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  • Por tudo e por nada, Estado e autarquias usam suposta “urgência imperiosa” para contratos obscuros

    Por tudo e por nada, Estado e autarquias usam suposta “urgência imperiosa” para contratos obscuros

    Só este ano, a conta dos ‘contratos de mão-beijada’ milionários envolvendo prestadores escolhidos a dedo e sem concorrência – a antecâmara para a corrupção – já ultrapassou os 290 milhões de euros, e apenas incluindo os acordos acima de meio milhão de euros. O caso mais recente está a ‘incendiar’ a política dos Açores, e envolve a escolha de um dos accionistas privados da empresa pública de electricidade, a EDA, controlada pelo Governo Regional daquele arquipélago. O PÁGINA UM apanhou na ‘rede’ um autêntico regabofe, com justificações absurdas, e que aparentemente passam incólumes à fiscalização do Tribunal de Contas, apesar da jurisprudência.


    É o segundo maior ajuste directo de sempre invocando “urgência imperiosa”, sendo apenas ultrapassado pela polémica construção de dois navios patrulha em 2015, por 77 milhões de euros, no Estaleiros de Viana do Castelo determinada pelo Governo de Passos Coelho. Um contrato celebrado no final de Setembro passado pela empresa pública EDA – Electricidade dos Açores e a Bencom, no valor de quase 50 milhões de euros, está a levantar polémica naquele arquipélago, não apenas por ter sido assinado a um sábado, mas por envolver uma empresa do Grupo Bensaúde.

    Esta ‘holding’ é o principal accionista, através da ESA (39,7%) da empresa de electricidade dos Açores maioritariamente detida pelo Governo Regional (50,1%), e a decisão de adjudicação, após um concurso público internacional lançado em Maio deste ano ter ficado deserto, está a causar acusações de conflito de interesses. Os potenciais candidatos tiveram apenas um mês para apresentar propostas de fornecimento de combustível durante três anos.

    A administração da eléctrica açoriana, sem explicar as razões de não se precaver deste tipo de imponderáveis em concursos públicos de grande complexidade, alegou agora ser “impossível repetir um novo procedimento concursal a tempo de garantir o abastecimento de fuelóleo necessário à produção de energia eléctrica” nas ilhas de São Miguel, Terceira, Pico e Faial, daí que optou por um ajuste directo por nove meses em condições que não sequer minimamente conhecidas através do Portal Base. Na plataforma da contratação pública, consultada pelo PÁGINA UM, consta apenas um contrato ‘minimalista’ sem o caderno de encargos e sem a proposta apresentada pela Bencom. Ignora-se assim o preço unitário do fuelóleo e os custos de logística e armazenamento. O contrato nem sequer foi assinado por qualquer membro do Conselho de Administração da EDA.

    Foto: D.R./Bencom

    Sem explicações concretas sobre as razões de um concurso público ter ficado deserto – sendo que, em casos similares, se deve a preços-base baixos ou a exigências de candidaturas que não permitem propostas em tempo útil –, e das verdadeiras responsabilidades da empresa pública, colocam-se em todo o caso dúvidas, a serem dirimidas pelo Tribunal de Contas, sobre a legalidade da invocação da “urgência imperiosa” para entregar de ‘mão-beijada’, e sem limite de valor, um fornecimento de combustíveis no valor de 50 milhões de euros. Isto porque o Código dos Contratos Públicos exige que os “motivos de urgência imperiosa” sejam resultantes de “acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante [neste caso, a EDA], não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    Ora, uma administração que lança um concurso público ‘em cima da hora’ para o fornecimento de combustível que se sabe, há muito, ser necessário, não pode depois justificar que não teve responsabilidades. Além disso, o princípio dos “acontecimentos imprevisíveis” não deve configurar casos como os de concursos públicos sem concorrentes, um risco que pode ser previsível e até quantificável em termos percentuais. Na verdade, subjacente aos “acontecimentos imprevisíveis” estão fenómenos meteorológicos e naturais ou mesmo crises de saúde pública.

    A interpretação do Tribunal de Contas tem sido no sentido de que “são motivos de urgência imperiosa aqueles que se impõem à entidade administrativa de uma forma categórica, a que não pode deixar de responder com rapidez […], sob pena de, não o fazendo com a máxima rapidez, os danos daí decorrentes causarem ou poderem vir a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação”. Mas o Tribunal de Contas salienta ser “ainda necessário que essa urgência imperiosa seja resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, e não sejam, em caso algum, a ela imputáveis”, reforçando que “acontecimentos imprevisíveis são todos aqueles que um decisor público normal, colocado na posição do real decisor, não podia nem devia ter previsto”. E acrescenta que ”estão, portanto, fora do conceito de acontecimentos imprevisíveis, os acontecimentos que aquele decisor público podia e devia ter previsto”.

    Foto: D.R.

    Contudo, cada vez com maior facilidade as empresas públicas e entidades da Administração Públicas, e mesmo o próprio Governo, pelo ‘esquema’ da “urgência imperiosa” para entregar, sem qualquer concurso público, adjudicações de avultados montantes. De acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM aos ajustes directos acima de meio milhão de euros publicados este ano, contabilizam-se 162 contratos, envolvendo 59 entidades públicas. A empresa de electricidade açoriana EDA lidera em termos de montante: além do já referido contrato de quase 50 milhões de euros, celebrou já este mês um ajuste directo ‘urgente’ de locação de uma central termoeléctrica à Aggreko Iberia por quase 973 mil euros. Os dois ajustes directos por “urgência imperiosa” despacharam assim 50,95 milhões de euros, sem IVA.

    Em todo o caso, o Estado-Maior das Força Aérea é a entidade pública que mais vezes encontra “urgência imperiosa” para entregar contratos sem concurso público. Somente este ano, de acordo com os registos do Portal Base, contam-se 14 ajustes directos desta natureza que totalizaram quase 33,3 milhões de euros. Todos estes contratos se referem à contratação de meios aéreos para combate aos incêndios rurais de 2023 e deste ano, que beneficiaram a Avincis, a Helibravo, a HTA Helicópteros e a Gestifly. A simples aplicação do ‘bom senso’ – ou seja, da evidência da necessidade, ano após ano, de meios aéreos – deveria retirar, desde logo, o argumento da “urgência imperiosa”, mas Tribunal de Contas (e a decência) pouco se tem incomodado com esta repetida situação, e aparentemente só uma coisa é certa: para o ano o Estado-Maior da Força Aérea repetirá a dose com mais ajustes directos desta natureza.

    Ajustes directos por “urgência imperiosa” com meios aéreos também foram usados pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), depois de atrasos nos concursos públicos por razões políticas. O segundo destes contratos, no valor de 12 milhões de euros, assinado em finais de Junho com a Avincis, levaria à demissão do então presidente do INEM, Luís Meira, mas já houvera outro, no valor de seis milhões de euros com a Babcock em finais do ano passado, que seria publicado no Portal Base em Janeiro deste ano. Acrescem, com o estafado argumento da “urgência imperiosa”, dois contratos de serviços de reparação e manutenção da frota do INEM, num total de 1,46 milhões de euros. Contas feitas, apenas em quatro “urgências imperiosas”, o INEM despachou, sem burocracias e com nula transparência, quase 19,5 milhões de euros nos últimos 10 meses.

    (D.R.)

    O Governo, ele próprio, também aprecia a “urgência imperiosa” para despachar ajustes directos por empresas escolhidas a dedo. Contas feitas, desde o início deste ano foram publicados no Portal Base um total de 10 contratos desta natureza celebrados por departamentos governamentais, totalizando cerca de 25 milhões de euros.

    A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros já contabiliza três ajustes directos desta natureza no montante global de 17,7 milhões de euros para software e hardware de controlo de fronteiras. Mais uma vez a urgência foi invocada, quando, na verdade, o sistema de Smart Borders há muito estava previsto, como destacou o PÁGINA UM em Junho passado.

    A Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna contabiliza, por sua vez, quatro contratos por ajuste directo devido a alegada “urgência imperiosa”, mas os montantes são mais reduzidos: quase 4,9 milhões de euros, entregues à Timestamp (um contrato) e à Meo. No caso de um dos ajustes directos a esta última empresa, por exemplo, a justificação para a “urgência imperiosa” por “acontecimentos imprevisíveis” é absolutamente ridícula: tratou-se da “aquisição de serviços para implementação do Centro de Suporte aos Técnicos de Apoio Informático (CSTAI) para utilização dos Cadernos Eleitorais Desmaterializados”, no âmbito das eleições para o Parlamento Europeu em Junho passado. Custou, em três dias, um pouco mais de 1,3 milhões de euros, ganhos pela Meo, sem os incómodos da concorrência. Estas eleições estavam, obviamente, previstas há muitos e muitos anos.

    Por fim, na área governamental, o Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Infraestruturas também já fez este ano três ajustes directos por “urgência imperiosa”, dois dos quais no mês passado, sendo que o outro se concretizou ainda no tempo do Governo Costa. Os três contratos, no valor de 2,4 milhões de euros, destinaram-se a suportar custos do serviço aéreo no arquipélago da Madeira e aquele que era prestado pela Sevenair – através da ligação Bragança-Vila Real-Viseu-Cascais-Portimão. No caso desta última ligação, o serviço acabou por ser suspenso no final do mês passado, devido à falta de pagamento. Para suspender o serviço, desta vez não houve mais “urgência imperiosa”.

    A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros já contabiliza três ajustes directos para software e hardware de controlo de fronteiras. Foto: D.R.

    As autarquias apreciam também bastante os ajustes directos por “urgência imperiosa”, embora com contratos acima de 500 mil euros ‘somente’ se encontram publicados este ano um total de 21 contratos, envolvendo 16 municípios: Murça, Porto, Santo Tirso, Sintra e Maia (dois, cada), Trofa, São João da Madeira, Vila Nova de Gaia, Lisboa, Barreiro, Moita, Seixal, Almada, Coimbra, Espinho e Gondomar.

    De todos estes, Maia, Murça, Santo Tirso, Sintra, Porto e Gondomar ultrapassam a fasquia de um milhão de euros, mas o último destes municípios supera isso, e por muito. E é um ‘caso’ que tem todos os contornos de ser ‘de polícia’.  De facto, o ajuste directo de quase 13,9 milhões de euros, celebrado no passado dia 25 de Setembro, e que entrou em vigor no início do presente, é a continuação, dir-se-ia ad aeternum, de uma relação comercial iniciada entre a autarquia socialista e a Rede Ambiente. Desde Julho de 2022, o município tem feito sucessivos contratos de aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, sem concurso, a esta empresa que integra o Grupo Terris, com sede naquele concelho nortenho e que é ré no processo ‘Ajuste Secreto’. O próprio CEO do Grupo Terris, e ex-presidente da Rede Ambiente, viu em 2019 o Tribunal de Santa Maria da Feira decretar-lhe o arresto preventivo de bens.

    Estes ajustes directos sucedem a um contrato ganho por concurso público pela Rede Ambiente e EGEO em 2012, em consórcio, pelo valor de 35,8 milhões de euros. Até final do ano passado, a autarquia de Gondomar fez três contratos de ‘mão-beijada’ no valor de cerca de 12,9 milhões de euros, de acordo com dados disponíveis no Portal Base. Mas, supostamente, não teve tempo para concluir entretanto um concurso público e celebrou um novo ajuste directo por “urgência imperiosa” por um período de dois anos no valor de 13,9 milhões de euros. Este é, de longe, o maior ajuste directo da autarquia gondomarense e foge também do espírito legal do Código dos Contratos Públicos, uma vez que não só há responsabilidades do município na não conclusão de concurso público como, por outro lado, o prazo de execução (730 dias) excede muito o “estritamente necessário” previsto nos normativos.

    Foto: D.R.

    De entre o tipo de serviços e aquisição de bens acima de 500 mil euros alvo deste expediente de ajuste directo por “urgência imperiosa”, o sector da energia, muito por via dos contratos da EDA (quase 51 milhões de euros), é aquele que mais verbas envolve, totalizando, segundo a análise do PÁGINA UM, um pouco mais de 84 milhões de euros. No total de 23 contratos, além dos dois da EDA, destacam-se os cinco celebrados pela Infraestruturas de Portugal (12,5 milhões de euros), os seis da Transtejo (10,8 milhões de euros) e os cinco da Soflusa (quase seis milhões). Tudo “urgência imperiosa”, porque, alegadamente, não seria previsível haver necessidade de usar combustíveis para transporte.

    Seguem-se, a grande distância, os contratos, já acima referidos, relacionados com a aquisição de serviços de aeronaves, que ultrapassam os 33,2 milhões de euros, aos quais se acrescentam mais 18 milhões de se incluírem os meios aéreos para emergência médica, e mais 2,4 milhões se se contabilizarem também a contribuição para os voos regionais.

    Também rodeado por um mistério está o sistemático recurso à “urgência imperiosa” em 31 contratos por ajuste directo acima de meio milhão de euros para a prestação de serviços de refeições, detectados pelo PÁGINA UM no Portal Base, e envolvendo 16 entidades públicas, das quais sete são unidades locais de saúde (ULS), ou os antigos centros hospitalares, e seis são autarquias. No caso da ULS de São José – que sucedeu ao Centro Hospitalar de Lisboa Central –, este ano já se contam seis “urgência imperiosas” para alimentação, envolvendo quase 5,1 milhões de euros. A ULS de Santa Maria, antigo Centro Hospitalar de Lisboa Norte, não está longe: um pouco mais de quatro milhões de euros em refeições por quatro ajustes directos. A empresa ‘campeã’ destes ajustes directos, sobretudo nos hospitais, tem sido a Itau, que ‘apanhou’ 20 dos 31 contratos desta natureza, sacando 18 milhões do ‘bolo’ de 26,5 milhões de euros despachados por “urgência imperiosa”.

    broom, ragpicker, mop

    Os serviços de limpeza – mais um tipo de serviços ‘previsíveis’ em entidades com o mínimo de planeamento – são também ‘chão’ para negócios sustentados pela “urgência imperiosa”, que permitem escolhas a dedo. A análise do PÁGINA UM detectou 17 entidades de toda a natureza que usaram este expediente em contratos que já envolveram 23,5 milhões de euros.  De entre as entidades públicas que mais dinheiro gastaram este ano com estes contratos de ‘mão-beijada’ com justificações espúrias estão a Autoridade Tributária e Aduaneira (2,04 milhões de euros), a Guarda Nacional Republicana (3,37 milhões de euros), o Metropolitano de Lisboa (3,59 milhões de euros), e a ULS de Santa Maria (2,94 milhões de euros). Aqui aparentemente existe uma espécie de oligopólio, porque são várias as empresas, consoantes os adjudicantes, que beneficiam destes negócios da “urgência imperiosa”. De acordo com os dados do Portal Base, houve 11 empresas de limpeza que conseguiram este tipo de ajustes directos, embora o destaque seja da Fine Facility Services, com 5,94 milhões de euros.

    De resto, contabilizando os gastos pelos sectores definidos pelo PÁGINA UM, os X contratos por “urgência imperiosa” acima de meio milhão de euros no sector das comunicações já quase atingiu os sete milhões de euros, no sector do controlo de fronteiras um pouco mais de 10,9 milhões de euros, no sector da informáticxa quase 8,5 milhões de euros, no sector das obras públicas cerca de 14,6 milhões de euros – destacando-se a construção de um edifício modular no hospital de Ponta Delgada, no valor de 11,2 milhões de euros –, no sector da segurança quase 9,7 milhões de euros – e no sector dos serviços de manutenção aproximadamente 6,7 milhões de euros.

    Também relevantes são os encargos hospitalares feitos ao abrigo da “urgência imperiosa”, tanto para medicamentos (11 milhões, onde se incluem 3,7 milhões de euros pagos à Novartis por duas doses de Zolgensma, o polémico fármaco do caso das gémeas) como para material e serviços hospitalares. Embora em diversos casos se possa admitir mesmo a aquisição urgente, pelas particularidades do sector, já tudo se mostra mais obscuro quando, por via de uma alegada – mas nunca justificada com argumentos escritos – “urgência imperiosa”, também não há redução de contrato a escrito. Por exemplo, na compra de material de consumo clínico pela ULS de Braga no valor de 729.636 euros ocorrida em Março deste ano, e publicada no Portal Base em Julho passado, não se sabe nem preço nem que produtos foram efectivamente adquiridos para o serviço vascular, de neurorradiologia e de anestesia. Mas a gestão do hospital de Braga, como o PÁGINA UM já teve oportunidade de revelar, é outro caso ‘doentio caso’ de gestão de dinheiros públicos a merecer atenção do Ministério Público.

    clear medical hose
    Foto: D.R.

