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  • Multa diária põe em xeque bolsos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

    Multa diária põe em xeque bolsos do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

    Um caso sem precedentes em Portugal. E sobretudo um caso singular do espinhoso caminho contra a prepotência do poder e contra a falta de transparência. Através de uma sentença inédita de um juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa, o presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) foi alvo de uma sanção pecuniária compulsória se este órgão de cúpula do poder judiciário continuar a recusar ao PÁGINA UM o acesso integral ao inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês. Uma luta judicial que se iniciou em finais de 2021, e que constituiu a sua primeira iniciativa com o apoio do FUNDO JURÍDICO.

    Uma sanção pecuniária compulsória é uma multa aplicada como meio de coerção para obrigar alguém, geralmente uma entidade ou autoridade, a cumprir uma obrigação legal ou decisão judicial. O PÁGINA UM consultou vários juristas para saber se são conhecidas sentenças similares contra o CSM, e nenhum tem memória de uma sentença desta natureza contra o órgão de cúpula responsável pela gestão e disciplina dos magistrados judiciais em Portugal.

    De acordo com a decisão do juiz Bruno Gomes – que não está sob a alçada do CSM –, a partir do trânsito em julgado da sua sentença do passado dia 13 deste mês, o juiz conselheiro João Cura Mariano – presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que lidera por inerência a cúpula da magistratura – terá de pagar, do seu bolso, uma ‘multa’ de 50 euros por dia se mantiver o incumprimento de uma sentença de 2022 favorável ao PÁGINA UM. Em causa está o acesso integral e sem restrições, requerido no final de 2021, ao inquérito do CSM relativo à distribuição do processo da Operação Marquês.

    Apesar de nesse inquérito se ter apurado que não houve sorteio electrónico na entrega do processo ao juiz Carlos Alexandre e que se fez à margem da lei, o CSM manteve o relatório secreto, recusando divulgá-lo à comunicação social, apesar de se tratar de documentos administrativos. No início de Janeiro de 2022, o jornal ECO revela a resposta taxativa da CSM: “Sobre o pedido de acesso ao relatório em questão, informa-se que o mesmo não será disponibilizado”.

    O PÁGINA UM – que, desde a sua fundação, colocou como ‘bandeiras’ a transparência e o acesso à informação pelos jornalistas – não aceitou esta ilegítima postura do CSM, ademais tratando-se da cúpula da magistratura, a saber: o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dois membros designados pelo Presidente da República, sete membros eleitos pela Assembleia da República, por sete membros eleitos por Magistrados Judiciais, dois juízes dos Tribunais da Relação e quatro juízes de Direito.

    João Cura Mariano, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e por inerência do Conselho Superior da Magistratura, a cumprimentar o Presidente da República: sentença do Tribunal Administrativo aplicou-se uma sanção pecuniária compulsória de 50 euros por dia se não satisfizer integralmente pedido do PÁGINA UM.

    Após um requerimento inicial do PÁGINA UM ainda em 2021, o CSM exigiu o impensável numa democracia que constitucionalmente deveria preservar a liberdade de imprensa:  saber “qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados. O PÁGINA UM insistiu que a lei não determinava tal obrigatoriedade, muito menos a jornalistas, e assim, num parecer, a juíza Ana Sofia Wengovorius – curiosamente, filha de um advogado do Sindicato dos Jornalistas durante duas décadas, entre 1970 e 1991 – considerou que os documentos do CSM estavam acima de meros documentos administrativos.

    E começava aqui a estranha interpretação da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) por parte do CSM. A mesma juíza, num segundo parecer, em finais de Dezembro de 2021, considerava que “o acesso e/ou recolha solicitado só é lícito se forem recolhidos apenas os dados estritamente necessários para uma finalidade reconhecida por Lei que o legitime, pelo que só conhecendo a finalidade se pode fazer a ponderação que a lei impõe”, acrescentando que “dentro das condicionantes próprias do procedimento em causa que é confidencial o requerente deve esclarecer qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos ou se pretende a decisão final”. E de forma paternalista concluía a juíza do CSM: “Mais sugiro que seja remetida cópia do anterior parecer emitido para melhor compreensão”.

