu contratar uma empresa a 600 quilómetros de distância, mesmo sem sequer fundamentada, nos procedimento do convite, a razão da escolha daquela empresa de Guimarães, que, na verdade, nem sequer tem experiência similar em hospitais públicos. Aliás, esta montagem das salas cirúrgicas foi apenas o segundo contrato público da Custódio de Castro Lobo & Filhos, sendo que o primeiro consistiu num trabalho de restauro e recuperação de peças para exposição do Centro Interpretativo D`Olival ao Azeite de D`Ouro, uma encomenda da autarquia de Alijó em Junho passado, no valor de 23.070 euros. E aí até foi após consulta prévia.
Mas entretanto na sexta-feira passada surgiu no Portal Base o segundo contrato do CHUA à mesma empresa de Guimarães, desta vez para uma tarefa ainda mais fora do âmbito dos seus habituais serviços. Com efeito, de acordo com os produtos e serviços que expõe no seu site, a Custódio de Castro Lobo & Filhos apresenta-se como uma serralharia capaz de fazer candeeiros e candelabros, chaminés e extractores de fumos, condutas para ventilação e aspiração, corrimões e gradeamentos, decoração de lojas, esculturas e troféus, estruturas e móveis metálicos e ainda placas e sinalética.
Daí até blocos operatórios no Hospital de Faro, ainda mais a serem executados a 600 quilómetros de distância, já causava uma certa estranheza, mas este segundo contrato, que foi assinado em 19 de Setembro passado, ainda se mostra mais fora da caixa: é uma empreitada de obras públicas, mais concretamente “trabalhos de terraplanagem, modelação do terreno e preparação de acessibilidades” para os tais blocos operatórios. O custo do contrato deste contrato: 199.249,60 euros, o que significa que, em duas semanas, a Custódio de Castro Lobo & Filhos fechou dois contratos públicos a 600 quilómetros de distância que lhe valerão mais de 1,2 milhões de euros, se incluirmos IVA dedutível.
Sem explicar o motivo de ter escolhido em concreto esta empresa de serralharia civil de Guimarães, a administração do CHUA a opção pelo ajuste directo para as duas salas cirúrgicas do Hospital de Faro se deveu ao facto de dois concursos públicos lançados este ano terem ficado “desertos” e ser necessário encerrar temporariamente o bloco operatório central “da Unidade de Faro “para a realização de obras de requalificação, obras essas que só podiam desenvolver-se em simultâneo com a disponibilização dos novos blocos operatórios”.
A administração do centro hospitalar algarvio não explica, contudo, uma situação estranha: se nem a Custódio de Castro Lobo & Filhos se mostrou interessado em concorrer aos concursos que propunham um preço-base de 949.000 e depois 895.000 euros, então qual foi a razão para depois esta empresa de Gumarães ter aceitado um ajuste directo de apenas 800.000 euros, bastante inferior? E quem a convidou ou quem se lembrou de a convidar, ademais sabendo que nunca antes fora sequer fornecedora de qualquer serviço ou bem?
Quanto ao contrato de terraplanagem, que acabou por estar associado ao outro contrato, a administração do CHUA diz que se entendeu “ser urgente a preparação do terreno/espaço e das acessibilidades ao edifício atual, onde iria ser executado o contrato do procedimento concursal supra identificado, uma vez que a escavação se mostrou necessária para se poder implantar a estrutura modular que irá funcionar como bloco operatório, cumprindo todas as condições de segurança e licenciamento, enquanto o bloco central se encontrar em obras”.
Em suma, o primeiro contrato por ajuste directo puxou o segundo, até porque, segundo o centro hospitalar em declarações ao PÁGINA UM [aqui apresentadas], “só com estes trabalhos de escavação [considerados urgentes e fundamentais] é que o edifício ficaria à mesma cota que a estrada existente e bastante próximo da unidade de Cuidados Intensivos Polivalente.”
O administração do CHUA também não explica como escolheu a Custódio de Castro Lobo & Filhos se esta empresa nem sequer detém alvará de empreiteiro de obras públicas, conforme o PÁGINA UM confirmou em consulta à base de dados do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção. A empresa de Guimarães não respondeu ao pedido de esclarecimentos do PÁGINA UM, não dizendo assim se subcontratará alguma empresa para as obras de terraplanagem e remodelação de terreno.
A presidente do CHUA – que integra os hospitais de Faro, Portimão e Lagos – é actualmente presidida pela médica Ana Varges Gomes, que de acordo com informações veiculadas na imprensa será substituída em breve pela Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.
Este contrato dos trabalhos de terraplanagem, modelação do terreno e preparação de acessibilidades no hospital de Faro é um dos destaques do primeiro Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos do mês de Outubro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 717 contratos públicos, com preços entre os 32,97 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital Dr. Francisco Zagalo, através de consulta prévia – e os 3.849.405,48 euros – para aquisição de apólices de seguro, pela EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, através de concurso público.
A excepção de 2020, confirma a regra: não há Passagem de Ano na Madeira sem fogo-de-artifício a Macedos Pirotecnia, Lda., uma empresa de Lixa, no concelho de Felgueiras.
Desde a Passagem de Ano de 2013 para 2014 somente por uma vez (em 2020) a empresa do concelho de Felgueiras não ganhou um contrato que, nas últimas edições, lhe tem permitido uma facturação de cerca de 1,1 milhões por foguetório. E assim, para cumprir a já (quase) tradição, no próximo dia 1 de Janeiro, após a contagem decrescente de despedida de 2023, já está garantida a parafernália pirotécnica pela Macedos Pirotecnia: o contrato já lá canta, assinado que foi na sexta-feira passada pelo secretário de Estado Regional da Madeira do Turismo e Cultura, Eduardo Jesus, e ontem divulgado no Portal Base. Desde 2013, o Governo Regional da Madeira já gastou 11,2 milhões de euros em pirotecnia, quase tudo em espectáculos de fogo-de-artifício na Passagem de Ano.
Tal como nos três anos anteriores, este contrato foi feito por ajuste directo, mas antecedido de um concurso público de concepção, onde o Governo Regional da Madeira passou a colocar um tecto máximo. Este ano, a Macedos Pirotecnia ganhou com uma proposta 20 euros abaixo desse máximo. O Portal Base não inclui o resultado do concurso nem os concorrentes.
Nos anos anteriores à pandemia, o Governo Regional optava pelo concurso público, e aí a empresa da Lixa teve de derrotar diversos concorrentes. Por exemplo, em 2019 concorreu, além da Macedo Pirotecnia, a GJR – Pirotecnia e Explosiva, a Pirotecnia Minhota, a LusoEvents e a Rhodes Entertainment. Em 2020, quando se passou a optar por concurso de concepção, a Macedos Pirotecnia perdeu para a Henrique Costa & Filhos, mas depois recuperou este valioso contrato nos três anos seguintes.
No sector da pirotecnia, onde os contratos públicos de produção de eventos festivos são relevantes para a facturação, a Passagem do Ano da Madeira é uma espécie de quinta-essência. Se se excluir todos os fogos-de-artifício da Madeira, não se encontra nenhum contrato público em entidades públicas acima dos 300 mil euros. De acordo com o Portal Base – e pesquisando por pirotecnia e fogo-de-artifício –, o contrato mais caro no Continente ocorreu em 2008 no município de Portimão: 280.000 euros para “fornecimento de espectáculo piro-musical Sinfonia de Cores”, pagos pela empresa municipal Portimão Turis à Pirotecnia Minhota.