    Pelo lado dos adjudicatários – ou seja, das 73 empresas e consórcios que beneficiaram da escolha a dedo por “urgência imperiosa –, da lista compilada pelo PÁGINA UM com contratos acima de meio milhão de euros, o destaque vai para a Bencom (por via do contrato com a EDA), com quase 50 milhões de euros, seguindo-se a Avincis (meios aéreos), a Petrogal (energia) e a Itau (alimentação), todos com valores a rondar os 18 milhões de euros.

    A Rede Ambiente (resíduos) e a Iberdrola (energia) conseguiram facturar, graças aos ajustes directos por “urgência imperiosa”, analisados pelo PÁGINA UM, 13,9 milhões e quase 13,4 milhões de euros, respectivamente. Ainda acima dos 10 milhões, estão ainda incluídas a Modular Builders Worldwide (obras públicas, no caso a construção do edifício modular do hospital de Ponta Delgada) e a Gestifly (prestação de serviços de aeronaves).

    Com valores entres cinco milhões e 10 milhões de euros surgem a Helibravo Aviação, com quase 9,9 milhões de euros, a Timestamp (7,9 milhões de euros), a Indra Sistemas Portugal (6,8 milhões de euros), a Babcock (6,6 milhões de euros), a Fine Facility Services (5,9 milhões de euros), a HTA Helicópteros (5,8 milhões de euros) e a Meo (quase 5,5 milhões de euros). Muitos milhões que chegaram em ‘bandejas’. Se o preço foi justo, se houve defesa do interesse público, se houve corrupção – ninguém sabe dizer, porque poucos (ou nenhuns) querem saber.


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  • ‘Obras de Santa Engrácia’ em Águeda desgraçam milhões de euros

    ‘Obras de Santa Engrácia’ em Águeda desgraçam milhões de euros

    Em Águeda deve achar-se que o dinheiro brota do chão como as hortaliças: um projecto de remodelação de um simples mercado municipal anda desde 2016 com projectos de empreitadas e alterações contratuais sem que as obras de requalificação terminem. Depois de um contrato de 2021 ter sido alterado duas vezes, a autarquia social-democrata decidiu, depois de já ter gastado cerca de 4 milhões de euros, que se pode gastar outro tanto, tendo celebrado no mês passado um novo contrato, desta vez por ajuste directo à mesma empresa que se tem mostrado incapaz de concluir a obra. De contrato em contrato, a ‘coisa’ ultrapassará os 8 milhões de euros. E não se sabe quando haverá ‘obra feita’, porque o histórico mostra que nada está garantido, excepto haver dinheiros públicos e falta de intervenção do Tribunal de Contas.


    Oito anos já passaram em Águeda, e nos quatro cantos do Mundo, e da almejada requalificação do Mercado local só se vê uma coisa: aumento interminável de custos.

    Em 2016, a autarquia então liderada pelo socialista Gil Nadais decidiu lançar um concurso público para elaboração do projecto de requalificação do Mercado municipal que andaria, supostamente, a aguardar melhorias há três décadas. Aparentemente, a prestação de serviços pela elaboração do projecto saiu baratinha: o preço-base era de 55 mil euros, mas a Ciratecna, um gabinete de estudos de Vila Franca de Xira, contentou-se com menos de metade (24.980 euros) e ganhou o contrato. Nasceu barato o que viria a tornar-se caro; muito caro e sem fim.

    Somente em pleno primeiro ano da pandemia, em Outubro de 2020, já com o actual presidente da autarquia Jorge Almeida em funções – então por um movimento independente, mas que viria a ‘passar-se’ para o PSD na reeleição em 2021 –, o concurso público para a empreitada avançaria com um preço-base a rondar os 4,6 milhões de euros. E quem ganhou, com uma proposta de apenas cerca de 1.200 euros abaixo desse preço-base, foi a Socértima, uma empresa de construção civil de Anadia, um concelho vizinho, ‘afastando’ as propostas de mais quatro concorrentes (DGPW, Rial Engenharia, Embeiral e Joaquim Fernandes Marques & Filho).

    Vista virtual do mercado municipal de Águeda. A realidade custa a aparecer.

    Concretizada a adjudicação em Março de 2021, o prazo de execução ficou definido em 420 dias, o que significa que a obras deveriam estar concluídas em Maio do ano seguinte. Mas surgiram problemas: Maio chegou e não havia ainda requalificação concluída. Dois meses depois, a presidência desta autarquia do distrito de Aveiro decidiu então reformular o projecto, contratando, após consulta prévia, mais uma consultora, a R5e. Gastaram-se mais dois meses, e em Agosto o município procedeu a uma alteração contraual com a Socértima, aumentando o preço para praticamente mais 1,9 milhões de euros. Ou seja, passou de 4,59 milhões para cerca de 6,49 milhões, por força de trabalhos a mais e a menos.

    Quem julgasse que finalmente a remodelação avançaria, desenganou-se. Ao longos dos meses seguintes, o executivo de Jorge Almeida foi apresentando em reunião de câmara sucessivas pequenas e grandes alterações, fruto de pequenos e grandes erros e omissões.

    Chegou o ano de 2024, e Mercado renovado nem vê-lo. E eis que em Abril passado surgiu uma nova alteração contratual, com o terceiro contrato adicional com uma ‘estranha’ contabilidade: pagamento de trabalhos a mais de10.141,82 euros, mais uma parcela de trabalhos complementares de 291.382,93 euros, e depois um acordo de trabalhos a menos de 2.775.545,52 euros. Quase antes mesmo de se conseguir perceber em quanto afinal ficaria a obra, a autarquia de Águeda anularia o ‘remendado’ contrato originário de 2021, e lançaria um novo concurso para nova empreitada, mesmo depois de se ter gastado cerca de 4 milhões de euros.

    Jorge Almeida, presidente da autarquia de Águeda. Gastar milhões de euros de dinheiros públicos: sim. Justificar gastos à imprensa: não.

    As peripécias não terminaram. O novo concurso, que acabou por ser lançado em Julho passado com um preço-base de cerca de 4,7 milhões de euros e uma dilação do prazo de execução de mais 300 dias, teve resultados muito ‘sui generis’: houve oito empresas que se candidaram, mas seis apresentaram valores ridiculamente baixos  – sendo que uma (Canas Engenharia e Construção indicou zero euros e outra, a Empribuild, apenas um euro) –, outra ainda apresentou um valor bem acima do preço-base (Embeiral, com 5,7 milhões de euros) e, por fim, a Socértima, que vinha desenvolvendo a obra, aos soluços desde 2021, apresentou uma proposta de 4,3 milhões de euros. Contudo, esta enviou a sua proposta um minuto depois do prazo. Por esse motivo, o júri do concurso excluiu todos.

    E que sucedeu então?

    A autarquia de Águeda sentiu-se na liberdade de seguir para um ajuste directo, convidando a Socértima para a celebração de novo contrato, que viria a ser assinado no passado dia 16 de Setembro, por 4,3 milhões de euros e um prazo de mais 300 dias. Ou seja, se tudo correr bem – o que contrariará as expectativas de uma obra que sempre esteve a correr mal –, a ‘inauguração’ será em Julho de 2025 com um preço final a rondar os 8,5 milhões de euros. Se não houver mais ajustes, claro.

    O PÁGINA UM procurou esclarecimentos de Jorge Almeida, presidente social-democrata da autarquia de Águeda, mas nunca obteve reacção. Já Luís Pinho, vereador do Partido Socialista, na oposição e sem pelouro, diz que tem assumido “um papel muito cauteloso e crítico relativamente ao Mercado e ao projeto em curso”, confirmando que “a obra derrapou em valor e nos prazos, alegadamente por problemas relacionados com o projeto e as peças técnicas que o sustentavam”.

    Mercado municipal de Águeda: remodelação tornou-se uma ‘obra de Santa Engrácia’.

    Este vereador acrescenta que, “contudo, nunca nos foi demonstrado que tinha de ser desta forma e acima de tudo nunca foi atribuída qualquer responsabilização a quem deveria assumir os erros, se os houve”, lamentando, por isso: “nunca houve contraditório face ao que o construtor alegou e que a câmara anuiu”. “Aquilo que era um projeto caríssimo passou para o dobro com grave prejuízo do orçamento camarário”.

    Neste momento, sem Mercado reabilitado, os feirantes têm aproveitado instalações provisórias desde Agosto de 2022, sendo que, de acordo com Luís Pinho, os comerciantes que se encontravam no interior do espaço antigo estão agora em contentores, com algumas queixas sobretudo na estação do calor. O vereador socialista acrescenta também que “a zona de feira (feirantes de rua) acaba por ser um espaço em torno da obra que causa alguma perturbação na distribuição dos feirantes e na circulação, mas é o espaço existente”, reforçando que, “decididamente, quem está em piores condições são os pequenos produtores agrícolas, instalados numa pequena tenda sem as mínimas condições”. E, já agora, também os contribuintes, que vão pagar o dobro do que estava inicialmente previsto. Pelo menos.


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  • Em 17 municípios mais de um em cada 10 residentes veio do estrangeiro nos últimos seis anos

    Em 17 municípios mais de um em cada 10 residentes veio do estrangeiro nos últimos seis anos

    O fluxo migratório recente em Portugal tem sido quase generalizado, com apenas 11 concelhos com mais emigração do que imigração entre 2018 e 2023, de acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM aos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). E há outros aspectos sociológicos bastante relevantes: apesar de as grandes cidades receberam mais imigrantes, a dinâmica migratória é muitíssimo mais intensa em determinados concelhos rurais, particularmente nas áreas agrícolas dos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria, para além do muito ‘badalado’ município de Odemira. Num contexto em que a imigração passou a ser uma ‘luta ideológica’ sobre segurança, na verdade há um debate que continua adiado: como integrar imigrantes em áreas rurais com evidente escassez de serviços públicos e de habitação devido aos desinvestimentos nas últimas décadas?


    O forte fluxo migratório dos últimos anos, proveniente sobretudo da imigração, está a causar uma mudança sociocultural muito mais profunda nos concelhos rurais do que nos municípios urbanos, mesmo os das áreas metropolitanas. Esse fenómeno está sobretudo concentrado em determinadas zonas associadas à agricultura dos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria, embora, fora destas regiões, Odemira e Vila Velha do Ródão se destaquem.

    Embora os dados absolutos do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre saldo migratório entre 2018 e 2023, analisados pelo PÁGINA UM, indiquem que, grosso modo, os imigrantes se estejam a concentrar, em termos absolutos, nas principais cidades portuguesas, certo é que a sua distribuição tem sido generalizada a todo o país. E daí, em muitos municípios rurais, com a agricultura ainda com peso significativo, a presença de imigrantes acaba por se mostrar bastante mais relevante.

    Apesar de os dados anuais disponibilizados pelo INE não indicarem o número de imigrantes que entram por ano em cada concelho nem o número daqueles que saem (emigração) – mas apenas o saldo migratório, ou seja, a diferença entre imigração e emigração –, o somatório desses saldos num determinado período temporal em função da população constitui um indicador bastante razoável (embora até por defeito) sobre como a dinâmica migratória afecta a evolução demográfica e social local. Convém referir que este saldo migratório do INE não reflecte as migrações internas, isto é, as mudanças interanuais entre concelhos. Em todo o caso, este somatório do saldo migratório representa um indicador expedito da atractividade das diversas regiões.

    Farm Workers Setting up a Tunnel at a Farm

    E, de facto, se é certo que, desde 2018, foram os municípios urbanos que contabilizaram números mais elevados de dinâmica migratória (favorável às entradas), mostra-se surpreendente que haja municípios rurais onde os fluxos relativos são bastante superiores. Aliás, um aspecto ainda mais surpreendente se salienta na análise aos dados do INE: mesmo com o saldo natural bastante negativo em grande parte do país, o saldo migratório é positivo na generalidade do território nacional, com poucas excepções. Com efeito, no somatório dos fluxos migratórios entre 2018 e 2023, apenas 11 concelhos, entre 308, apresentaram mais saída do que entradas, a saber: Castelo de Paiva (-2 pessoas), Vila Franca do Campo (-24), Arouca (-52), Barrancos (-53), Portalegre (-76), Cinfães (-91), Resende (-101), Peso da Régua (-118), Baião (-216) e Felgueiras (-770).

    Estes casos isolados revelam, assim, uma nova faceta demográfica de Portugal, com um país a crescer em número de pessoas, mas com saldos naturais negativos. Exemplo disso sucede em Lisboa, que apesar de ter mais mortes do que nascimentos, registou um saldo migratório acumulado, entre 2018 e 2023, de 15.606 pessoas, sendo apenas ultrapassado pelo Porto, que teve um aumento de 18.398 indivíduos neste período. Os restantes oito concelhos do top 10 dos saldos migratórios acumulados são todos urbanos, do eixo Porto-Braga e da Área Metropolitana de Lisboa, a saber: Vila Nova de Gaia (+10.386 indivíduos), Braga (+10.011), Seixal (+9.450), Sintra (+8.404), Maia (+8.106), Cascais (+7.979), Torres Vedras (+7.894) e Matosinhos (+7.589). Esta dezena de municípios representa quase um quarto (23,3%) do total do fluxo migratório em todo o país entre 2018 e 2023, que totalizou pouco mais de 445 mil pessoas.

    Mas se os municípios das grandes cidades aparentam mostrar um maior grau de atracção, por apresentarem maiores saldos absolutos, o impacte sociodemográfico destas dinâmicas migratórias depende muito da dimensão dos concelhos e da sua atractividade em termos de emprego. Assim, se se considerar a população estimada para o ano de 2023 pelo INE – 10.639.726 habitantes – e um fluxo migratório acumulado (2018-2023) positivo de 445.449 pessoas, pode considerar-se que aproximadamente 4,2% da actual população m Portugal vivia no estrangeiro nos últimos seis anos.

    Municípios com maior saldo migratório acumulado absoluto entre 2018 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Saliente-se, porém, que este valor será uma aproximação à realidade, uma vez que se um imigrante, que se instalou inicialmente num determinado concelho, se deslocar para outro concelho português em ano posterior, não será novamente detectado nesta ‘contabilidade’ do INE, uma vez que passa a ser um mero ‘migrante interno’ como pode suceder a qualquer cidadão nado e sempre criado em Portugal. Se morrer, o efeito demográfico, porque ‘contribui’ para a redução populacional, mantendo-se a ‘contribuir’ para o fluxo migratório do período em análise.

    Por outro lado, tem de se considerar que o saldo migratório em cada município é o valor líquido da imigração deduzida a emigração (saída para o estrangeiro), pelo que o número de imigrantes (e concomitantemente da percentagem na população total) pode até pecar por defeito. Em todo o caso, o peso do fluxo migratório em função da população residente no ano mais recente constituirá um bom indicador das transformações demográficas e sociais em curso nas diferentes regiões do país.

    Considerando isto, os concelhos de maior dimensão – e com maior fluxo migratório absoluto – estão longe, ao contrário da percepção mediática, de ser aqueles com maior introdução relativa de imigrantes na população local. Com efeito, do top 10 em termos dos municípios com maior fluxo migratório absoluto no último sexénio, Torres Vedras – que tem ainda fortes características rurais e uma actividade agrícola relevante (uma das principais fontes de emprego dos imigrantes) – ocupa apenas a 28ª posição na lista global em termos de percentagem do fluxo migratório em função da população. Com uma população residente de cerca de 88 mil habitantes, o saldo migratório entre 2018 e 2023 foi de 7.894 pessoas, resultando assim em 9% do total.

    O segundo concelho deste leque com maior percentagem é o Porto: 7,4%, colocando-se na 60ª posição a nível nacional. Dos restantes concelhos do topo 10 em termos de saldo migratório, a ‘diluição’ da imigração é ainda maior, ou seja, o seu peso demográfico sente-se menos. Acima da média nacional (4,2%) estão Maia (5,7%), Seixal (5,5%), Braga (5,0%). Matosinhos, por sua vez, coincide com a média, enquanto abaixo encontram-se Vila Nova de Gaia (3,3%), Lisboa (2,8%) e Sintra (2.1%). Ou seja, os dois maiores concelhos de país (Lisboa e Sintra) não evidenciam uma grande alteração sociodemográfica proveniente da imigração dos últimos seis anos.

