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  • Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Hoje, a escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge, na sua intervenção oficial do Dia de Portugal na cidade algarvia de Lagos, lançou uma reflexão que bem poderia ter sido moldada em granito: “O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espectáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas.”

    A frase talvez pretendesse tocar a consciência cívica, mas involuntariamente poderia também ter sido inspirada pela realidade lacobrigense — gentílico erudito de Lagos, que remonta à antiga Lacobriga romana —, onde o cidadão paga e assiste. E onde o ídolo, invariavelmente, é de pedra, ferro ou bronze.

    Hugo Pereira, presidente socialista da autarquia de Lagos: 500 mil euros em Arte de Rotunda em nove dias. Tudo por três ajustes directo, em dois casos a ‘artistas da casa’. Foto: CML.

    De facto, Lagos, a cidade algarvia onde as rotundas florescem em bronze, ferro ou pedra e o orçamento municipal se curva com frequência ao apelo da (es)cultura popular, resolveu, em apenas nove dias do final de Abril passado, ‘investir’ mais meio milhão de euros em arte pública — ou, mais rigorosamente, em Arte de Rotunda.

    A decisão foi tomada através de três contratos sucessivos por ajuste directo, sem consulta pública e com escassa informação disponível. Sabe-se apenas que dois dos felizes contemplados têm ligações a Lagos, ou por aí terem nascido ou por aí residirem.

    A autarquia, liderada pelo socialista Hugo Pereira, ainda não prestou esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre os critérios das encomendas nem sobre as razões das escolhas a dedo nem sobre o conteúdo das obras. Mas há criatividade garantida e também ironia — pelo menos na denominação de duas das empresas beneficiadas.

    A icónica e polémica estátua de José Cutileiro em Lagos, que necessita de legenda para se saber quem evoca. Foto: DR.

    Um dos contratos, no valor de 209.100 euros (IVA incluído), foi assinado com a empresa Poeiras Ajuizadas, criada apenas em Março deste ano, sendo este o seu primeiro contrato público. Logo por ajuste directo. Com um capital social de 500 euros, a sócia única desta novel empresa é Rita Mendes Pereira, aparentando que o seu melhor atributo para a escolha seja ser natural de Lagos, para além de possuir um mestrado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. A peça será instalada na rotunda junto ao Centro de Saúde, na entrada poente da cidade.

    O segundo contrato, ainda mais generoso, fixou-se nos 246.000 euros (com IVA) e foi adjudicado à empresa Palavra Mental, nascida em Agosto de 2024, em Chilreira, no concelho de Sintra, também com 500 euros de capital social. A firma pertence ao escultor Rui Matos, que conta com um extenso percurso artístico, tendo iniciado carreira nos anos 80. O seu currículo expositivo é denso e variado, com obras em ardósia, gesso, bronze, pedra e ferro.

    Nas últimas semanas, o trânsito na conhecido Rotunda de São Gonçalo esteve congestionado para ser colocado o suporte para a peça escultória de Rui Matos, tendo as obras previsivelmente terminado no final da semana passada, conforme informação da autarquia, que não revelou aos munícipes o custo da obra. Não se conseguiu ainda apurar quando a escultura será colocada, mas da cabeça e mãos do dono da Palavra Mental sabe-se o que essa mente já concebeu antes.

    Rotunda de São Gonçalo vai receber escultura que custou 246 mil euros.

    Por exemplo, numa das suas exposições recentes, a obra de Rui Matos é descrita como a de um escultor que, “tal como um músico, gera no processo da linguagem uma estrutura compositiva aberta entre o resultado sonoro/visual e a performance compositiva. Nestas narrativas, desenvolvem-se tensões a serem resolvidas estruturalmente em torno da busca da abstracção na essência da natureza.” E mais: “Operando numa semelhante abstracção intrínseca à natureza, cuja ‘gramática’ se revela particularmente universal, o escultor interliga dois sistemas, o do geométrico-matemático com o da linguagem primordial.”

    Enfim, um discurso estético de múltiplas literacias visuais — e, aparentemente, agora com uma generosa fonte de financiamento público. São raríssimas as obras de escultura acima dos 200 mil euros adjudicadas por autarquias.

    O terceiro contrato, de menor valor mas não menos digno de menção, foi celebrado com António Pedro Serrano de Sousa Correia, artista plástico nascido em Angola em 1961, que usa o nome artístico A. Pedro Correia. Residente em Lagos, dedica-se à escultura, à criação de objectos tridimensionais e à instalação multidisciplinar.

    O contrato, no valor de 44 mil euros — sem IVA, por ser artista em nome individual — visa a criação de uma escultura a instalar na entrada norte da cidade, no entroncamento da EN120 com a Avenida de Alcácer Quibir. Na sua página do Facebook, datada do início de Maio, já é possível ver fotografias da obra em fase avançada de execução numa zona lateral à rotunda defronte à esquadra da PSP. Um espaço onde, aliás, caberiam mais algumas esculturas — e talvez umas centenas de milhares de euros adicionais em futuros ajustes directos.

    Importa lembrar que Lagos é uma cidade que, segundo o seu próprio site institucional, conta já com 27 monumentos e esculturas espalhados pelo espaço público. Incluem-se homenagens ao Infante D. Henrique, a Salgueiro Maia, a São Gonçalo, a Júlio Dantas e, naturalmente, ao rei D. Sebastião, cuja escultura emblemática de José Cutileiro, instalada nos anos 70, continua a despertar perplexidade entre os visitantes menos informados: o monarca surge com expressão adolescente e ‘capacete de motorizada’, exigindo leitura prévia para identificação.

    Com este novo impulso escultórico, Lagos confirma o seu estatuto de capital nacional da estátua por rotunda, caminhando para um rácio de uma peça escultória em espaço público por cada mil habitantes. Se um dia se decidir celebrar o próprio conceito de homenagem urbana, já haverá espaço — e verba — para mais uma figura de bronze, talvez com Lídia Jorge em pedestal, e a inscrição lapidar: “os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores.”

  • Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Não há fome que não dê em fartura – e essa fartura pode vir a dar, a prazo, outros tantos problemas tão ou mais complexos do que a fome original. Depois de anos de estagnação do licenciamento de habitação – no decurso da crise do subprime em 2007 –, Portugal está agora a assistir a um súbito festim de projectos aprovados — mas, como em toda a fartura precipitada, o risco de indigestão urbanística é real e iminente.

    Os dados dos licenciamentos urbanísticos de Abril de 2025, hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que o sector do licenciamento de novos fogos entrou numa fase de completa euforia, mas olhando para o detalhe identificam-se excessos passados e velhos erros.

    a man standing on top of a metal structure

    Uma análise de investigação e de estatística à série de dados mensais dos licenciamentos desde Janeiro de 2007 feita pelo PÁGINA UMuma actividade jornalística considerada menor (como “jornalismo-tainha”) pelo director editorial do Correio da Manhã –, permite antever que o presente ano deverá ultrapassar, com grande margem, todos os valores registados desde 2008.

    Com efeito, entre Janeiro e Abril do presente ano foram licenciados 13.467 novos fogos, o que, considerando os ritmos de licenciamento ao longo dos meses, permite estimar que 2025 chegará a um total próximo dos 46 mil fogos. Tem de se recuar a 2008 para encontrar valor similar.

    O crescimento relativo dos primeiros quatro meses de 2025 face ao quinquénio anterior (2020-2024), que registou uma média anual de 10.217 fogos, é extraordinariamente elevado: 31,8%, o que representa uma mudança brusca no comportamento do mercado e, acima de tudo, das entidades licenciadoras. Contudo, esta dinâmica, à primeira vista positiva numa conjuntura de crise habitacional, esconde desequilíbrios preocupantes: tanto na distribuição regional dos licenciamentos como na própria morfologia dos fogos projectados.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos em cada ano desde 2007. O ano de 2025 é uma estimativa em função dos números reais até Abril e considerando o ritmo de licenciamento mensal ocorrido em 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A análise regional dos dados expõe uma realidade bastante dual. Regiões como as de Coimbra, Lezíria do Tejo, Grande Lisboa, Alto Minho e Tâmega e Sousa apresentam crescimentos superiores a 60% face à média do quinquénio anterior — sendo que Coimbra, com 643 fogos licenciados, mais do que duplicou o valor médio dos cinco anos anteriores.

    A região da Grande Lisboa, com 2.534 novos fogos, regista um aumento de 81,6%, mostrando ser agora o principal motor da retoma na habitação urbana, ultrapassando mesmo a Área Metropolitana do Porto, que mostra estagnação (apenas +20,5%, com 2.813 fogos este ano).

    A euforia é, porém, desigual. Quatro em cada 10 novos fogos licenciados este ano estarão localizados apenas em duas regiões (Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto), ou seja, 39,7% dos novos fogos serão construídos em menos de 6% do território nacional, sendo que estas são já as mais saturadas do ponto de vista urbanístico.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos nos primeiros quatro meses (Janeiro a Abril) de cada ano desde 2007. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Por outro lado, territórios como o Baixo Alentejo (-33,6%), Terras de Trás-os-Montes (-30,8%), Alentejo Central (-28,5%), a Península de Setúbal (-25,1%) e até mesmo o Algarve (-21,8%) e Ave (-5%) apresentam quedas acentuadas. Ou seja, algumas zonas suburbanas, turísticas e do interior, com fraca atractividade económica, continuam a afastar o investimento em habitação, mesmo num contexto de incentivo à construção. Este crescimento reproduz a ‘velha geografia’ da litoralização e da urbanização concentrada, sem qualquer correcção política ou de planeamento estratégico.

    Mas, para além do número bruto de fogos licenciados, a análise do PÁGINA UM aos dados por tipologia revela uma mutação ainda mais significativa e estrutural: a redução progressiva das habitações de maior dimensão e o crescimento acentuado de fogos pequenos, em particular os T0 e T1.

    Nos quatro primeiros meses de 2025, as tipologias T0 e T1 (agregadas nos dados do INE) representam 18,2% do total de fogos licenciados, com 2.448 unidades — uma subida clara face à média de 1.301 unidades por ano no quinquénio anterior. Antes de 2017, raramente esta tipologia ultrapassava os 10% do total. Em termos relativos, trata-se de um aumento de 88,1%, mais do dobro do crescimento geral dos licenciamentos. Este indicador reflecte uma mudança na estratégia dos promotores imobiliários, que apostam agora num mercado da habitação mais compacta — dirigida sobretudo a arrendamento urbano, a residências para estudantes e, em alguns casos, à hotelaria encapotada.

    Licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses em 2025 e na média do quinquénio 2020-2024, e variação percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A opção por fogos de pequena dimensão responde, parcialmente, às exigências económicas de um mercado onde o preço por metro quadrado atingiu níveis proibitivos. No entanto, esta tendência pode vir a gerar problemas de saturação urbana, congestionamento de serviços públicos e pressão sobre infra-estruturas já deficitárias. Por outro lado, constitui um reflexo da precarização dos modelos de vida — cada vez mais orientados para a mobilidade, o individualismo e a instabilidade. Ou seja, a construção de casas familiares está em forte queda.

    Com efeito, a tipologia T4 ou superior — ou seja, de habitação familiar com espaço e estabilidade — recuou significativamente. Nos primeiros quatro meses deste ano, apenas 1.716 fogos desta categoria foram licenciados em todo o país, o que representa apenas 12,7% do total, quando em 2007 representavam 16,7% (com 3.723 unidades). Em todo o caso, em termos absolutos, o número de fogos com tipologia T4 ou superior é o maior desde 2010.