Segue-se a passagem de ano 2018-2019 na cidade de Lisboa, com um custo de 193.200 euros, mas esta verba, paga pela EGEAC à empresa Domingo do Mundo, também incluiu os espectáculos de Daniel Pereira Cristo e Richie Campbell.
Para eventos exclusivamente de fogo-de-artifício em concelhos do Continente, o contrato mais oneroso encontrado pelo PÁGINA UM no Portal Base foi assinado pelo município de Coimbra para as Festas da Cidade e Fim de Ano de 2022, com um custo de 84.960 euros, através de concurso público ganho também pela Macedos Pirotecnia.
Os contratos na Madeira acabam por colocar Macedos Pirotecnia numa outra dimensão face à concorrência, porque dos 15,1 milhões de euros que facturou desde 2013 em 202 contratos públicos, 11,2 milhões (74% do total) são por facturas passadas ao Governo Regional. Considerando a demonstração de resultados da empresa da Lixa no ano passado, os contratos na Madeira (quase 1,4 milhões de euros) representaram cerca de 42% da sua receita.
Por causa da Madeira, as suas concorrentes ficam assim a milhas em termos de facturação em contratos públicos. Por exemplo, a Henrique Costa & Filhos contabiliza 4,5 milhões de euros por 242 contratos; o Grupo Luso Pirotecnia arrecadou 4,4 milhões de euros por 101 contratos; a Pirotecnia Minhota ganhou 3,1 milhões de euros em 159 contratos; a GJR amealhou um pouco mais de 880 mil euros em 47 contratos; e a Rhodes Entertainment 657 mil euros em 23 contratos.
O contrato entre a Secretaria Regional do Turismo e Cultura com a Macedos Pirotecnia consta em mais um Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos, a análise diária do PÁGINA UM aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Ontem, dia 25 de Setembro, no Portal Base foram divulgados 735 contratos públicos, com preços entre os 11 euros – para serviços com encargos com portagens, pelo Ministério da Defesa Nacional – Marinha, através de ajuste directo – e os 3.332.952,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 13 contratos, dos quais oito por concurso público, três ao abrigo de acordo-quadro e dois por ajuste directo.
Há investigações que se iniciam puxando por um fio e dali vai saindo um tal novelo de coisas malcheirosas, mesmo se de comida, ainda mais de comida para contribuir para a recuperação de doentes, que às tantas se quer parar. Este é o caso de hoje. O PÁGINA UM começou por querer salientar um contrato por ajuste directo do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (CHUSA), que foi divulgado na sexta-feira passada no Portal Base. E depois descobriu que, afinal, não havia outro. Havia mais 10. São ajustes directos que duram há quase três anos. Em roda livre. Mas vamos por partes.
O dito contrato, para fornecimento de alimentação, foi celebrado entre o CHUSA e a empresa ITAU – Instituto Técnico de Alimentação Humana S. A., no valor de 752.839,10 euros. É montante elevado, mas aquilo que ressaltava era o argumento para a sua celebração: urgência. Ou melhor dizendo, usava-se uma habitual excepção – que se está a tornar regra para quem deseja contornar os concursos públicos do Código de Contratação Pública: “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Como não há fumo sem fogo, ficou a saber-se que afinal este contrato de Julho até era o terceiro deste ano, sendo todos trimestrais, e todos acima dos 700 mil euros.
De acordo com o Portal Base, no dia 11 de Janeiro fora assinado o primeiro contrato trimestral por ajuste directo entre o CHUSA e a ITAU por 705.907,12 euros, e seguiu-se outro nos últimos dias de Maio, ao preço de 732.924,95 euros.
O PÁGINA UM contactou o CHUSA que, através da assessoria de imprensa, garantiu que “os ajustes diretos mencionados encontram-se conforme a Lei, seguindo as orientações do Tribunal de Contas sobre esta matéria, atenta a natureza imprescindível e contínua da necessidade da prestação de serviços de alimentação”, reiterando que “o recurso a este mecanismo é legal e adequado e decorrerá enquanto se aguarda a conclusão da tramitação” de um concurso público internacional – que não se conseguiu encontrar no Portal Base. A mesma fonte diz que “este concurso aguarda autorização de compromisso plurianual da Direção Geral do Orçamento, motivo pelo qual ainda não ter iniciado a sua execução”. Em suma, aparentemente, é o Ministério das Finanças que estará a servir de justificação para sucessivos ajustes directos.
No entanto, o PÁGINA UM quis saber qual o motivo para a escolha da empresa ITAU, em concreto, para o primeiro ajuste directo de 2023, para o segundo ajuste directo de 2023 e para o terceiro ajuste directo de 2023. A explicação veio, curta: “a escolha da entidade [ITAU] prende-se com o facto de ser a atual prestadora de serviços, dada a complexidade da prestação de serviço.”
E aqui surgem os escolhos de uma investigação jornalística. Antes de 2023, não se conseguia encontrar no Portal Base qualquer sinal de um contrato anterior para fornecimento alimentar entre o CHUSA e a ITAU. O motivo é simples: o CHUSA só tem existência formal desde o início deste ano, pela fusão do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP) e do Hospital de Magalhães Lemos. Fusão feita, mudança de número fiscal (NIF).
Ou seja, pela dimensão, ter-se-ia de encontrar contratos de alimentação anteriores a 2023 através do NIF do CHUP e não do CHUSA (que não existia em 2022). E é aqui que se confirma as informações da assessoria de imprensa do CHUSA: a empresa ITAU já era, efectivamente, fornecedora do Hospital de Santo António antes de 2023.
Mas…
Mas eis que afinal se descobre que a relação entre a ITAU e o Hospital de Santo António – a principal unidade de saúde do CHUSA – é de facto, antiga… mas sempre baseada em contratos por ajuste directo. Sempre. No último triénio, trimestre após trimestre.
Segundo mais uma vez o Portal Base – uma plataforma de contratos públicos que prescinde de confirmação da sua veracidade, porque são documentos factuais –, em 2021 e em 2022 a ITAU e o então Hospital de Santo António, via CHUP, estabeleceu oito contratos por ajuste directo para fornecimento alimentar, todos acima de 600 mil euros. O montante total dos contratos celebrados no ano passado atingiu os 2,6 milhões de euros, enquanto em 2021 ultrapassaram os 2,4 milhões de euros. O incremento de preço é muito significativo: entre 2021 e 2023 aumentaram cerca de 17%.
Contas feitas, os 11 contratos sucessivos por ajuste directo entre a ITAU e o Hospital de Santo António (integrando a partir de 2023 o Hospital Magalhães de Lemos no novo CHUSA) já superaram os 7,1 milhões de euros. Sem concorrência, de mão-beijada e aos preços que mais convier à administração e à empresa.
Mas as relações de contratos de mão-beijada entre a ITAU e o CHUSA nem são casos raros. Numa rápida pesquisa pelo Portal Base, o PÁGINA UM detectou vários contratos milionários por ajuste directo entre aquela empresa de fornecimento alimentar e grandes centros hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
Por exemplo, em Março passado, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) – que integra o Hospital de Santa Maria – entregou por ajuste directo à ITAU um contrato de 4,16 milhões de euros por apenas oito meses (de Fevereiro a Setembro), invocando o mesmo argumento do hospital nortenho: urgência.
Também em Julho de 2020, por similar motivo, a empresa do sector da restauração conseguiu outro chorudo ajuste directo, desta vez com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, para refeições confeccionadas no valor de 3,5 milhões de euros durante cinco meses.
