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  • Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Uma coisa são as intenções, outra a realidade. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira, trazem aparentes boas notícias: no segundo trimestre deste ano atingiu-se o mais elevado rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, embora uma parte tenha sido ‘comido’ pela inflação dos últimos anos. Mas nem tudo são rosas, longe disso. Apesar de todos os sectores estarem em crescimento, no caso dos serviços a diferença de rendimentos entre homens e mulheres atingiu, no segundo trimestre deste ano, o valor mais elevado desde que o INE iniciou os registos em 2011. Aliás, nos serviços, comparando a evolução no último quinquénio, o aumento absoluto no rendimento dos homens foi de 240 euros contra apenas 213 euros das mulheres.


    O rendimento médio mensal líquido dos empregados por conta de outrem atingiu o valor mais elevado de sempre, mas a inflação tem vindo a ‘comer’ parte deste acréscimo dos últimos anos, enquanto as disparidades salariais entre homens e mulheres no sector dos serviços alcançou mesmo um máximo no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística.

    Analisando a série de dados desde 2011 sobre o rendimento dos trabalhadores depois da dedução do imposto sobre o rendimento (IRS), das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social, o PÁGINA UM conclui que existem mais motivos de preocupação do que de satisfação.

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    No ‘mundo’ dos serviços, a discriminação salarial continua e até aumentou para valores record em Portugal no segundo trimestre deste ano.

    Não contabilizando a inflação, cada trabalhador por conta de outrem ‘levou para casa’, em média, no segundo trimestre deste ano mais 321 euros do que no início de 2011, tendo amealhado agora 1.137 euros. É a primeira vez que este rendimento médio ultrapassou a fasquia dos 1.100 euros. Em comparação com o trimestre anterior, registou-se um aumento de 3,8%, sendo de 8,9% face ao período homólogo do ano passado. E se se recuar cinco anos, para o segundo trimestre de 2019, o aumento é de 24,5%.

    Porém, a inflação terá anulado parte significativa deste incremento nos rendimentos, considerando que o índice de preços no consumidor (IPC) subiu 13,9% entre 2019 e 2023, alcançando mesmo os 28,5% no caso dos produtos alimentares não transformados. Ou seja, para a compra de muitos alimentos, a inflação ‘comeu’ essa aparente melhoria.   

    O sector agrícola e afins tem registado, mesmo assim, uma melhor evolução em termos relativos nos últimos cinco anos, tendo os trabalhadores passado de um rendimento médio mensal líquido de 692 euros no segundo trimestre de 2019 para os 933 euros no segundo trimestre deste ano. Em todo o caso, continua este a ser o sector com menores rendimentos face ao sector industrial, de construção, energia e águas (o tradicional sector secundário) e ao sector dos serviços (vulgarmente conhecido por sector terciário).

    Com efeito, no sector secundário, o último trimestre de 2023, conforme revelam os dados do INE, marcou a ultrapassagem simbólica dos 1.000 euros, que se consolidou agora. O segundo trimestre deste ano apresenta um rendimento médio líquido de 1.080 euros, mais 98 euros do que o período homólogo, e mais 230 euros do que há cinco ano, o que significa um aumento relativo de 27,1%.

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    Trabalhadores do sector primário têm os menores rendimentos, mas também a menor disparidade salarial entre homens e mulheres.

    Apesar do sector dos serviços ter contabilizado um incremento relativo menor no último quinquénio (23,5%), na verdade o aumento absoluto do rendimento líquido médio foi superior aos dos outros dois sectores. Tendo sido superada a fasquia dos 1.000 euros no primeiro trimestre de 2021, os trabalhadores do sector terciário tem registado um aumento consistente, exceptuando o período da pandemia em que se registou uma certa estagnação, com um aumento de apenas 71 euros em três anos (entre o segundo trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2023). Mas desde este último período, ou seja, em cinco trimestres, o rendimento médio já subiu 115 euros, situando-se agora nos 1.162 euros, mais 221 euros do que há cinco anos.

    Contudo, as disparidades de rendimento entre homens e mulheres estão bastante longe de se dissipar, pelo contrário. No sector dos serviços, o último trimestre apresenta mesmo a maior diferença desde os registos do INE, cuja série começou em 2011 e que foram alvo de ‘reconciliação’ para permitir comparações. No segundo trimestre deste ano, a diferença entre o rendimento médio líquido dos homens e das mulheres no sector terciário nunca foi tão elevada, subindo para 244 euros, o que contrasta com os 166 euros do primeiro trimestre de 2014, a menor disparidade contabilizada desde 2011.

    Em todo o caso, o sector dos serviços é o único em que o rendimento líquido médio das mulheres ultrapassa os 1.000 euros, embora tal tenha acontecido apenas este ano, no primeiro trimestre. Nos outros dois sectores, as mulheres ainda estão bastante aquém dessa fasquia simbólica, embora a distância face aos homens seja menor. Para o segundo trimestre deste ano, no caso do sector industrial e afim, as mulheres ficaram, em média, com um rendimento de 984 euros, enquanto os homens arrecadaram 1.129 euros (diferença de 145 euros).

    Já no sector agrícola e afim, a diferença no segundo trimestre deste ano cifrou-se nos 103 euros, com os homens a registarem um rendimento líquido médio de 973 euros, que contrasta com os 870 euros das mulheres. Curiosamente, o sector primário é aquele onde a disparidade está menos acentuada, havendo trimestres onde se observa rendimentos quase similares, como sucedeu no terceiro trimestre de 2021, quando a diferença foi apenas de um euro.

    Evolução do rendimento médio mensal líquido entre homens e mulheres desde 2011 até ao segundo trimestre de 2024. Fonte: INE.

    Considerando apenas os valores absolutos, o aumento do rendimento médio mensal líquido foi mais favorável no último quinquénio para as mulheres nos sectores primário (277 vs. 203) e secundário (229 vs. 222), mas não no sector terciário, onde o aumento se quedou em 210 euros, que contrastou com uma subida de 247 euros para os homens.

    Por fim, um aspecto relevante que se destaca na evolução dos rendimentos é a redução das disparidades em cada sector de actividade, embora haja ainda diferenças significativas. Por exemplo, em 2011, o rendimento médio líquido de um trabalhador do sexo masculino no sector dos serviços era 58% superior ao de um homem a trabalhar no sector primário. Essa diferença agora é de 34%. No caso das mulheres que trabalhavam no sector dos serviços em 2011, apresentavam um rendimento de quase 64% superior ao de uma trabalhadora do sector primário. Essa diferença é agora de 22%.


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  • Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    A Volta a Portugal em bicicleta foi perdendo élan nas últimas décadas, mas mantém-se no imaginário de autarcas, que abrem os cordões à bolsa com dinheiros públicos, para os seus municípios serem escolhidos pela organização como locais de chegada, de partida e até de metas volantes. Como o negócio fala mais alto, o resultado é uma Volta que parece uma manta de retalhos, onde os ciclistas quase andam tanto de autocarro como de bicicleta. A edição deste ano, de acordo com as contas do PÁGINA UM, já ultrapassam os 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos, mas o ‘naming’ foi sacado pelo Continente por um valor não divulgado pela empresa organizadora, a Podium Events.


    A empresa organizadora da Volta a Portugal em bicicleta – que terminou no passado domingo com a vitória do russo Artem Nych –, que conta com quatro empregados, já garantiu na edição deste ano mais de 1,1 milhões de euros de dinheiros públicos. Apesar do ‘naming’ deste evento desportivo estar associado aos supermercados Continente, do Grupo Sonae, e existirem dezenas de patrocinadores e fornecedores oficiais, uma parte substancial das receitas da Podium Events surge de ‘patrocínios’ de autarquias e outras entidades públicas, em grande parte dos casos como contrapartida de os municípios respectivos serem escolhidos para início ou fim das etapas.  

    No passado dia 24 de Julho, quando se iniciou a principal prova portuguesa que integra o calendário da Union Cycliste Internationale (UCI) Europe Tour, o PÁGINA UM já tinha relatado que, contabilizando também um patrocínio da Santa Casa da Misericórdia de 310 mil euros, constavam no Portal Base contratos envolvendo entidades públicas e a Podium Events no valor de quase 815 mil euros. Mas este valor foi aumentando à medida que se foi desenrolando o evento. Entre o dia do prólogo até sexta-feira passada foram adicionados mais sete contratos com autarquias (Felgueiras, Bragança, Fafe, Boticas, Paredes e Santarém) e mais um com a Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal. No caso do ajuste directo com a Câmara Municipal de Bragança – a única localidade com ‘direito’ a ser sítio de chegada e partida durante a edição deste ano da Volta a Portugal –, o montante em causa (210 mil euros) garante, desde já, uma nova passagem em 2025.

    Autarquias a pagar para ver chegar e partir os ciclistas aparentam ser o factor mais determinante para que a Podium Events – que, também com outra denominação, tem organizado ou co-organizado esta prova, desde o início do século –, o que ‘obriga’ a uma complexa ginástica que tornou a Volta a Portugal num quase exercício de ‘pogo stick’.

    Com efeito, nos últimos anos, o pelotão não descansa logo que acaba uma etapa, porque na esmagadora maioria das etapas tem de saltar de bicicletas e bagagens para outra localidade, para daí partir na manhã seguinte. Em alguns casos, a caravana vai literalmente em mais do que duas rodas durante largos quilómetros.

    Por exemplo, na edição 85 que terminou domingo, depois do prólogo em Águeda, a primeira etapa saiu, no dia seguinte, em terras do vizinho concelho da Anadia, uma vila de Sangalhos. Neste caso foram 12 quilómetros, mas a primeira etapa terminou em Miranda do Corvo, mas a caravana viu-se obrigada a percorrer em veículos 111 quilómetros, porque a segunda etapa saiu de Santarém. Essa etapa terminou em Lisboa, e nova ‘peregrinação’ houve: 180 quilómetros até ao Crato, no norte do Alentejo, onde se iniciou a terceira etapa.  

    Não considerando o prólogo (Águeda) e o contra-relógio da última etapa (Viseu) – que, pela curta distância, podem ser considerados ‘circuitos’ –, apenas houve uma etapa que se iniciou na mesma localidade onde terminou a anterior: Bragança.

    De resto, a caravana automóvel, com os ciclistas à boleia, andou de norte ao centro do país para levar tudo do sítio onde se terminou para o outro onde se continuaria, a saber: Covilhã-Sabugal (42 km), Guarda-Penedono (63 km), Boticas-Felgueiras (79 km), Paredes-Viana do Castelo (83 km), Fafe-Maia (55 km) e Mondim de Basto-Viseu (123 km). Contas feitas, os ciclistas que terminaram a Volta pedalaram cerca de 1.540 quilómetros, mas entre etapas, de carro, andaram mais 748 quilómetros.