    De facto, com algumas excepções, têm sido as regiões mais rurais a assistir a uma maior chegada relativa de imigrantes, causando uma inversão nos fluxos demográficos. Durante largas décadas, os municípios e regiões tradicionalmente mais ligados ao sector primário foram registando perdas populacionais tanto por vida do saldo migratório como do saldo natural. Mas tal inverteu-se. A região com maior dinâmica migratória no período 20178-2023 foi o Oeste: teve um saldo migratório positivo de 37.041 pessoas numa população estimada no ano passado de 399.396 habitantes, o que representa 9,5% do total, ou seja, mais do dobro do valor registado a nível nacional. O Alentejo Litoral também contabilizou um fortíssimo dinamismo para tão curto período: saldo migratório positivo de 8.428 pessoas numa população em 2023 da ordem dos 101 mil habitantes, ou seja, 8,3% do total. Um pouco mais atrás surge a região da Lezíria do Tejo com 7,8%.

    As regiões mais urbanas, onde se inserem Lisboa e Porto, apresentam valores substancialmente mais baixos. A Área Metropolitana de Lisboa, apesar de ter registado um saldo migratório acumulado no período 2018-2023 de quase 99 mil pessoas, esse número pesa apenas 3,3% no total da sua população no ano passado (cerca de 2,96 milhões de habitantes). No caso da Área Metropolitana do Porto, esse peso é um pouco maior (4,5%), resultante de um saldo migratório acumulado de 80.858 pessoas numa comunidade de cerca de 1,8 milhões de pessoas.

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    No extremo oposto, as duas regiões no Continente com menor fluxo de imigrantes são ambas do Norte: Tâmega e Sousa e ainda Ave, cujo peso do saldo migratório acumulado na população estimada em 2023 foi de apenas de 0,6% e 1,8%. Os Açores também se mostram ainda pouco atractivos: no conjunto, o arquipélago registou um saldo migratório acumulado de 4.448 pessoas numa população de pouco mais de 241 mil habitantes.

    Porém, é numa análise municipal que se revelam as diferentes dinâmicas, muito dependentes dos distintos factores de atractividade ligadas, obviamente, ao emprego mais associado à população imigrante. Assim, até por ser uma das zonas mais ‘badaladas’, o concelho com maior fluxo migratório relativo no último sexénio (2018-2023) é Odemira. Para uma população de 33.124, estimada para o ano passado neste concelho alentejano, houve um saldo migratório positivo de 5.487 indivíduos. O cruzamento destes dois indicadores demográficos aponta assim para que 16,6% da população agora residente em Odemira terá chegado a partir do estrangeiro nos últimos seis anos.

    O segundo concelho com maior percentagem no fluxo migratório em função da população é outro concelho rural: Vila Velha de Ródão. Apesar do fluxo ser da ordem do meio milhar de pessoas em seis anos (556 indivíduos), a sua população cifrou-se apenas em 3.515 habitantes, pelo que o peso do indicador do saldo migratório na população é de 15,8%. Se se descontar o Corvo (a pequena ilha açoriana teve um saldo migratório positivo de 64 pessoas numa população de 435 habitantes), praticamente todos os municípios que registam um fluxo migratório acumulado com um peso superior a 10% da população são da região mais agrícola dos distritos de Lisboa, Leiria e Santarém, a saber: Óbidos (14,6%), Sobral de Monte Agraço (14,4%), Bombarral (13,7%), Vila de Rei (13,3%), Vila Nova da Barquinha (13,1%), Cadaval (12,8%), Salvaterra de Magos (11,8%), Pedrógão Grande (11,7%), Arruda dos Vinhos (11,6%), Lourinhã (11,3%), Alenquer (10,8%), Benavente (10,7%) e Entroncamento (10,1%). A única excepção neste lote é o município algarvio de Aljezur (10,7%), na ‘área de influência’ das explorações agrícolas da região de Odemira.

    Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Nos concelhos com maior população, e mais urbana, esta dinâmica não se faz sentir tanto; muito pelo contrário. O primeiro município com mais de 100 mil habitantes – num total de 25 – que apresenta um maior peso do saldo migratório acumulado nos últimos seis anos face à sua população é o Porto, com 7,4%. E apenas mais cinco municípios desta dimensão apresentam valores acima da média nacional: Valongo (6,3%), Maia (5,7%), Seixal (5,5%), Leiria (5,1%) e Braga (5,0%).

    Este é, aliás, um sinal evidente de um fenómeno social inédito em Portugal: uma forte imigração nos anos mais recentes está a compensar o êxodo rural que marcou as últimas décadas, estando as regiões menos urbanizadas com maior poder relativo de atracção. Mas, do outro lado da moeda, estão os desafios de integração dos imigrantes em comunidades mais conservadoras e em regiões que, nas últimas décadas, foram sendo afectadas por desinvestimentos (e abandonos) no sector dos serviços públicos e mesmo na habitação.


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  • Nova SBE: Fundação Alfredo de Sousa ‘falsifica’ data de aprovação de relatório para não perder estatuto de utilidade pública

    Nova SBE: Fundação Alfredo de Sousa ‘falsifica’ data de aprovação de relatório para não perder estatuto de utilidade pública

    A lei determina que perdem o estatuto de utilidade pública as entidades beneficiárias que incumpram os prazos de envio dos relatórios e contas para a Presidência do Conselho de Ministros em dois anos consecutivos. Seria o caso da Fundação Alfredo de Sousa, dona dos edifícios do campus de Carcavelos da Nova SBE, que foi presidida por Miguel Pinto Luz até Março passado. Numa tentativa de ‘iludir’, a fundação fez aprovar os dois relatórios e contas no último mês, depois das revelações do PÁGINA UM, fazendo crer que os documentos foram aprovados em Abril. Só que o ‘gato’ ficou com o ‘rabo de fora’: a certificação legal das contas e o parecer do fiscal único, da responsabilidade de uma sociedade de revisores, é de 6 de Setembro, confirmando assim uma “violação reiterada”da Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública. Apesar da evidente ilegalidade, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, continua sem dizer se vai revogar o estatuto de utilidade pública de uma entidade que foi presidida até Março pelo actual ministro das Infra-estruturas.


    A Fundação Alfredo de Sousa – uma entidade com fundos públicos e privados, que gere o campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – terá artificiosamente antecipado a data formal de aprovação dos relatórios e contas de 2022 e de 2023 numa vã tentativa de manter o estatuto de utilidade pública. Esta entidade – que foi presidida até Março de 2024 pelo actual ministro da Infraestruturas, Miguel Pinto Luz – está em forte risco, se o Governo aplicar os normativos legais, de perder o estatuto de utilidade pública por “violação reiterada” da Lei-Quadro, uma vez que não enviou atempadamente, em dois anos consecutivos, informação relevantes sobre a sua gestão financeira.

    Recorde-se que, conforme revelou o PÁGINA UM em Agosto passado, a fundação baptizada em homenagem ao primeiro reitor da UNL tem acumulado prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo de Pinto Luz, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Acrescia a isso o atraso na aprovação das contas de 2022, que nunca ocorreu em 2023, ainda com Pinto Luz como presidente, algo que se veio a repetir com as contas do exercício do ano seguinte, que somente no passado mês terão visto a ‘luz do dia’, já depois das primeiras notícias do PÁGINA UM sobre a Fundação Alfredo de Sousa.

    Nos documentos recentemente colocados no site desta entidade, constam agora, como data da assinatura dos dois relatórios e contas – atestados com a assinatura de todos os administradores – os dias 22 e 29 de Abril deste ano, mas essas não podem ter sido, legalmente, as datas da aprovação. Por duas razões. Por um lado, há cerca de dois meses, os serviços da Nova SBE tinham enviado ao PÁGINA UM os relatórios e contas provisórios de 2022 e de 2023, uma vez que continham apenas cinco das oito assinaturas dos administradores e não integravam ainda qualquer a certificação legal de contas (CLC), também exigida às fundações de maior dimensão.

    Por outro, a CLC às demonstrações financeiras de 2022 e de 2023, bem como os dois pareceres do fiscal único, que agora já surgem no site (e que podem ser consultados aqui e aqui), têm a data de 6 de Setembro de 2024, sendo da responsabilidade da sociedade de revisores Macedo, Caldas & Bento.

    Ou seja, a Fundação Alfredo de Sousa só teve assim condições para considerar as contas aprovadas a partir dessa data. E também só depois dessa data poderia enviar os relatórios e contas para a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM), mas já em clara violação dos prazos legais, suceptível de lhe ser revogado o estatuto de utilidade pública..

    Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

    Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à SGPCM o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.

    Ora, como a administração desta fundação só teve contas de 2022 e de 2023 formalmente aprovadas agora em Setembro de 2024, a aplicação da lei determina, sem apelo nem agravo, a perda do estatuto de utilidade pública. A Lei-Quadro é taxativa ao considerar que constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Após a aplicação deste ‘castigo’, que teria de ser sancionado pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderia requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.

    Perante a evidente violação da Lei-Quadro, o PÁGINA UM questionou em 14 de Agosto passado o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, sobre se iria diligenciar no sentido da revogação da utilidade pública da Fundação Alfredo de Sousa, apesar de esta contar como fundadores uma universidade pública (Universidade Nova de Lisboa), a autarquia de Cascais, o Banco Santander, a Jerónimo Martins e a Arica. Não se obteve qualquer reacção.

    Paulo Lopes Marcelo a cumprimentar o Presidente da República na tomada de posse: o silêncio do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros é revelador sobre o incómodo em se aplicar uma lei que castigaria o desleixo da gestão de uma fundação presidida por Miguel Pinti Luz.

    Apesar de tudo isto, fonte oficial da Nova SBE garantiu ao PÁGINA UM que as contas foram aprovadas em Abril, e apenas houve atraso na recolha das assinaturas de alguns administradores, acrescentando que houve um parecer prévio, em Abril, do Conselho de Curadores, cujo presidente, o actual reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sáàgua, se demitiu em Janeiro.  

    Aliás, embora sem qualquer referência no seu site, e contrariando também a Lei-Quadro das Fundações, a cadeira da presidência da instituição que gere o campus de Carcavelos terá sido entretanto ocupada, segundo fonte oficial da Nova SBE, por Rui Diniz, um anterior vogal. Contudo, a nomeação deste economista, que é o CEO da CUF – Hospitais e Clínicas, terá sido feita de forma tão discreta que nem sequer se encontra qualquer referência na imprensa nem qualquer comunicado oficial tanto da Nova SBE como da própria fundação. O PÁGINA UM vai solicitar as actas das diversas reuniões da Fundação Alfredo de Sousa.


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  • Fluxo migratório recente aproxima-se dos tempos da Descolonização, mas com fenómeno inédito

    Fluxo migratório recente aproxima-se dos tempos da Descolonização, mas com fenómeno inédito

    O saldo migratório de 2023 foi o terceiro maior de sempre, apenas ultrapassado pelos anos de 1975 e 1976, no decurso de processo de Descolonização no pós-25 de Abril, segundo uma análise do PÁGINA UM a partir de dados demográficos desde 1887 até 2023. Mas se este recente fluxo de entradas marca o terceiro ciclo de saldo migratório positivo – num país que desde finais do século XIX se tem mostrado um país mais ‘convidativo’ para sair do que para entrar -, tem características especiais: o fluxo de saída (emigração) encontra-se também a níveis elevados; menos de metade das entradas constituem regressos (de portugueses); e o crescimento populacional coincide com um saldo natural negativo. O impacto destes fenómenos demográficos, bons ou maus, será inédito em Portugal.


    São números oficiais – e imunes a orientações ideológicas. O fenómeno migratório em Portugal nos últimos anos aproxima-se do intenso fluxo de entrada de novos residentes no período da Descolonização em África. De acordo com a análise do PÁGINA UM aos saldos migratórios – a diferença entre imigração (entrada de residentes) e emigração (saída de residentes) – desde finais do século XIX, os últimos dois anos (2022 e 2023) juntam-se aos anos de 1975 e 1976, no restrito ‘clube’ dos que registaram valores positivos superiores a 100 mil pessoas.

    Sendo certo que o ano de 2023 (com saldo migratório de 155.701 pessoas) e de 2022 (+136.144 pessoas) ficaram ainda bastante aquém do enorme fluxo decorrente da independência das antigas colónias africanas – em 1975, o saldo migratório foi superior a 257 mil e no ano seguinte superou os 177 mil –, a tendência nos anos mais recentes evidencia um fenómeno de contornos inéditos.

    No último quinquénio, o somatório do saldo migratório – assente sobretudo na entrada de estrangeiros, que se aproximará dos 400 mil entre 2019 e 2023 – atingiu, oficialmente, os 488.816 indivíduos, mesmo contabilizando-se a saída para o estrangeiro de quase 144 mil pessoas nesse período. Estes valores confrontam com um somatório do saldo migratório de quase 530 mil pessoas entre 1974 e 1979, mas em circunstâncias políticas e sociais únicas e irrepetíveis, ou seja, resultaram na entrada sobretudo de portugueses das antigas colónias africanas, o que, aliás, veio a quebrar um ‘estrutural’ saldo migratório profundamente negativo durante o Estado Novo, que se prolongava desde 1948 até 1973.

    Numa análise do PÁGINA UM aos dados demográficos – baseada nos saldos migratórios indicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a partir de 1991 e, no período anterior, nos cálculos dessa variável a partir das estimativas demográficas da população e da mortalidade e nascimentos por ano a partir de 1886 –, mostra-se patente que o país assiste, nos últimos anos, ao terceiro ciclo no regime democrático com um saldo migratório positivo, e que tem permitido compensar um saldo natural negativo (mais mortes do que nascimentos).

    Com efeito, antes da Revolução dos Cravos, a ‘porta da saída’ de Portugal foi muito mais aberta do que a ‘porta de entrada’. Entre 1887 e 1929, raros foram os anos com saldo migratório positivo. Contam-se apenas quatro anos em 43 anos, destacando-se 1918 com valores substanciais (78.395), que resultaram sobretudo do fim da Primeira Guerra Mundial. Porém, esse ano marcou também o auge da gripe espanhola em Portugal, que contribuiu para a morte de 4,2% da população do país. A título comparativo, no ano de 2021, em pleno auge da pandemia da covid-19, morreu 1,2% da população portuguesa.

    A partir dos anos 30, e até ao período imediatamente a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, o fluxo migratório foi ligeiramente favorável à entrada, sendo que o saldo foi genericamente positivo, embora mais marcante em 1940, no ano a seguir ao início da guerra mundial. Nesse ano, em que Portugal contava apenas uma população de cerca de 7,7 milhões de habitantes e um saldo natural extraordinariamente positivo (mais cerca de 67 mil nascimentos do que mortes em cada ano), o saldo migratório deu então um pulo de quase 60 mil pessoas.

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    O ciclo económico e político nas décadas de 50 e 60 do século passado levariam a uma ‘fuga’, em muitos casos literal, dos portugueses para o estrangeiro, numa primeira fase sobretudo para o Brasil e América do Norte, e a seguir para países europeus, com França e Alemanha à cabeça. Deste modo, de acordo com os dados do INE, contam-se 26 anos consecutivos, entre 1948 e 1973, sempre com saldo migratório negativos, ultrapassando mesmo a fasquia dos 150 mil nos anos de 1952, 1965, 1967, 1969 e 1970. Por causa desta ‘sangria’, e pese embora um saldo natural bastante positivo de cerca de um milhão de pessoas, na década de 60 contabilizou-se um decréscimo populacional em Portugal, por causa de um saldo migratório acumulado negativo de quase 1,3 milhões de pessoas.

    Apesar de os anos da Primavera Marcelista terem marcado uma tendência de atenuação emigratória dos portugueses – em 1973, o saldo migratório continuou negativo, embora ‘apenas’ na ordem dos 74 mil, então o valor menos desfavorável desde 1963 –, foram os acontecimentos políticos de 1974 que inverteram por completo os fluxos de entrada e saída.

    No ano da Revolução dos Cravos, o saldo migratório passou repentinamente para terreno positivo (+46.214), mas ‘disparou’ para os 257.393 no ano seguinte, descendo para 177.655 em 1976. Ou seja, em apenas três anos, o saldo migratório foi positivo em mais de 480 mil. Considerando o saldo natural então bastante positivo, entre 1974 e 1976, a população portuguesa aumentou nesse triénio mais de 722 mil pessoas, um crescimento inédito na História de Portugal. O impacte desse ‘êxodo’ vindo das antigas colónias africanas foi complexo, tanto a nível social como urbano. Uma parte bastante considerável dos imigrantes era de origem portuguesa e confluíram sobretudo para a Grande Lisboa, criando, em muitas zonas, aglomerados de barracas e bairros de génese ilegal sem condições mínimas de salubridade.