    Numa perspectiva urbanística global, este boom de licenciamento exige leitura crítica. Não basta celebrar o número: é preciso questionar onde se constrói, o que se constrói e para quem se constrói — algo que os números do INE não mostram, mas que indiciam. A predominância de tipologias mínimas em zonas mais valorizadas, conjugada com a queda de licenciamentos nas regiões menos atractivas, poderá vir a reforçar assimetrias e criar bolhas de sub-habitação urbana — apartamentos demasiado pequenos para necessidades familiares, com preços desajustados face ao rendimento médio, servidos por infra-estruturas que não acompanham o ritmo de expansão.

    Evolução do licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses do ano (Janeiro a Abril desde 2007) por tipologia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM,

    Não menos importante é o impacto deste crescimento sobre os equipamentos urbanos. A construção intensiva, sobretudo nos centros urbanos já saturados, pode comprometer o acesso a transportes, escolas, unidades de saúde, zonas verdes e abastecimento energético — áreas frequentemente ignoradas no frenesim licenciatório. E existe, assim, com esta vontade de licenciar para resolver a ‘crise da habitação’ apenas com mais construção, o risco de se repetir o erro clássico do urbanismo português: permitir que a pressão imobiliária dite a forma da cidade, em vez de se planear a cidade para responder à sua função social.

    Certo é que este processo de nova bolha imobiliária sucede sem que o Estado, central ou local, assuma um papel de verdadeiro regulador estratégico. As autarquias, muitas vezes dependentes de receitas do licenciamento e pressionadas pelos interesses de promotores, não têm dado provas de capacidade para travar ou orientar os surtos construtivos.

    Em muitos casos, a aprovação de projectos acontece sem qualquer avaliação prévia de impacto sobre os equipamentos públicos, licenciando-se porque surgem investidores, porque há pressa — e há pressa porque há investimento, e o investimento, como se sabe, não gosta de esperar nem de ser contrariado.

    Em suma, se o crescimento de 31,8% no licenciamento de fogos em 2025 é também um sinal de recuperação económica, também revela miopia estrutural. O país que passou anos a lamentar a crise da habitação parece agora enredado numa resposta quantitativa, quando os problemas são sobretudo de qualidade — do território, da oferta, do acesso e do planeamento.

    Assim, se a ‘fome’ de habitação é real, a fartura súbita poderá ser indigesta. A história urbanística portuguesa ensina que os excessos se pagam — não com juros financeiros, mas com décadas de má qualidade de vida, desorganização do espaço e oportunidades perdidas.

  • Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    A indústria farmacêutica reforçou a sua presença no Ministério da Saúde com a nomeação de Francisco Gonçalves para a Secretaria de Estado da Gestão da Saúde. O novo governante salta directamente da Sanofi, onde ocupava desde 2021 o cargo pomposamente denominado Head of Market Access & Public Affairs. Nessas funções, Francisco Gonçalves foi responsável pela definição de estratégias para a obtenção de preços e reembolsos junto das autoridades de saúde, bem como pela articulação com decisores políticos e instituições públicas, assegurando o enquadramento regulatório e institucional favorável à empresa.

    Foi ele que, por exemplo, negociou com o Ministério da Saúde, então liderado por Ana Paula Martins, a introdução do fármaco Beyfortus – marca comercial do nirsevimab, um anticorpo monoclonal para a prevenção do vírus sincicial respiratório –, que é hoje uma das coqueluches da farmacêutica francesa (confirma). Nas contas de 2024, a Sanofi reportou receitas com este fármaco de quase 1,7 mil milhões de dólares, com um crescimento de 208% face ao ano anterior, ocupando já a segunda posição entre as suas marcas, apenas atrás do Dupixent, também um anticorpo monoclonal destinado ao tratamento da asma e da dermatite atópica, e que é um autêntico campeão de vendas devido ao seu elevado preço.

    Apesar de se tratar de uma doença genericamente benigna e de não haver registo em Portugal de mortes em bebés, a Sanofi – apoiada numa intensiva campanha mediática que incluiu parcerias promíscuas com a imprensa mainstream – conseguiu que, em 2024, o Ministério da Saúde adquirisse doses suficientes para inocular cerca de 62 mil bebés nascidos entre 1 de Agosto do ano passado e 31 de Março de 2025.

    De acordo com o Portal Base, a Sanofi conseguiu vender até hoje cerca de 14,6 milhões de euros (IVA incluído) de Beyfortus, mas a factura deverá ainda aumentar substancialmente. Grande parte deste valor deveu-se á administração de doses em cerca de 62 mil crianças”, justificada por um alegado estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com base em dados de 2023, que apontavam para o internamento hospitalar de 145 crianças até aos dois anos de idade, entre 2 de Outubro e 10 de Dezembro.

    No passado mês de Abril, o Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral da Saúde (DGS), decidiu expandir a estratégia de imunização na próxima campanha de vacinação, alargando a sua abrangência a todos os bebés nascidos entre 1 de Junho de 2025 e 31 de Março de 2026. A data ainda não está definida, mas a campanha de administração do anticorpo monoclonal – que não é tecnicamente uma vacina – deverá arrancar a 1 de Outubro e prolongar-se até 31 de Março de 2026.

    O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.

    Apesar de diversos estudos indicarem que o Beyfortus reduz significativamente a hospitalização de bebés com infecções respiratórias por VSR, não são conhecidos estudos públicos sobre o verdadeiro impacto nos hospitais portugueses, sendo certo que, em termos de óbitos, não havia nada a melhorar, por não haver registos de desfechos fatais. Até porque, antes do Beyfortus, já existia um outro anticorpo monoclonal administrado apenas a prematuros e recém-nascidos com comorbilidades graves.

    Apesar disso, os dados da Agência Europeia do Medicamento – actualmente presidida por Rui Santos Ivo, presidente do INFARMED, e que ficará agora sob tutela do ex-Sanofi Francisco Gonçalves – começam a indicar suspeitas de efeitos adversos graves associados à toma de nirsevimab. Ainda que estes dados careçam de confirmação, a sua inclusão no sistema EudraVigilance constitui já um alerta regulatório.