Por quase 2 milhões de euros, em Janeiro do ano passado, a mesma empresa sacou um contrato por ajuste directo por 30 dias de fornecimento alimentar do Hospital Garcia da Orta, em Almada. Este contrato foi escondido pela administração hospitalar alegando, ilegalmente, o Regulamento Geral de Protecção de Dados. Em Junho de 2022, houve porém uma adenda contratual, e o custo subiu para os 2,1 milhões de euros. O aumento do preço (6,5%) foi justificado, de acordo com o contrato, “pela Pandemia da doença COVID-19 e pela crise global na energia [que] sofreu um agravamento exponencial devido aos efeitos resultantes da guerra na Ucrânia, resultando em aumentos abruptos das matérias-primas, dos materiais e da mão-de-obra”.
Mas em Fevereiro desse mesmo ano, o Hospital Garcia da Orta ainda assinou novo contrato por ajuste directo com a ITAU, por 365 dias, mas com um valor de 1.745.150 euros, paradoxalmente um montante inferior àquele que se destinou para 30 dias. Mais estranho ainda é que, ao contrário desse contrato de Janeiro, a administração hospitalar não invocou o RGPD e colocou o contrato integral no Portal Base, embora sem caderno de encargos.
E como não há duas sem três, o Hospital Garcia da Orta ainda assinou mais um contrato no início de 2023 para suprir necessidades urgentes de alimentação por dois meses com a mesma ITAU, e antes do prazo de execução do anterior contrato. O preço da alimentação para Janeiro e Fevereiro de 2023 foi de 410.166,59 euros, ou seja, um custo mensal de cerca de 205 mil euros. Se considerarmos o preço do contrato anterior, de 12 meses, o custo mensal foi de cerca de 145 mil euros. Um desvio de preço de mais 41% entre o contrato bimensal e o contrato anual.
Mas o contrato deste ano tem um problema ainda mais grave: dizendo respeito aos meses de Janeiro e Fevereiro, o contrato foi apenas assinado entre a administração do Hospital Garcia da Orta e a ITAU no dia 1 de Março de 2023, ou seja, quando o serviço de alimentação já estava executado. O Tribunal de Contas costuma considerar este expediente susceptível de classificar o contrato ferido de nulidade – o que pode ser a carga de trabalhos para os gestores que o assinaram, neste caso as administradoras Teresa Machado Luciano e Patrícia Ataíde.
Por cerca de 1,45 milhões de euros – foi celebrado (nas duas acepções do termo) em Julho deste ano mais um contrato por ajuste directo com a ITAU. O adjudicante foi o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, que precisava de mais 184 dias de comida e bebida para doentes e colaboradores sem ser por concurso público.
Mais outro para terminar: em finais de Março deste ano, foi a vez do Hospital Amadora-Sintra oferecer mais um contrato de mão-beijada à ITAU. Por causa da omnipresente urgência, a empresa de restauração sacou mais um contrato por ajuste directo, desta vez para dar de comer durante meio ano em troca de cerca de 1,32 milhões de euros. O PÁGINA UM promete aprofundar este tema, até porque a ITAU é apenas uma de várias empresas do sector alimentar que fazem pela vida: além de se candidatarem, de quando em vez, aos extenuantes e incertos concursos públicos, desenvolvem outros argumentos, menos burocráticos mas mais eficientes, em prol de um mais oleado ajuste directo….
O contrato entre a ITAU e o CHUSA que espoletou esta investigação encontra-se listado em mais um Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos, a análise diária do PÁGINA UM aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Nos últimos três dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 689 contratos públicos, com preços entre os 27,93 euros – para serviço de refeições, pelo Agrupamento de Escolas Soares Basto, através de ajuste directo – e os 7.620.302,51 euros – para fornecimento de electricidade, pelo Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 12 contratos, dos quais oito por concurso público, um por ajuste directo e três ao abrigo de acordo-quadro.
No ano passado, a então presidente da recém-nacionalizada SIRESP S.A. acusava o Ministério da Administração Interna de andar a beneficiar a Motorola. A Polícia Judiciária ainda fez buscas em Outubro de 2022, mas tudo continuou na santa paz dos negócios. E a empresa norte-americana nunca facturou tanto como nos últimos 12 meses em contratos públicos, grande parte dos quais por ajuste directo. Em Dezembro do ano passado, ficou com o lote mais “gordo” de um concurso para manutenção da rede SIRESP, e já este ano soma cinco contratos, o último dos quais celebrado na passada semana: para a compra de equipamento, fez-se um ajuste directo pela módica quantia de 6.829.999,90 euros.
Nos últimos 12 meses, a Motorola celebrou oito contratos relacionados com o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) envolvendo já mais de 31,6 milhões de euros. Desde que deixou de ser accionista da empresa que gere o sistema de comunicações do Estado (a SIRESP S.A.), a empresa norte-americana amealhou dinheiros públicos como nunca: desde 2020, em 22 contratos , dos quais 16 por ajuste directo, já contabiliza mais de 32,3 milhões de euros.
O mais recente contrato – concretizado no dia 20, e publicado na sexta-feira passada, para compra de equipamento para a rede SIRESP –, foi feito por ajuste directo por 6.829.999,90 euros, sendo adjudicante a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. A justificação para o ajuste directo foi a inexistência de concorrência directa “por motivos técnicos”. O Ministério tutelado por José Luís Carneiro passou, desde Janeiro do ano passado, por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a centralizar as compras das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim, nessa função, a empresa pública SIRESP S.A..
Recorde-se a Motorola foi em 2003 um dos accionistas originais da SIRESP S.A. – e que teve como companheiros de negócios, numa polémica parceria público-privada, a então Portugal Telecom (hoje Altice), a Esegur (uma empresa de segurança então detida pelo Banco Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos), a Sociedade Lusa de Negócios e ainda a Datacomp – até à nacionalização desta empresa no final de 2019, através da aquisição das participações socais pelo Governo de António Costa por 7 milhões de euros. Nessa altura, a empresa pública Parvalorem já detinha 33%, estando a Motorola ainda com 14,9% e a PT Móveis (Altice) com 52,1%.
No exercício de 2019, quase todo ainda sob gestão maioritariamente privada, a SIRESP S.A. apresentava um passivo de perto de 22,5 milhões de euros e contabilizou, nesse ano, um prejuízo de 1,3 milhões de euros. Nesse último ano como accionista dessa empresa, agora totalmente pública, a Motorola apenas arrecadara, como fornecedora, cerca de 811 mil euros. De acordo com o relatório e contas, no ano anterior, em 2018, a empresa norte-americana facturara à SIRESP S.A. cerca de 1,6 milhões de euros.
Com a sua saída como accionista, paradoxalmente os negócios da Motorola aumentaram não apenas directamente com a empresa SIRESP S.A. como com outras entidades públicas que funcionam sob a rede de comunicações SIRESP.
O contrato mais substancial foi obtido no final do ano passado, já depois de uma enorme polémica envolvendo acusações em Março do ano passado da então presidente do SIRESP, Sandra Perdigão Neves, de que o secretário-geral do ministério, Marcelo Mendonça de Carvalho (e indiretamente o secretário de Estado Antero Luís) de favorecer a Motorola no caderno de encargos do um concurso para a operação e manutenção da rede SIRESP. A administradora, uma ex-quadro da Altice, denunciava alegados vícios neste concurso, sabendo-se também que um consultor que trabalhava para o Ministério da Administração Interna, Hélder Santos, fora director da Motorola em Portugal.