    Evolução anual do saldo migratório em Portugal entre 1887 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    O saldo migratório positivo pós-25 de Abril manteve-se apenas até 1982. O ano seguinte, marcado uma intensa intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e uma inflação galopante, iniciou novo período de saída em massa para o estrangeiro, com o regresso do saldo migratório negativo, embora não tão baixo como nos anos 60. O ano de 1989 foi aquele que registou, neste período de mais saídas do que entradas – e que se prolongou por 10 anos, até 1992 –, o saldo migratório mais desfavorável (-37.350).

    Com o crescimento económico resultante dos fluxos financeiros da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE), surgiu novo fluxo favorável no saldo migratório, em grande parte para o sector da construção civil. O ano de 1993 seria o início do mais longo, até agora, período de saldos migratórios positivos, que se prolongaria até 2010. O cume seria, contudo, atingido no ano 2000 (+67.108 indivíduos).

    Com nova crise financeira, e a consequente entrada da ‘troika’ em Portugal, voltaram a sair mais do que aqueles que entravam. O saldo migratório manteve-se negativo entre 2011 e 2016, agravando assim o peso negativo do saldo natural, que desde 2009 passou a ser negativo. No sexénio 2011-2016, Portugal terá perdido mais de 216 mil habitantes, registos que apenas encontram paralelo na década de 60.

    A partir de 2017, apesar do saldo natural continuar extremamente negativo – nos últimos sete anos contribuiu para uma ‘perda populacional’ de 231.774 –, a inversão dos fenómenos migratórios modificou drasticamente o cenário demográfico. E em 2019 o ganho populacional pelo saldo migratório (+67.163) começou a ‘compensar’ as perdas no saldo natural (-25.264). Nesse ano, o crescimento populacional foi assim de quase 42 mil pessoas.

    Evolução anual do crescimento populacional em Portugal entre 1887 e 2023, considerando os saldos migratório (imigração – emigração) e natural (nascimentos – mortes). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Embora o triénio da pandemia (2020-2022) tenha refreado temporariamente o saldo migratório, e agravado o saldo natural – tanto por via da redução dos nascimentos como pela elevada mortalidade –, mesmo assim o nível de ‘entradas’ manteve-se elevado. Em 2020, de acordo com os dados do INE, contabilizaram-se 83.654 imigrantes contra 25.886 emigrantes, resultando num saldo migratório positivo de 57.768 indivíduos. No ano seguinte, em plena pandemia, mesmo assim entraram 97.110 imigrantes, tendo saído de Portugal mais 25.079 pessoas, significando, deste modo, um saldo migratório positivo de cerca de 72 mil.

    No ano de 2022 ultrapassou-se pela primeira vez desde 1975 a fasquia dos 100 mil para o saldo migratório, fruto da entrada de 167.098 imigrantes e da saída de 30.954 emigrantes. Por fim, no ano passado, o saldo migratório chegou aos 155.701, por via de uma entrada de perto de 190 mil emigrantes e da saída de 33.666 pessoas para o estrangeiro. Note-se que a emigração de 2023 constitui o valor mais elevado desde 2016, embora a proporção se tenha modificado bastante. Se em 2017 por cada 100 pessoas que emigravam para o estrangeiro se contabilizavam 147 entradas de emigrantes, no ano passado esse rácio subiu para 562.

    Apesar de o INE ainda não ter revelado o número de estrangeiros entre os emigrantes em 2023, mostra-se muito provável que atinja os níveis de 2022, quando apenas um terço (cerca de 57 mil de entre 168 mil) das entradas foi de cidadãos portugueses. Se a proporção de emigrantes estrangeiros em 2023 tiver sido similar à de 2022, então terão entrado em Portugal nos últimos cinco anos 379 mil estrangeiros.

    Estes valores devem ser, contudo, observados com precaução, não apenas porque estes números não contabilizam situações de imigração ilegal, como uma parte pode ter, entretanto, saído para outros países. Por outro lado, no grupo de nacionais que entraram em Portugal estará também um número indeterminado de portugueses que adquiriram a cidadania por razões familiares, mesmo nunca tendo aqui residido.

    Evolução anual da imigração (entradas) e da emigração (saídas) em Portugal entre 2008 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    No entanto, constata-se uma evidência: o último quinquénio, e especialmente os últimos três anos, está a ser marcado por uma dinâmica demográfica inédita: a população aumenta num cenário com saldo natural fortemente negativo, com uma emigração ainda intensa mas com um saldo migratório bastante elevado por via de uma imigração crescente. O rápido crescimento demográfico de curto prazo (três anos) observado em 2023 tem similitudes com o da segunda metade dos anos 70 e meados dos anos 90 do século passado, mas baseia-se em fenómenos sociais bastante distintos.

    Com efeito, o crescimento actual assenta somente na imigração de estrangeiros, algo que exige – mais do que sucedeu durante o período da Descolonização, onde o aumento populacional radicou numa natalidade elevada em migrantes portugueses não completamente ‘desenraizados’ – uma intervenção específica de integração social e de planeamento urbanístico. Estará a ser feita, ou a ser bem feita?

    A resposta pode começar a desenhar-se no facto de o Governo ter agora em mãos a regularização de 400.000 pessoas que estão em Portugal, e sobre as quais o próprio Governo desconhece “quem são, onde estão, onde trabalham”, como até já confessou recentemente o secretário de Estado Adjunto da Presidência, Rui Freitas.


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  • Incêndios: O que é preciso mudar (para que não fique tudo na mesma)

    Incêndios: O que é preciso mudar (para que não fique tudo na mesma)


    Em Portugal, surge o calor, surgem os incêndios; surgem os incêndios, surgem as acusações de incendiarismo. Por mais que se conheçam as causas e o regime dos fogos devastadores em Portugal, todos os anos aos primeiros fogos com alguma dimensão, além do pânico cada vez maior, sobretudo após as mortandades de 2017, aparece uma miríade de «comentadores de bancada» apontando quase exclusivamente o dedo ao São Pedro (leia-se, clima mediterrânico, com os seus Verões quentes e secos, por vezes ventosos) e aos malévolos incendiários, como se os fogos de grande dimensão, e só esses, tivessem um ADN próprio.

    Viu-se isto esta semana, não pela boca apenas de um bombeiro mais extenuado ou de um autarca mais estouvado, mas do próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, que prometeu “ir atrás” dos criminosos e dos “interesses que sobrevoam” os incêndios florestais. Encontrar um ‘inimigo’ vago, mas que apela à emoção popular, é uma típica estratégia da ‘falácia do espantalho’, que servia, aliás, na perfeição para não discutir como foi possível não se ter encerrado a tempo a A1. Foi um milagre não ter ocorrido uma tragédia pior do que a de Pedrógão Grande em 2017.

    No meio disto, culpa-se sempre a floresta “desregrada”, mas as mudanças espoletadas pelos Governos, desde os anos 90, quando se agravou a incidência destrutiva, e sobretudo desde os trágicos anos de 2003, 2005 e 2017, são pouco mais do que incipientes e conjunturais. Nada se muda de estrutural, nada se modifica. É tudo para fazer de conta, como os “pechisbeques” dos kits de protecção anti-fogos comprados a uma empresa de turismo, e que afinal eram os primeiros a arder – uma situação tão ridícula que até causa vergonha alheia.

    Incêndio em Vale da Carreira, Sardoal. Foto: Paulo Jorge de Sousa/mediotejo.net

    Infelizmente, esta irritante tendência dos políticos de “fazer que fazem”, e dos portugueses em geral a culpar entes diabólicos ou a opinar com base na ignorância – vulgo, a dar bitaites –, constituem os principais factores sociopolíticos para não se mudar o paradigma de gestão da floresta e dos espaços florestais.

    Afinal, porquê mudar se tudo estaria bem sem os incendiários a colocar fogos? Não bastaria apanhá-los todos e metê-los na prisão? E não bastava que os proprietários “limpassem” os matos? Infelizmente, a resposta é não.

    Procurarei, em traços muitos breves, neste texto, apresentar algumas reflexões.

    Comecemos, assim, por «desculpabilizar», desde já, o clima mediterrânico. Na verdade, a Natureza é como é. Em termos de risco, o clima mediterrânico está para Portugal como os terramotos estão para o Japão. Não quer isto dizer que são situações similares, mas apenas que o Japão soube ao longo do tempo minimizar os riscos (através da construção anti-sísmica e planos de prevenção e acção). O Japão não se queixa dos deuses por causa dos terramotos e, apesar de quando em vez serem graves, não causam agora as mortandades que se registavam até ao início do século XX.

    A analogia nem sequer é muito feliz, porque o clima mediterrânico tem inegáveis vantagens que os terramotos obviamente não têm. Além de nos beneficiar com uma meteorologia que inveja meio mundo, e que fornece matéria-prima para o turismo, o clima mediterrânico concede à nossa floresta – e à vegetação em geral – condições quase únicas para um elevado crescimento, e portanto um elevado potencial económico, se bem gerido.

    De acordo com um recente estudo internacional, Portugal é o país mediterrânico que, potencialmente, maior riqueza no sector florestal pode extrair por hectare (344 euros por ano). Por exemplo, França regista 292 euros e Espanha apenas 90 euros. Devíamos agradecer à Natureza este clima; não “amaldiçoá-la”.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017) Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Sendo incontornável que haverá sempre incêndios, porque o mundo não é perfeito, vejamos onde está o cerne do problema em Portugal. Sobretudo nas últimas três décadas, o regime do fogo tem estado sobretudo associado a dinâmicas antropogénicas, tanto ao nível de acções danosas (negligência à cabeça, e algum dolo) e da (in)capacidade de supressão de incêndios, como ao nível da gestão de combustíveis e de planeamento territorial.

    No entanto, embora exista uma forte correlação entre número de ignições e a densidade populacional em regiões mediterrânicas – por exemplo, o distrito do Porto é historicamente aquele que regista mais ignições –, tal já não se verifica entre o número de ignições e área ardida. Com efeito, são factores como a orografia, a precipitação fora da época de estiagem e a percentagem de área inculta que apresentam maiores correlações positivas com a área ardida total.

    Os efeitos dos incêndios apresentam-se assim, numa base regional, como problemas de distinta intensidade e dimensão. Mais população significa maior número de ignições, mas a maior área ardida observa-se sobretudo em regiões de menor densidade demográfica. Exemplo paradigmático dessa “dualidade” regional observa-se num dos períodos de recrudescimento dos incêndios florestais, entre 1996 e 2005, período sobre o qual me debrucei com detalhe quando escrevi o ensaio Portugal: O Vermelho e o Negro‘, publicado em 2006, mas que ainda hoje, retirando a parte estatística mais ‘datada’ mantém uma infeliz actualidade.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017) Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Tendo sido contabilizadas, neste intervalo, cerca de 284 mil ignições e uma área ardida de quase 1,64 milhões de hectares, a distribuição foi a seguinte: 39,2% do total das ignições (cerca de 111 mil) concentraram-se em apenas 25 concelhos (quase todos do litoral, mais densamente povoado), mas ardeu aí apenas 10,3% do total nacional (menos de 170 mil hectares); e nos 25 concelhos com menor número de ignições (todos do interior despovoado) registaram-se apenas 10,7% do total (pouco mais de 30 mil) mas contribuíram em 39,0% (cerca de 640 mil hectares) para o total da área ardida.

    O êxodo rural em Portugal, iniciado nos anos 60 e agravado significativamente a partir de meados da década de 1980, mostra-se, sem dúvida, como uma das principais causas para o surgimento de fogos devastadores. Um dos efeitos da perda demográfica especialmente sentida nas aldeias, após a implementação da Política Agrícola Comum, foi a eliminação quase total e imediata de práticas e usos tradicionais associados à agricultura, pastorícia e silvicultura, que contrariavam a ocorrência e a propagação dos incêndios.

    A sociedade rural, imagem de marca de Portugal durante séculos, modificou-se de forma abrupta em poucas décadas, levando simplesmente ao abandono de vastas áreas agrícolas e florestais, sem a ocorrência de qualquer transferência relevante de direitos de propriedade para quem não seguiu esse êxodo para as cidades e litoral. A população empregada no denominado sector primário tradicional passou de expressivos 47,6% em 1950 para apenas 2,8% em 2011.

    Como reverso dessa “moeda de modernidade”, foi colossal a redução de actividades permanentes no espaço rural: em 2011 eram apenas 120 mil pessoas com emprego no sector primário, enquanto em 1950 suplantavam 1,5 milhões. Paradoxalmente, apesar dessa evolução, e por via de planos directores municipais demasiado permissivos, aumentaram as habitações em espaço florestal ou contíguo, sobretudo de segunda residência, levando não só a uma maior probabilidade de procedimentos negligentes causadores de fogos como também a um agravamento da complexidade do combate.

    Efectivamente, muitos dos grandes incêndios tomaram proporções incontroláveis porque o sistema de combate, bem como os investimentos de prevenção, tem tido como prioridade a defesa de bens (habitações e equipamentos) em detrimento da protecção da floresta. O problema desta estratégia é de aumentar a probabilidade de incêndios devastadores, que assim destroem mais floresta e, provavelmente, mais casas.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    O aparente paradoxo patente na ocorrência de uma maior destruição pelos incêndios onde mais se reduziu a quantidade de pessoas – sabendo-se serem estas que causam os fogos –, explica-se facilmente. O surgimento de incêndios devastadores sobretudo desde o início do século XXI decorre do incremento muito significativo da biomassa vegetal nos espaços florestais, tanto horizontal como verticalmente, em virtude das mudanças socioeconómicas – que levaram ao desaproveitamento de subprodutos florestais (e.g., lenha, matos, etc.) – e do forte abandono agrícola e florestal. 

    Em 2010 a área agrícola era a menor desde o início do século XX e a área e mato (com pastagens) estava em vias de ultrapassar a área florestal, algo que não acontecia desde a década de 1940. Entre 1950 e 2010, a área de matos e pastagens quase quadruplicou, passando de 885 mil hectares para um pouco acima de três milhões de hectares, o valor mais elevado desde a década de 1920.

    Por outro lado, a política florestal a partir dos anos 80 – que coincidiu com o agravamento do problema dos incêndios – privilegiou sobretudo a substituição de áreas de pinhal, algumas afectadas pelos fogos, por eucaliptais (ambas espécies altamente combustíveis), mantendo-se na generalidade dos casos uma deficiente gestão antrópica, enquanto ao redor desses espaços florestais medraram matagais.

    Para agravar a situação, aumentaram os fenómenos meteorológicos extremos, bem patentes no ano de 2017, com dois devastadores períodos a ocorrerem fora do Verão (Junho e Outubro). As condições meteorológicas do mês de Setembro deste ano foram também muto agressivas, e localizadas em regiões restritas, bem patente em destruições que, por vezes, ultrapassam meia centena de milhar de hectares, ou mesmo mais, em apenas um dia. Isso é uma consequência não apenas meteorológica. Com uma floresta mesclada com matagais e densos estratos vegetais, por vezes intransponíveis, também pela orografia, e sem o “obstáculo” das outrora zonas agrícolas – que serviam de zonas-tampão –, os fogos encontram agora extenso e contínuo combustível para galgarem milhares e milhares de hectares.

    Outro aspecto particularmente grave, que se tem vindo a intensificar, é a recorrência do fogo, i.e., a maior susceptibilidade de determinadas regiões a serem percorridas ciclicamente por incêndios, retirando-lhes assim qualquer possibilidade de rentabilidade económica, o que incentiva a manutenção deste status quo.

    Por exemplo, um estudo desenvolvido pelo Instituto Superior de Agronomia para um período de 16 anos (entre 1990 e 2005) apurou que quase 300 mil hectares arderam duas vezes, cerca de 83 mil hectares três vezes e uma área de 28 mil hectares foram afectados pelo menos quatro vezes, estando essa recorrência associada a queimadas para pastagens. Torna-se assim absurdo, com tamanhas recorrências, tentar encontrar interesses, urbanísticos ou mineiros, como causa para os fogos. Até porque a eliminação das árvores não traz sequer vantagens, a não ser em zonas periurbanas, para a construção, além de que, no caso de explorações mineiras, a autorização nunca estará condicionada à existência ou não de cobertura arbórea na zona a licenciar.