    Na análise do PÁGINA UM, apesar da Volta a Portugal deste ano ter tido somente um prólogo e 10 etapas, houve 18 concelhos onde a caravana parou para chegar ou partir. Até agora, não surgem ainda no Portal Base respeitantes à passagem da prova ciclista nos municípios do Crato, Sabugal, Penedono, Viana do Castelo, Maia, Mondim de Basto e Viseu. Também ainda não aparece qualquer contrato com a autarquia de Miranda do Corvo, chegada da primeira etapa, embora haja um apoio de 19.990 euros da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal.

    De resto, todas as outras 11 autarquias por onde ‘estancou’ a caravana já abriram os cordões da ‘bolsa pública’ em direcção à Podium Events, sem sequer ser claro os critérios para definir o montante que cada uma pagou. O município de Águeda para ter o prólogo, mas sem direito a partida da primeira etapa, gastou 110 mi euros. Por sua vez, a autarquia de Anadia somente despendeu 24.390,24 euros – sem se perceber o motivo de, contrariamente aos outros, não haver um número redondo – para ficar com a saída da primeira etapa. Na segunda etapa, que ligou Santarém a Lisboa, a autarquia escalabitana desembolsou 20 mil embora, mas na capital foi a Junta de Freguesia de Marvila – onde se localizam alguns dos bairros mais maiores carências – que pagou à Podium Events, e não foi pouco: 90 mil euros para ficar no ‘mapa da Volta’ por uma simples tarde, até porque a caravana seguiu logo para o Crato.

    Como já referido, não existe ainda informação sobre verbas pagas pelos municípios da saída da terceira (Crato), quarta (Sabugal) e quinta (Penedono), mas há para as metas: a autarquia da Covilhã pagou 60 mil euros, a da Guarda 140 mil (integrado num contrato de quatro anos assinado em 2022 no valor total de 400 mil euros) e a de Bragança desembolsou 105 mil euros, que incluiu a partida da sexta etapa.

    Por sua vez, Boticas pagou 80 mil euros para ser meta da sexta etapa, enquanto Felgueiras e Paredes, que se ligaram na sétima etapa, deram à Podium Events 35 mil e 80 mil euros, respectivamente. Relativamente às etapas oitava a décima, somente se conhece ainda os 80 mil euros pagos pelo município de Fafe e os 79.950 euros pagos pela autarquia de Mondim de Basto por ter a etapa final na Senhora da Graça. E há ainda uma autarquia, a de Penamacor, que decidiu pagar 10 mil euros, em ajuste directo, apenas para que houvesse uma simples passagem por esta vila do distrito de Castelo Branco com direito a ‘meta volante’.

    Além destas verbas, este ano a Santa Casa da Misericórdia achou por bem ‘despachar’ 620 mil euros para a Podium Events para ser patrocinador, durante duas edições, da camisola branca (para o melhor jovem ciclista na classificação geral)) e do Prémio Melhor Português. Ou seja, 310 mil euros em cada ano. Este contrato tem, além de tudo, partes expurgadas: cerca de seis páginas do texto inserido no Portal Base, respeitantes à cláusula segunda, estão irregularmente em branco, uma vez que o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) permite estes abusos.

    Contas feitas, e contabilizando o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia, a facturação com dinheiros públicos da Podium Events já ultrapassa os 1,23 milhões de euros, podendo ainda subir. Este montante representa cerca de um terço da facturação em todas as actividades desta empresa – que não se cinge á Volta a Portugal – ao longo do ano de 2022. A empresa, que apresentou nesse ano, um lucro de 1.263 euros, ainda não apresentou as contas do exercício do ano passado, mas mostra-se evidente ser apenas um intermediário, dado que conta quatro empregados e praticamente todas as verbas arrecadadas servem para contratar serviços externos.

    Saliente-se que, para contornar o impedimento de patrocínios directos a empresas privadas, a generalidade dos contratos celebrados pelas autarquias, sob a forma de ajuste directo, indicam estar-se perante uma aquisição de serviços – como se fossem os municípios os organizadores do evento –, o que constitui uma forma pouco ortodoxa de cumprir o Códigos dos Contratos Públicos. Até agora, o Tribunal de Contas tem ‘fechado os olhos’, mesmo sendo evidente que se está perante patrocínios, tanto assim que a lista das autarquias surge na página dedicada aos patrocinadores.

    Embora a Podium Events realize outros eventos, sobretudo de ciclismo, as entidades públicas, sobretudo autarquias, são relevantes clientes. Desde 2009 contabilizam-se quase 190 contratos, envolvendo quase 13 milhões de euros, ultrapassando assim os 15 milhões, caso se inclua IVA. Mais de 3,6 milhões de euros apenas desde 2022.

    Grande parte destes contratos envolvem autarquias e comunidades intermunicipais, destacando-se como melhores clientes da Podium Events, para além da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (620 mil euros), os municípios de Lisboa (1,8 milhões de euros), de Castelo Branco (1,04 milhões de euros), de Viana do Castelo (895 mil euros), da Guarda (790 mil euros), Mondim de Basto (533 mil euros), Montalegre (430 mil euros), Covilhã (375 mil euros) e Braga (355 mil euros).

    O PÁGINA UM contactou a Podium Events para obter esclarecimentos e outras informações, mas não obteve resposta. Não foi assim esclarecido quanto pagou a Sonae pelo ‘naming’ da Volta a Portugal, que, para se realizar este ano, implicou mais de 1,2 milhões de euros em apoios públicos.


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  • Empresa de Durão Barroso movimentou meio milhão para trazer Clube de Bilderberg para Lisboa

    Empresa de Durão Barroso movimentou meio milhão para trazer Clube de Bilderberg para Lisboa

    A selecta e semi-secreta reunião anual do Clube de Bilderberg teve Lisboa como palco em 2023, sob a batuta de Durão Barroso. Apesar de o site do Bilderberg Meetings afirmar que cada um dos participantes custeou as deslocações e alojamento, certo é que foi criada em 2022 uma empresa, com um capital social de 20 euros, por Durão Barroso e o seu antigo ‘fiel ministro’ José Luís Arnaut, que movimentou em dois anos quase meio milhão de euros para organizar o evento. Para suportar os encargos da Bild – Encontro Internacional 2023 Lda., cerca de 150 mil euros vieram de donativos e um pouco mais de 360 mil pela prestação de (ignotos) serviços, uma vez que a empresa não tem empregados, estando sedeada no escritório da sociedade de advogados de Arnaut.


    Trazer para Lisboa a reunião no ano passado do Clube de Bilderberg custou quase meio milhão de euros à empresa criada especificamente para organizar o evento, que tem como sócios Durão Barroso e José Luís Arnaut.

    Criada em 2022, a empresa Bild – Encontro Internacional 2023 Lda. apresentou as contas anuais no final do ano passado, e ficou assim finalmente a saber-se os custos totais de trazer cerca de 130 líderes políticos e empresariais ao Hotel Pestana entre os dias 18 e 21 de Maio do ano passado para discutir, entre outros assuntos mais ou menos secretos, a inteligência artificial, o sistema bancário, a transição energética, a guerra russo-ucraniana e a liderança norte-americana.

    Os encontros do Clube de Bilderberg ‘têm alimentando, desde 1954, as mais diversas teorias, e até já foram mais secretas – e também selectas –, arrastando uma aura de mistério e conspiração. Oficialmente, as reuniões anuais – este ano foram em Madrid – servem apenas para debater assuntos de interesse global. No seu site, o Bilderberg Meetings afiança que as reuniões constituem apenas “um fórum para discussões informais para promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte”, congregando “aproximadamente 130 líderes políticos e especialistas da indústria, finanças, trabalho, academia e media”, segundo regras específicas: os participantes são livres de usar as informações recebidas, mas nem as identidades nem as afiliações dos palestrantes ou de qualquer outro participante podem ser reveladas.

    Como os encontros são privados, no site diz-se ainda que “as participações são individuais e não em representação de qualquer função oficial”, não havendo assim agenda detalhada, nem nenhuma resolução e muito menos votação ou declaração política. Sobretudo nos últimos anos começaram a ser divulgadas as presenças mais sonantes – e sobretudo os convites a portugueses, primeiro sob a “égide” de Francisco Pinto Balsemão, e mais recentemente de Durão Barroso – e mesmo a lista de temas em discussão.

    Por exemplo, além de personalidades estrangeiras, a mais recente reunião em solo nacional no ano passado – a anterior tinha ocorrido em 1999 – contou com um vasto contingente lusitano: além dos habitués Balsemão, Durão Barroso e Arnaut, foram convidados os directores executivos da EDP (Miguel Stilwell de Andrade), da Galp (Filipe Silva), da Feedzai (Nuno Sebastião) e da Zeno Partners (Duarte Moreira). No entanto, este ano, além de Durão Barroso e Duarte Moreira, só houve mais uma presença portuguesa: Isabel Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica.

    Também oficialmente, os financiamentos dos chamados Bilderberg Meetings não são propriamente públicos. De acordo com o Clube de Bilderberg, “as contribuições anuais dos membros do Steering Committee [actualmente com 32 membros, entre os quais o português Durão Barroso] cobrem os custos anuais de um pequeno secretariado”, para suportar despesas administrativas e de pessoal.

    Hotel Pestana, em Lisboa, local da reunião do Clube de Bilderberg em Maio do ano passado.

    Já em relação à reunião anual, as responsabilidades cabem ao denominado Comité Director do país anfitrião, não havendo taxa de participação, embora os convidados custeiem, segundo o site do Bilderberg Meetings, os “seus próprios custos de viagem e acomodação”.

    Contudo, nas contas dos dois exercícios anuis da empresa Bild – que tem duas quotas de apenas 10 euros dos sócios Barroso e Arnaut – fica-se a saber que foram contabilizados, como vendas ou prestações de serviços, um total de 361.800 euros, havendo ainda rendimentos suplementares de 152.664 euros, que poderão ter sido sob a forma de donativos. Ou seja, no total, a empresa do antigo primeiro-ministro português e ex-presidente da Comissão Europeia teve um ‘bolo financeiro’ de mais de 514 mil euros. Não o gastou todo, mas quase.