    Desde 2023 até à data, foram reportadas 628 reacções adversas graves, incluindo 21 mortes. Destas, 13 foram reportadas em 2024 e sete já este ano. O mais recente registo de morte associada à nirsevimab é de 29 de Março e ocorreu por morte súbita de um recém-nascido com menos de um mês no próprio dia da toma, de acordo com o registo da EudraVigilance.

    Os efeitos adversos do Beyfortus têm sido detectados sobretudo em França, onde a administração do fármaco é mais intensiva. Actualmente, para além de Portugal e França, o Beyfortus tem sido administrado em Espanha, Alemanha, Itália, Finlândia e Bélgica – embora nem todos os países tenham optado por abranger todas as crianças. O custo por dose ascende a mais de 200 euros, valor considerado exorbitante, o que tem contribuído para o expressivo crescimento das receitas da Sanofi.

    Com a nomeação de Francisco Gonçalves, são agora dois os governantes do Ministério da Saúde com fortes ligações à indústria farmacêutica. Ana Paula Martins esteve durante vários anos ligada à Gilead, uma das farmacêuticas que conseguiu importantes negócios durante a pandemia, sobretudo com o remdesivir, um fármaco que fora um investimento ruinoso contra o vírus do Ébola, mas que miraculosamente foi considerado eficaz contra o SARS-CoV-2.

    Apesar de a covid-19 ser actualmente uma doença praticamente inofensiva, a Gilead conseguiu já vender este ano em Portugal mais 744 mil euros de remdesivir a diversos hospitais, tendo no ano anterior obtido ainda 3,7 milhões de euros. Desde finais de 2020, cerca de 40 milhões de euros deste antiviral foram adquiridos pelo Estado português à antiga empregadora da actual ministra da Saúde.

    Exemplo paradigmático do uso de jornalistas como ‘delegados de propaganda médica”. Clara de Sousa numa acção da indústria farmacêutica, uma empresa de genéricos.

    A indústria farmacêutica vive, na Europa, um período de expansão acentuada dos seus negócios, com cada vez menor vigilância regulatória, fruto das chamadas “portas giratórias” entre o sector e a política. Além disso, ao nível dos media, tem-se vindo a registar aquilo que se poderá denominar – com rigor a definir – “abraços de urso” publicitários, em que parcerias comerciais envolvendo jornalistas alimentam uma cobertura enviesada: os órgãos de comunicação social funcionam agora como novos delegados de propaganda médica.

    Em Portugal, por exemplo, o Expresso, o Público, a CNN, o Observador, o Diário de Notícias, entre outros, têm mantido generosas parcerias com farmacêuticas, o que se traduz numa visível redução de notícias desfavoráveis e num aumento de conteúdos entusiásticos, mesmo relativamente a medicamentos ainda sem provas consolidadas de eficácia ou de segurança.

  • Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Mesmo depois de ser constituído arguido e com rumores da sua ‘expulsão’ de mentor do The Voice, programa de talentos da RTP, a carreira do cantor Nininho Vaz Maia, vai de vento em popa. As buscas de foi alvo, no passado dia 6 de Abril, relacionadas com tráfico de droga e lavagem de dinheiro, não esmoreceram a vontade de autarcas em contratarem o popular cantor, que afirma estar inocente. No espaço de um mês, após as buscas, Nininho ‘assinou’ mais quatro contratos com autarquias num valor global de 205 mil euros para dar concertos ‘grátis’ à população. E há mais a caminho.

    Os quatro municípios que adjudicaram contratos ao cantor, sempre por ajuste directo, foram: Castelo de Paiva, Sertã, Reguengos de Monsaraz e Arouca. Três dos contratos foram efectuados através da Gigs on Mars, que representa o artista, e um foi feito através da empresa unipessoal Iconikourage, segundo a consulta que o PÁGINA UM fez à plataforma de registo dos contratos públicos, o Portal Base.

    A polémica em torno do artista não beliscou o apetite de autarcas em contratar o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional e esgotou duas noites no MEO Arena. A tendência confirma que Nininho Vaz Maia se tornou um fenómeno musical, sendo até imune a polémicas, como o PÁGINA UM antecipou. Além da popularidade, a polémica em torno do cantor surgiu num contexto em que a cena política ‘lucra’ com posições a favor ou contra minorias.

    O município da Sertã liderado pelo socialista Carlos Miranda adjudicou, no dia 21 de Maio, um contrato referente à contratação de um espectáculo do cantor no valor de 43.665 euros. O cantor tem assim presença confirmada no dia 19 de Julho no ‘Festival de Gastronomia do Maranho‘ de 2025, que decorre de 17 a 20 de Julho.

    Seguiu-se um contrato adjudicado à Iconikourage, Unipessoal, no dia 23 de Maio, pelo município de Castelo de Paiva presidido pelo social-democrata José Rocha no montante de 74.722,5 euros referente à aquisição de um “espectáculo, produção e gestão da produção do espetáculo musical de Nininho Vaz Maia – Festas de S. João”. O cantor será o cabeça-de-cartaz das festividades e irá actuar na noite de S. João, a 23 de Junho.

    Na passada terça-feira, dia 3 de Junho, o cantor ganhou mais dois contratos por ajuste directo, assinados pela Gigs on Mars com os municípios de Reguengos de Monsaraz e Arouca.

    Nininho Vaz Maia é o cabeça-de-cartaz das Festas de Santo António em Reguengos de Monsaraz.
    / Foto: D.R.

    No caso do município alentejano, o valor do contrato ficou por 46.125 euros para contratar Nininho Vaz Maia para actuar  nas Festas de Santo António de 2025, que decorrem entre 12 e 15 de Junho. O cantor vai estar em palco às 23 horas no dia 12 de Junho.

    O quarto contrato foi adjudicado pelo município de Arouca, por um valor de 41.364,9 euros. O cantor vai actuar na ‘Feira das Colheitas, Edição 2025’ marcada para entre 25 e 28 de Setembro. O músico vai actuar no dia 26 de Setembro, depois de ter sido “o mais votado no âmbito do inquérito online que a Câmara Municipal lançou para recolha de sugestões de artistas para a 81.ª edição da Feira das Colheitas”, segundo um anúncio da autarquia nas redes sociais, cujo prazo de resposta terminou a 15 de Abril, antes das buscas.