    Nas análises sobre os incêndios florestais em Portugal um outro factor que sempre surge é o alegado contributo do regime de propriedade, marcadamente de minifúndio sobretudo a norte do rio Tejo e no Algarve. Embora os dados oficiais sejam pouco precisos sobre o cadastro e a propriedade rústica em Portugal, e sobretudo em relação às propriedades com uso silvícola, sabe-se que Portugal está, segundo a FAO, entre os 10 países do mundo com maior percentagem de área florestal privada, ocupando a primeira posição a nível europeu.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Os valores geralmente apontados para caracterizar o regime fundiário na floresta portuguesa baseiam-se em estimativas ou em amostragens, ou também em informação dos recenseamentos agrícolas. Por esse motivo, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira indique a existência de 11.578.124 prédios rústicos no ano de 2015, ignora-se os que são ocupados por floresta, e nem se sabe se este número corresponde à realidade, uma vez que nem existe coincidência entre os registos do Cadastro Predial, da Matriz das Finanças e do Registo Predial. Esta ignorância é também demonstrativa do desleixo geral do país relativamente a um problema crucial. A criação do Balcão Único do Prédio (BUPi) tem contribuído para inverter esta situação, mas também tem revelado uma tenebrosa realidade: há uma parte substancial dos prédios rústicos sobre os quais ninguém reivindica a propriedade. Ou seja, estão ao abandono, são ‘pasto de chamas’, e se arderem levam muitas outras áreas atrás.

    Em todo o caso, grosso modo estima-se que as propriedades públicas, incluindo os baldios (com gestão conjunta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), agrega cerca de 540 mil hectares, estando assim a restante área ocupada por proprietários privados.

    Na região a norte do Tejo, onde se localiza a esmagadora maioria da área de pinheiro e eucalipto, e se concentra o minifúndio, cerca de 54% da área florestal encontra-se distribuída por povoamentos com menos de 10 hectares. No caso do pinheiro, 63% dos povoamentos têm áreas inferiores a 10 hectares e 25% áreas inferiores a dois hectares, enquanto no caso do eucalipto cerca de metade dos povoamentos têm dimensão inferior a 10 hectares.

    Há cerca de uma década, aquando da elaboração da Estratégia Nacional para as Florestas, estimou-se que cerca de 61% do total dos proprietários florestais possuíam parcelas com menos de cinco hectares, embora apenas detivessem cerca de 26% da área florestal do país, dando assim uma ideia clara da predominância do regime de minifúndio.

    Com efeito, cerca de 10% da área florestal era formada por parcelas com menos de um hectare e 16% por parcelas entre um e cinco hectares, significando isto ser muito frequente um proprietário possuir, de forma disseminada, um elevado número de parcelas de reduzidíssima dimensão.

    Para agravar a situação, grande parte das propriedades com área inferior a cinco hectares possuíam povoamentos dominados por pinheiro, dimensão onde impera geralmente ausência de investimento, e também pouca expectativa de obtenção de rendimento. Numa postura optimista, estas minúsculas parcelas florestais – que podem representar, em manchas contínuas, centenas de milhar de hectares – constituem, individualmente, meros fundos de poupança para satisfação de necessidades económicas conjunturais. No caso das propriedades inferiores a um hectare não existia mesmo qualquer produção, tanto mais que numa percentagem significativa os proprietários nem sequer sabem identificar nos terrenos as suas parcelas.

    Nas ciências económicas, a denominada Teoria dos Jogos mostra, infelizmente, que a melhor decisão de um qualquer agente numa parcela de “floresta” rodeada por proprietários absentistas é não fazer qualquer gestão, porque a probabilidade de arder gastando ou não dinheiro é praticamente a mesma, e assim optando por não fazer gestão, pelo menos “poupa-se” nesses custos. 

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Ou seja, não há receitas mas também não há custos, logo não há prejuízo. Claro, o prejuízo vem para a sociedade, através da destruição dos incêndios, i.e., de uma externalidade negativa. Esta é a triste realidade portuguesa: face à ausência de associativismo florestal, a inacção de diversos agentes causa uma generalizada inacção, porquanto o risco de um investimento se “esfumar” com um incêndio, proveniente da ausência de gestão em redor, acaba por determinar, como estratégia dominante, ninguém fazer gestão.

    No caso do eucalipto, a situação era um pouco melhor, tendo em consideração que grande parte da sua área se situava em propriedades com dimensão entre os cinco e os 20 hectares (12% do total da área florestal) e entre os 20 e os 100 hectares (7% do total). Nestes casos verificava-se já uma presença de investimento e gestão, tendo a exploração um rendimento relevante para os proprietários. A restante área (55%), agregando 15% dos proprietários, possuía uma dimensão superior a 100 hectares, embora dominada por sobreiros e azinheiras, portanto sobretudo localizadas a sul do Tejo e em herdades do distrito de Santarém.

    Porém, este cenário, que desde 2007 não se terá alterado, pode induzir a uma conclusão precipitada. Sendo certo que uma estrutura de minifúndio pode conduzir mais rapidamente à ineficiência económica, será imprudente generalizar e determinar uma correlação imediata entre incêndios e minifúndios. De facto, mostra-se conveniente investigar antes esta questão por duas novas perspectivas, complementares.

    Primeiro, deve analisar-se diacronicamente o regime fundiário português para determinar se ocorreu algum fenómeno que tenha alterado a estrutura da propriedade típica e que per si justifique um agravamento dos incêndios florestais a partir da década de 1980.

    Segundo, comparar a afectação das áreas ardidas em função da tipologia dos proprietários, ou seja, pôr em paralelo o grau de destruição das áreas de gestão pública, de gestão pelas empresas de celulose (que gerem áreas de maior dimensão) e as restantes áreas privadas que incluem o minifúndio.

    No primeiro caso, analisando a informação disponível em diversas fontes, verifica-se que o fraccionamento da propriedade rústica é um fenómeno antigo e já bastante estabilizado. Com efeito, a génese do minifúndio surge no decurso de um processo político iniciado nos anos 30 do século XIX, com a instauração da Monarquia Constitucional, que resultou na desamortização de grandes propriedades então pertencentes à nobreza e à Igreja.

    Posteriormente, teve ainda um maior impulso com a definitiva abolição dos morgados e a entrada em vigor do Código Civil de 1867, quando estabeleceram sem excepção direitos de herança a todos os filhos. Uma década depois existiam cerca de 5,05 milhões de prédios rústicos, manifestando-se já nesse período excessiva fragmentação, sobretudo na região do Noroeste, com efeitos perniciosos em termos de desenvolvimento agrícola.

    Apesar de várias tentativas políticas para evitar o contínuo fraccionamento por via das heranças, somente nos anos 20 do século XX, quando o número de prédios rústicos já ultrapassara os 10,7 milhões, se criou legislação para o estancar, através do Decreto nº 16731 (vd. artigo 107º) que decretou a nulidade de qualquer partilha de prédios com menos de um hectare ou que daí resultassem parcelas inferiores a meio hectare. Esta medida travou fortemente o fracionamento, embora não o impedisse na totalidade.

    Se até 1930, em comparação com o último quartel do século XIX, numa parte considerável dos distritos a norte do Tejo mais que duplicou o número de prédios rústicos, a partir dessa década o ritmo estancou. Em 1960 verificou-se até um decréscimo de cerca de 2% em relação ao início do Estado Novo.

    Incêndio em Saramaga, Sardoal (2017). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    A partir dessa década registou-se um novo crescimento no fracionamento, mas mesmo assim suave, atingindo-se um máximo de 11,17 milhões de prédios em 1971. A partir da instauração da democracia, em 1974, o acréscimo foi ligeiro, da ordem dos 0,12% por ano até 2015, estando nessa data contabilizados cerca de 11,58 milhões de prédios rústicos.

    Sendo assim, outros factores, e não (apenas) o minifúndio, terão determinado a perda de interesse económico da floresta nas pequenas parcelas e a eclosão de incêndios catastróficos. Uma explicação encontra-se por via sociológica. Durante o Estado Novo, com uma sociedade marcadamente rural, as vivências sociais permitiam um uso comum das propriedades florestais privadas. Ou seja, de modo informal mas cooperativo, os proprietários concediam livre acesso aos não-proprietários para estes, graciosamente, recolherem alguns produtos (e.g., lenha, caruma, matos, etc.), para uso doméstico e agropecuário, «recebendo» em troca uma gestão de combustíveis.

    A presença de pessoas nas florestas constituía também uma vigilância quase contínua e dissuasora de comportamentos dolosos ou negligentes por parte de terceiros. Além disso, tendo presente que, durante o Estado Novo, a produção de resina constituía um importante suplemento económico dos pinhais, fica-se com uma ideia clara dos motivos muito prováveis para que, neste período, mesmo os minifúndios florestais fossem rentáveis e estivessem longe de constituir um factor de risco de incêndios. Na verdade, as condições sociais e de cooperação tradicional, que então se viviam nas zonas rurais portuguesas, parecem ter constituído um sistema benigno de interligação entre regime privado e comunal por via da cooperação entre agentes que visam a um equilíbrio sustentável.

    Deixando de existir esse ténue equilíbrio, por força do êxodo rural e da perda económica dos pinhais, a gestão de combustíveis foi desaparecendo, redundando num aumento do risco de incêndio, desincentivador de investimentos e promotor de absentismo.

    Na análise desta evolução não podem dissociar-se as reestruturações neste sector pela Administração Pública a partir dos anos 80, que contribuíram decisivamente para retrocessos na prevenção silvícola e na eficácia e eficiência do sistema de combate aos incêndios.

    Nesse aspecto convém destacar o diagnóstico traçado em 2012 na Estratégia para a Gestão das Matas Nacionais, promovida por técnicos da própria Administração Pública onde se apontam os principais factores que contribuíram para a degradação da protecção das florestas e espaços florestais: a diminuição dos condicionamentos de acesso às matas nacionais e da fiscalização dos guardas florestais (a partir de 1974), a transferência do combate aos incêndios dos Serviços Florestais para as corporações de bombeiros voluntários (a partir de 1981), o encerramento das administrações florestais a nível regional (a partir de 1996), bem como, mais recentemente, o desligamento das tarefas de gestão do corpo de guardas e mestres florestais, e a transferência da competência de análise e decisão dos projectos florestais para o actual Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP) e outros organismos sem vocação nem técnicos nas áreas silvícolas.

    O esvaziamento dos Serviços Florestais (com distintas denominações), criados no início do século XX, intensificou-se desde a década de 1990, passando em poucos anos de cerca de quatro mil funcionários para menos de mil. Inclui-se neste lote o Corpo Nacional de Guardas Florestais – que tradicionalmente viviam no interior dos espaços florestais em cerca de mil casas de função –, cuja estrutura foi extinta em 2006, tendo sido integrados os trezentos elementos remanescentes nos Serviços de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da Guarda Nacional Republicana.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Estas alterações políticas resultaram, sem dúvida, num aumento do risco de incêndio e da susceptibilidade das florestas e dos espaços florestais em geral, mas também particularmente das matas nacionais e perímetros florestais (que integram os baldios), geridas pelos Serviços Florestais. Essa situação mostra-se evidente quando se comparam os registos da área ardida das florestas sujeitas a regime público até à década de 1970 e posteriores à década de 1980.

    A situação apresenta contornos catastróficos nos últimos anos. Por exemplo, nos anos de 2016 e 2017 cerca de 20% da área sob gestão pública foi afectada por fogos, sendo que em 18 perímetros e matas nacionais se registaram destruições superiores a 70% das respectivas áreas, estando aqui incluído o secular Pinhal de Leiria.

    Lamentavelmente, a destruição das florestas públicas desde 2001 (4,62% em média por ano) ultrapassa largamente os valores das propriedades das celuloses (2,33%) e mesmo da restante área privada (2,28%), que inclui o minifúndio.

    Por todos estes motivos, a análise da perda de sustentabilidade da floresta portuguesa e os prejuízos recorrentes das externalidades negativas, encabeçadas pelos incêndios, não deve ser feita de forma simplista face à complexa teia de factores: a quebra dos vínculos sociais informais nos meios rurais, o abandono de actividades agroflorestais tradicionais, a emigração e êxodo rural, a perda da sustentabilidade da agricultura de minifúndio, etc.. Porém, quando se recomendaria que o Estado, perante estas variáveis, tivesse uma intervenção determinante para corrigir falhas de mercado, sucedeu o oposto: um desinvestimento no sector florestal. O único sector com orçamento reforçado foi o do combate aos incêndios.

    As autoridades nacionais portuguesas somente a partir de meados da década passada começaram a contabilizar os custos directos e prejuízos resultantes dos incêndios, incluindo uma parte das externalidades, embora recorrendo a métodos muito simplistas, que requerem alguma reserva. Antes desse período, a Universidade Católica de Lovaina, no âmbito da Emergency Disasters Database, estimara que os prejuízos dos fogos de 2003, que destruíram cerca de 425 mil hectares, ascendiam aos 1,5 mil milhões de euros.

    Nos trabalhos preparatórios realizados em 2006 para a Estratégia Nacional para as Florestas estimou-se que os incêndios representavam uma externalidade negativa de cerca de 380 milhões de euros por ano, reduzindo em 30% a riqueza anual produzida pelas florestas. E, de acordo com dados oficiais, os incêndios rurais entre 2000 e 2016 provocaram perdas da ordem dos 5.232 milhões de euros. No ano de 2017, o pior desde a existência de registos estatísticos, os prejuízos ter-se-ão aproximado dos mil milhões de euros.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Até recentemente estes aspectos eram ignorados pelas autoridades oficiais, e mesmo os custos de supressão – associados às infraestruturas e equipamentos, aluguer de aeronaves e pagamentos aos bombeiros – eram vistos como investimento, e um Governo considerava ser-lhe favorável politicamente conceder acréscimos sucessivos à componente de combate.

    Contudo, a realidade demonstra, infelizmente, que os gastos públicos na vigilância e supressão dos incêndios florestais têm estabilizado em torno dos 100 milhões de euros por ano, mas sem quaisquer efeitos positivos. Os prejuízos dos incêndios mostram variações aleatórias sem relação com os gastos em combate. Esse cenário demonstra que, na verdade, os gastos na prevenção e em equipamentos e meios humanos para controlar os incêndios (supressão) não têm um efeito determinante na área ardida e, portanto, nos prejuízos, evidenciando-se que o actual modelo de gestão se mostra insustentável.

    A solução para este grave problema económico, social e ambiental, que já se mostra tragicamente crónico, terá de passar, na minha opinião, pela assumpção da defesa da floresta como um bem público (no conceito das ciências económicas), implementando, a partir daí, uma reforma administrativa intersectorial já defendida por diversos especialistas.

    No entanto, considero que, ao contrário daquilo que têm sido os recentes sinais de política económica para este sector, o Estado deveria deixar de desempenhar apenas um papel de mero coordenador, regulador e redistribuidor de recursos financeiros; antes sim deveria passar a exercer uma função interventora de gestão directa dos espaços florestais, incluindo obviamente, até para dar exemplos de boas práticas, as florestas de regime público.

    Isto não significa a privatização das florestas, antes sim assumir-se que o Estado é indubitavelmente a única entidade com capacidade de intervenção global para implementar, gerir e executar um modelo centralizador para a gestão dos espaços florestais. Note-se que existe uma distinção entre floresta – bens privados – e os espaços florestais – conjunto de parcelas que fornecem externalidades positivas, como ar limpo, paisagem e outros benefícios para a sociedade, e por isso são bens públicos, na visão económica do termo –, e daí necessitam de abordagens distintas.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    Distinguir estes dois bens que, na verdade, coexistem – e, por vezes, se confundem por «comungarem» do mesmo espaço físico – serve sobretudo para colocar, de um lado, um bem sobretudo privado (floresta) que, por razões complexas, tem vindo a criar externalidades negativas (incêndios); e, do outro lado, um bem público (espaços florestais) que criam benefícios para a sociedade.

    Ora, actualmente, porque estes benefícios não são convenientemente remunerados (ou compensados) acabam por ser «lesivos» para todos. Com efeito, o conjunto de proprietários que produz esse benefício para a sociedade nada recebe, e, em alguns casos, até tem de suportar mais encargos para proteger bens alheios.

    Face ao carácter de minifúndio das propriedades, a ausência de uma compensação aos proprietários florestais por essa externalidade positiva para a sociedade contribui para o agravamento da sustentabilidade económica dessas parcelas e induz a um maior absentismo. Ou seja, a existência de uma externalidade positiva (porque um serviço ambiental não é pago pela sociedade) pode estar na origem de uma externalidade negativa (os incêndios). E havendo incêndios, não apenas ocorrem danos económicos e sociais directos como se perdem os benefícios fornecidos pelos espaços florestais. Daí a necessidade de intervenção directa do Estado, bem diferente daquela que até agora tem sido, para equilibrar aquilo que se chama uma “falha de mercado”.