    Analisando os dois exercícios, incluindo o do ano da realização do evento – cujas contas foram depositadas no final da semana passada –, a Bld teve gastos da ordem dos 476 mil euros, para pagamentos de fornecedores e serviços externos, não sendo identificado nas demonstrações financeiras a quem se dirigiu. Em todo o caso, não incluirá, a atender à informação do Bilderberg Meetings, os custos de viagem e acomodação nem tão-pouco ao pagamento de salários.

    Com efeito, a Bild não refere qualquer empregado e a própria sede é a da sociedade de advogados de Arnaut, a CSM Rui Pena & Arnaut, na selecta Rua Castilho, em Lisboa.

    Depois do encontro de Maio, a empresa, que terminou o ano de 2023 com um pequeno prejuízo de 25 mil euros, não foi dissolvida nem existem indicação para tal, até porque isso poderia fazer perder um activo de cerca de 27 mil euros respeitante a impostos diferidos.

    O documento consultado pelo PÁGINA UM da Informação Empresarial Simplificada (IES) não adianta também muito sobre o futuro da empresa. Embora não aponte para a sua dissolução, surge um trecho algo anacrónico se se considerar que se trata de contas de 2023. Ou talvez não, se se considerar que Durão Barroso é, actualmente, o  presidente (Board Chair) da Gavi – The Vaccine Alliance.

    José Luís Arnaut

    Com efeito, os dois sócios, além de destacarem não terem impostos em atraso, recordam que “tendo por base a reavaliação da situação epidemiológica no país, o Governo português em 13 de janeiro de 2021, a exemplo de outros Estados, determinou um conjunto de medidas extraordinárias que têm por objectivo limitar a propagação da pandemia e proteger a saúde pública, que se consubstanciam numa restrição significativa da circulação de pessoas que conduzirá a uma forte retração da economia”, acrescentando que “como consequência desta situação, a economia revela atualmente um enorme estado de incerteza, cuja duração e consequências são ainda imprevisíveis” E concluem assim que, “com os elementos disponíveis, consideramos que estão criadas as condições operacionais para a manutenção da atividade da Empresa [Bild], estando assegurados os compromissos financeiros assumidos.”

    Tendo em consideração que, no ano passado, José Luís Arnaut não respondeu a pedidos de esclarecimento adicionais, o PÁGINA UM considerou não ser necessário solicitar novos comentários, ademais atendendo que esta notícia se baseia sobretudo em factos contabilísticos.


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  • Açores, Algarve e Alto Alentejo lideram criminalidade contra a integridade física em 2023

    Açores, Algarve e Alto Alentejo lideram criminalidade contra a integridade física em 2023

    No ano passado foram registados cerca de 57 mil crimes contra a integridade física, mas na hora de tentar perceber onde está a maior violência, os números absolutos e o mediatismo podem enganar os mais incautos. Na verdade, quando se observam as taxas de crime sob o prisma da população residente, são municípios dos Açores, Alto Alentejo e Algarve que se destacam como os mais violentos. A taxa no município açoriano da Ribeira Grande chega mesmo a ser mais do dobro da registada na cidade de Lisboa, sendo 155% superior à média do país. E não é uma situação pontual. Em muitos discretos e pequenos concelhos, a violência criou raízes. Os municípios mais urbanos estão bastante longe de serem os piores. De entre os 10 concelhos mais populosos, o Porto é o pior (6,8 crimes por mil habitantes), mas ocupa apenas a posição 57. E naqueles que são capitais de distrito, Coimbra destaca-se pela positiva como o menos violento.


    Açores, Algarve e Alto Alentejo foram as regiões do país com maior taxa de crimes contra a integridade física ao longo do ano passado. Os dados de 2023, discriminados por município, foram revelados na quinta-feira passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), e analisados pelo PÁGINA UM, revelam um ligeiro acréscimo face ao ano anterior, situando-se agora em 5,4 por mil habitantes. Este valor está na linha com a evolução da última década – sempre abaixo dos 6 casos por mil -, registando-se mesmo valores bastante mais baixos nos dois primeiros anos de pandemia (2020 e 2021), que registaram apenas 4,7 casos por mil. Para a população portuguesa, uma variação de 0,1 casos por mil representa, em termos absolutos, cerca de 1.060 crimes por ano.

    Com a taxa média registada em 2023, significa que em Portugal, para uma população estimada de 10,6 milhões de habitantes, os crimes contra a integridade física terão rondado os 57 mil durante todo o ano passado, ou seja, cerca de 156 crimes desta tipologia por dia. O INE não discrimina as subcategorias destes crimes.

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    Apesar de uma percepção de que existe uma maior criminalidade associada à violência física, incluindo na esfera doméstica, em meios mais urbanos, na verdade a esmagadora maioria dos municípios que registam maior taxa são de pequena dimensão ou localizados nas ilhas. Com efeito, de entre os 20 concelhos de maior dimensão, o mais violento é o Porto, mas ocupando ‘apenas’ a 57ª posição.

    O concelho da Ribeira Grande, na ilha açoriana de São Miguel, lidera a lista dos municípios com maior violência física, tendo registado 13,8 casos por mil habitantes. Com uma população de cerca de 32 mil habitantes, esta taxa significa cerca de 440 crimes em apenas um ano. Se essa fosse a taxa nacional, em vez dos cerca de 55 mil crimes contra a integridade física contabilizados em Portugal no ano passado (6 crimes por hora), teríamos tido mais de 140 mil. o que daria 16 crimes por hora.

    Tal como outros municípios no topo em 2023, este município açoriano é um caso recorrente, pelo menos a atender aos dados discriminados por concelho pelo INE. No último triénio, Ribeira Grande esteve sempre no ‘triste pódio’: foi o segundo mais violento em 2022 (com 12, 4 por mil, apenas atrás de Santa Cruz das Flores) e foi o primeiro em 2021, com 14,4 por mil.

    O segundo concelho mais violento foi Barrancos, o município alentejano conhecido pela tourada de morte. No ano passado registou 11,9 casos por mil habitantes, mas em 2021 também ocupou a segunda posição, com 12,7 casos por mil. Em 2022 ocupou a quarta posição dos mais violentos, com 12,4 por mil. Agora já com menos de 1.500 residentes, o número absoluto de crimes contra a integridade física é, digamos, baixo: rondará os 16 crimes por ano, pouco mais de um por mês.

    No desfile da 13ª edição da Feira Quinhentista, realizada este mês na Ribeira Grande, retratou-se os tempos de violência nos tempos de Luís de Camões e Vasco da Gama. Hoje, os níveis não semelhantes, mas este município açoriano é o que regista a maior taxa de crimes contra a integridade física em Portugal. Foto: CMRG.

    No top 10 dos mais violentos em 2023 estão ainda mais quatro municípios alentejanos: Avis (3ª posição, com 11,8 casos por mil), Vidigueira (4ª posição, com 11,1 por mil), Mourão (7ª posição, com 9,9 por mil) e Ferreira do Alentejo (10ª posição, com 9,5 por mil). Neste grupo (que integra ainda um 11º município ex aequo), os restantes municípios localizam-se no distrito de Aveiro (Murtosa), e nas regiões dos Açores (Lagoa, Velas e Ponta Delgada) e do Algarve (Albufeira). No caso deste último concelho, os dados estarão inflacionados por se tratar de uma zona turística, com um fluxo de não-residentes elevado (potenciais vítimas e agressores), agravando assim o valor da taxa que é determinada pelo número de residentes habituais.

    Por via da grande preponderância de concelhos deste arquipélago, os Açores registam a taxa mais elevada de crimes contra a integridade física, com 8,8 casos por mil habitantes, um valor que é cerca de 63% superior à média nacional. Em todo o caso, nos pequenos municípios açorianos do Corvo e Lajes das Flores não existem registos desta tipologia de crimes nos últimos três anos.

    O Algarve vem pouco atrás dos Açores, com 7,8 casos por mil, mas como se referiu em relação a Albufeira este valor refllecte uma situação que não tem em conta o ‘aumento populacional’ no período estival. A fechar o pódio, encontra-se o Alto Alentejo com 7,1 casos por mil habitantes. No extremo oposto, ou seja, as zonas com menor violência física são as regiões do Ave (4,1 casos por mil) e Médio Tejo e do Tâmega e Sousa, ambas com 4,2 casos por mil.

    Nas regiões urbanas, e mais populosas, não há nenhum dos maiores municípios acima de uma taxa de 7 casos por mil. De entre os 10 municípios com mais população, acima da média nacional (5,4 por mil) estão seis: Porto (6,8), Lisboa (6,6), Loures (6,5), Almada (6,0), Amadora (5,9) e Sintra (5,5). No caso da capital, com uma população estimada de 525 mil habitantes, esta taxa significa cerca de 3.500 crimes desta natureza ao longo do ano passado, um pouco menos de 10 por dia. Abaixo da média nacional, neste grupo de municípios estão Matosinhos (5,2), Vila Nova de Gaia e Cascais (ambos com 5,1) e Braga (4,1).

    Taxa de crimes contra a integridade física (casos por mil habitantes) em Portugal entre 2011 e 2023. Fonte: INE.

    Nos restantes concelhos que são capitais de distrito – para além de Lisboa, Porto e Braga -, a incidência de criminalidade contra a integridade é muito distinta, sendo bastante baixa nas três principais cidades do Litoral Centro (Aveiro, com 4,6 casos por mil; Coimbra e Leiria, com 4,1 casos por mil) e bastante mais elevada do que a média nacional na região sul, com Beja e Faro com taxas de 7,0 casos por mil.

    Para além das já citadas cidades, de entre as capitais de distrito, há mais duas abaixo da média nacional (Guarda, com 5,3 casos por mil; e Évora, com 4,9), o concelho de Santarém apresenta o valor médio (5,4 casos por mil) e os restantes seis municípios estão acima da média nacional (Portalegre, com 6,3 casos por mil; Setúbal, com 6,2 casos por mil; Vila Real e Castelo Branco, com 5,8 casos por mil, ambos; e ainda Viana do Castelo e Bragança, com 5,6 casos por mil, ambos).


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  • Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    O Coeficiente de Gini, um indicador reconhecido internacionalmente que mede a desigualdade na distribuição de rendimento foi actualizado na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para o ano 2022 e revela um aumento da concentração de riqueza. Os dados indicam que 2020 foi de inversão, após este coeficiente ter atingido o valor mais baixo dos registos do INE, que representaria um sinal de melhor distribuição dos rendimentos entre toda a população. No primeiro ano da pandemia, com os lockdowns e restrições económicas, os ricos distanciaram-se ainda mais da população mais pobre, situação ligeiramente atenuada com o aumento de apoios sociais em 2021. Mas a inflação a partir de 2022 provocou uma nova aceleração nas desigualdades. Com os anos da pandemia, Portugal recuou assim aos tempos sombrios da influência da troika, quando os portugueses assistiram a um empobrecimento e concentração de riqueza nuns poucos.