    Curiosamente, este contrato foi adjudicado por uma autarca, a socialista Margarida Belém, que foi condenada em 2023 pelo crime de falsificação de documentos, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período. Em 2024, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso da autarca e confirmou a sentença aplicada na primeira instância.

    Mas a lista de contratos públicos adjudicados a Nininho Vaz Maia não deverá ficar por aqui. É que o artista terá 17 concertos agendados até ao final do ano de Norte a Sul do país, segundo alguns sites com agendas de eventos. Assim, ainda haverá contratos por assinar com autarquias para concertos que serão ‘grátis’ para a população, sendo pagos pelos contribuintes. Por exemplo, Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’, em Agosto, em Vila Real, que celebra este ano o seu centenário.

    Nos últimos dias, surgiram rumores de que Nininho Vaz Maia não irá continuar como ‘Mentor’ no programa de talentos ‘The Voice Portugal’, da RTP, mas não há nenhuma informação oficial sobre o tema. O artista integrou a lista de ‘Mentores’ da última edição do programa, ao lado de de Sónia Tavares, Sara Correia e Fernando Daniel. / Foto: D.R.| RTP

    Ainda hoje foi publicado no Portal Base um contrato no valor de 21.525 euros referente à “aquisição de serviços para o aluguer de som, luz, vídeo, efeitos especiais e material de DJ para o espetáculo do artista Nininho Vaz Maia, inserido na Festa do Emigrante 2025”. De resto, note-se que a despesa com concertos ‘grátis’ contratados pela autarquia de Vila Real em 2025 já iam, no final de Março, perto do meio milhão de euros, segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM. Um custo que ‘sobra’ para os contribuintes e que, em ano de eleições autárquicas, cai que nem ‘mel na sopa’ dos autarcas de todo o país, de ‘olho’ em novo mandato. Nininho é apenas mais um dos artistas com concertos ‘grátis’ que ‘animam’ a festa.

    Na página da Gigs on Mars, agente do artista, constam 11 concertos agendados entre os dias 21 de Junho e 27 de Julho. Já na página oficial do cantor na Internet, a área dedicada a agenda encontra-se vazia, surgindo a mensagem: “de momento não há eventos programados”.

    A agenda recheada do cantor, vem mostrar que a condição de arguido não o afasta dos palcos. Pelo contrário. Recorde-se que, tal como o PÁGINA UM noticiou, no próprio dia em que foi alvo de buscas, o cantor ganhou novo contrato público, com o munícipio de Anadia.

    Actualizando os valores, com os quatro contratos agora ganhos, eleva-se para 697.828 euros a facturação do cantor em 14 contratos com entidades públicas só em 2025. Este valor compara com os 20 contratos ganhos em todo o ano de 2024 e os 12 obtidos em 2023, num valor global 798.940 euros e 326.811 euros, respectivamente.

    Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’ em Vila Real, integrando assim o número de artistas que este ano darão concertos ‘grátis’ à população no âmbito das celebrações do centenário da elevação a cidade. / Foto: D.R.

    No total, desde Janeiro de 2023, quando ganhou o seu primeiro contrato público, o cantor já facturou mais de 1,8 milhões de euros com entidades públicas, incluindo 41 autarquias.

    O cantor tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas e, sobretudo, espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de três meses, esgotou duas noites no MEO Arena, em Lisboa.

  • Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    O Estado-Maior da Armada confirmou hoje que foi Gouveia e Melo quem iniciou, em 2022, a tradição de contratar fornecimentos de porco no espeto para as comemorações do Dia da Marinha. A tradição já não é o que era: se o bacalhau sempre esteve associado aos homens do mar; agora foi substituído pelo porco no espeto. Belém que se prepare…

    Segundo respostas enviadas pelo Serviço de Comunicação da Marinha ao PÁGINA UM, a prática foi levada pelo então novo líder, Gouveia e Melo, que tomara posse em Dezembro de 2021, para comemorar o Dia da Marinha em 2022 em Faro. A compra da iguaria para esse ano não consta no Portal Base. Mas surgem para os anos de 2023, com a comezaina a realizar-se Porto, de 2024, com a patuscada a ocorrer em Aveiro, e já este ano, com o repasto a ser servido em Viana do Castelo, onde estão a decorrer as celebrações.

    Gouveia e Melo, na cidade de Faro, em 2022, nas comemorações do Dia da Marinha. Foi também o dia em que o porco no espeto virou iguaria para uma patuscada. Foto: EMA.

    Curiosamente, mesmo disponibilizando dezenas de fotografias das comemorações do Dia da Marinha — que evoca a chegada de Vasco da Gama a Calecute, em 20 de Maio de 1498, simbolizando a ligação do Ocidente com o Oriente —, nem o Estado-Maior da Armada nem a autarquia de Viana do Castelo colocam imagens do repasto.

    No entanto, segundo as indicações do ajuste directo, foram adquiridos de 8.235 euros desta iguaria, mas a Marinha não adianta quantos porcos terão sido. Indica apenas que terão servido para 1.200 pessoas.

    Este foi, portanto o quarto ano consecutivo que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo, pelo menos nos três últimos, sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    Em centenas de fotografias dos últimos quatro anos alusivas ao Dia da Marinha não surge uma única que mostre o convívio com porco no espeto.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. Deu para 700 comensais. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros. Deu para 600 convivas.

    A Marinha diz agora que foi realizada inicialmente “uma consulta preliminar” — que não é o mesmo que a consulta prévia prevista pelo Código dos Contratos Públicos —, mas que nos anos seguintes não se repetiu por via do “bom desempenho do fornecimento dos bens e a proximidade do local de realização dos eventos”. E defende que “o procedimento seguido é conduzido no estrito cumprimento do normativo legal atinente”.