    Justifique-se, com um simples mas elucidativo exemplo, as razões para se defender uma intervenção directa do Estado, e não apenas reguladora e distribuidora de fundos. Quando, como actualmente sucede, o Governo determina administrativamente (e sem critério técnico, por vezes) que sejam os proprietários das florestas a proceder e a assumir os custos da desmatação e desarborização em redor de habitações (das quais, por vezes, nem são os proprietários), não está a seguir princípios de eficácia, de eficiência e de equidade.

    Por um lado, porque essa obrigação quase nunca é eficaz nem eficiente, uma vez que não se baseia em estratégias de prevenção nem em estudos que definam adequadamente faixas de gestão de combustíveis, nem existe a garantia, face ao absentismo de muitos proprietários, de que essas operações sejam executadas. Por outro lado, obrigando apenas certos proprietários a assumir esse ónus, o Estado beneficia free-riders, i.e., os proprietários das habitações em redor (muitas das quais autorizadas após a existência da floresta) e os vizinhos florestais isentos dessas operações.

    E mesmo que este controlo de vegetação fosse eficaz para eliminar a externalidade negativa (incêndios), manter-se-ia a iniquidade, porquanto o proprietário responsável pela operação de limpeza não fora compensado por esse serviço – i.e., a criação de uma externalidade positiva – com a agravante de ainda ter uma perda de rendimento potencial por redução de biomassa florestal.

    Não se está a advogar um Estado a gerir as florestas privadas, mas sim a exercer a gestão dos espaços florestais, podendo eventualmente «entrar» em áreas privadas, como já sucede em outros casos, através de servidões administrativas, de modo a corrigir externalidades, sempre também com uma visão nas funções de redistribuição e mesmo de estabilização.

    Assim, de uma forma muito sucinta, por via de um reforço da Administração Pública do sector florestal, proporia a criação de um denominado Sistema de Gestão de Espaços Florestais (SIGEF) numa instituição estatal autónoma que deveria agregar equipas de técnicos, vigilantes e sapadores florestais, com a missão de executar no terreno as operações necessárias de gestão de combustíveis (biomassa), de vigilância e controlo de acessos, e ainda supressão de incêndios. Por outro lado, no âmbito deste modelo, deveria ser criado um mecanismo de compensação económica ou fiscal, através de um sistema de perequação, para benefício dos proprietários dos terrenos florestais onde se fizessem intervenções de controlo de vegetação.

    Incêndio em Vale da Carreira (2016). Foto: Paulo Jorge de Sousa

    No sentido de o Estado financiar este sistema como uma provisão de um bem público – e sem necessidade de contabilizar os rendimentos de um previsível aumento das receitas dos impostos (IRC e IRS) associados à melhoria da produtividade das actividades silvícolas por eliminação das externalidades – poder-se-ia apostar em três fluxos financeiros: separando-o do mastodóntico Fundo Ambiental, um reforço no Fundo Florestal Permanente (cujas receitas, para além do actual adicional ao ISP, poderiam ser provenientes de um «imposto» específico similar a aplicar aos produtos de origem silvícola, sendo assim uma forma de internalização pela sociedade das externalidades positivas concedidas pelos espaços florestais); um adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis rústicos (aplicando uma taxa regressiva por prédio rústico em função da área, também como incentivo ao emparcelamento e/ou como penalidade à manutenção de áreas improdutivas); e uma denominada Taxa de Protecção de Espaços Florestais (sob a forma de taxa fixa por prédio urbano e veículo).

    Um sistema deste género implicaria elevados investimentos, mas esse montante será incomensuravelmente menor do que as externalidades negativas existentes.

    A versão original, sem a actualização agora realizada, foi publicada na revista PONTO – revista do mediotejo.netem 2021, acessível aqui. O PÁGINA UM apresenta os agradecimentos à directora do Médio Tejo, Patrícia Fonseca, e ao fotógrafo Paulo Jorge de Sousa.


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  • Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) acumula quase 30 milhões de euros de prejuízos nos últimos nove anos, apesar de os seus dois hospitais (Prelada e Conde Ferreira) terem recebido 484 milhões de euros do Estado desde 2008. E perdeu 40% dos seus fundos patrimoniais em apenas 12 anos. O sufoco financeiro é mais do que evidente nas contas desta instituição controlada por homens do aparelho social-democrata, que tem um antigo deputado do PSD, António Tavares, como provedor desde 2011, e que agora também preside à Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto. Talvez por coincidência, porque a instituição nega a sua participação, Eurico Castro Alves – membro da ‘task force’ do Plano de Emergência da Saúde, mentor da criação dos centros de atendimentos clínico (CAC) e anfitrião de Luís Montenegro nas suas recentes férias de Verão no Brasil – também integra os órgãos sociais da SCMP, como suplente da Mesa Administrativa. Com funções executivas está outro social-democrata de peso: Manuel Pinto Teixeira foi colega da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na Comissão Política do PSD nos tempos de Rui Rio. Tudo misturado, e contas feitas, à boleia da criação do CAC no Hospital da Prelada, para receber doentes não-urgentes dos hospitais públicos do Porto, o Governo vai dar um ‘bónus’ à Misericórdia do Porto que atingirá, em termos líquidos, cerca de seis milhões de euros apenas este ano, permitindo assim ‘tapar’ uma gestão ruinosa, onde as subcontrações dispararam nos últimos anos.


    Tal como de boas intenções está o inferno cheio, de coincidências está também cheia a vida política, social e empresarial em Portugal. No dia em que foi publicada, no passado dia 21 de Agosto, uma Resolução de Conselho de Ministros que atribuía um reforço de verbas públicas a transferir para o Hospital da Prelada, propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), por causa da criação de um centro de atendimento clínico (CAC), Luís Montenegro passava férias numa casa no Brasil de Eurico Castro Alves, que fora coordenador da task force do Plano de Emergência da Saúde.

    Por coincidência, Eurico Castro Alves, que preside à Secção Regional de Norte da Ordem dos Médicos, integra os órgãos sociais da Misericórdia do Porto, sendo suplente da Mesa Administrativa, equivalente a um Conselho de Administração. Apesar de não exercer, por agora, um cargo executivo, este médico saberá por certo que a instituição de solidariedade social se encontra em situação pouco desafogada.

    Hospital da Prelada, a principal unidade de saúde da Misericórdia do Porto, recebeu um reforço de dinheiros públicos por atender doentes não-urgentes dos hospitais do São João e do Santo António. Foto: SCMP.

    Além disto – por certo mais uma coincidência –, Eurico Castro Alves compartilhou uma conta bancária pessoal com Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, para gerirem um ‘bolo financeiro’ de mais de 1,4 milhões de euros, vindos sobretudo de farmacêuticas, durante a pandemia. Castro Alves esteve assim directamente envolvido na polémica campanha de solidariedade (‘Todos por quem cuida’), revelada pelo PÁGINA UM, que incluiu facturas falsas, fuga ao Fisco e declarações falsas, mas sobre a qual, ao longo dos últimos meses, a Procuradoria-Geral da República recusa revelar se está sob investigação.

    O único pormenor desta campanha de solidariedade sob investigação judicial será o pagamento de cerca de 25 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja transferência tem o cunho da actual ministra da Saúde, para a vacinação de médicos não-prioritários, após o envio ao Ministério Público de um processo de esclarecimento realizado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Porém, este caso não inclui qualquer investigação a Gouveia e Melo por ter permitido a vacinação de médicos não-prioritários em violação de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde.

    Mas se Eurico Castro Alves tem indubitável e simultaneamente ligações directas à SCMP e ao poder político social-democrata – aliás, até chegou a ser secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Pedro Passos Coelho em 2015 –, mais ainda as tem Manuel Pinto Teixeira, um dos membros efectivos da Mesa Administrativa, e que, no relatório e contas de 2023, surge associado à tutela do Hospital da Prelada [vd. página 7]. Antigo chefe de gabinete de Rui Rio na autarquia portuense (2003-2013), Pinto Teixeira foi jornalista e tem um passado ligado de gestão em empresas de comunicação, ocupando nos anos mais recentes funções relevantes no PSD. Até Julho de 2022 foi membro da Comissão Política Nacional, a convite de Rui Rio. E quem eram dois dos seus colegas? Pois bem, Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e também Joaquim Miranda Sarmento, actual ministro das Finanças.

    Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto, integra dois homens relevantes do PSD local: Manuel Pinto Teixeira (primeiro à esquerda, no topo) e o provedor António Tavares (segundo à direita, em baixo), que lidera a instituição desde 2011. Eurico Castro Alves é suplente da Mesa Administrativa. Fonte: SCMP.

    Por similar coincidência, por ‘feliz’ evolução socio-política nacional e regional, a Misericórdia do Porto tem agora interlocutores mais amigáveis, pois o seu quasi-perpétuo provedor – tomou posse em Janeiro de 2011 – é o antigo deputado do PSD António Tavares, que recentemente assumiu um papel de maior relevância social na Cidade Invicta, mesmo se simbólico, por ser agora o actual presidente da Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto, tendo integrado a lista de André Villas-Boas que ‘apeou’ Pinto da Costa.

    Mas, depois de listar as ‘coincidências’, passemos agora aos factos. Ao contrário da sua congénere lisboeta, a SCMP não tem qualquer tutela governamental, funcionando como uma mera instituição privada de solidariedade social associada à Igreja Católica. Mas sem receitas dos jogos, que permitem à congénere lisboeta todos os ‘desvarios’, a Misericórdia do Porto não se pode dar ao luxo de erros de gestão – e se os tem, e tem mesmo, paga-os caro. E, com efeito, a situação financeira da Misericórdia do Porto, apesar de pouco falada, mostra-se avassaladoramente preocupante desde 2015, e por isso, independentemente das ‘coincidências’ envolvendo figuras gradas, a integração do Hospital da Prelada como CAC do Porto veio, mais do que aliviar as urgências dos hospitais do São João e do Santo António, conceder um ‘balão de oxigénio’ à tesouraria da Misericórdia do Porto, evitando, ou adiando pelo menos, um desastre financeiro que se avizinhava. Mas já se vai ao ‘osso’.

    Detentora de um vasto património imobiliário, a Misericórdia do Porto tem uma intensa actividade social e mesmo cultural, agregando ainda três lares de idosos e dois colégios, e também gerindo até uma quinta agrícola e, em co-gestão, a prisão de Santa Cruz do Bispo. Mas é no Hospital da Prelada e no Centro Hospitalar Conde Ferreira que reside a sua principal actividade empresarial, empregando, só aí, quase 670 pessoas, mais de metade dos seus recursos humanos. O Hospital da Prelada – que agora é um dos CAC para receber doentes não urgentes do Porto – é mesmo a principal fonte de receitas da Santa Casa da Misericórdia do Porto (34 milhões de euros no ano passado), mas muito graças ao Estado.

    Governo de Montenegro defendeu criação do centro de atendimento no Hospital da Prelada para desanuviar as urgências dos hospitais públicos de São João e de Santo António, mas, na verdade, as verbas a transferir para a Misericórdia do Porto são um autêntico ‘balão de oxigénio financeiro’.

    Através de acordos com o Ministério da Saúde, a SCMP já recebeu, desde 2008, quase 484 milhões de euros do Estado. Não é pouco, mas já foi mais. Entre 2008 e 2015, os apoios anuais foram sempre superiores a 30 milhões de euros – atingindo quase 35 milhões em 2008, em 2010 e em 2012 –, mas durante os Governos de António Costa os montantes reduziram-se. Em 2019 quedaram-se nos 25,7 milhões de euros. O antigo ministro socialista Manuel Pizarro ainda conseguiu, antes da queda do Governo, a promessa para o ano de 2024 de uma transferência de cerca de 30,3 milhões de euros.

    Apesar destas elevadas maquias, o sector da Saúde da Misericórdia do Porto acabou por ser uma fonte de despesa. No conjunto, a gestão do Hospital da Prelada (com valências sobretudo nas áreas da Medicina Física e na Cirurgia Plástica e Reconstrutiva) e do Centro Hospitalar Conde Ferreira (na área da Psiquiatria) têm estado sempre no ‘vermelho’, quando seria expectável darem lucro para depois financiar as actividade sociais. Somente no último quinquénio (2019-2013), tiveram prejuízos líquidos de 11,4 milhões de euros, apesar da entrega pelo Estado de 132,8 milhões de euros no mesmo período.

    Mas esses 11,4 milhões de euros são apenas uma parte dos resultados financeiros da SCMP. Segundo a análise do PÁGINA UM, nos últimos cinco anos a Misericórdia do Porto perdeu, em todas as suas actividades, quase 21,5 milhões de euros. E desde 2014 não sabe o que é ter contas positivas. É certo que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) foram francamente maus, sobretudo por causa da decisão governamental de ‘abrandar’ as actividades hospitalares não-covid, contribuindo para prejuízos de quase sete milhões de euros só na actividade hospitalar. Porém, os problemas financeiros provêm de um período anterior.

    António Tavares é provedor da Misericórdia do Porto desde 2011. Só em dois anos apresentou resultados positivos e ‘viu’ os fundos patrimoniais da instituição encolherem quase 95 milhões de euros. Foto: SCMP.

    Em 2017, por exemplo, a instituição já registou um prejuízo de 5,4 milhões de euros. O pico de prejuízos ocorreu em 2020, com as contas no ‘vermelho’ a atingirem os 6,5 milhões de euros. Mesmo com o desanuviamento da pandemia, a Misericórdia do Porto ainda não conseguiu, sob a direcção de António Tavares, inverter os prejuízos: em 2022 foram mais 3,5 milhões de euros, e no ano passado mais 2,4 milhões. Aliás, sob sua gestão, o antigo deputado social-democrata só viu dois anos de resultados no ‘verde’, e já em tempos longínquos: no ano de 2011, que terminou com um lucro de 1,6 milhões de euros, e no ano de 2014, com lucros de cerca de 940 mil euros.

    O reflexo destes sucessivos desastres financeiros surge também na evolução do fundo patrimonial, equivalente ao capital próprio de uma empresa. No primeiro ano da gestão de António Tavares, em 2011, a SCMP contabilizava fundos patrimoniais no valor de 234,8 milhões de euros; agora valem apenas 140 milhões de euros. São quase 95 milhões de euros que se eclipsaram, ou seja, a Misericórdia do Porto tem agora 60% dos fundos que António Tavares ‘herdou’ do seu antecessor.

     Os activos não correntes da instituição – que incluem sobretudo o património edificado e propriedades de investimento – valiam em 2011 quase 225 milhões de hoje; 12 anos depois diminuíram 72 milhões de euros, cifrando-se agora em um pouco menos de 153 milhões. Uma parte desta descida deveu-se a uma revalorização para baixo do valor do património edificado, contabilisticamente feita em 2013. Curiosamente, o PÁGINA UM consegiu obter, através de consultas on-line, todos os relatórios da Misericórdia do Porto entre 2012 e 2023, com execpção do de 2013, onde se procedeu à tal revaloriação dos activos.

    Resultados líquidos (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Em todo o caso, se essa revalorização foi uma mera operação contabilística sem relação com a gestão, já os resultados sistematicamente negativos dizem respeito directo à Mesa Administrativa. Aliás, mostra-se surpreendente que o actual provedor António Tavares tenha ‘herdado’ em 2011 resultados transitados – ou seja, lucros de anteriores administrações – da ordem dos 34 milhões de euros. Em 12 anos de gestão, essas ‘reservas’ mais que desapareceram: os resultados transitados (incluindo aqui o prejuízo de 2023) são agora negativos em cerca de três milhões de euros. Ou seja, a provedoria de António Tavares é responsável por um período em que se perdeu cerca de 37 milhões de euros.

    Mas quem olhar para os gastos da Misericórdia do Porto não diria que se está em tempo de ‘vacas magras’ nem de contenção de despesas. Uma das rubricas que mais tem aumentado, mesmo com uma estabilização das receitas, é a dos fornecedores e serviços externos. Quando António Tavares entrou em 2011, estes gastos cifravam-se em 13,2 milhões de euros, e até desceram para 11,9 milhões em 2013. Porém, no ano passado ultrapassaram os 19,5 milhões de euros. A subrubrica mais relevante é a dos subcontratos, que rondavam os cinco milhões por ano entre 2011 e 2014, mas em 2023 ultrapassaram os nove milhões de euros.

    O PÁGINA UM pediu ao provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, um comentário sobre a situação financeira da instituição e que apontasse os principais motivos para esse desempenho, mas a resposta veio lacónica: “Entendemos que não nos devemos pronunciar a este propósito”.