Apesar de Sandra Neves e Hélder Santos terem sido afastados pelo Governo, e já depois de buscas domiciliárias e não-domiciliárias em Outubro do ano passado, pela Polícia Judiciária, no decurso de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o polémico concurso público seguiu o seu curso, sendo limitado por prévia qualificação, onde compareceram 10 empresas: Motorola, Moreme, NOS, Altice Labs, NoLimits Consulting, Claranet II Solutions, Motorola, Vodafone, Omtel, Nokia Solutions e Sandokan Unipessoal.
A empresa pública SIRESP acabou por distribuir a aquisição de serviços por sete lotes entregando-os a seis empresas, tendo a Motorola ficado com a fatia de leão: o lote com o maior contrato, no valor de 23,6 milhões de euros, quase tanto como o conjunto dos outros seis lotes.
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, por via do Plano de Recuperação e Resiliência, centralizou as aquisições das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim a empresa pública SIRESP,
Com efeito, a NOS venceu dois dos lotes, mas no total facturará de cerca de 7,8 milhões de euros (um de 2,8 milhões e outro de quase 4,0 milhões), a NoLimits Consulting teve direito a um contrato de 6,3 milhões de euros, a Omtel de outro de um pouco menos de 5,7 milhões de euros, a Altice Labs outro de 3,1 milhões de euros e a Moreme de outro ainda de apenas 2,8 milhões de euros. Ou seja, no total as cinco empresas concorrentes arrecadaram seis dos sete lotes a concurso, mas facturaram apenas 52% do bolo a jogo.
Mas além deste contrato de 23,6 milhões de euros e também da venda de equipamento à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (no valor de 6,8 milhões de euros), o Governo ainda pagou em Agosto passado mais 53.887 euros à Motorola por “estudos de cobertura e planeamento rádio para implementação de novas estações base na rede SIRESP”. Neste caso, a decisão surgiu após uma consulkta prévia também á NOS.
Mas os restantes cinco contratos do último ano da Motorola foram todos por ajuste directo, dos quais três com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC). O mais recente foi celebrado no dia 7 deste mês, com vista à aquisição de consolas SIRESP para os comandos regionais do Norte, de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve e de seis novos comandos sub-regionais. Preço sem concorrência: 440.577 euros, alegando-se, para um contrato de mão-beijada, ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Os outros dois contratos envolveram montantes muito mais reduzidos: um de 8.700 euros, para baterias destinadas a terminais, e outro de 37.850 euros para aquisição de software de programação remota de rádios SIRESP.
Evolução dos montantes anuais (em euros) de contratos públicos celebrados pela Motorola entre 2008 e 2023 (até 24 de Setembro). Fonte: Portal Base.
Os outros dois contratos nos últimos 12 meses envolvendo a rede SIRESP, e beneficiando por ajuste directo a Motorola, foram assinados em Novembro do ano passado, com a autarquia de Lisboa (no valor de 58.077 euros) e com o Instituto Nacional de Emergência Médica (no valor de 181.766,70 euros).
Assim, contas feitas, e de acordo com os dados do Portal Base, consultados pelo PÁGINA UM, desde a sua saída formal da SIRESP S.A. – nacionalizada pelo Governo de António Costa em finais de 2019 –, a Motorola conseguiu um total de 22 contratos envolvendo cerca de 32,3 milhões de euros, dos quais 23,8 milhões em 2022 e cerca de 7,5 milhões este ano. Isto é, uma média de quase 8,1 milhões de euros por ano. Entre 2008 e 2019, quando era accionista da SIRESP S.A., a empresa norte-americana apenas facturou, também curiosamente em 22 contratos públicos, apenas cerca de 5,3 milhões de euros, ou seja, uma média pouco superior a 500 mil euros por ano. Conclusão: após a sua saída como accionista da empresa agora pública, a facturação média da Motorola aumentou, em quatro anos, mais de 15 vezes.
Com a crónica crise no Serviço Nacional de Saúde, em Portugal só não falta dinheiro para uma coisa: vacinas contra a covid-19. O Governo acaba de decidir gastar mais 222 milhões de euros até 2026, aumentando a factura destas vacinas para os 1,1 mil milhões de euros. O montante médio anual previsto (55,5 milhões de euros) daria, nas primeiras fases, para comprar mais de 2,8 milhões de doses, mas, a não ser que os preços unitários praticados pelas farmacêuticas tenham disparado, comprar-se-á para deitar fora. Com efeito, a adesão ao terceiro booster em Portugal foi de apenas 4% (400 mil pessoas), de acordo com dados do European Centre for Disease Prevention and Control. Na Europa foi ainda mais baixo (2,4%) e já há mais de uma dezena de países onde praticamente deixou de se administrar reforços, devido à baixa procura.
Apesar de um desinteresse generalizado, em toda a Europa, no reforço da vacinação contra a covid-19, o Governo português destinou mais 222 milhões de euros para a compra de doses até 2026. Tendo em conta que nos anos anteriores os custos globais de aquisição de doses e de material para a administração de vacinas já vai em quase 877 milhões de euros, a factura vai assim ascender aos 1,1 mil milhões de euros.
De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros publicada hoje, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fica autorizada a gastar um montante de 223.326.350,32 euros até 2026, ficando os encargos anuais entre os cerca de 50 milhões de euros, no próximo ano, e os 65,4 milhões a gastar este ano.
Centros de vacinação para o terceiro reforço estiveram às moscas. Apenas 4% dos portugueses aderiram.
Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo muito gás durante os últimos dois anos, não apenas em Portugal mas em todos os países abrangidos pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).
De acordo com esta instituição, Portugal até foi, no grupo dos 30 países europeus abrangidos, aquele com maior adesão na vacinação primária: 87% da população. Mas no primeiro booster já só respondeu ao “convite” 69% da população, sendo até já ultrapassado pela Itália (76%).
Mas foi com a chamada para o segundo e terceiro booster – numa altura em que a eficácia das vacinas e os seus efeitos secundários, a par do secretismo das autoridades e da dominância de variantes menos agressivas, levaram ao aumento da desconfiança – que se observou um quase completo alheamento. No caso de Portugal, o segundo booster somente teve uma adesão de 30,8%, mesmo assim uma procura apenas ultrapassada pela Bélgica (33,6%) e a Dinamarca (32,3%).
Evolução da adesão (% da população total) ao programa vacinal na Europa nas diversas fases. Nota: sd (sem dados). Fonte: ECDC.
Já com o terceiro booster, a queda da procura ainda foi maior, sobretudo em Portugal, que nas outras fases estava no “pelotão da frente”. De acordo com os dados do ECDC, apenas 4% da população portuguesa foi à chamada para o terceiro booster – ou seja, ao terceiro reforço após a vacinação inicial com uma ou duas doses, consoante a marca –, ficando assim atrás da Holanda (12,6%), Finlândia (9,9%), Irlanda (9,6%), Islândia (4,9%) e Bélgica (4,3%).
Aliás, na generalidade dos países, a procura pelo terceiro reforço é bem demonstrativo de que a confiança na vacinação contra a covid-19 – ou a percepção da sua utilidade face à imunidade natural e à ocorrência de variantes menos agressivas – é agora praticamente nula. Os dados da ECDC revelam 11 países com adesão nula ou inferior a 1% ao terceiro booster. Contam-se ainda cinco países sem dados para o terceiro booster, dos quais quatro (Croácia, Lituânia, Polónia e Roménia) onde provavelmente a adesão foi nula, visto que a procura do segundo booster já era bastante baixa.