    Já diz o ditado que ‘um mal nunca vem só’. Em 2020, além de ter surgido uma pandemia, os portugueses foram ainda castigados por uma gestão radical da crise de saúde pública que gerou, entre outros males, uma maior desigualdade na distribuição de rendimento no país. De facto, segundo dados actualizados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o primeiro ano das medidas restritivas da pandemia trouxe uma maior concentração de riqueza em alguns portugueses, face à generalidade da população. O cenário melhorou ligeiramente em 2021, mas no ano seguinte Portugal registou o maior nível de desigualdade de distribuição de rendimento em sete anos.

    De acordo com os dados do INE, o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade na distribuição do rendimento – atingiu os 39,4% em 2022, o valor mais alto desde 2016. Este indicador do INE “visa sintetizar num único valor a assimetria” da distribuição de rendimento e assume valores entre zero e 100. Quanto mais baixo for o valor do indicador mais indivíduos têm igual rendimento. Quanto mais alto for, mais o rendimento se concentra em menos pessoas.

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    O indicador vinha a registar uma evolução favorável desde 2015, observando-se uma redução na desigualdade e uma menor concentração de riqueza em menos indivíduos. Isto depois de ter atingido os 40% nos anos em que a população mais vulnerável sofreu com a austeridade acordada com a ‘troika’, na sequência do ‘resgate’ financeiro do país, no Governo socialista de José Sócrates.

    Em 2013, o coeficiente de Gini atingiu mesmo os 40,8%. Desde então, foi-se mantendo abaixo dos 40% e, a partir de 2015, entrou numa tendência descendente, com um maior equilíbrio na distribuição de rendimento no país.

    Contudo, em 2020, o indicador disparou para 39% face aos 37,3% registados no ano anterior. Em 2021, melhorou para 37,7% mas voltou a subir, fixando-se em 39,4% em 2022.

    Coeficiente de Gini do rendimento monetário bruto por adulto equivalente (%). Fonte: INE (dados actualizados em 18 de Julho)

    Em resumo, as duas últimas crises em Portugal, e a sua gestão em termos políticos e económicos, trouxeram bençãos a alguns poucos, que viram a sua riqueza acumular, e trouxeram mais pobreza à generalidade dos portugueses.

    Nos anos da pandemia, a classe do ‘portátil’, como ficou conhecida, beneficiou com confinamentos e fecho de escolas e de actividades e serviços. Ficam na memória as partilhas de fotografias nas redes sociais de alguns a trabalhar no seu portátil em cenários idílicos nas suas casas de praia e de campo. Enquanto isso, os trabalhadores da indústria, por exemplo, continuaram a ir trabalhar, mas muitos sofreram com menores salários, decorrentes de ‘lay-offs, e até despedimentos. Famílias inteiras de classes mais baixas ficaram confinadas, muitas em pequenos apartamentos ou habitações sem condições.

    Por outro lado, as moratórias no crédito beneficiaram, sobretudo, os que já tinham casa própria e acesso a crédito à habitação, ficando com folga no orçamento mensal para acumular poupança.

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    (Foto: D.R.)

    Mas as medidas extremas e restritivas impostas na pandemia em muitos países, incluindo Portugal, tiveram também impacto ao nível dos preços de bens e serviços, que se prolongaram e acumularam com outros efeitos, como o da guerra na Ucrânia, diminuindo ainda mais o ‘valor do dinheiro’.

    As medidas adoptadas na pandemia, que cimentaram a evolução crescente da inflação, levaram ao previsível aumento das taxas de juro que, nos últimos anos, colocaram muitas famílias e empresas à beira de um ataque de nervos, sem conseguir fazer face ao disparar do custo das suas dívidas.

    Assim, é provável que o indicador de desigualdade de distribuição de rendimento em Portugal não apresente melhores em 2023 e 2024, mas só quando o INE voltar a actualizar os dados do coeficiente de Gini se saberá.


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  • Saldo natural em 2023: só uma capital de distrito não tem valor negativo

    Saldo natural em 2023: só uma capital de distrito não tem valor negativo

    Por via da emigração, em 2023 bateu-se o recorde de habitantes em Portugal, e observa-se um incremento da natalidade em diversas regiões do país, sobretudo na Grande Lisboa (onde nasceu uma em cada quatro crianças), com Odivelas e Loures à cabeça, que até já suplantam os ‘níveis históricos’ do município açoriano da Ribeira Grande, que mesmo assim continua a ser a região que mais cresce por via do saldo natural. Nesse aspecto, Portugal continua pelas ruas da amargura: nos valores do ano passado, só se contam 16 concelhos onde se nasceu mais do que se morreu, e houve mesmo alguns que perderam, por esta via, mais de 2% da sua população em apenas um ano, com Gavião em triste destaque. O PÁGINA UM analisou em detalhe os recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), tendo constatado também que subsiste um problema demográfico gravíssimo mesmo nos municípios que são capitais de distrito: só Braga mostrou, no ano passado, um saldo natural positivo.


    Apesar de Portugal ter aumentado a sua população pelo quinto ano consecutivo – e atingido o máximo de sempre nos 10.639.726 residentes no ano passado, de acordo com os recentes dados do Instituto Nacional de Estatística –, o saldo natural em Portugal continua um desastre, com a taxa de natalidade a ficar abaixo da taxa de mortalidade em 3,1 pontos por mil. Mas, pior ainda, o desequilíbrio demográfico é evidente: em 308 concelhos, apenas 16 apresentam um saldo natural positivo. No extremo oposto, estão 93 municípios com um saldo natural negativo de 10 por mil ou menos. Há mesmo cinco onde a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade é ainda pior com valores negativos a superarem os 20%.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados demográficos de 2023, divulgados pelo INE, o município com maior dinâmica de natalidade é agora Odivelas, que alcançou os 12 nascimentos por mil habitantes, ou seja, nasceram 1.844 bebés. Acurta distância surge Amadora, seu vizinho geográfico, e Albufeira, no Algarve, ambos com 11,4 por mil. Com poucas décimas abaixo encontram-se mais quatro concelhos da Área Metropolitana de Lisboa: Loures (11,3), Moita (11,3), Montijo (11,1) e Sintra (11,1). Só a seguir a estes municípios surge então o concelho que durante décadas liderou o ranking relativo dos nascimentos: Ribeira Grande (10,9 nascimento por mil), que integra a freguesia de Rabo de Peixe, a zona mais pobre de Portugal.

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    Completam o top 10 os municípios do Seixal e Portimão (10,8 e 10,3 por mil, respectivamente), embora haja ainda mais sete concelhos com uma taxa de natalidade de 10 por mil ou superior, nomeadamente Loulé, Barreiro e Aljezur (todos com 11,3), Beja (10,2) e Sobral de Monte Agraço, Lisboa e Mourão (todos com 10,0). Por região, a Grande Lisboa lidera, com uma taxa de natalidade de 10,2 por mil (a única acima de 10). Significa assim que terão nascido na Grande Lisboa, ao longo de 2023, quase 21.700 crianças, ou seja, um em cada quatro nascimentos em Portugal, o que, em certa medida, também explica a saturação dos serviços de obstetrícia observados nesta região.

    Se a emigração de população jovem explica em quase todos estes concelhos, estas taxas de natalidade bem acima da média nacional (8,1 por mil), a situação ainda é mais relevante nos casos de diversos concelhos algarvios (Portimão, Loulé e Aljezur), nos dois concelhos alentejanos (Beja e Mourão) e em alguns dos da Área Metropolitana de Lisboa (Moita, Barreiro e Sobral de Monte Agraço e mesmo Lisboa), porque, devido ao envelhecimento populacional das últimas décadas, apresentam uma taxa de mortalidade elevada e, em consequência, até um saldo natural ainda negativo.

    No extremo oposto, encontram-se 44 municípios com uma taxa de natalidade inferior a 5 nascimentos por mil habitantes, praticamente todos do interior do Continente e das regiões autónomas. À cabeça aparece Armamar, no distrito de Viseu: numa população de 15.650 habitantes, nasceram apenas 15 crianças ao longo de 2023, o que dá uma taxa de natalidade somente de 2,6 por mil. Não menos pior esteve Vinhais, no distrito de Bragança, com uma taxa de natalidade de 2,7 por mil (20 nascimentos numa população de 7.450). No top 10 dos municípios com menor dinâmica de nascimentos estão ainda Mértola, Alcoutim, Almeida, Montalegre, Pampilhosa, Penalva do Castelo, Vila Nova de Foz Côa e Vila Pouca de Aguiar, com taxas de natalidade entre 3,2 e 3,5 por mil. Para agravar, toos estes municípios, apresentam taxas de mortalidade muito acima da média, pelo que todos apresentam um saldo natural negativo superior a 10%.

    Gavião: crianças deste município norte alentejano, na região com pior saldo natural do país. Foto: CM do Gavião.

    Em todo o caso, com excepção de Alcoutim, nenhum destes concelhos é dos 10 onde mais se morreu em termos relativos em Portugal no ano passado. A fúnebre lista, por via de uma população idosa e sem jovens, surge encabeçada pelo concelho do Gavião, no distrito de Portalegre, com 30,8 óbitos por mil, quase três vezes superior à média nacional (11,1 por mil). Segue-se Sabugal, no distrito da Guarda, com 26,6 por mil, encontrando-se ainda mais três municípios acima dos 25 por mil: Mora, no distrito de Évora (26,4), Alcoutim, no distrito de Faro (26,3), Aguiar da Beira, no distrito da Guarda (26,3) e Crato, no distrito de Portalegre (26,0). A fechar o top 19 estão ainda os municípios da Vidigueira (24,8), Oleiros (24,4), Melgaço (23,8) e Idanha-a-Nova (23,8), todos do interior,

    Contas feitas, por via do cruzamento entre natalidade e mortalidade, somente 16 municípios portugueses apresentaram no ano passado um saldo migratório positivo, sendo liderado por Ribeira Grande (3,6 por mil), seguido por Odivelas (3,1), Albufeira (2,9), Sintra (2,8), Vila Franca do Campo (2,2) e Batalha (2,0). A fechar o top 10 surgem Vizela (1,9 por mil), Amadora (1,6), o município açoriano da Lagoa (1,3) e Loures, Ainda com saldo migratório positivo estiveram Loures (1,2 por mil), Seixal (1,2), Braga (1,2), Vila Franca de Xira (0,9), Paredes (0,5), Montijo (0,4) e Felgueiras (0,3).