    Passaram mais de três anos desde o parecer desta juíza e aquilo que se pode concluir é que quem precisava de uma melhor compreensão da lei e sobretudo da convivência democrática era o CSM. Mas não era preciso tanto tempo. Logo no início de 2022, o PÁGINA UM recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), então presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, que viria considerar que o acesso era devido, através de um parecer de meados de Fevereiro desse ano.

    Mas nem assim o CSM se disponibilizou a ceder os documentos do inquérito, advogando que o parecer da CADA não era vinculativo, acabando mesmo por “convidar” o PÁGINA UM a ‘usar’, com custos e tempo, o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Conselho Superior da Magistratura: um Golias que, em vez de ser um exemplo de transparência, andou mais de três anos numa incompreensível ‘guerra’ de ocultação e de falta de transparência.

    O órgão superior de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais portugueses considerou então, através da também juíza Ana Cristina Chambel Matias que “o Requerente [director do PÁGINA UM] não invocou, nem demonstrou que o acesso aos documentos constantes do processo de averiguações em causa são necessários para a tutela de um qualquer seu direito ou interesse legalmente protegido para que lhe seja conferido o direito a esse acesso”, acrescentando que “apesar de notificado por mais de uma vez pelo CSM, não concretizou cabalmente os elementos pretendidos dentro das condicionantes próprias do procedimento e não esclareceu qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos”.

    A prepotência do CSM mantinha-se.

    E a inflexibilidade do PÁGINA UM também. E iniciou-se então uma verdadeira luta judicial entre David e Golias. Em sede da intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa – naquele que viria a ser o primeiro processo judicial do PÁGINA UM financiado pelos seus leitores através do FUNDO JURÍDICO. Em sede de contestação, o CSM insistiu na tese da existência de “dados nominativos” no relatório do inquérito. Porém, em vez de acreditar piamente no CSM, o juiz Pedro Almeida Moreira exigiu que lhe fosse enviado “em envelope selado, cópia dos documentos a que o Requerente [director do PÁGINA UM] pretende aceder, de molde a permitir a este Tribunal aquilatar se os mesmos contêm ou não ‘múltiplos dados pessoais’ e, ‘se a isso se chegar, tecer um juízo de proporcionalidade concernente aos interesses que aqui se encontram concretamente em jogo’”.

    Em 30 de Junho de 2022, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa deveria ter sido o tira-teimas. acabou assim por comprovar que o CSM, desde o início, estava a alegar com argumentos muito distantes da verdade factual. Na sua sentença, o juiz Pedro Almeida Moreira teceu mesmo duras críticas às alegações do CSM, considerando que “a vingar a interpretação que aqui é propugnada pelo Requerido [CSM], isso significaria que o mero nome de um funcionário público que tenha intervindo num qualquer procedimento administrativo apenas poderia ser tornado acessível aos interessados após a ponderação dos interesses em jogo no âmbito de um juízo de proporcionalidade, o que não se mostra aceitável em face das exigências de transparência que impendem sobre a Administração, nos termos constitucional e infraconstitucionalmente consagrados.”

    Quo vadis, justiça portuguesa?

    E concluía: “Não perscrutando este Tribunal motivos plausíveis para se afastar da regra geral de livre acesso dos interessados a documentos administrativos nos termos acabados de expender, e nada mais vindo invocado pelo Requerido, não lhe restam alternativas que não concluir pela procedência da presente intimação, o que se julga de seguida, sem necessidade de maiores desenvolvimentos”. A sentença deveria ter sido cumprida no prazo de 10 dias.

    Já com duas ‘derrotas’ – CADA e Tribunal Administrativo de Lisboa –, o CSM quis arriscar ter uma terceira, até porque as taxas de justiça e os custos de patrocínio não lhe pesam. E recorreu, para assim adiar a sentença, e conseguiu… perder uma terceira vez, desta vez no Tribunal Central Administrativo do Sul.