Em termos globais, a ECDC aponta assim para uma adesão de apenas 2,4% dos europeus aos terceiro booster, quando atingira 14,7% no segundo booster, os 54,6% no primeiro booster e os 73% na vacinação primária. Em termos absolutos, nos países europeus abrangidos pelo ECDC (União Europeia e ainda Islândia, Liechtenstein e Noruega), foram administradas mais de 330 milhões de doses em vacinação primária (houve cerca de 342 milhões de pessoas que optaram apenas por uma dose), baixando para 248 milhões quando as autoridades consideraram a necessidade de um reforço. Ao segundo reforço só responderam já um pouco menos de 67 milhões de pessoas. E para o terceiro booster já só mostraram interesse menos de 9 milhões de europeus. Assim, entre a vacinação primária e o terceiro reforço, contabiliza-se uma redução de 97,3%.
Mesmo que Portugal mantenha, para os próximos reforços previstos até 2026, os níveis de adesão do terceiro reforço (4%) – o que corresponde a cerca de 400 mil pessoas –, as quantidades susceptíveis de serem adquiridas, atendendo ao montante atribuído à DGS pelo Governo, aparentam ser excessivos, se se tiver em conta os preços praticados nas primeiras fases da vacinação.
As primeiras compras do Governo português tiveram um preço entre os 15 e os 20 euros por dose, significando que, se o preço unitário se mantivesse nesses níveis, seria apenas necessário gastar 8 milhões de euros por ano. E não os 55,5 milhões de euros a gastar, em média por ano, até 2026.
Porém, mostra-se expectável, que as farmacêuticas, com a forte redução da procura, aumentem substancialmente os preços unitários para manter as expectativas de receita. Só assim se justifica que o Governo preveja um gasto médio anual de 55,5 milhões de euros, que dariam para quase 2,8 milhões de pessoas, ou seja, quase sete vezes mais do que o número de vacinados com a terceira dose de reforço.
Evolução da administração de doses contra a covid-19 nos países europeus nas diversas fases do processo de vacinação contra a covid-19. Fonte: ECDC.
Recorde-se, mais uma vez, que o Ministério da Saúde está a fazer todos os esforços para manter secretos os contratos das vacinas contra a covid-19, onde constam os preços unitários. Desde o final do ano passado decorre um processo de intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa, quase kafkiano, para acesso aos contratos de compra das vacinas.
Ainda esta semana, a juíza do processo exigiu que o Ministério da Saúde provasse, com documentação, que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas, solicitados pelo PÁGINA UM, se encontravam no site da Comissão Europeia. Aguarda-se essa “prova”, até porque, na verdade, aquilo que consta no site da Comissão Europeia são apenas os acordos, barbaramente rasurados, entre a Comissão von der Leyen e as diversas farmacêuticas, algumas das quais nem sequer venderam qualquer dose a Portugal.
O actual director-geral interino da Saúde, André Peralta-Santos – um dos principais candidatos a substituir Graça Freitas como Autoridade de Saúde Nacional –, e que colaborou no ano passado por quatro vezes com a farmacêutica Pfizer, defendeu em Julho passado, junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, que o Ministério da Saúde deveria, “para efeitos de contestação” à intimação do PÁGINA UM para acesso aos contratos de compras de vacinas e outros documentos associado às aquisições, “questionar, mesmo nesta fase do processo, se os Tribunais nacionais serão os competentes para julgar esta matéria”. A Pfizer foi a empresa farmacêutica que mais vendas terá efectuado a Portugal.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
A Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna já concretizou a compra das pistolas Glock anunciadas em Maio passado para reforço do armamento da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR), tendo optado pelo ajuste directo. O contrato, assinado em 18 de Julho passado, apenas ontem foi colocado no Portal Base, ficando-se a saber que serão compradas 1.055 pistolas fornecidas pela Sodarca.
Esta empresa de material de defesa pertence a João Maria Bravo, também dono da Helibravo, apontado como um dos financiadores do partido Chega. Cada pistola Glock terá um preço de 500 euros mais IVA.
Como previsto por portaria da secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto, as compras serão distribuídas por este ano e pelo próximo, estando estipulado a entrega ainda em 2022 de um total de 400 unidades à PSP e 301 à GNR, enquanto em 2024 serão destinadas 200 pistolas para a PSP e mais 154 para a GNR. O modelo escolhido é o G19 Gen5 de 9 mm.
O montante efectivamente a gastar ficará um pouco abaixo do máximo orçamentado. A secretária de Estado da Administração Interna definiu que não se poderia ultrapassar os 539.011 euros (sem IVA); e a conta vai ficar pelos 527.500 euros, sendo dois terços desta verba (66,4%) relativos à compra deste ano. Assim, segundo o contrato, as 701 armas compradas este ano custarão 350.500 euros; as 354 a entregar em 2024 vão atingir os 177.000 euros. O custo total, portanto, será de 527.500 euros, a que acresce IVA.
Em declarações ao PÁGINA UM, Paulo Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) considera a positiva a concretização desta compra. “Costumo dizer que todos os investimentos que se façam na polícia são bons investimentos, mas nem sempre aquilo que é anunciado acaba por ser concretizado”, diz. O dirigente sindical espera que a concretização desta compra seja um sinal do avanço efectivo dos investimentos prometidos para armamento e equipamento no valor de 7,8 milhões de euros para as forças de segurança.
Em Junho passado, o Ministério da Administração Interna abriu diversos concursos públicos para a compra de computadores e periféricos num valor total de cerca de 5 milhões de euros. Foi também lançado um concurso no valor superior a 980 mil euros para a compra para a PSP e GNR de alcoolímetros (quantitativos e qualitativos), analisadores de drogas e equipamento para rastrear estupefacientes.
O presidente da ASP/PSP salienta, porém, que se mostra cada vez mais crucial apostar nos recursos humanos, na melhoria salarial e em mecanismos que atraiam candidatos para as polícias. “De contrário, podemos ter armamento, mas não teremos agentes”.
Este contrato de compra das pistolas Glock, por ajuste directo, encontra-se listado em mais um Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos, a análise diária do PÁGINA UM aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
No momento em que o PÁGINA UM publica esta notícia (19:15 horas), o servidor do Portal Base encontra-se inoperacional, pelo que haverá dificuldades de consulta dos documentos associados.Não foi assim possível apurar, por agora, os montantes já obtidos pela Sodarca por ajustes directos ao longos dos últimos anos, nem introduzir outros elementos sobre contratação pública.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 20 contratos, dos quais 17 por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro e dois por ajuste directo.
Em Junho passado, a presidente socialista da autarquia de Matosinhos, Luísa Salgueiro, salientava os “apoios extraordinários e únicos” dados pelos “matosinhenses” ao Leixões e admitia que até seriam, “porventura, demasiados“. Mas apenas três meses depois, mais um apoio foi concedido: na passada quinta-feira, por ajuste directo, foi assinado um novo contrato de publicidade no valor de 220.000 euros com a Leixões SAD, a empresa que gere o clube de futebol profissional daquele município nortenho que milita na Liga 2. Em três anos, a conta vai em 520 mil euros.
O contrato aparenta ser um patrocínio, porque visa pagar “serviços de publicidade” – subentende-se do próprio município – “no Estádio do Mar e nos equipamentos das equipas sénior e de sub-23 masculinas de futebol do Leixões Sport Clube – Futebol SAD”.