    No lado oposto, o município que mais população perdeu por via do cruzamento entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade foi Gavião, que apresentou um saldo natural negativo de 25,7%. Significa que, só por aí, e sem contabilizar o saldo migratório (entrada de novos residente e saída de residentes), este pequeno município norte alentejano perdeu quase 3% da sua população em apenas um ano. Com perdas demográficas, por via do saldo natural, superior a 2 por mil estão ainda Alcoutim (-23,0), Sabugal (-22,5), Aguiar da Beira (-21,6), Crato (-20,5).

    Braga: o único município capital de distrito com saldo natural positivo. Foto: CM de Braga.

    O problema demográfico, por via do saldo natural, é porem extensível às capitais de distrito, incluindo Lisboa e Porto. Considerando todos os 18 distritos do Continente e os quatro extintos dos arquipélagos, somente o município de Braga teve um saldo natural positivo (1,2 por mil), resultante de uma taxa de natalidade de 8,3 por mil que contrastou com uma taxa de mortalidade de 7,1.

    Os municípios de Lisboa e do Porto tiveram um saldo natural negativo de 1,6 e de 4,1 por mil, respectivamente. O município capital de distrito com pior saldo natural foi Castelo Banco com um valor negativo de 8,7 por mil, seguindo-se Portalegre (-8,4), Guarda (-6,8), Bragança (-6,5), Funchal (-4,9), Beja e Vila Real (ambos com -4,8), Santarém (-4,4), Angra do Heroísmo (-4,0), Viana do Castelo (-3,5), Coimbra (-3,3), Horta e Évora (ambos com -3,0), Setúbal (-2,8), Viseu (-2,6), Aveiro (-1,8), Faro (-1,6), Leiria (-1,0) e Ponta Delgada (-0,2).


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  • Violência doméstica: 72 crimes por dia no ano passado. Municípios do Alentejo e Açores com os piores rácios

    Violência doméstica: 72 crimes por dia no ano passado. Municípios do Alentejo e Açores com os piores rácios

    Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre a violência doméstico em contexto de casal já assustam, ultrapssando os 26 mil crimes registados só no ano passado. Mas o PÁGINA UM foi mais longe na análise e calculou os rácios deste tipo de crimes em função dos registos das autoridades policiais em cada município e da respectiva população residente. E mostra que a violência conjugal, embora presente em quase todo o lado, apresenta prevalências pavorosas em zonas rurais e do interior, sobretudo em partes do Alentejo, dos Açores e do interior da região Norte. Em exclusivo, o PÁGINA UM revela todos os números entre 2021 e 2023, naquele que será o primeiro trabalho de um dossier de investigação dedicado à criminalidade em Portugal.


    As autoridades policiais registaram, só no ano passado, uma média diária de mais de 72 crimes de violência doméstica contra cônjuge ou análogos, ou seja, incluindo todos os casos de coabitação em comum entre casais. Em todo o ano de 2023 foram 26.041 crimes registados pelas autoridades policiais. Estes números absolutos, revelados na semana passada no site do Instituto Nacional de Estatística (INE), estão em linha com os valores apurados em 2022 (26.073 crimes similares), mas são substancialmente mais elevados do que em 2021 (22.524).

    Nos últimos três anos, o INE apresenta estes registos em números absolutos por município, colocando assim os concelhos de maior dimensão no topo, mas uma análise do PÁGINA UM, com base nas estimativas oficiais da população, possibilita apurar os rácios de criminalidade que se revelam, em muitos casos, surpreendentes.

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    Com efeito, em termos absolutos, os três concelhos mais populosos do país – Lisboa (cerca de 547 mil habitantes), Sintra (388 mil) e Vila Nova de Gaia (quase 307 mil) – são os que contabilizam mais crimes de violência doméstica. A capital portuguesa registou 1.777 destes crimes ao longo do ano passado, uma média de quase cinco casos por dia, enquanto em Sintra se contabilizaram 1.309 crimes, uma média de cerca de sete casos em cada dois dias. Estes dois municípios são os únicos que estiveram acima da fasquia do milhar de casos num só ano, evidenciando-se um crescimento entre 2021 e 2023 da ordem dos 26% em Lisboa e de quase 39% em Sintra.

    Já a grande distância, no terceiro município mais populoso, Vila Nova de Gaia, as autoridades policiais contaram, no ano passado, 680 crimes de violência, uma média pouco inferior a dois casos por dia. Acima de um caso por dia durante o ano passado estão somente municípios com mais de 100 mil habitantes: além dos três já referidos, são os casos de Loures (676 crimes em 2023), Porto (620), Cascais (522), Almada (512), Amadora (504), Oeiras (489), Funchal (481), Seixal (422), Matosinhos (394) e Vila Franca de Xira (368).

    Particularmente preocupante é a evolução em alguns destes municípios. Por exemplo, entre 2021 e 2023, no concelho do Funchal os crimes de violência doméstica cresceram 53%, em Loures 41%, no Seixal, em Oeiras e em Oeiras 38%.

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    No lado oposto, de entre os concelhos com mais de 100 mil habitantes com menor registo de crimes de violência doméstica estão Barcelos (221 casos em 2023), Maia (224) e Viseu (226).

    Porém, quando se analise o rácio da violência doméstica – ou seja, os crimes por ano em função da população residente –, o cenário modifica-se, revelando-se a verdadeira dimensão de um grave problema socio-económico. Com efeito, considerando o número de crimes por mil residentes, o município mais violento é Barrancos: embora tenha um registo de 10 casos em 2023, tal sucedeu numa comunidade com menos de 1.500 habitantes. Se o seu rácio (6,8 casos por mil) fosse o de Portugal, em vez dos 26 mil casos registados a nível nacional, haveria mais de 71 mil. Ou seja, o pequeno município alentejano – conhecido pelas festas com touro de morte –, não é, neste aspecto, um exemplo muito dignificante.

    Barrancos não é, contudo, um caso isolado no Alentejo, que se revela, nesta análise, como a região com maior prevalência de violência doméstica, seguindo-se os Açores. Com efeito, no top 10 dos municípios com maior rácio de violência doméstica em Portugal, sete são do Alentejo – Barrancos, Ferreira do Alentejo, Avis, Viana do Alentejo, Alter do Chão, Arronches e Cuba – e três dos Açores – Velas, Lagoa e Ribeira Grande. Nestes municípios, as autoridades policiais registaram no ano passado entre 4,8 e 6,8 crimes por cada mil residentes. Em alguns destes municípios, o crescimento entre 2021 e 2023 foi bastante significativo. Em Velas passou de 1,4 por mil em 2021 para 5,7 em 2023; em Alter do Chão de 1,3 para 5,4 e em Arronches de 1,4 para 5,0.

    Se considerarmos os 20 municípios com maior violência doméstica, com excepção do Funchal (que tem mais de 100 mil habitantes), todos têm características sobretudo rurais, ganhando também preponderância o Alentejo. Metade destes municípios são alentejanos. No continente, o município do litoral com pior rácio de violência doméstica é Albufeira, com 4,1 crimes por mil residentes, ocupando a 21ª posição.

    Barrancos, pequeno município alentejano conhecido pelos touros de morte, apresentou os piores rácios de violência doméstica no ano passado.

    No caso da Grande Lisboa, os concelhos da Moita e Barreiro – respectivamente com 3,7 e 3,6 crimes por mil habitantes – são os piores. Já Lisboa e Sintra – que, em termos absolutos lideram a violência doméstica – acabam por descer de posição consideravelmente numa perpectiva de taxa de criminalidade. O município de Sintra ocupa o 48º lugar para o ano passado em termos de rácio, com 3,4 crimes por mil residentes, enquanto Lisboa ocupa a 56ª posição, com 3,2 crimes por mil residentes, ainda acima da média nacional (2,5 por mil).

    No Norte – que em termos globais apresenta taxa de violência doméstico inferior à média nacional (2,1 por mil) –, há poucos municípios com rácios superiores a Lisboa, sendo todos de Trás-os-Montes e Alto Douro: Vila Flor (4,3 crimes por mil residentes), São João da Pesqueira (3,8), Freixo de Espada-à-Cinta (3,8), Alfândega da Fé (3,5), Peso da Régua (3,4), Vila Nova de Foz Côa e Torre de Moncorvo (3,3). Os dois principais municípios nortenhos – Porto e Vila Nova de Gaia – apresentaram também rácios mais baixos do que Lisboa: 2,6 e 2,2 por mil residentes.

    Em todo o caso, a região Centro é aquela com melhores rácios – ou seja, com menos crimes de violência doméstica por mil residentes. As autoridades policiais registaram, no ano passado, menos de 1,8 crimes desta natureza por mil residentes. Em todo o caso, existem excepções muito negativas, mais uma vez quase sempre concentrados no interior, onde se destacam os municípios de Belmonte, Arganil, Celorico da Beira, Vila Velha de Ródão, Vila Nova de Paiva, Oliveira do Bairro, Seia, Penamacor, Manteigas, Cantanhede, Marinha Grande, Mangualde, Batalha, Góis, Fundão, Sever do Vouga, Ílhavo, Mêda, Estarreja e Covilhã. Estes concelhos apresentaram rácios compreendidos entre 3,0 e 4,5 crimes de violência doméstica por mil residentes.

    Corvo: a pequena ilha açoriana, com quatro centenas de pessoas, é o único concelho do país sem registo de crimes de violência doméstico entre 2021 e 2023.

    No extremo oposto – neste caso, favorável –, deve salientar-se os sete concelhos onde, no ano passado, não houve registos policiais de violência doméstica. Curiosamente, três são dos Açores – Corvo, São Roque do Pico e Lajes das Flores – e dois são do Alentejo – Mértola e Ourique –, duas regiões onde campeiam rácios elevados de violência doméstica. Neste grupo de sete ‘pacíficos’ (e magníficos) municípios estão ainda dois do distrito de Bragança: Vimioso e Vinhais. Em todo o caso, somente Corvo manteve o pleno de ausência de crimes de violência doméstico no triénio 2021-2023, enquanto Lajes das Flores teve também um ‘nulo’ em 2021.