    A arte da camuflagem: compra-se porco no espeto para comemorações, mas o repasto é feito com discrição; nunca se mostram sequer fotografias dos eventos. Foto: EMA.

    Comer porco no espeto em patuscadas com dinheiros dos contribuintes, mesmo se no âmbito de comemorações por feitos históricos, não é pratica comum. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem no Portal Base mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    Resta saber se, numa eventual chegada de Gouveia e Melo à Presidência da República, se em vez de se realizar a já tradicional Festa do Livro, introduzida em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa, se passe a ter a Festa do Porco no Espeto nos jardins de Belém.

  • Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    A Associação de Praças acusou hoje Gouveia e Melo de “prepotência” pela forma como conduziu, como Chefe do Estado-Maior da Armada, o caso do navio de patrulha NRP Mondego, aplicando sanções que foram consideradas ilegais e inconstitucionais. Num comunicado em reacção à recente sentença do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que anulou as sanções, a Associação afirma que “ficou provado que o NRP Mondego não tinha as condições mínimas para navegar.

    No comunicado com o título ‘Os 13 Bravos do NRP Mondego“, a Associação de Praças deixa palavras duras contra a cúpula da Marinha, destacando mesmo, em sublinhado, o nome completo do actual candidato a Presidente da República, “Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo”.

    Gouveia e Melo viu o Supremo Tribunal Administrativo arrasar a sua decisão de sancionar os militares do NRP Mondego. / Foto: D.R.

    “Temos o direito de ver nesta decisão [do STA] aquilo que sempre defendemos: não é pela prepotência, pelo desrespeito pelas regras nem pelo “quero, posso e mando”, que a disciplina se impõe”, refere a Associação no comunicado.

    Adianta ainda que “aqueles 13 Homens, defenderam aquilo que tinham o direito de defender, ao contrário de quem se imiscuiu na sua posição e no seu poder, tentando a todo o custo passar para cima de outros a sua responsabilidade como chefe máximo da Marinha”.

    E recorda que, já em 2023, a Associação de Praças tinha defendido “os 13 Bravos, a Marinha e Portugal que está acima de tudo e de todos. Sem exceção!”. E numa referência ao almirante agora na reserva que confirmou esta semana ser candidato à Presidência da República, o comunicado é duro ao apontar o dedo ao que, “com mais poder, apenas tentaram defender algo que nestes tempos já está totalmente ultrapassado: a prepotência e a obediência cega”, acrescentando que “obedecer não é ser subserviente”. E lançam mais um ‘torpedo’ a Gouveia e Melo: “o que se deve exigir a um chefe militar é a defesa dos seus subordinados”, sendo esse “o dever de tutela como conforme está inscrito no Regulamento de Disciplina Militar!”.

    O navio patrulha NRP Mondego. / Foto: D.R./Marinha

    A Associação conclui o comunicado afirmando que “se houve, em todo este processo, quem defendeu acerrimamente a disciplina, o dever de preservar o meio naval e a integridade física dos Homens e Mulheres embarcados naquele meio naval, foram aqueles 13 Bravos!”. E diz que “não podemos aceitar, muito menos corroborar, que quaisquer interesses pessoais sejam colocados à frente daquilo que deve ser a defesa de Portugal e da Instituição Militar!”.

    Recorde-se que o caso teve início a 11 de Março de 2023, quando quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança da embarcação. Dezasseis dias depois, nova missão falhou.

    Os militares foram sancionados e Gouveia e Melo ainda lhes deu uma reprimenda pública, com a comunicação social presente. Mais tarde, o antigo Chefe do Estado-Maior da Armada indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

    Foto: D.R. / Marinha

    No acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo foi demolidor para a cúpula da Marinha e anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego.

    Os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo.

    Também consideraram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu de forma correcta quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 de Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares.

  • Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Já diz o ditado que não há duas sem três. E um outro adágio acrescenta que quem vai para o mar avia-se em terra. Pelo terceiro ano consecutivo, há uma iguaria da gastronomia portuguesa que vai parar à mesa do programa de celebrações do Dia da Marinha: porco no espeto.

    O célebre prato da gastronomia portuguesa tem andado nas ‘bocas do mundo’ devido à tentativa — frustrada e considerada provocatória — do partido Ergue-te de o levar até ao Martim Moniz. Esta praça lisboeta, bem como as suas imediações, como a Rua do Benformoso, é bastante frequentada pela comunidade muçulmana, para quem o porco é considerado um animal impuro e o seu consumo é estritamente proibido pela lei islâmica (sharia). A rejeição do porco é, em muitos casos, um marcador de identidade religiosa, funcionando como gesto de fidelidade à fé islâmica.

    Mas para os portugueses, o ‘porto no espeto’ constitui sobretudo um símbolo de convívio com barriga cheia. E na Marinha, não vai faltar o petisco nas celebrações que decorrem entre 14 e 20 de Maio, segundo as indicações de um contrato por ajuste directo para a aquisição de 8.235 euros desta iguaria. A preços de mercado serão entre 15 e 20 porcos.

    Esta será o terceiro ano consecutivo, atendendo aos registos do Portal Base, que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    / Foto:D.R.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros.

    O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões sobre estas aquisições de porco no espeto ao gabinete de comunicação do Chefe do Estado-Maior da Armada, Nobre de Sousa, mas não obteve qualquer reacção. Fica-se assim sem saber quantos vão dar ao dente no porco comprado com o dinheiro dos contribuientes nem sequer onde o repasto vai suceder.

    A tradição destes ajustes directos para a compra de porco no espeto para ser servido no âmbito das comemorações do Dia da Marinha, que foi iniciada em 2023 quando a Marinha era liderada por Gouveia e Melo. E nem se pode dizer que seja uma prática comum nas entidades públicas. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    A Marinha bateu recorde de ajustes directos sob a liderança de Gouveia e Melo e foi sob o seu comando que se iniciaram os ajustes directos anuais para a compra de porco no espeto . / Foto: D.R.