    O acórdão demorou sete meses, mas veio demolidor, mais uma vez, para o CSM. Votado por unanimidade pelos desembargadores Lina Costa (que foi a relatora), Catarina Vasconcelos e Rui Pereira, este acórdão arrasou em toda a linha a argumentação que o CSM usou para evitar o acesso ao inquérito.

    Primeiras páginas da sentença de Junho de 2022 e do acórdão de

    Para os desembargadores, a sentença inicial do juiz Pedro Almeida Moreira seria para manter em toda a linha, concluindo não haver qualquer “erro de julgamento da não pronúncia sobre a não indicação da finalidade do acesso solicitado, nem sobre a natureza pré-disciplinar da informação, além de não ter havido qualquer “erro de julgamento de falta de fundamentação do juízo de proporcionalidade efectuado”.

    O acórdão mostrava-se, aliás, particularmente importante por clarificar a questão da suposta protecção de dados nominativos, que tem estado a ser levado ao extremo em muitos outros processos de intimação protagonizados pelo PÁGINA UM.

    Nessa linha, os desembargadores salientaram que “essa presunção devia ter sido efectuada, nos termos da lei [nº 9 do artigo 6º da LADA], pelo Recorrente [CSM], enquanto entidade administrativa que recebeu o pedido (…) e conhece o teor dos documentos em referência, sabendo ou podendo verificar que não respeitam a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, titular/es dos dados pessoais neles constantes”. E sabendo-se que o relatório da inspecção não tinha esse tipo de dados, o CSM deveria ter permitido logo o acesso.

    Porém, “não o fez”, como escrevem os desembargadores, “recusando o acesso requerido com fundamento de que os documentos eram nominativos e, sustentando no recurso, que têm de ser cumpridos os princípios plasmados no RGPD (Regulamento Geral da Protecção de Dados], como sejam a demonstração e concretização da finalidade do acesso aos dados pessoais contidos em tais documentos e do interesse pessoal e directo no mesmo.”

    Decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa em aplicar uma sanção pecuniária compulsória ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura.

    Os desembargadores concluíram ainda que o CSM não poderia ter decidido assim, uma vez que o PÁGINA UM, “ao abrigo do direito de acesso a informação não procedimental, pretend[ia] saber o que consta dos documentos e não apenas os dados pessoais, não tendo aquele que observar o que consta do RGPD, mas sim na LADA [Lei do Acesso aos Documentos Administrativos], até em decorrência do disposto no artigo 26º da Lei da Protecção de Dados Pessoais.”

    Numa situação ‘normal’, num Estado de Direito e no respeito pelos princípios da liberdade de imprensa, o CSM deveria ter, enfim, dar-se por convencido, mesmo que não se quisesse dar por vencido.

    E aparentou ir abrir mão dos documentos, quando, em finais de Julho de 2023, se agendaram as visitas de consulta dos documentos. Porém, o CSM começou por impor um pagamento de taxas exorbitantes em caso de se solicitar fotocópias. E no dia da consulta, pouco depois de o PÁGINA UM ter começado a fotografar as páginas dos dossiers do processo, foi proibida por ordem expressa da juíza secretária do CSM. Além disso, quis que as fotocópias fossem expurgadas de determinadas partes, o que contrariava a sentença. Dois requerimentos do PÁGINA UM não demoveram o CSM, que se achou no direito de criar regras próprias em vez de seguir regras legais. E, mais uma vez, só restou ao PÁGINA UM socorrer-se novamente do Tribunal Administrativo.

    Sede do Conselho Superior da Magistratura, em 2 de Agosto de 2023, quando o director do PÁGINA UM se deslocou para consultar o relatório do inquérito da Operação Marquês, após um parecer da CADA, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. A recusa de obtenção de cópia nessa data implicou nova ‘batalha judicial’ somente concluída mais de 17 meses depois.