    Se se considerar um período de três anos, o cenário não se modifica muito. Os cinco piores concelhos ao nível da violência doméstica são Barrancos (20,5 crimes por mil residentes no triénio), Ferreira do Alentejo (17,9), Avis (16,0), Ribeira Grande (15,1) e Celorico da Beira (14,6), enquanto os cinco mais ‘pacíficos’ são Corvo (sem crimes), Mértola (1,6 crimes por mil residentes no triénio), Vimioso (1,9), Vinhais (2,7) e São Vicente (2,9). Quanto a Lisboa ocupa a 61ª posição a nível nacional, com um rácio no triénio de 8,9 crimes por mil residentes, estando um pouco abaixo de Sintra (56ª posição, com 9,1 por mil no triénio). O concelho do Porto está mais abaixo, na 115ª posição, com 7,3 crimes registados por mil habitantes entre 2021 e 2023, situando-se Vila Nova de Gaia na posição 164, cimj um rácio de 6,6.

    Por ser uma entidade publicamente reconhecida pOR serviços neste sector, o PÁGINA UM contactou a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) para obter comentários, explicando previamente a análise efectuada com os dados do INE. Mas esta instituição de solidariedade social – que, no ano passado, recebeu 3,8 milhões de euros em donativos e subsídios estatais, funcionando à base de uma dezena de acordos e protocolos com o Estado e quase outros tantos protocolos camarários – não mostrou qualquer disponibilidade.

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    O gabinete de comunicação da APAV alegou ao PÁGINA UM não haver agenda nesta semana de qualquer responsável para comentar este assunto. A APAV conta com sete membros da direcção, presidida por João Lázaro, 109 trabalhadores e contabilizou custos com pessoal superiores a 2,4 milhões de euros no ano passado.

    Aliás, esta associação tem registado um crescimento económico assinalável, duplicando o seu activo entre 2015 e 2023, passando de cerca de 2,8 milhões de euros para quase 5,7 milhões no ano passado, muito por fruto do aumento dos rendimentos, sobretudo subsídios públicos. No ano passado, os rendimentos da APAV aproximaram-se dos 4 milhões de euros, quando há cerca de uma década rondavam os 2 milhões de euros.


    Pode consultar AQUI os valores de todos os concelhos, com o número total de crimes de violência doméstica e o respectivo rácio (crimes por mil residentes). Para o cálculo do rácio de cada um dos três anos (2021, 2022 e 2023) considerou-se as estimativas da população (do INE) para o respecfivo concelho relativas ao ano anterior.


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  • Cúpula das Forças Armadas gasta 90 mil euros por mês em segurança e vigilância privada

    Cúpula das Forças Armadas gasta 90 mil euros por mês em segurança e vigilância privada

    Em casa de ferreiro e de cozinheira, afinal o espeto é de pau e até se contrata empresa externa para meter a carne no assador. No Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), que serve para proteger a soberania dos portugueses, há instalações sensíveis para a segurança interna a serem vigiadas por empresas privadas, como sucede com o Reduto Gomes Freire, em Oeiras, a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares. Também o Hospital das Forças Armadas tem contado com vigilância privada. Esta opção de “caçar com gato” é bastante recente, tendo sido alimentada sobretudo pelo almirante Silva Ribeiro, que deixou o EMGFA em Fevereiro deste ano. Desde 2021, à conta desta opção gastou-se quase 3 milhões de euros.


    O Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) gastou, desde 2021, quase 2,9 milhões de euros em 43 contratos de vigilância privadas das suas instalações, incluindo as do seu Instituto de Apoio Social (IASFA). O montante em causa contrasta com apenas 23 contratos nos 10 anos anteriores (2011-2020) que totalizaram apenas 1,4 milhões de euros. Ou seja, em termos médios, o EMGFA passou de um gasto médio mensal de cerca de 12 mil euros no período de 2011-2020 para um gasto médio mensal quase oito vezes superior. Em média, nos 32 meses que passaram desde Janeiro de 2021, os gastos em segurança privada ultrapassam os 90 mil euros por mês.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM aos contratos assinados pelo EMGFA e pelo IASFA desde 2011, verifica-se que foi sobretudo com a entrada em funções do almirante Silva Ribeiro como chefe de estado-maior general das Forças Armadas que os contratos de vigilância e segurança privada floresceram num sector onde, para além de questões de segurança nacional e até pelo simbolismo, não seria suposto existirem.

    Uma casa de militares afinal vigiada por uma empresa privada. EMGFA não explica se há critérios para assegurar protecção de matéria sensível.

    E foi logo desde o início. No próprio dia da tomada de posse de Silva Ribeiro – que antes estivera na cúpula da Armada, agora ocupada por Gouveia e Melo –, em 1 de Março de 2018, foi logo assinado um contrato, ao abrigo de um acordo-quadro, com a empresa Ronseguir no valor de 372.043 euros, para a vigilância e segurança das unidades de apoio do Reduto Gomes Freire, do Instituto Universitário Militar e do Campus de Saúde Militar.

    Convém, no entanto, referir que a vigilância privada a estas instalações militares, de grande sensibilidade, começara em 2016, com a contratação da Securitas para o Reduto Gomes Freire, através de um contrato de 50.368 euros, que obteve outro ainda em 2017, no valor de 49.565 euros.

    Ainda em 2017, durante o mandato do general António Pina Monteiro – que ocupou as funções entre 2014 e o início de 2018 – já fora determinado contratar por cerca de 213 mil euros a empresa Ronsegur para, por nove meses, prestar serviços de segurança e vigilância para o Reduto Gomes Freire.

    Saliente-se que estas instalações militares, localizadas em Oeiras, funcionaram até finais de Dezembro de 2012 como Comando de Forças da NATO, sendo actualmente a sede do Comando Conjunto para as Operações Militares do EMGFA, o centro nevrálgico de coordenação das intervenções dos três ramos das Forças Armadas. E têm estado sistematicamente a ser vigiadas, as entradas e saídas, por esta empresa privada sedeada em Santa Maria da Feira.

    Pólos de Lisboa e do Porto do Hospital das Forças Armadas começou a ter vigilância privada desde 2021.

    O contrato mais recente, explicitamente destinado apenas ao Reduto Gomes Freire, no valor de quase 333 mil euros, foi assinado em Julho do ano passado, com duração de 12 meses, prevendo um pagamento horário por serviços de vigilância e segurança para a Unidade de Apoio entre 8,28 euros e 16,73 euros, em função do dia de semana e do horário. Ainda não foi publicado o contrato que terá sido assinado já este ano.

    Contudo, foi sem dúvida durante o mandato do almirante Silva Ribeiro que se “institucionalizou” a contratação de serviços privados de vigilância e segurança privada para instalações do EGMFA e do IASFA. De entre os 66 contratos de segurança privada destas duas entidades publicadas no Portal Base, contabilizam-se 47 durante o seu mandato. E se no seu primeiro dia de mandato (1 de Março de 2018) se assinou um contrato com a Ronsegur, também no último (28 de Fevereiro de 2023) se assinou outro com a Ronsegur, no valor de 60.985 euros, mas neste caso para a vigilância de instalações do IASFA durante dois meses. No total, nos cinco anos do seu mandato, foram assinados contratos de segurança privada no valor de 2.089.692 euros.

    Em todo o caso, foi nos anos de 2021 e 2022 – já que em 2020, primeiro ano da pandemia apenas se assinaram quatro contratos no valor total de 121 mil euros – que o EMGFA e o seu instituto de acção social deram gás à contratação de empresas privadas para vigiar as suas instalações. Em 2021 foram assinados 21 contratos no valor de 1,3 milhões de euros e no ano seguinte mais 15 contratos envolvendo um pouco mais de 1,2 milhões de euros. Ao longo de 2023 estão apenas assumidos publicamente sete contratos desta natureza, dos quais ainda quatro do mandato de Silva Ribeiro, com um montante de quase 167 mil euros, e os restantes três do actual Chefe de Estado Maior General, Nunes da Fonseca, num total de quase 167 mil euros.

    Montantes dos contratos, por empresa e ano, de vigilância e segurança privadas estabelecidos pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas e pelo Instituto de Acção Social das Forças Armadas desde 2010. Fonte: Portal Base. [ver em maior dimensão]

    A Ronsegur tem sido, especialmente a partir de 2021 a empresa mais beneficiada, totalizando 23 contratos nos últimos 32 meses, com uma facturação de quase 2,1 milhões de euros. Antes do mandato de Silva Ribeiro, a Ronsegur já fizera nove contratos com as Forças Armadas (EMGFA e IASFA), mas envolvendo pouco mais de 330 mil euros.

    Esta empresa de Santa Maria da Feira, criada em 2004, está envolvida num processo em que o Ministério Público acusa três autarcas de Mogadouro de prevaricação por via de contratos de vigilância e segurança privada do Parque de Campismo da Quinta da Aguieira, do Complexo Desportivo local e do Parque Juncal. De acordo com o Ministério Público, “em conjugação de esforços e em concretização de plano previamente delineado” os três autarcas e os sócios de três empresas “lograram simular a aparência de um procedimento de contratação pública por intermédio de consulta prévia de modo a lograr atribuir, novamente, à Rosengur, a execução de serviços de vigilância e segurança privada” no município de Mogadouro, “contornando, flagrantemente, as regras legais da contratação pública e da concorrência”.

    A empresa tem estado também no centro de vários casos de alegados abusos laborais, embora no seu site ostente vários documentos sobre sua política, designadamente de responsabilidade social e um plano de gestão de riscos de corrupção e infracções conexas.

    Empresas privadas controlam quem entra ou sai de instalações militares. Em casa de ferreiro, espeto de pau.

    Muito mais atrás da Ronsegur no que diz respeito a relações comerciais com o EMGFA no âmbito da vigilância, surge a Ovisegur, que apenas começou trabalhar para a cúpula das Forças Armadas a partir de 2021, mas com grande sucesso: tem sacado contratos atrás de contratos para a vigilância e segurança do Hospital das Forças Armadas, tanto no pólo de Lisboa como no do Porto.

    No total, a Ovisegur conta já 13 contratos desta natureza – uma parte por concurso público, outra por ajustes directos, por vezes sem redução a escrito –, que já totalizam 489.587 euros. Nos últimos dois anos, uma outra empresa, a COPS, tem coleccionado no seu portfólio contratos para vigilância do Hospital das Forças Armadas: dois em 2022 e mais três este ano, envolvendo 227.686 euros.

    Aliás, somando todos os contratos de segurança privada do Hospital das Forças Armadas – 20 no total desde 2021, não se tendo detectado qualquer outro antes dessa data –, o EMGFA gastou já 789.204 euros.

    Além das três empresas privadas já referidas – Ronseguir, Ovisegur e COPS –, existem mais quatro empresas com contratos de vigilância privada com o EMGFA: a Securitas, a Noite e Dia, a 2045 e ainda a Strong. No caso da Securitas, o último contrato é, porém, de 2020 – para instalações do IASFA – e antes dessa data constam apenas quatro contratos em 2013 e dois em 2016.