Este contrato é o terceiro do género no último triénio, que no conjunto já ultrapassam meio milhão de euros. Não se encontra nenhuma situação similar de apoio sistemático, sob a forma de patrocínio com contrapartidas publicitárias, em outras autarquias portuguesas. Pelo menos sob a forma de contratos públicos colocados no Portal Base desde 2008.
Com efeito, através de dinheiros públicos, a autarquia de Matosinhos, agora liderada pela socialista Luísa Salgueiro, já assinou desde 2008 seis contratos com o Leixões SAD, sempre por ajuste directo, no montante global de 849.958,84 euros. Os primeiros três formalizaram-se em finais de 2008 e em meados de 2010, mas nestes casos o objectivo era explicitamente publicidade a uma campanha de promoção da gastronomia daquele município: O Mar à Mesa. Nesta campanha, o Futebol Clube do Porto também “molhou a sopa”: em 2009 e em 2010, a autarquia de Matosinhos entregou à SAD um total de 120.000 euros por dois contratos de publicidade.
Já os outros três contratos mais recentes – ao ritmo de um por ano – são, de forma clara, patrocínio à equipa de futebol, mesmo se é exigida contrapartida publicitária nas camisolas dos jogadores, que agora ostentam um M estilizado, e outras acções de promoção da candidatura deste município a Capital Europeia do Desporto em 2025.
Num dos cadernos de encargos consultado pelo PÁGINA UM salienta-se que os “suportes publicitários” previstos no contrato devem estar nas “camisolas dos jogadores das equipas sénior e sub-23 da modalidade de futebol, [no] painel das conferências de imprensa e [na] decoração publicitária dos recintos onde decorrem os jogos”.
O primeiro contrato foi assinado em Fevereiro de 2021, envolvendo um montante de 95.000 euros, subindo o de 2022, assinado em Setembro do ano passado, para os 205.447,15 euros. O terceiro contrato, agora em curso, por 219.512,19 euros, constitui um pequeno aumento.
Deste modo, em patrocínios ao Leixões SAD – que é detida em 56,3% pela empresa Play-Fair, estando 40% da quota ainda detida pelo próprio histórico clube –, a autarquia de Matosinhos despendeu assim 520 mil euros nos últimos três anos.
Nos últimos anos têm sido raríssimos os patrocínios de equipas de futebol através das autarquias. De acordo com uma consulta do PÁGINA UM ao Portal Base, apenas Matosinhos, Barcelos e Vizela assinaram, na última década, contratos de publicidade geralmente com SADs ou sociedades desportivas por quotas com apenas um sócio (SDUQ) de futebol profissional. Além do Leixões SAD – que tem atravessado uma crónica débil situação financeira –, a autarquia de Matosinhos ainda concedeu 40.000 euros ao Leça SAD em Outubro de 2021, sendo que o contrato assinado se refere à “contratação de serviços de publicidade para a época desportiva 2021/2022”. A situação financeira desta SAD também é complexa.
No caso da autarquia de Barcelos, presidida pelo social-democrata Mário Constantino, o contrato de patrocínio, sob a forma de contrato de “prestação de serviços de publicidade para promoção” do município a ser feita pelas equipas sénior feminina e masculina na época de 2021/2022, o montante envolvido atingiu os 340.000 euros.
Em Junho deste ano, Luísa Salgueiro criticou duramente o comportamento do Leixões e assumiu que os “apoios extraordinários e únicos” concedidos pela autarquia seriam demasiados. Três meses depois, o município entregou mais 220.000 euros.
Quanto à autarquia de Vizela, assinou um contrato com SAD local em 2019 no valor de 40.000 euros. O Portal Base regista contratos similares em 2011 (70.000 euros), em 2012 (90.000 euros) e em 2014 (28.000 euros). Com contratos anteriores a 2013, o PÁGINA UM detectou também apenas concelhos nortenhos. Em Novembro de 2010, o município de Paços de Ferreira pagou 250 mil euros à SDQU pela “aquisição de serviço de publicidade da marca municipal Capital do Móvel”. Por sua vez, em 2009, o Gondomar Sport Clube recebeu 155 mil euros da autarquia local. No mesmo ano, o município de Santo Tirso atribuiu, com contrapartidas publicitárias, um pouco menos de 42 mil euros ao Tirsense.
O mais recente ajuste directo da autarquia de Matosinhos à Leixões SAD encontra-se listado em mais um Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos, a análise diária do PÁGINA UM aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
Ontem, dia 18 de Setembro, no Portal Base foram divulgados 704 contratos públicos, com preços entre os 35 euros – para a aquisição de bens móveis, pelo Agrupamento de Escolas Teixeira de Pascoaes, através de ajuste directo – e os 7.756.026,81 euros – para empreitada de “Construção de 58 fogos – Rua Central do Sobreiro”, pela Espaço Municipal – Renovação Urbana e Gestão do Património, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 13 contratos, dos quais oito por concurso público, quatro ao abrigo de acordo-quadro e um por ajuste directo.
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) controla 12 rádios em Portugal, mas através de uma sua holding para os media –a Global Difusion –, presidida pelo seu líder em Portugal, o Bispo Domingos Siqueira. Contudo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não obriga a Global Difusion a mostrar as suas contas, porque a Lei da Transparência só se aplica às empresas directamente gestoras, ou seja, às suas seis subsidiárias que detém, entre outras rádios, a Record FM. Estas subsidiárias acumulam, há anos, prejuízos e vivem de contínuas “injecções” financeiras da casa-mãe. Mas uma investigação do PÁGINA UM revela que a própria empresa de media da IURD está numa situação tenebrosa: uma dívida de longo prazo de 58 milhões de euros e, se consolidado, capitais próprios de 42 milhões de euros… negativos. Ou seja, está em falência técnica. E sem redenção possível.
A Global Difusion – uma empresa de media inteiramente detida pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e presidida pelo brasileiro Domingos Siqueira, o líder desta confissão religiosa em Portugal – é dona de 12 rádios locais em Portugal, mas apresenta uma situação financeira aterradora: está em falência técnica com um passivo sob a forma de dívida de longo prazo superior a 58 milhões de euros e um capital próprio negativo de 20,8 milhões. Mas fazendo a consolidação contabilística, o capital próprio ultrapassará os 42 milhões de euros negativos.
Segundo apurou o PÁGINA UM, os rendimentos de 2022 da Global Difusion, que funciona como uma holding da IURD para a área da comunicação social, foram de apenas 300 mil euros, bem inferiores aos gastos com depreciações e pagamentos de juros da elevada dívida. Por isso, acumulou mais quase 500 mil euros de prejuízo.
Domingos Siqueira é o líder da IURD em Portugal e preside à Global Difusion desde 2019. A empresa de media da igreja evangélica fundada no Brasil tem, através de subsidiárias, 12 rádios locais, mas não tem de mostrar a sua situação financeira no Portal da Transparência.
A empresa de media da IURD existe pelo menos desde 2006, estando a ser presidida a partir de 2019 pelo denominado Bispo Domingos, altura em que a sede passou para a Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa. A empresa da IURD tem estado activa a comprar licenças de rádios locais. As últimas aquisições ocorreram em Setembro de 2020, intermediadas pelo Abreu Advogados, com a compra de rádios locais da Figueira da Foz e de Vila do Conde, esta última sob protestos da então presidente da autarquia, Elisa Ferraz.