    Nesta fase, o processo tornou-se ainda mais kafkiano. Apesar da intimação do PÁGINA UM para a execução da sentença ter entrado no Tribunal Administrativo de Lisboa em Outubro de 2023, durante praticamente um ano esteve absurdamente parado. Uma das razões foi ter saído a jurista do CSM responsável do processo, tendo só sido substituída largos meses depois. O juiz acabou por aceitar renovar a notificação.

    Seja como for, mais de 37 meses depois de ter sido feito o requerimento inicial, o juiz Bruno Gomes foi peremptório na sua sentença ao conceder razão ao PÁGINA UM para aceder e também fotografar integralmente os documentos em posse do CSM, por este ser um método previsto na lei, “equivalente ao envio por correio elecrónico”, ao qual, saliente-se, “não é devida qualquer taxa”. E disse ainda que não acolhe a posição do CSM de que a obtenção se faz “através de um único exemplar, sujeito a pagamento, pelo requerente, da taxa fixada”.

    Além disto, a sentença diz ainda que, sendo certo que “perpassa ao longo dos requerimentos” que o PÁGINA UM pretendia aceder aos “documentos através de reprodução por registo fotográfico, de modo a evitar os custos inerentes à reprodução por fotocópia”, mesmo que fossem requeridas fotocópias, estas teriam de ser entregues em “termos rigorosamente correspondentes ao do conteúdo do registo”. Ou seja, sem qualquer mutilação.

    Em Agosto de 2023, o CSM impediu o PÁGINA UM de fotografar o relatório do inquérito à distribuição da Operação Marquês e forneceu fotocópias completamente mutiladas. Tribunal Administrativo diz agora, finalmente, que esse impedimento foi ilegal.

    Saliente-se que, em Agosto de 2023, o CSM chegou a disponibilizar ao PÁGINA UM diversas fotocópias completamente mutiladas, apagando assim os nomes dos intervenientes no processo disciplinar, a descrição dos eventos, o número do processo, a data da distribuição e o nome do escrivão que interveio.

    Apesar desta evidente e histórica vitória do PÁGINA UM, e apesar da necessidade de duas sentenças e um acórdão – e de mais de três anos de luta em tribunal –, o juiz Bruno Gomes considerou que o CSM não foi litigante de má-fé. Certo é que somente por esta derradeira luta para conseguir fotografar os documentos, o PÁGINA UM vai ter de despender mais cerca de 300 euros em custas. Todo o processo, em taxas judiciais, envolveu mais de um milhar de euros.

    N.D. Leia actualização desta notícia AQUI.

  • Gouveia e Melo ‘despedido’ sem honra nem glória da Universidade Nova de Lisboa

    Gouveia e Melo ‘despedido’ sem honra nem glória da Universidade Nova de Lisboa

    O almirante na reserva Gouveia e Melo vai deixar de ser professor e regente da disciplina de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – pomposamente denominada Nova School of Law –, apesar de o seu nome ter ainda constado dos horários do segundo semestre do actual ano lectivo (2024/2025), divulgados pela instituição universitária nos últimos dias de Dezembro.

    De acordo com o documento a que o PÁGINA UM teve acesso, com data de 30 de Dezembro de 2024, Gouveia e Melo mantinha-se como responsável da cadeira de Maritime Security no mestrado em Direito e Economia do Mar, repetindo o estatuto de regente dos dois anos lectivos anteriores, embora nunca tenha leccionado. Mas depois de novas perguntas do PÁGINA UM à Nova School of Law sobre a sua manutenção no corpo docente, a instituição universitária aparentemente ‘exautorou’ Gouveia e Melo, que afinal só leccionava a cadeira de Maritime Security “enquanto CEMA [Chefe do Estado-Maior da Armada], por inerência”, o que deixou de ser no passado dia 27 de Dezembro.

    Gouveia e Melo acabou ‘exautorado’ de regente de uma cadeira de mestrado onde nunca deu uma aula em dois anos lectivos.