    Eurico Castro Alves, preside ao Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos e também à Convenção Nacional da Saúde, e foi escolhido pela ministra da Saúde para coordenador do Plano de Emergência da Saúde, sendo também membro suplente da Mesa Administrativa da Misericórdia do Porto. Foto tirada numa acção de sensibilização dos ensaios clínicos promovida pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).

    Também sucintas foram as respostas, apesar de diversas insistências, sobre as negociações em redor da criação do CAC do Porto como destino dos doentes não-urgentes. A SCMP garante que Eurico Castro Alves – que não respondeu às perguntas do PÁGINA UM – “não participou no processo de articulação para a implementação do CAC do Hospital da Prelada”. E também diz que não houve qualquer intervenção do Ministério das Finanças nem de Manuel Pinto Teixeira. A instituição diz que este seu mesário (administrador) não é gestor do Hospital da Prelada, embora no relatório e contas de 2023 essa unidade hospitalar esteja junto ao seu nome, indiciando encontrar-se sob sua tutela.

    De igual forma, e apesar de a Resolução do Conselho de Ministros que redefine as verbas a transferir para a Santa Casa da Misericórdia do Porto fazer referência ao CAC, esta instituição não quis adiantar pormenores do acordo nem dizer se haverá um acerto nas verbas a transferir pelo Governo em função dos doentes efectivamente atendidos no Hospital da Prelada.

    Em resposta ao PÁGINA UM, fonte oficial desta instituição afirmou apenas que “foi contratualizado pelo Governo um número diário de doentes a serem encaminhados para esta resposta via SNS, estando assim a nossa operação montada e preparada para diariamente assegurar este volume de atendimentos”. A Misericórdia do Porto adianta, em todo o caso, que entre 19 e 31 de Agosto foram atendidos 751 doentes não-urgentes, o que dá uma média diária de 58 atendimentos.

    Evolução dos fundos patrimoniais (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Ora, se essa média se mantiver até ao fim do ano, e atendendo ao custo unitário anunciado pelo Governo para os CAC (45 euros por atendimento), a Resolução de Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro traz efectivamente um significativo ‘balão de oxigénio’ para as contas da Misericórdia do Porto, que se estima em mais de seis milhões de euros só para este ano. Isto porque o reforço da verba relativa a 2024, em comparação com a anterior decisão do Governo socialista, é da ordem dos 6,4 milhões de euros, uma vez que se passou de 30,3 milhões para 36,7 milhões de euros em 2023. Se se considerar que a média de atendimentos em Agosto (58 pessoas por dia) se manterá até Dezembro, o custo do CAC no Hospital da Prelada seria apenas de cerca de 350 mil euros. Mas mesmo que seja considerada uma média de 100 pessoas por dia, o reforço concedido por Luís Montenegro à Misericórdia do Porto por ‘obra e graça do Espírito Santo’, ou pelas tais ‘coincidências’, superará, ‘limpos’, mais de cinco milhões de euros.

    Uma coisa parece certa, depois da Resolução do Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro antes das férias brasileiras em casa do mesário-suplente da Misericórdia do Porto: com este bónus, a instituição nortenha deverá apresentar lucros pela primeira vez desde 2014. Mas não será pelo facto de os membros da Mesa Administrativa se terem tornado, de repente, bons gestores, mas sim por uma ‘ajuda de secretaria’. Excepto, claro, se se considerar que ser-se bom gestor é deter também capacidade de influência para receber dinheiros públicos sem prestar boas contas do seu uso.

    O PÁGINA UM pediu comentários ao primeiro-ministro Luís Montenegro sobre esta matéria, mas do seu gabinete não houve qualquer reacção.


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  • ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    ‘Dino d’Santiago ten kunha na Câmara di Lisboa’

    Uma associação criada pelo cantor Dino D’Santiago em Dezembro passado, mas que só se deu a conhecer em Maio deste ano, não teve de andar muito, e muitos menos até Santiago de Compostela, para receber uma ‘prenda’ da autarquia de Lisboa. Em vez de ser obrigada ao incómodo de apresentar candidatura aos apoios municipais, com um projecto concreto, como as demais associações, à Mundu Nôbu, presidida pelo músico, bastou convencer a empresa municipal EGEAC a dar-lhe 130 mil euros por troca de uma tertúlia e um concerto de Dino d’Santiago e uns poucos convidados. O concerto está agendado para próximo dia 28 de Setembro, duas semanas depois de um outro concerto deste músico em Lisboa, contratado por 21.500 euros pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. A EGEAC nega que se esteja perante um ‘subsídio encapotado0 e que tenha havido pressões para contratar a associação, cuja apresentação oficial foi apadrinhada por Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa, que se ‘desunharam’ em elogios ao músico. A Mundu Nôbu não respondeu ao PÁGINA UM nem tem, no seu site, a lista dos órgãos sociais nem qualquer programa de actividades.


    Será um ‘milagre’ de D’ Santiago. A associação Mundu Nôbu, fundada há apenas nove meses pelo cantor e compositor Dino D’ Santiago, aparenta ter caído nas ‘boas graças’ da empresa municipal que gere os eventos culturais da capital. De uma assentada e sem grandes burocracias, e dois meses após a apresentação pública da Mundu Nôbu com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa e Carlos Moedas, a EGEAC decidiu contratá-la por 130 mil euros, através de um contrato por ajuste directo, para a co-organização de uma tertúlia e um concerto a realizar ainda este mês, na Praça do Município. O ‘prato especial’ é, aparentemente, o próprio Dino D’Santiago himself, que é o presidente desta associação que, no site, nem sequer apresenta os órgãos sociais nem tão-pouco um plano de actividades.

    Segundo o contrato disponível no Portal Base, a Mundu Nôbu foi contratada para conceber, coproduzir e apresentar o ‘Festival Mundo Nôbu 2024 – a interculturalidade portuguesa no top do Spotify, no âmbito da programação Festas na Rua 2024’, a ter lugar no dia 28 de Setembro, em Lisboa. A EGEAC também garante a instalação do palco na Praça do Município e toda a logística do concerto, incluindo a sua divulgação, que em circunstâncias normais ‘vale’ pelo menos cerca de 10 mil euros.

    Carlos Moedas (à esquerda) e Marcelo Rebelo de Sousa (ao centro), ‘apadrinharam’ a sessão de apresentação oficial da associação de Dino D’ Santiago (segundo a contar da direita), com sede na casa de Liliana Valente (segunda a contar da esquerda). Foto: D.R./MN.

    O valor do contrato serve assim apenas para a execução de uma simples conferência nos Paços do Concelho, com a presença de Dino D’ Santiago e convidados (não especificados) e dos eventuais cachets e acomodação dos artistas do concerto na Praça do Município, “com nomes como: Irma, Soluna, Criolo, Maro, Bateu Matou” [sic]. O concerto terá a duração de três horas, com acesso livre, mas pela leitura do contrato não se mostra claro se contará com Dino D’Santiago. No contrato, o seu nome apenas consta explicitamente na conferência vespertina na Sala de Arquivo dos Paços do Concelho, com início às 17h45, com convidados não especificados e sobre um tema ignoto.

    Mesmo se Dino D’Santiago participar no concerto de fim de tarde, a verba em causa está muito acima dos valores de mercado, incluindo os seus convidados. O músico algarvio de ascendência cabo-verdiana costuma cobrar, geralmente, entre 15 mil euros e um pouco acima dos 20 mil euros. Aliás, duas semanas antes deste espectáculo na Praça do Município, Dino D’Santiago vai estar no Largo José Saramago, junto ao Campo das Cebolas, como um dos cabeças de cartaz do festival Portas do Mar, organizado pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Por esse concerto, a agência que representa Dino D’Santiago, a Arruada, vai receber 21.500 euros. De acordo com alguns contratos no Portal Base e consultores do mercado de espectáculos consultados pelo PÁGINA UM, os cachets habituais dos nomes indicados pela Mundu Nôbu rondam os cinco mil euros. Ou seja, quem quisesse fazer um contrato com os nomes indicados no contrato assinado por Dino D’Santiago – ou melh0r dizendo, por Claudino de Jesus Borges Pereira – nunca gastaria mais de 30 mil euros. Com Dino D’Santiago, a ‘coisa’ ficaria, no máximo, por 50 mil euros.

    Aliás, o valor pago pela EGEAC à Mundu Nôbu aproxima-se do valor que Dino D’ Santiago já facturou em 10 contratos públicos em 2024. Até agora, entre Janeiro e Setembro deste ano, sem incluir este contrato com a sua associação, o artista de ascendência cabo-verdiana custou ao erário público 137.799 euros pela realização de 10 concertos pelo país. Há seis anos, Dino d’Santiago era bem mais baratinho: um concerto contratado pela autarquia de Lisboa custou apenas seis mil euros.

    (Foto: D.R./MN)

    O sucesso da associação de Dino D ‘Santiago – que a fundou em parceria com Liliana Valpaços, antiga directora de operações da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), em cuja casa, em Lisboa, se encontra a sede – advém muito da sua popularidade entre políticos de todos os quadrantes. Na sessão oficial de apresentação ao público da Mundu Nôbu, em finais de Maio, no Hub Criativo do Beato, Dino D’Santiago deu e recebeu elogios de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

    Na altura, à comunicação social, Liliana Valente diria que a ideia da associação surgiu após “uma viagem aos Estados Unidos da América”, depois de terem conhecido a organização Brotherhood Sister Sol, em Nova Iorque, que, diga-se, registou nos últimos dois anos receitas globais de 25,6 milhões de dólares e conta com um staff de cerca de meia centena de pessoas.

    Mas, afinal, porque decidiu a EGEAC entregar 130 mil euros a uma associação através de um ajuste directo e não pelos habituais procedimentos de apoio a este tipo de organizações de génese cultural e social? A pergunta pode ser indirectamente respondida pela consulta do regulamento de atribuição de apoios pelo município de Lisboa aos projectos associativos de vária índole, incluindo os relativos aos direitos humanos e sociais. Por um lado, estão, neste momento, a decorrer já os processos de avaliação das candidaturas para o próximo ano, onde se exigem projectos em concreto, e há um limite de 70 mil euros por associação.

    Questionada sobre se existem outros casos de associações de índole socio-cultural que tenham conseguido contratos desta natureza em tão pouco tempo, uma porta-voz da empresa municipal indicou que ao PÁGINA UM que, “de facto, a EGEAC realiza vários contratos com associações, promotores culturais e demais entidades para concretizar a sua atividade cultural ao longo do ano”, sem especificar quais. Mais adiantou que “a relação com a Associação [Mundu Nôbu] não é uma parceria, mas [fruto de] um contrato de aquisição de serviços de concepção, coprodução e apresentação ao público do Festival Mundu Nôbu”. Para a associação de Dino D’Santiago, a EGEAC surge classificada, porém, como parceira, ao lado de entidades privadas, e também da própria autarquia de Lisboa e de outra empresa municipal, a Gebalis.

    Duas semanas antes do evento pelo qual a EGEAC pagou 130 mil euros à novel associação presidida por Dino D’Santiago, o músico vai actuar num festival da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (Lisboa). A agência que o representa cobrou 21.500 euros.

    A EGEAC também descartou que tenha havido uma indicação expressa da autarquia para a realização da adjudicação à Mundu Nôbu, que anunciu também para este mês um programa de intervenção comunitária intitulado “O teu lugar no mundo“, envolvendo 160 jovens, nesta fase exclusivamente para residentes em bairros sociais. Mas esta iniciativa é uma incógnita. No site da associação apenas consta a ligação para inscrições (já terminadas) onde se diz haver formação (não especificada) duas horas por semana, em grupo, além de contacto com artistas, atletas e profissionais de sucesso, da realização de estágios, visitas a empresas e universidades, e também organização de espectáculos, prometendo-se “monitores disponíveis 24/7”.

    Apesar desta benesse recebida por uma empresa municipal da capital, as ligações a eventos da autarquia alfacinha têm trazido alguns dissabores a Dino D’Santiago, colocando-o no centro de polémicas. Por exemplo, quando Fernando Medina, um seu admirador, presidia à autarquia, dois eventos em que D’ Santiago participou foram alvo de notícias críticas. Não se sabe se este novo apoio da autarquia à novel associação do artista se irá transformar numa maldição, ou se vai ficar-se pelo milagre. Para já, os tempos são de bonança para a jovem organização, já ‘crismada’ com dinheiros da EGEAC, depois da benção, à laia de padrinhos, de Carlos Moedas e Marcelo Rebelo de Sousa.

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de seis perguntas à associação de Dino D’Santiago e de Liliana Valente, que se se apresenta no LinkedIn como directora executiva da Mundu Nôbu, mas não teve uma resposta sequer.


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  • Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Município de Sintra assina contratos de refeições escolares que se ‘atropelam’ no tempo

    Foram duas das empresas acusadas pela Autoridade da Concorrência no ‘cartel das cantinas’, há 13 anos. Mas só com o município de Sintra, o consórcio constituído pelas sociedades ICA e Nordigal tem enchido o tabuleiro em contratos por concurso público mas misturados com ajustes directos com vista ao fornecimento de refeições escolares. No município liderado por Basílio Horta já se tornou mesmo um hábito vencer-se um concurso público mas, no mesmo mês, conseguir um ajuste directo milionário para o mesmo tipo de serviço. A autarquia garantiu ao PÁGINA UM que nunca os dois contratos ficam activos em simultâneo. Sem fiscalização, fica sem se saber se há facturação dupla e duplo pagamento. Além disso, a inflação das refeições escolares disparou: comparando com o contrato que vigorou até ao ano lectivo de 2023/2024, o preço de cada lanche cobrado pelo consórcio quase duplicou para os próximos três anos, enquanto cada almoço sofreu um aumento de 30%. Globalmente, desde 2015, a Câmara de Sintra já gastou mais de 87,6 milhões de euros na compra de refeições escolares à ICA/Nordigal.


    Neste mês de Setembro, começa um novo ano lectivo para a generalidade dos níveis de ensino, e recomeça também um dos mais apetecíveis negócios do país que movimentam milhões: o fornecimento de refeições escolares pagas pelas autarquia. Mas Sintra, o concelho do país com mais jovens em idade escolar, destaca-se por uma particularidade, que não se resume apenas ao (elevado) valor do contrato, mas sim ao estranho facto de, em Setembro, ter o fornecimento de refeições ‘suportado’ por dois contratos: um por concurso público com três anos de duração e outro por ajuste directo com a duração de apenas um mês. Ambos beneficiaram a mesmo consórcio, constituído por duas das principais empresas do sector, a ICA e a Nordigal.

    Comecemos pelo concurso público. Num negócio com direito a prato principal e sobremesa, este agrupamento empresarial ganhou, em Agosto passado, o contrato do município de Sintra, com uma duração de três anos por 35.471.520 euros com vista ao fornecimento de refeições nas escolas do primeiro ciclo e pré-escolar. No contrato surge especificamente que a data prevista de início é 1 de Setembro (domingo passado), mas como está dependente de visto para ser válido, a autarquia liderada por Basílio Horta foi a correr fazer um ajuste directo de mais de 921.300 milhões de euros para o mesmo mês. Em teoria, o mês de Setembro pode vir a ter dois contratos em vigor para o mesmo serviço.

    Sintra: um poço sem fundo de recursos financeiros para o pouco transparente negócio das refeições escolares. (Foto: D.R.)

    A duplicação de contratos que se ‘atropelam’ no tempo não é uma novidade em Sintra. O consórcio ICA/Nordigal já em 2021 tinha beneficiado do mesmo menu por parte da autarquia de Basílio Horta: ganhou concurso e teve direito a um ajuste directo extra, mesmo sabendo-se que o município teve ‘todo o tempo do mundo’ (três anos) para preparar um concurso público com adjudicação a tempo de receber visto do Tribunal de Contas. Ignora-se como se processaram os pagamentos.

    No caso dos dois contratos agora adjudicados, o município de Sintra lançou um concurso público para contratação do serviço de fornecimento de refeições escolares nas escolas do primeiro ciclo do ensino básico e pré-escolar da rede pública do concelho. Este contrato de quase 35,5 milhões de euros, sem IVA, adjudicado ao agrupamento constituído pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar e pela Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, foi assinado a 13 de Agosto, sendo válido por 12 meses, mas prorrogável, em condições normais, até 36 meses. Os gastos máximos estipulados são de 4.598.160 euros em 2024, de 11.823.840 euros em 2025, de 11.823.840 euros em 2026 e de 7.225.680 em 2027.