Os indicadores financeiros desta empresa detida a 100% pela IURD – e liderada pelo seu homem-forte em Portugal, conhecido por Bispo Domingos – não são revelados no Portal da Transparência dos Media, como anteontem o PÁGINA UM mencionou quando noticiou que a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) permitiu a confidencialidade de indicadores financeiros da igreja evangélica fundada por Edir Macedo. A ERC veio, entretanto, acrescentar esclarecimentos e disponibilizar afinal os indicadores financeiros daquela igreja evangélica, que não alteram em nada a notícia do PÁGINA UM publicada na sexta-feira passada. Pelo contrário, mais dúvidas suscitam.
Do ponto de vista formal, a IURD detém apenas a revista Eu era assim, o jornal Folha de Portugal e o canal de televisão Unifé – e é sobre estas que a “isenção” dada pela ERC se aplica. Mas a ERC nunca exigiu informação financeira à Global Difusion, detida a 100% pela IURD, porque esta é a proprietária directa das rádios, mas antes a dona de seis empresas radiofónicas, que, em conjunto gerem 12 rádios: a Horizontes Planos – Informação e Comunicação, Unipessoal, Lda.; a R.T.A. – Sociedade de Radiodifusão e Telecomunicação de Albufeira, Unipessoal, Lda.; a Record FM – Sociedade de Meios Audiovisuais de Sintra, Unipessoal, Lda.; a Rádio Clube de Gaia – Serviço Local de Radiodifusão Sonora, SA; a Rádio Pernes, Lda.; e a Rádio Sem Fronteiras – Sociedade de Radiodifusão, SA.
A Record FM é uma das 12 rádios controladas pela Global Difusion, através de uma subsidiária da empresa de media da IURD.
E é na análise da situação financeira de cada uma das seis subsidiárias da empresa liderada pelo homem-forte da IURD em Portugal que o inferno financeiro da Global Difusion melhor se expressa. Um desastre absoluto. Com efeito, todas estas seis empresas radiofónicas – que são “caixas de ressonância” evangélicas da IURD – apresentam o mesmo perfil: capitais próprios negativos, passivo elevado e, pior ainda, têm como principal detentor da dívida a própria casa-mãe, a Global Difusion.
No caso da Horizontes Planos – que gere as rádios Antena Sul Rádio Jornal e a Antena Sul Almodôvar –, as receitas do ano passado foram inferiores a seis mil euros e o capital próprio já é negativo em cerca de 323 mil euros, com o passivo a ultrapassar os 602 mil euros. Deste montante, 550.464 euros (91,37% do total) é de dívida à própria Global Difusion. No ano passado, o prejuízo foi de 105.164 euros.
Por sua vez, a R.T.A. – a empresa detentora da rádio Kiss FM, de Albufeira, e da Record Algarve – registou rendimentos em 2022 superiores (267.051 euros), mas mesmo assim não deu para fugir a um prejuízo de quase 16 mil euros. Esta empresa tem, actualmente, um capital próprio negativo de quase 333 mil euros e o passivo ascende aos 837 mil euros, dos quais 88,27% são de dívida à casa-mãe, a empresa detida pela IURD. Ou seja, um pouco menos de 740 mil euros.
Global Difusion tem sede na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa.
A Record FM – que gere a rádio com a mesma denominação, bem como a Maiorca FM e a Record Leiria – teve no ano passado rendimentos baixos (apenas 23 mil euros), mas prejuízos elevados (um pouco mais de 191 mil euros). Isso foi agravar ainda mais o capital próprio, que agora está com um valor negativo de mais de 649 mil euros, enquanto o passivo é de quase 943 mil euros. Deste montante de dívida, a Global Difusion é credora de 98%, ou seja, de cerca de 924 mil euros.
A situação financeira da empresa Rádio Clube de Gaia, que gere a rádio Record Porto, é a pior das seis empresas controladas pelo bispo Domingos Siqueira, pois tem um capital próprio negativo de quase 1,4 milhões de euros e um passivo que já ultrapassa os 1,6 milhões de euros, dos quais 94,5% constitui dívida à própria casa-mãe. No ano passado, os rendimentos não chegaram sequer aos 19 mil euros e o prejuízo foi superior a 188 mil euros.
Não muito melhor – ou menos pior – está a situação financeira da Rádio Sem Fronteiras, que gere a Rádio Positiva e a Rádio Linear: capital próprio negativo de cerca de 382 mil euros e um passivo de superior a 1,1 milhões de euros, dos quais 99% constituem dívida à Global Difusion. No ano passado teve um rendimento de pouco mais de sete mil euros e um prejuízo de quase 188 mil euros.
Domingos Siqueira durante uma recente visita à Alemanha. Em Portugal, com a sua mulher Núbia, tem um podcast com empolgantes mensagens motivacionais, que já conta 125 episódios.
Por fim, a empresa Rádio Pernes, que gere a Record Santarém, não teve praticamente receitas no ano passado (apenas 3.526 euros), mas acumulou um prejuízo acima dos 142 mil. O capital próprio negativo é já superior a 195 mil euros e o passivo está quase a atingir os 437 mil, dos quais 90,44% constitui dívida à Global Difusion.
Em suma, além de todas as 12 rádios mostrarem a debilidade de um moribundo, o facto de os passivos serem sobretudo detidos pela Global Difusion (a casa-mãe) acaba por tornar a situação financeira da empresa da IURD ainda mais tenebrosa.
Com efeito, num processo de consolidação contabilística das suas contas – em que se subtrairá quer as participações financeiras (16 milhões de euros) quer parte do montante da rubrica “outras contas a receber” (cerca de 5,3 milhões de euros, que constituem o crédito sobre as dívidas que as seis subsidiárias lhe têm) –, o activo da Global Difusion passará de cerca de 37,3 milhões de euros para apenas 16 milhões de euros.
IURD apresentou no ano passado um lucro de 7,7 milhões de euros e tem um capital próprio de 169 milhões de euros, mas se tivesse de consolidar as contas com a Global Difusion levaria um rombo financeiro de 42 milhões de euros.
Deste modo, como o passivo se mantém, designadamente as dívidas de longo prazo (58 milhões de euros), o capital próprio desta empresa de media da IURD terá então um valor negativo superior a 42 milhões de euros, em vez dos 20,8 milhões de euros indicados nas contas individuais.
Por outro lado, nos registos contabilísticos a que o PÁGINA UM teve acesso, consta uma nota da Certificação Legal das Contas (CLC) destacando que a Global Difusion “tem refletido no seu Ativo, na rubrica de Outros Créditos a Receber, o montante de 4.250.000,00 Euros, referente a out[r]os devedores aos quais não podemos aferir sobre a sua recuperabilidade, pelo que não nos é possível quantificar os eventuais efeitos desta situação nas demonstrações financeiras”. Ou seja, serão certamente valores que terão de ser assumidos como perdas e reflectidos como prejuízos em próximos anos, e abatido ao activo.
Uma situação financeira virtualmente impossível de purgar. Ou a caminho não da redenção mas da insolvência.