    De resto, os ajustes directos são também uma tradição da Marinha. Como o PÁGINA UM noticiou, sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu em 2024 o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público.

    A despesa em compras por ajuste directo no ano passado ultrapassou (até Novembro)os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros.

    Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Entre 2022 e 2024, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondaram os 30 milhões de euros. Nem o ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, serviu para mudar a tradição dos ajustes directos.

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    Mas há excepções para a tradição do ajuste directo. Veja-se o caso da compra de bacalhau pela Marinha no valor de 113.791 (com IVA incluído à taxa de 6%), num contrato celebrado no dia 9 de Maio após a realização de um “concurso público urgente”. O contrato indica que foi pago um preço de 11.30 euros por cada quilo de bacalhau fornecido.

    Não se sabe se o bacalhau irá ser servido com o porco no espeto nas celebrações do Dia da Marinha. Mas são ambos, sem dúvida, pratos bem nacionais e capazes de ‘chamar’ novos recrutas para o serviço militar.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

    orange and white medication pill

    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    A crescente popularidade do cantor Nininho Vaz Maia, que foi esta semana constituído arguido no âmbito de uma operação de combate ao tráfico de droga, tem causado uma ‘corrida’ das autarquias à sua contratação. Apenas desde Janeiro de 2023, em 41 contratos públicos, já facturou perto de 1,5 milhões de euros. Este ano, em pouco mais de quatro meses, a fasquia aproxima-se do meio milhão de euros..

    O contrato mais recente, adjudicado como habitualmente por ajuste directo, foi celebrado com o município de Anadia, no distrito de Aveiro, na passada terça-feira, no mesmo dia em que o popular cantor foi alvo de buscas e acabou constituído arguido no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária denominada SKYS4ALL.

    Nininho Vaz Maia / Foto:D.R.

    Num comunicado citado pela imprensa, o artista alegou estar inocente: “importa deixar absolutamente claro que o Nininho está inocente e que confiamos plenamente na Justiça. Estamos certos de que tudo será esclarecido com brevidade […]”.

    Para já, a acusação criminal não parece ter arrefecido a requisição do cantor, já que se mantém no cartaz para encerrar hoje o festival da Queima das Fitas do Porto 2025, organizado pela Federação Académica do Porto.

    Resta saber se o cantor vai continuar a ser tão solicitado por autarquias como tem sido nos últimos dois anos. Segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM, constam na plataforma de contratos públicos, o Portal Base, um total de 41 contratos feitos por entidades públicas para a contratação de Nininho Vaz Maia. O primeiro foi assinado em Janeiro de 2023, com o município de Vila Nova de Foz Côa, no valor de 26 mil euros. e o mais recente na passada terça-feira com o município de Anadia.

    Neste recente contrato com autarquia da Bairrada, o cantor receberá 40.590 euros por um concerto de 90 minutos na ‘Feira da Vinha e do Vinho’, agendado para o dia 18 de Junho. O contrato foi efectuado com a Gigs on Mars, detida em partes iguais por Pedro Pontes, agente do cantor, e pela empresa Lemon Ibéria, controlada por António Vilas Boas, fundador dos Pólo Norte.

    De entre os 41 contratos encontrados desde 2023 – antes desse ano, não existem outros -, 40 foram feitos através de ajuste directo e apenas um pelo procedimento de contratação excluída, o que, na prática significa o mesmo: o cantor foi ‘escolhido a dedo’.

    Nininho Vaz Maia afirmou estar inocente, num comunicado enviado à imprensa. / Foto: D.R.

    Ao todo, foram 36 autarquias e quatro entidades municipais que contrataram o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional.

    O montante dos contratos oscila entre os 22.140 euros e os 217.132 euros, sendo que neste último caso se tratou de um espectáculo que abrangeu ainda performances de Profjam e a Festa M80 num contrato com a autarquia de Vila do Conde.

    Em média, excluindo o montante mais elevado dos contratos, o valor pago por autarquias para contratar o cantor rondou os 33.320 euros, com IVA incluído, sendo evidente que os cachets têm aumentado. Nos contratos estabelecidos este ano (Abrantes, Góis, Olhão, Estremoz, Vila Real, Alter do Chão, Marinha Grande e Azambuja), que atingem os 4.711 euros, o valor médio é já de cerca de 47 mil euros por concerto.

    A maioria dos contratos foi adjudicada a Nininho Vaz Maio através da empresa Gigs on Mars, Lda, mas também há contratos através de outras entidades, sobretudo quando outros artistas estão envolvidos, designadamente com as empresas Music Mov, Miguel Castro Oliveira Unipessoal, Lda – IAM Event Production & Brand Consultancy e José Manuel Rodrigues Caetano, Unipessoal, Lda.

    Se, para já, não há sinais de estar a abrandar a procura de serviços do artista, as críticas já fazem ouvir sobre a sua contratação e presença em espectáculos, designadamente no encerramento da Queima das Fitas do Porto, apesar de o cantor não ter sido ainda condenado na Justiça.

    Saliente-se, aliás, que como fenómeno musical, Nininho Vaz Maia tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas (esteve no ano passado em Coimbra) e sobretudo espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de dois meses esgotou duas noites no Meo Arena, em Lisboa.

    De resto, o facto de o cantor ter nascido numa família pertencente a uma minoria pode mesmo pesar a seu favor e mitigar o facto de ser arguido num processo de tráfico de droga, podendo evitar que Nininho Vaz Maia perca o seu ‘allure‘ numa época em que a etnia ou a origem e nacionalidade são factores usados politicamente, tanto por partidos da esquerda, como da direita.

    De facto, Nininho tornou-se num dos símbolos de homenagem à cultura cigana e de defesa das minorias, perante o crescimento de discursos hostis à sua comunidade e também a imigrantes, numa altura em que em Portugal se assiste a um cada vez maior aprofundamento da desigualdade económica e social.

    Foto: D.R.