    O preço fixado contratualmente é de 75 cêntimos por cada lanche da manhã e da tarde (0,85 euros, com IVA), de 2,97 euros por cada almoço (3,36 euros com IVA a 13%) e de 3,60 euros por cada refeição fora do período regular (4,07 euros com IVA).

    five red apples on white surface
    (Foto: D.R.)

    Ora, 10 dias depois da assinatura deste contrato, o município assinou um novo contrato com o ICA/Nordigal, mas por ajuste directo. O segundo contrato visa a prestação do serviço nos exactos moldes do contrato por concurso público, mas apenas por um período de quatro semanas, a começar a 1 de Setembro e envolvendo a quantia de até 921.300 euros, o que, com IVA, totaliza 1,o4 milhões de euros. Note-se que em grande parte das escolas a actividade lectiva inicia-se apenas entre os dias 12 e 16 de Setembro.

    Ao PÁGINA UM, o município de Sintra justificou o ajuste directo com um dos expedientes mais recorrentes: “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, […] e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. No entanto, é difícil compreender como não se possa imputar à entidade adjudicante (autarquia de Sintra) a responsabilidade por inexistência de visto do Tribunal de Contas para um contrato que saiu de um concurso público que teve três anos para ser preparado.

    Mas o município garantiu que “em situação alguma os dois contratos estão ativos em simultâneo, pelo que está garantida a impossibilidade de poder haver duplicação de faturação”. Segundo a autarquia, “o contrato relativo ao ajuste direto contém uma cláusula que o faz cessar assim que é obtido o visto do Tribunal de Contas relativo ao contrato resultante do concurso público internacional”. Assim que “o contrato de ajuste direto cessa, procede-se ao pagamento das faturas relativas aos consumos realizados no seu âmbito, seguindo-se o seu encerramento e o descabimento do saldo remanescente”. Adiantou que “o contrato resultante do concurso público internacional só se torna eficaz após o encerramento do contrato do ajuste direto, pelo que nunca poderá haver duplicação de faturação” e que “o contrato resultante do concurso público internacional se torna eficaz o seu cabimento é reduzido, sendo-lhe deduzido o valor gasto com o ajuste direto”.

    food, sandwich, sardine
    (Foto: D.R.)

    Na verdade, em termos práticos, além de ter garantido que vai fornecer uma boa fatia do mercado de refeições escolares na rede pública de escolas em Sintra por mais 1095 dias, o consórcio ICA/Nordigal ainda contabiliza uma ‘borla’: a possibilidade de ‘engolir’ mais 1,04 milhões de euros de dinheiro dos contribuintes sem enfrentar concorrência.

    Para justificar este ajuste directo, o município adiantou ao PÁGINA UM que “o contrato no valor de 35,471 milhões de euros, publicado a 16 de agosto, diz respeito à abertura de concurso público internacional lançado pela segunda vez”, na sequência de um primeiro ter ficado deserto por “ausência de propostas”. E acrescenta que “tal facto levou o município de Sintra a lançar um segundo concurso, cujo contrato foi publicado no dia 16 de Agosto, mas que ainda não se encontra eficaz, uma vez que ainda decorre a apreciação do mesmo por parte do Tribunal de Contas para atribuição do respetivo visto”.

    Por esse motivo, o município diz que para garantir o fornecimento de refeições escolares neste mês de Setembro, “e numa situação em tudo similar com a ocorrida em 2021, tornou-se necessário proceder ao ajuste direto, conforme previsto na lei, também remetido ao Tribunal de Contas, e que permite assegurar a resposta em tempo até à emissão do referido visto por parte do Tribunal de Contas ao concurso público”. 

    girl holding two eggs while putting it on her eyes
    (Foto: D.R.)

    Em 2021, o município de Sintra adjudicou a este consórcio, em 13 de Outubro, um contrato para “fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do concelho de Sintra, em regime de fornecimento contínuo”, através de concurso público, no valor de 21.526.230 euros, sem IVA. Mas acompanhou o ‘prato principal’ com uma ‘entrada’: um ajuste directo firmado a 6 de Outubro de 2021 com a empresa ICA para o mesmo serviço, no valor de 923.616 euros, sem IVA, para o prazo de 40 dias.  Também na altura, a “urgência imperiosa” explicou a entrega de mais de um milhão de euros de mão beijada a uma empresa.

    Em ambos os contratos, o valor do lanche era então de quase metade do praticado agora: 40 cêntimos, sem IVA. Já cada almoço registou um aumento de 30%. Em 2021, o consórcio cobrou ao município de Sintra 2,28 euros por almoço, menos 69 cêntimos do preço cobrado praticado agora. A inflação destas refeições subiu muito mais do que o índice de preços ao consumidor (IPC).

    Certo é que em dois contratos por concurso, e mais dois ajustes directos, o ICA/Nordigal facturou 58,9 milhões de euros com o município de Sintra, garantindo negócios por 2.190 dias à conta de dinheiros públicos.

    Mas não fica por aqui a facturação deste consórcio com a Câmara de Sintra. Ainda em 2021, a ICA garantiu o recebimento de 1.231.520,4 euros, sem IVA, por seis contratos firmados com o município, cinco dos quais por ajuste directo e um por consulta prévia.

    (Foto: D.R.)

    Já a Nordigal tinha facturado, três anos antes, quase 14,2 milhões de euros por via de um contrato assinado em 9 de Julho de 2018, válido por um período de um ano e prorrogável até três anos. Este contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, visou a “aquisição de serviços para fornecimento de refeições escolares para o ano lectivo 2018/2019”, além do “fornecimento diário de refeições em estabelecimentos escolares do 1º ciclo de ensino básico e pré-escolar da rede pública no Concelho de Sintra, assim como da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Tudo somado, desde 2018, no global, a Câmara de Sintra entregou a farta quantia de 74,3 milhões de euros em contratos às duas empresas que agora voltaram a ser contratadas pelo município. Se forem contabilizados contratos anteriores, feitos por ajuste directo ou ao abrigo de acordo-quadro, a soma eleva-se para cima dos 87,6 milhões de euros.

    De resto, segundo os dados constantes do Portal Base, o município de Sintra tem entregue contratos de fornecimento de refeições escolares a outras empresas, mas os valores estão aquém dos montantes entregues ao ICA/Nordigal.

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    Foto: D.R.)

    Por exemplo, em Julho deste ano, o município firmou um contrato com a espanhola Mediterranea de Catering, envolvendo 12.879.972 euros, neste caso para “aquisição de serviços de fornecimento de refeições em estabelecimentos escolares da rede pública do Concelho de Sintra e na Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    O contrato assinado em 12 de Julho foi depois ‘acrescentado’, no mês seguinte, a 29 de Agosto, de um ajuste directo no valor de 921.580 euros para prestar, durante dois meses, o serviço de… “fornecimento e distribuição de refeições escolares em estabelecimentos escolares do 2.º, 3.º ciclo e secundária da rede pública do Concelho de Sintra e Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra”.

    Por coincidência, o primeiro contrato adjudicado pelo município de Sintra a este consórcio foi por ajuste directo em 15 de Julho de 2015, quatro meses depois do Tribunal da Relação ter decretado a prescrição da acusação da Autoridade da Concorrência contra o ‘cartel das cantinas’, que tinha entre os acusados o agrupamento ICA/Nordigal, o qual foi condenado pelo Tribunal da Concorrência a pagar 600 mil euros por ter trocado informação comercial com concorrentes.

    Saliente-se que um dos nomes mencionados na acusação do ‘cartel das cantinas’ surge, ‘preto no branco’, nos dois contratos agora assinados entre o ICA/Nordigal e a Câmara Municipal de Sintra: Nuno Perdigão, em representação do agrupamento empresarial. Na altura do ‘cartel das cantinas, entre a documentação, foi ‘apanhado’ um e-mail recebido por Perdigão, na qualidade de inspector de vendas da ICA, que comprovou a existência de troca de informação comercial entre as empresas do cartel.


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  • Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Não são apenas (umas poucas) vidas destruídas por sequelas associadas às vacinas contra a covid-19, como mostraram recentes reportagens dos canais televisivos TVI e CMTV. Na verdade, há muitas pessoas que perderam literalmente a vida de forma fulminante, cujos desfechos foram escondidos pelas autoridades, mais interessadas em atingir objectivos máximos de vacinação, estratégia defendida com ‘unhas e dentes’ pelo coordenador da ‘task force’ Gouveia e Melo. Em resultado de uma ‘luta’ de 32 meses, contra advogados pagos a ‘peso de ouro’ pelo Infarmed, o PÁGINA UM conseguiu um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul para aceder à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), mas o regulador do medicamento, presidido por Rui Santos Ivo, não o quer cumprir na íntegra. O Infarmed insiste em mutilar e omitir diversas variáveis, e ainda só disponibilizou os dados do primeiro ano do programa de vacinação. Mesmo assim, aquilo que já se vê é assustador: não apenas ocorreram mortes fulminantes, algumas poucos minutos após a administração das doses, como se salienta que as autoridades negligenciaram o apuramento das causas de muitas fatalidades, sendo provável um elevado grau de subnotificação. O PÁGINA UM revela, por agora, nesta notícia em edição especial, a ponta de um (escandaloso) icebergue.


    Diversas mortes fulminantes, conjugadas com escandalosas lacunas de informação – é este o retrato inicial da informação parcial disponibilizada pelo Infarmed integrada na base de dados das reacções adversas (Portal RAM) relativas às vacinas contra a covid-19. O regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santos Ivo, viu-se obrigado por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) a permitir o acesso ao Portal RAM, mas intencionalmente optou por enviar apenas os dados do primeiro ano da campanha de vacinação, sendo notórias várias manipulações e ocultamentos em variáveis, entre as quais a data da administração e número do lote da vacina, a idade precisa das vítimas e sobretudo a causalidade (definitiva, provável, possível e improvável).

    Perante o incumprimento intencional do Infarmed – e até por via da recusa implícita do organismo estatal em realizar uma análise conjunta do Portal RAM com o PÁGINA UM a partir dos dados brutos – será solicitada a execução da sentença ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Desde o primeiro requerimento do PÁGINA UM, e mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo ter também considerado de relevante interesse público o acesso à base de dados anonimizados, já decorreram mais de 32 meses. Rui Santos Ivo, presidente do regulador desde 2019 – e com um percurso profissional sempre próximo do sector empresarial, tendo sido mesmo director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (2008-2011) – chegou a defender afincadamente em audiência no Tribunal Administrativo de Lisboa no início do ano passado a ocultação do Portal RAM, bastando, na sua óptica, os relatórios de farmacovigilância.

    Seguras e eficazes – assim foram sempre classificadas as vacinas contra a covid-19 pelas autoridades, que tudo têm feito para esconder a informação sobre reacções adversas.

    Em todo o caso, mostra-se de enorme gravidade a inexistência na base de dados do Infarmed de pormenores relevantes mesmo em desfechos fatais, nem se percebe se, no decurso do tempo, muitos outros casos evoluíram favorável ou desfavoravelmente. Certo é que no período compreendido entre 27 de Dezembro de 2020 – início da campanha de vacinação – e 6 de Dezembro de 2021, em que foram reportadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves, nem os casos de morte foram alvo de particular investigação.

    Com efeito, a base de dados gerida pelo Infarmed – e que possibilita actualizações posteriores por médicos notificadores –, indica a ocorrência de 104 mortes durante o primeiro ano de vacinação, mas em cerca de quatro dezenas nem sequer é indicado o período desde a administração da vacina e o desfecho fatal. Porém, em diversos casos, surge a indicação de mortes absurdamente fulminantes. Por exemplo, identificada como o caso 23897, uma mulher com mais de 80 anos sucumbiu de ataque cardíaco apenas dois escassos minutos após receber a vacina da Pfizer (Comirnaty) em 18 de Outubro de 2021. Pouco mais durou um idoso da mesma faixa etária, identificado como a reacção 27033: após lhe administrarem também a vacina da Pfizer (Comirnaty), em 4 de Dezembro de 2021, morreu ao fim de 15 minutos com um tromboembolismo pulmonar.

    Em apenas 30 minutos morreu, em 6 de Abril de 2021, uma mulher com idade entre os 65 e os 79 anos, identificada como caso 8712, depois de receber a vacina da AstraZeneca. E somente uma hora ‘sobreviveu’ o caso 7486: uma morte súbita ‘levou’ um homem com idade entre os 65 e os 74 anos depois de lhe ser administrada uma vacina cuja marca, estranhamente, nem sequer surge no Portal RAM – e nem sequer o Infarmed pareceu preocupado em saber.

    Primeiro vacinado em Portugal, no dia 27 de Dezembro de 2020, foi António Sarmento, director do serviço de Infecciologia do Hospital de São João, no Porto. Primeira morte por reacção adversa foi registada no portal do Infarmed em 15 de Janeiro de 2021. Num mês estavam cinco, algumas de forma fulminante.

    Em duas ou menos horas estão identificadas mais três mortes: o caso 1062 (mulher com mais de 80 anos, por dispneia, em 21 de Janeiro de 2021); o caso 5987 (mulher com idade entre os 65 e 79 anos, por ataque cardíaco, em 30 de Março de 2021); e o caso 6675 (homem com idade dos 50 aos 64 anos, por choque anafilático, em 8 de Abril de 2021). Com desfecho fatal entre duas horas e menos de dois dias, o PÁGINA UM contabilizou mais 24 mortes, quase todas associadas a distúrbios cardiovasculares.

    Também se mostra surpreendente a ausência de informação recolhida – ou então ilegalmente escondida ao PÁGINA UM pelo Infarmed – sobre mortes de pessoas de menor idade. No ficheiro ‘mutilado’, estão reportadas nove mortes de pessoas com idade entre os 25 e 49 anos, uma faixa onde a covid-19 constituía um perigo real bastante reduzido. Ora, em cinco destas mortes (casos 200, 11860, 13665, 25779 e 26408) nem sequer se registou a duração da reacção até ao desfecho fatal.

    Nem sequer se considerou alarmante que a primeira destas mortes, em faixas mais jovens (25-49 anos), tenha ocorrido logo na primeira fase, vitimando uma mulher no primeiro dia do ano de 2021, surgindo somente a referência a ter sido uma morte súbita. Neste grupo de vítimas mais jovens, alguns das causas de morte estão em linha com alguns distúrbios compatíveis com reacções adversas das vacinas contra a covid-19 confirmadas pela Ciência ao longo dos últimos anos. Por exemplo, o caso 18448 diz respeito à morte de um homem nesta faixa etária que foi acometido de trombocitopenia imune somente 24 horas depois de lhe ser administrada a vacina da Janssen. Já uma mulher do mesmo grupo etário morreu em Agosto de 2021 depois de sofrer um choque anafilático seis horas após receber uma dose da vacina da Pfizer, acabando por sucumbir de ataque cardíaco.

    Ainda mais complexa, e agonizante, foi a morte de um homem desta faixa etária a quem, três dias após receber a vacina da Pfizer, foi diagnosticada uma miocardite, seguindo-se um acidente vascular cerebral grave e uma trombose arterial. Morreu passado mais três dias, em 26 de Novembro de 2021, de ataque cardíaco.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed desde 2019: somente pela protecção política de que goza se pode justificar que continue, mesmo com um acórdão do Tribunal Administrativo, a recusar divulgar dados oficiais relevantes para a aplicação do conceito de consentimento informado.

    O PÁGINA UM continuará a analisar o Portal RAM, a pressionar o Infarmed a cumprir o acórdão do Tribunal Administrativo, e a fazer um levantamento das reacções adversas mais graves causadas pelas vacinas da covid-19 no espaço europeu, através de um levantamento exaustivo e rigoroso da informação da EudraVigilance, a base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Destaque-se, no entanto, e desde já, que não existe nenhum outro medicamento autorizado que actualmente apresente tantas vítimas por efeitos adversos, mantendo-se um estranho alheamento com vista a uma necessária análise ética e política sobre os programas de vacinação contra a covid-19, que inclua uma avaliação do custo-benefício por grupo etário e por grau de vulnerabilidade. E, sobretudo, com a transparência exigida para que haja um verdadeiro (e sem pressão) consentimento informado, assumindo o Estado – já que as farmacêuticas obtiveram isenções de responsabilidades da Comissão von der Leyen – os apoios e indemnizações por danos causados durante os programas (quase impostos) de vacinação.

    N.D. A ‘luta’ do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, neste processo contra o obscurantismo do Infarmed, e noutros, somente tem sido possível em virtude dos apoios individuais dos leitores, através de donativos específicos para o FUNDO JURÍDICO.


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