O PÁGINA UM revelou, na sexta-feira, que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concedera à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a confidencialidade a indicadores financeiros através de uma deliberação de 30 de Agosto. Ontem de manhã, esses indicadores continuavam sem números. Entretanto, a ERC veio dizer, em esclarecimentos ao PÁGINA UM, que a confidencialidade se aplicava a outra informação, que recusou especificar, e que os dados financeiros seriam revelados após uma “sincronização regular”. Mas pela noite deste sábado, a ERC acabou por introduzir os dados financeiros da IURD, não comunicando publicamente os contornos da sua acção, numa clara tentativa de retirar veracidade à notícia do PÁGINA UM. Porém, existem registos inequívocos.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) colocou ontem à noite no Portal da Transparência dos Media todos os indicadores financeiros de 2022 relativos à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no seguimento de uma notícia do PÁGINA UM de sexta-feira passada. Nessa notícia destacava-se uma deliberação daquele regulador dos media, aprovada no passado dia 30 de Agosto, que isentava aquela entidade religiosa de disponibilizar “dados de reporte obrigatório”, entre os quais elementos constantes do seu relatório e contas.
Conforme constatado nesta sexta-feira (às 17:18 horas) e ainda ontem à tarde (às 13:28 horas) pelo PÁGINA UM, em consulta ao Portal da Transparência – mais de duas semanas depois da aprovação da deliberação – verificava-se que para os diversos indicadores financeiros relativos à IURD para o ano de 2022 se mantinha a referência “pedido de confidencialidade em apreciação”, ou seja, os dados continuavam sob segredo.
Sede da IURD, em Lisboa. A igreja evangélica quis esconder dados financeiros.
Saliente-se que a Lei da Transparência dos Media impõe, desde 2017, o reporte obrigatório da titularidade, do relatório do governo societário e dos diversos fluxos financeiros, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, os rendimentos, os resultados operacionais, os resultados líquidos e ainda a referência aos clientes e aos detentores do passivo mais relevantes (acima dos 10%).
Na deliberação da ERC, aprovada em 30 de Agosto, não se faz qualquer referência aos elementos sobre os quais a IURD pediu escusa, mas esta entidade cristã evangélica e neopentecostal garantidamente terá solicitado a não divulgação dos indicadores financeiros, até porque o PÁGINA UM tem conhecimento do funcionamento do backoffice para submissão dos registos no Portal da Transparência e de como o regulador trata dos assuntos.
[N.D. A empresa gestora, Página Um, Lda., por motivos de cumprimento das obrigações legais, tem acesso ao backoffice de submissão dos registos no Portal da Transparência, onde há a possibilidade endereçar um documento para fundamentar o pedido de confidencialidade. Aliás, em Novembro do ano passado, o PÁGINA UM obteve uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos pedidos de confidencialidade à ERC, mas o regulador não se conformou à ideia de transparência e recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, aguardando-se ainda o acórdão.]
Membros do Conselho Regulador determinaram que os seus funcionários não trabalhassem às sextas-feiras à tarde, mas ontem à tarde, num sábado, alguém fez horas extraordinárias para tentar “desacreditar” uma notícia do PÁGINA UM.
No texto daquela deliberação sobre o pedido de confidencialidade da IURD, a ERC decidiu – e sem base legal para esse comportamento – ser obscurantista. O regulador apenas escreveu que, “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.
Ontem à tarde, pelas 13:17 horas, fonte oficial da ERC enviou, voluntariamente, um esclarecimento ao PÁGINA UM referindo que “os dados financeiros da IURD não são confidenciais”, aditando que “estes dados só não estão ainda públicos, por se estar a aguardar a sincronização regular do Portal”, não tendo explicado que processo de sincronização se tratava.
A mesma fonte prometia ainda que “logo que ocorra essa sincronização ficarão consultáveis”, acrescentando por fim que “o que é confidencial é outro tipo de informação”, não adiantando qual.
PÁGINA UM arquivou, em versão inalterável no archive.today, os registos dos indicadores financeiros da IURD no Portal da Transparência dos Media nos últimos dias, fazendo um shot poucas horas antes de uma furtiva alteração da ERC.
Tendo o PÁGINA UM pedido à ERC, pelas 15:14 horas de ontem, que identificasse então quais os elementos que seriam considerados confidenciais e quais aqueles que não seriam, a mesma fonte do regulador informou, pelas 21:10 horas de ontem, que “os dados financeiros da IURD estão todos públicos neste momento, após já se ter verificado a sincronização do Portal da Transparência”.
Após a leitura da mensagem da ERC, o PÁGINA UM consultou de novo, pelas 23:19 horas de ontem, o registo da IURD no Portal da Transparência, tendo então confirmado que já aí constavam os indicadores financeiros de 2022. Ou seja, durante a tarde de ontem – portanto, num fim-de-semana, algo ainda mais extraordinário por essa entidade estar encerrada às sextas-feiras à tarde –, os serviços da ERC fizeram horas extraordinárias de “sincronização”. Coloca-se a palavra sincronização entre aspas porque simplesmente apenas foram introduzidos dados no portal.
[N.D. A alteração executada pelos serviços da ERC no registo da IURD no Portal da Transparência dos Media pode ser confirmada AQUI, ou seja, pela observação dos três registos do archive.today accionados pelo PÁGINA UM na sexta-feira (uma vez] e sábado (duas vezes), sendo que o terceiro shot, em comparação com os dois anteriores, prova a modificação feita este sábado]
Nos dados agora consultáveis pelo público, constata-se que a IURD registou no ano passado rendimentos no valor de 35,6 milhões de euros, um crescimento de quase 12% face a 2021, tendo os lucros superado os 7,7 milhões de euros, um acréscimo de 25% em comparação com o exercício anterior.
Indicadores financeiros (em euros) da Igreja Universal do Reino de Deus desde 2017 e agora até 2022. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC
As maiores novidades destes registos acabam por ser a identificação do Millennium como detentor de 15% do passivo da IURD – o que significa a existência de uma dívida a este banco no valor de quase 2,3 milhões de euros – e sobretudo de dois clientes relevantes: a Gamobar (com 36% do total dos rendimentos) e a Soauto VGRP (com 16% do total dos rendimentos).
A inclusão destes dois clientes (ou eventuais doadores) relevantes em 2022 – no caso da Gamobar já surgia em anos anteriores – é um mistério, porque ambas são concessionárias automóveis. A Gamobar foi adquirida em 2021 pelo Grupo Salvador Caetano, enquanto a Soauto VRGP pertence à Porsche Holding Salzurg desde 2019.
Tendo em conta que os montantes registados no Portal da Transparência dos Media dos rendimentos do ano passado da IURD são, em termos absolutos, muitos elevados (35,6 milhões de euros), o peso da Gamobar e da Soauto seria, a confirmar-se, extraordinariamente significativos: 12,8 milhões e 6,4 milhões de euros, respectivamente.
Registo dos indicadores (ausentes) financeiros da IURD no início da tarde de sábado no Portal da Transparência dos Media [à esquerda] e registo alterado pela ERC na noite de sábado [à direita]
O PÁGINA UM pediu, por isso, esclarecimentos adicionais às duas empresas e à IURD para conhecer melhor as relações comerciais que justificam estes montantes, aguardando respostas.
Saliente-se, por fim, que a ERC enviou os esclarecimentos ao PÁGINA UM e procedeu, furtivamente, à alteração do registo da IURD, num sábado, sem fazer qualquer nota pública explicativa do seu procedimento, nomeadamente no seu site. Caso o PÁGINA UM não tivesse, por prudência, arquivado os registos no Archive.info, poder-se-ia julgar, com este procedimento do regulador dos media, que a notícia da sexta-feira passada era falsa, uma invenção.
[N.D. Leia AQUI o editorial do PÁGINA UM sobre o(s) comportamento(s) da ERC em relação ao PÁGINA UM]