    Almirante Silva Ribeiro, no dia em que deixou o EMGFA e foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo por Marcelo Rebelo de Sousa. Durante o seu mandato foram assinados 47 contratos de vigilância privada, tanto para instalações do EMGFA como para o seu instituto de acção social. Antes de si, o uso de empresas privadas era raro.

    Ainda mais fortuitas são as relações comerciais com a 2045 (um contrato em 2012 no valor de 53 mil euros), a Noite e Dia (dois contratos, em 2021 e 2022, num montante total de cerca de 72 mil euros) e a Strong (um contrato em 2013 de pouco mais de 11 mil euros).

    O PÁGINA UM pediu, no dia 22 deste mês, comentários ao EMGFA sobre estas matérias, pedindo que fossem dados esclarecimentos sobre os motivos de não ser a função de vigilância feita por recursos próprios, ou seja, por militares. De igual modo, perguntou-se se existiam critérios de reforço de segurança relativamente aos funcionários das empresas contratadas, de modo a assegurar a inviolabilidade de espaços e informação sensíveis.  

    No dia seguinte, as relações públicas das Forças Armadas acusou a mensagem, informando que “o assunto foi encaminhado para os órgãos competentes a fim de ser analisado”. Passou uma semana e a análise ainda não chegou.

  • Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está a níveis nunca vistos (desde 2014)

    Mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está a níveis nunca vistos (desde 2014)

    Quase não se dão por elas, por serem apenas três em cada 1.000 mortes contabilizadas em Portugal. Poucas centenas em cada ano. Em todo o país eram menos de um óbito por dia; mas agora, de repente, já é um pouco mais de um por dia, e analisando em detalhe verifica-se que nos últimos dois anos o incremento da mortalidade nos adolescentes e jovens adultos, com idades entre os 15 e os 24 anos, aumentou 22% face ao período pré-pandemia. O forte aumento coincidiu com o início do programa de vacinação contra o SARS-CoV-2, a partir do quatro trimestre de 2021. Mas esse é tema tabu. O PÁGINA UM até já tinha, há cerca de um ano, detectado uma tendência preocupante. Daí para cá, só piorou.


    Há um problema persistente e já indisfarçável, excepto se o “sangue jovem” for já indiferente para os lados da Avenida João Crisóstomo, sede do Ministério da Saúde: a mortalidade total na faixa etária dos 15 aos 24 anos está anormalmente elevada desde o início de 2022. A situação nem sequer se pode já considerar surpreendente, porque em  Setembro do ano passado o PÁGINA UM já detectara uma preocupante tendência crescente na mortalidade dos adolescentes e jovens adultos desde Outubro de 2021.

    Mas desde Setembro, esta situação só piorou. E piorou duplamente, porque há um manto de silêncio político e mediático sobre estas mortes há largos meses, enquanto os media mainstream apenas se entretêm quando há show off, como a trágica (e desumana) morte de um idoso de 93 anos que, quando nasceu em 1930 tinha então uma probabilidade de viver só até aos 50 anos, ou seja, menos 43 anos do que aqueles que acabou vivendo. Os jovens que estão a perder a vida em circunstâncias não apuradas (porque aparentemente não interessa saber as causas) nem sequer terão a chance de contribuir para que, dentro de décadas, não se continue a deixar morrer nenhum idoso sozinho numa maca de hospital…

    girl, sad girl, sitting

    Em Setembro do ano passado, numa análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação do Certificados de Óbito (SICO) já se constatara que em todo o mês de Agosto de 2022 tinham sido contabilizados 45 óbitos, um máximo desde 2014 – ano em que se começou a recolher estes dados com detalhe etário e mensal – para os jovens daquele intervalo de idades. Mais do que um recorde fortuito, enquadrava-se numa tendência crescente.

    Considerando a evolução da média da mortalidade anual – ou seja, o somatório dos óbitos dos 12 meses anteriores –, o mês de Agosto do ano passado mostrava estar num pico (com 360 óbitos), que contrastava com 304 óbitos no mesmo período de 2021. E o PÁGINA UM já anunciava não haver sinais de abrandamento.

    E o pior cenário confirmou-se. Uma nova análise do PÁGINA UM aos dados do SICO mostram que, para a faixa etária dos 15 aos 24 anos, o crescimento da mortalidade anual – calculada em função dos 365 dias anteriores – só inverteu ligeiramente na segunda semana de Novembro do ano passado, depois de se estabelecer um novo máximo nos 377 óbitos. Isto significa que morriam então 103 jovens deste grupo etário em cada 100 dias, quando antes da pandemia, e mesmo antes do início da vacinação contra a covid-19, o rácio era de 87 mortes por cada 100 dias. Significa que, extrapolando para 365 dias, havia um acréscimo inexplicável e inesperado de quase 60 mortes por ano de adolescentes e jovens adultos.

    Evolução da mortalidade acumulada nos últimos 365 dias para o grupo etário dos 15 aos 24 anos em cada dia desde Janeiro de 2015. Nota: para suavizar pequenas variações diárias procedeu-se ainda, para cada dia, ao cálculo da média móvel a 30 dias. Fonte: SICO / DGS. Análise: PÁGINA UM.

    No início de Janeiro deste ano ainda se chegou a observar uma ligeira retracção dos níveis de mortalidade deste grupo juvenil, mas este nunca ficou abaixo dos 360 óbitos (nos últimos 365 dias). E a partir daí encetou-se nova subida que atingiu os 375 óbitos (nos últimos 365 dias) em 21 de Julho. Anteontem, dia 23 de Agosto, este nível de mortalidade situava-se nos 371 óbitos – ou seja, desde 24 de Agosto de 2022 foi esse o número total de mortes em Portugal de jovens entre os 15 e os 24 anos.

    Comparando com períodos homólogos durante a pandemia, entre 24 de Agosto de 2021 e 23 de Agosto tinham morrido 360 jovens desta faixa etária – menos 11 óbitos. No período homólogo de 2020 a 2021 apenas 295 – menos 76 óbitos. No período homólogo de 2019 a 2020 registaram-se 338 – menos 33 óbitos. Este último valor, mais elevado do que o contabilizado no ano seguinte, não terá sido devido à covid-19, uma vez que no primeiro ano da pandemia apenas se registou um óbito por esta doença nesta faixa etária.

    Nos períodos de Agosto a Agosto dos anos anteriores à pandemia, as diferenças face ao período homólogo de 2022-2023 nos níveis de mortalidade na faixa etária dos 15 e os 24 anos situaram-se entre menos 36 e menos 74 óbitos.

    Em Setembro do ano passado, tendo feito uma análise similar, detectando já sinais evidentes de agravamento da mortalidade entre adolescentes e jovens entre os 15 e 24 anos, a situação só piorou.

    Para confirmar que este acréscimo de mortalidade nesta faixa etária não é conjuntural, e aparenta ser já estrutural – e é pelo menos coincidente com o início do período de vacinação contra a covid-19 nos jovens –, diga-se que nenhum outro grupo etário apresenta similar cenário.

    De acordo com outra análise do PÁGINA UM, para o período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto (ou 22 de Agosto nos anos bissextos) desde 2014, é certo que o grupo dos maiores de 85 anos tem sido o mais “fustigado”, mas estamos perante uma faixa etária que está já fora da esperança média de vida, ou seja, com taxas de mortalidade bastante elevadas (acima dos 15% ao ano).

    Mesmo assim, comparando, para este período do ano, a mortalidade no quadriénio 2020-2023, observa-se que os mais idosos registaram um acréscimo de mortalidade de 16% face ao quadriénio 2016-2019, com o pior ano a ser o de 2022. Porém, no ano em curso, apesar da mortalidade ainda estar bem acima de qualquer ano pré-pandemia, o número de óbitos está abaixo do registado em 2022 e 2021. Além disso, convém salientar que este grupo etário tem estado a aumentar nas últimas décadas, sendo daí que também se justifica um aumento do número absoluto de óbitos.

    Ora, mas tal não se verifica no grupo etário dos 15 aos 24 anos, que até revela uma ligeira diminuição populacional em termos absolutos face à gradual diminuição da natalidade nas duas últimas décadas. Nestes casos, um aumento no número de óbitos em determinado período significa automaticamente uma subida da taxa de mortalidade.

    Assim, no período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto, se se comparar o quadriénio 2020-2023 com o quadriénio 2016-2019, constata-se um agravamento de 15,3% da mortalidade neste grupo de jovens. Contudo, a situação ainda se agrava mais se se comparar o biénio 2022-2023 (média de 243 óbitos) com o período de 2014-2021 (média de 202 óbitos), revelando-se um aumento da taxa de mortalidade de 20,3%. E se se considerar apenas o quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), a taxa de mortalidade aumenta 22%.

    A dimensão deste flagelo nos jovens entre os 15 e os 24 anos – que passa despercebido num país que se habitua a ter mais de 300 óbitos, na sua esmagadora maioria de pessoas bastante idosas – não encontra paralelo nas faixas etárias antecedentes e subsequentes.

    A análise do PÁGINA UM aos dados do SICO desde 2014 para o período entre 1 de Janeiro e 23 de Agosto (ou 22 de Agosto, nos anos bissextos) mostra que, confrontando o quadriénio 2020-2023 (que engloba os anos da pandemia) com o quadriénio anterior (2016-2019), a taxa de mortalidade infantil até apresentou uma melhoria substancial (-23,3%), confirmando aliás a boa evolução deste indicador já salientada em notícia de Maio passado. Isto mesmo se 2022 e 2023 apresentam números mais elevados do que 2021, que foi ano atípico (no bom sentido).

    Ministério da Saúde anda desde Agosto de 2022 a dizer que estuda as causas do excesso de mortalidade, mas Manuel Pizarro até já culpou as alterações climáticas.

    No grupo dos 1 aos 4 anos, a redução é de 2,5%, embora os valores de 2022 e 2023 sejam mais elevados do que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021). Em todo o caso, este é, por norma, um grupo etário de baixíssima taxa de mortalidade, pelo que se pode concluir que a última década tem sido marcada pela estabilidade. O mesmo se pode dizer para o grupo dos 5 aos 14 anos, em que a variação entre os dois quadriénios é praticamente nula.

    Como a variação entre quadriénios no grupo etário dos 25 aos 34 anos também se mostra baixa (apenas 2,4%), sendo que os números de óbitos em 2022 e até de 2023 são superados por outros anos do período 2014-2019, mais se destaca assim, pela negativa, a situação da mortalidade dos adolescentes e jovens adultos dos 15 aos 24 anos.