    Em ano de eleições legislativas e autárquicas, mesmo estando acusado, Nininho Vaz Maia pode encontrar alguma ‘imunidade’ e continuar a ser requisitado por autarquias, graças à sua origem familiar, e mediante o aproveitamento ideológico das minorias — de forma positiva ou negativa — pelos partidos tanto de esquerda como de direita.

    Assim, apesar de estar acusado, talvez o popular artista consiga continuar a facturar com contratos com entidades públicas, lucrando com a crescente polarização política em torno das minorias.

  • Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Ainda não existem explicações definitivas nem garantias de que não ocorrerá novo apagão no sistema eléctrico português, causado por uma dependência artificial de electricidade importada de Espanha. Mas hoje regressou o business as usual. Ao décimo dia do colapso da rede eléctrica nacional, registado pelas 12h30 do dia 28 de Abril, Portugal começou a importar electricidade de Espanha, como se nada tivesse ocorrido.

    De acordo com os dados consultados pelo PÁGINA UM numa plataforma da Red Eléctrica de España, até às 19 horas de hoje (hora espanhola), o sistema eléctrico português já importara do país vizinho um total de 12.845 MWh, tendo o saldo importador passado a ser favorável a Espanha desde as 8h20. À hora da publicação desta notícia, Espanha estava a exportar para Portugal cerca de 800 MW.

    Mas esta “normalização” — que esteve na origem de cerca de dez horas de apagão — levanta uma questão cada vez mais difícil de ignorar: se o sistema eléctrico nacional conseguiu manter-se durante nove dias completamente independente de importações de Espanha, entre 29 de Abril e 7 de Maio, qual foi afinal a necessidade de estar a importar 8.000 MW de potência instantânea no momento do apagão do dia 28 de Abril? Além disso, não se pode sequer afirmar que Portugal estivesse à míngua de electricidade. Também segundo dados da Red Eléctrica de España, durante os últimos nove dias, Portugal ajudou o sistema eléctrico espanhol a estabilizar, através da exportação regular de electricidade.

    Segundo cálculos do PÁGINA UM, entre 29 de Abril e 7 de Maio, o sistema eléctrico português exportou 85.966 MWh para Espanha, com um pico no passado dia 3 de Maio de 24.512 MWh — um valor que corresponde a cerca de 16% do consumo médio diário de electricidade em Portugal, demonstrando existir folga suficiente não só para garantir o abastecimento nacional como também para apoiar o país vizinho.

    Mas a 28 de Abril, pouco antes do colapso, Portugal importava cerca de um terço da electricidade que, nesse momento, estava a ser consumida, através das interligações com Espanha. Tecnicamente, isso não constituiria problema se existissem garantias de redundância e de reserva imediata. Porém, como se verificou nesse dia, uma quebra súbita na produção espanhola impossibilitou compensar a falha portuguesa, que, por sua vez, não tinha unidades em prontidão para iniciar rapidamente a produção. Esta dependência mútua, sem planos de resposta em tempo real, resultou numa queda sincronizada: Portugal desligou-se integralmente da rede ibérica, num fenómeno designado por grande perda de sincronismo.

    a lit candle in the dark with a black background

    A restauração de um sistema eléctrico após um colapso total exige um processo designado por black start, que consiste no arranque progressivo da rede a partir de unidades capazes de operar sem depender da energia da rede. Estas unidades, normalmente hidroeléctricas ou térmicas específicas, devem estar preparadas para reactivar segmentos da rede em sequência, garantindo a estabilidade da frequência e da tensão a cada passo. Em Portugal, como noutros países europeus, este processo é tecnicamente exigente e moroso — agravado, neste caso, por perturbações no acoplamento com Espanha, que dificultaram a sincronização das redes.

    Nos dias seguintes ao apagão, a REN informou que as trocas comerciais com Espanha estavam suspensas, sendo apenas admitidas em situações técnicas excepcionais. Contudo, os dados mostram que Portugal continuou a exportar para Espanha durante quase todo o período entre 29 de Abril e 7 de Maio. E o fornecimento não foi pequeno: num total de 85.965,5 MWh exportados neste período de nove dias, os valores diários oscilaram entre 999,3 MWh, logo a 29 de Abril, e 1.447 MWh no dia seguinte. Nos primeiros três dias de Maio, as exportações totalizaram 59.756 MWh, descendo para 23.764 MWh entre os dias 4 e 7 de Maio. Já hoje, Portugal teve apenas um pequeno período de exportação durante a madrugada, num total de 559 MWh. No mesmo intervalo entre 29 de Abril e 7 de Maio, Portugal apenas importou 1.729 MWh — um valor residual, justificado apenas por necessidades técnicas.

    Uma das razões para a “ajuda” de Portugal à rede espanhola nos últimos nove dias parece residir na morosidade do reatamento das centrais nucleares espanholas após o apagão. Só hoje, 8 de Maio, os diagramas de carga — os chamados diagramas técnicos de balanço diário — revelam que a produção nas cinco centrais nucleares espanholas está finalmente ao nível do período pré-apagão. E com essa estabilização, o sentido do comércio inverteu-se.

    Exportações para Espanha e importações a partir de Espanha do sector eléctrico português entre os dias 29 de Abril e 8 de Maio (até 19 horas de Espanha). Fonte: Red Eléctrica de España.

    Este regresso à ‘normalidade’, com electricidade a fluir com base em critérios estritamente comerciais, expõe um problema que permanece sem resposta pública: por que razão Portugal, com potência instalada mais do que suficiente para garantir os seus consumos internos, se coloca frequentemente numa posição de dependência, em tempo real, da produção espanhola?

    Se foi possível manter, durante nove dias, o abastecimento com recursos próprios — e ainda ajudar de forma significativa um vizinho em dificuldades —, talvez seja chegada a hora de rever as premissas operacionais do sistema eléctrico ibérico. Excepto se o objectivo futuro for continuar a andar sobre o fio da navalha… com ‘kits apagão’ em casa.