    E ainda mais se se juntar, na comparação, o grupo etário dos 35 aos 44 anos, que claramente foi um grupo pouco ou nada afectado pela pandemia, quer pela covid-19, quer pela desregulação do Serviço Nacional de Saúde, quer mesmo por hipotéticos efeitos adversos das vacinas contra o SARS-CoV-2. Com efeito, sendo certo que nos anos anteriores à pandemia, entre 1 de Janeiro e 23 de Agosto, se contabilizam, neste grupo etário, mais de um milhar de óbitos, a partir de 2021 os valores passam a estar abaixo dessa fasquia. Os números deste ano (864 óbitos) são mesmo os mais baixos desde 2014.

    Número de óbitos por grupo etário e ano desde 2014 no período de 1 de Janeiro a 23 de Agosto (ou 22 de Agosto, em anos bissextos). Fonte: SICO /DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Nos grupos imediatamente subsequentes, apesar de o quadriénio 2020-2023 apresentar valores acima do quadriénio anterior à pandemia (2016-2019), os dois últimos anos mostram uma tendência de regresso à normalidade. Nos diversos grupos etários entre os 55 e os 84 anos verifica-se mesmo uma contínua descida ano após ano, desde 2021, o pico da pandemia. Os valores de mortalidade do grupo etário dos 75 aos 84 anos desde o início do ano em curso (20.534 óbitos) até já se situa abaixo da generalidade dos anos entre 2014 e 2022.

    Este cenário geral, contudo, só agrava, por isso, a situação dos adolescentes e jovens dos 15 aos 24 anos. Mesmo se, no total, representam apenas 0,3% do total dos óbitos. Mas a morte dos jovens não são apenas mortes: são vidas que deixaram de ser vividas. E isso custa mais…

    Entretanto, recordemo-nos que em Agosto de 2022, o Ministério da Saúde anunciou um estudo para analisar e detectar as causas para o excesso de mortalidade. Ainda não deu “sinais de vida”, apesar de o ministro Manuel Pizarro se ter antecipadao e culpado já as alterações climáticas. Enquanto isto, o PÁGINA UM ainda aguarda os resultados de um recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul, através do seu FUNDO JURÍDICO, para aceder aos dados discriminados do SICO que, em poucos dias de análise, permitiria apurar as principais doenças ou afecções responsáveis por esses excessos.

  • JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    JMJ: Peregrinos pagaram transporte, mas Ministério do Ambiente ainda deu 3,3 milhões de euros aos operadores

    No acto da inscrição para a Jornada Mundial da Juventude, houve 354 mil peregrinos que pagaram ao Patriarcado de Lisboa verbas que incluíam um kit de transporte, e quem preparou os seus próprios percursos pagou os bilhetes do seu bolso. Mas ninguém explica agora se o Patriarcado pagou algum serviço ou se antes encaixou as verbas nos seus cofres; e nem se sabe se os operadores suportaram algum custo adicional. Só se sabe, sim, que um simples despacho do ministro Duarte Cordeiro mandou o orçamento do Fundo Ambiental às malvas e determinou que se concedesse um subsídio à empresa intermunicipal TML de até 3,3 milhões de euros. Mas esta empresa pública, que sobrevive de subsídios à exploração e já apresenta indicadores que podem levar à sua dissolução em breve, também ainda não deu sinal de si sobre esta matéria. Nem ao próprio Ministério do Ambiente. O apoio estatal concedido é superior ao custo do polémico altar-palco.


    No âmbito da Jornada Mundial da Juventude, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, autorizou a transferência de 3,3 milhões de euros do Fundo Ambiental para a empresa pública TML – Transportes Metropolitanos de Lisboa, mas ninguém diz, em concreto, para que serviu nem qual a justificação.

    A TML é uma empresa pública, criada em 2021 no seio das 18 autarquias Área Metropolitana de Lisboa (AML), com atribuições no planeamento e gestão de bilhética, como o Cartão Viva, funções antes atribuídas à OTLIS. Apesar de no ano passado, primeiro em pleno funcionamento, ter alcançado a venda de 15,6 milhões de euros, mostra, desde já, uma situação completamente deficitária, não tendo registado prejuízos colossais apenas porque sobretudo a AML lhe injectou 20 milhões de euros de subsídios de exploração.

    Altar-palco foi palco de polémica e baixou de 4,2 milhões para 2,9 milhões de euros. Apoio do Fundo Ambiental para transportes, que foram pagos pelos peregrinos, foi superior.

    O montante máximo a atribuir (3,3 milhões de euros) pelo Ministério do Ambiente decorre de um despacho de Duarte Cordeiro, publicado no final de Julho, que decidiu usar as verbas do Fundo Ambiental para, “mediante protocolo de colaboração técnica e financeira a celebrar” com a TML “para apoiar a aquisição de títulos de transporte público para os peregrinos que participam na Jornada Mundial da Juventude 2023”.

    A atribuição da verba do Fundo Ambiental – um milionário fundo com receitas previstas este ano de 1,2 mil milhões, metade dos quais dos leilões das licenças de emissões de dióxido de carbono (CELE) – foi feito à margem do orçamento de 2023 aprovado pelo próprio Duarte Cordeiro em Março deste ano, que determinava que o destino das verbas só poderia ser revisto “caso a execução orçamental da receita apresente variações significativas face às receitas previstas ou perante eventuais alterações significativas à execução orçamental de compromissos assumidos.”

    Porém, Duarte Cordeiro invocou uma cláusula de excepção do diploma que criou o Fundo Ambiental em 2016 que permite apoios pontuais por decisão do “membro do Governo responsável pela área do ambiente e da ação climática” quando se considerar que beneficia “a intervenções urgentes ou de especial relevância”. E o ministro do Ambiente assim fez, por considerar que se justificava
    “o apoio à disponibilização de títulos de transporte intermodais específicos para os peregrinos da JMJ, como forma de induzir e facilitar a opção de deslocações em transporte público, em detrimento de outras formas de mobilidade mais poluentes e penalizadoras do ambiente.”

    Duarte Cordeiro gere o Fundo Ambiental com um orçamento anual de 1,2 mil milhões de euros. Por simples despacho, pôde contrariar o orçamento do multimilionário fundo e atribuir 3,3 milhões de euros para apoiar uma empresa deficitária, sem justificação fundamentada.

    Porém, a justificação para esta operação de financiamento à TML não encaixa na realidade, porque os peregrinos que se inscreveram na Jornada Mundial da Juventude tiveram de pagar o transporte, que estava incluído explicitamente como contrapartida. Recorde-se que nos Pacotes Peregrinos, a Fundação JMJ Lisboa 2023 – criada pelo Patriarcado de Lisboa para a organização do evento que contou com a presença do Papa Francisco – estabeleceu diferentes valores de inscrições, desde os 95 até aos 255 euros, todos incluindo kits de transporte.

    Pressupondo que uma parte das avultadas receitas do Patriarcado de Lisboa pelas cerca de 354 mil inscrições de peregrinos se destinaria, em princípio, para também custear passes de transportes, o PÁGINA UM questionou por duas vezes a Fundação JMJ para saber se houve algum pagamento de serviços, ou algum desconto pelos passes durante a Jornada Mundial da Juventude, quer à TML quer a outro qualquer operador, como a Carris e Metropolitano de Lisboa. Porém, do Patriarcado de Lisboa só veio silêncio – e, por agora, só Deus saberá a resposta…

    Ou também a administração da TML – mas esta também não respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM sobre o protocolo de colaboração técnica e financeiro previsto, nem deu explicações para o recebimento do apoio do Fundo Ambiental sabendo-se que, em princípio, os peregrinos pagaram o transporte no acto da sua inscrição.

    Houve 354 mil peregrinos que pagaram inscrição, que incluía kit de transporte. Os restantes tiveram que pagar bilhete nos transportes. TML não explica se recebeu dinheiro do Patriarcado de Lisboa ou se teve suportar algum custo que não teve retorno financeiro positivo.

    Apenas o Ministério do Ambiente, através do gabinete de imprensa de Duarte Cordeiro reagiu, embora ao estilo de Pôncio Pilatos, dizendo que aguardam que a “TML comunique o número de títulos usados para poder contabilizar o montante do Fundo Ambiental que será efetivamente necessário mobilizar, nos termos referido no despacho”, acrescentando, porém, que “o valor que a TML receberá será repartido pelos operadores da área metropolitana de Lisboa que aderiram, consoante o número de validações”, incluindo “a Carris e o Metropolitano de Lisboa”.  

    Na nota enviada pelo Ministério do Ambiente ao PÁGINA UM não surge qualquer referência sobre a noticiada comparticipação de 40% por parte do Governo aos passes dos peregrinos, através de um suposto acordo com a Fundação JMJ.

    Em suma, cerca de um mês após o despacho governamental, ignora-se se o dinheiro recebido dos peregrinos pela Fundação JMJ acabaram no bolso da Patriarcado de Lisboa, e se os 3,3 milhões de euros não são mais um dos contínuo subsídios à exploração de uma empresa pública, nascida há apenas dois anos, que já está deficitária.

    A TML gere, entre outros títulos, o passe Navegante dos transportes públicos da Área Metropolitana de Lisboa. No ano passado, as receitas de prestação de serviços só cobriram 44% dos custos. Resultado: sobrevive de subsídios de exploração para pagar sobretudo contratos externos e salários de 72 funcionários.

    De facto, mostra-se surpreendente constatar, através do relatório e contas de 2022, que a TML, para obter no ano passado vendas de 15,6 milhões de euros, teve de contratar serviços externos no valor de quase 31,4 milhões de euros – sendo 27,7 milhões em subcontratos –, além de arcar gastos com pessoal da ordem dos 3 milhões de euros. Em média, o salário bruto dos 72 empregados aproxima-se dos 3.000 euros mensais. E os três administradores custaram ao erário público, em dois anos (2021 e 2022) quase 456 mil euros.  

    No recente relatório e contas, a administração da TML até já alerta para o incumprimento de indicadores estabelecidos por um diploma de 2012 relativo à actividade empresarial de municípios. Essa legislação obriga que as empresas municipais sejam extintas se, por exemplo, as vendas e prestações de serviços realizados durante os últimos três anos não cubram, pelo menos, 50% dos gastos totais dos respetivos exercícios, ou se o resultado líquido for negativo durante três anos. A continuar esta situação financeira, se os municípios retirarem parte dos subsídios à exploração, os prejuízos contabilísticos disparam.