    Em nota transmitida por uma agência de comunicação privada, a LPM, por via de um contrato público no valor de 29.760 euros celebrado em Fevereiro de 2023 com a Nova School of Law – cuja inserção no Portal Base apenas ocorreu no passado dia 9 de Dezembro, três dias após uma anterior notícia do PÁGINA UM –, é dito ainda que “se aguarda indicações da Marinha Portuguesa sobre a equipa que assegurará essa cadeira no próximo semestre”, acrescentando que os novos horários, corrigidos no início da semana passada, já “não têm qualquer referência ao almirante Gouveia e Melo”.

    Porém, no site do mestrado, consultado esta tarde pelo PÁGINA UM, na descrição da cadeira de Segurança Marítima, o nome de Gouveia e Melo continua referido, informando-se que “o programa é narrativo”, e que “possui uma introdução em três partes, que seguem a lógica do título do programa”, acrescentando ainda que as “suas metodologias de ensino, como convém à ADN da faculdade, são aulas teórico-práticas interactivas que envolvem a participação dos alunos” E diz-se ainda que, “em alguns casos, os alunos podem decidir fazer apresentações sobre o tema da sessão, caso em que a interacção se torna mais espessa e multicêntrica”.

    Seja como for, o ‘despedimento’ sem honra nem glória de Gouveia e Melo – que mantém ainda activo o e-mail institucional, embora não tenha respondido ao pedido de comentários do PÁGINA UM – contrasta com o entusiasmo de um comunicado da instituição universitária quando anunciou a sua ‘contratação’, sem nunca referir que era apenas Chefe do Estado-Maior da Armada.

    O comunicado destacava em especial o seu papel de coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 e salientava que a sua ‘contratação’ – que até agora não se sabe se envolveu pagamentos – constituía um exemplo do “empenho [da Nova School of Law] em robustecer o nosso corpo docente com os melhores e mais talentosos profissionais, contribuindo para a excelência deste mestrado, que se destaca pela sua natureza diferenciada, assente numa visão ampla e integrada, consciente de que no mar estão os maiores desafios e oportunidades do planeta para um desenvolvimento sustentável”.

    Nos horários do segundo semestre de 2024/2025 do mestrado em Direito e Economia do Mar ainda foram divulgados, no final de Dezembro, com Gouveia e Melo como regente. Depois das perguntas do PÁGINA UM, o seu nome ‘caiu’.

    Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no mês passado, o almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, sobretudo porque afinal nunca existiu um protocolo entre as duas entidades.

    O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.

    Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existia “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Em concreto, a colaboração nos dois anos lectivos anteriores (2022/2023 e 2023/2024) de Gouveia e Melo – e de militares a si subordinados, que acabaram por leccionar as aulas, sem sequer serem (re)conhecidos os seus nomes como docentes – seria legal, mas mesmo assim sujeita a concordância da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), se estivesse suportada num protocolo. Porém, na verdade, esse propalado protocolo somente viu a luz do dia, passando então finalmente a existir, no final do mês de Dezembro passado, depois das revelações do PÁGINA UM.

    A revelação de que Gouveia e Melo nunca deu uma aula, que o seu nome nunca foi convenientemente aprovado pelo Conselho Científico da Facudade de Direito e que essa regência não estava prevista na renovação da acreditação pela A3ES estavam a constituir mais um incómodo do que uma vantagem para a instituição universitária.

    A própria coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, antiga ministra centristra, chegou mesmo a revelar uma fotografia a revelar uma visita à Base Naval do Alfeite em Novembro de 2022, acompanhada pela filha, e tendo como ‘cicerone’ o Almirante Gouveia e Melo, referindo-o como responsável da cadeira de Segurança Marítima, quando tal nem sequer fora divulgado pela Faculdade de Direito. Perante a celeuma, a continuação da regência por parte de Gouveia e Melo nem ao próprio seria vantajosa num cenário de candidatura às Presidenciais de 2026.

    Assunção Cristas: antiga ministra do CDS e coordenadora do mestrado tratou assuntos de uma universidade pública como se fosse ‘coisa caseira’.

    Em todo o caso, a Marinha, agora liderada pelo almirante Nobre de Sousa desde 27 de Dezembro passado, não quis remeter o seu conteúdo ao PÁGINA UM, recusando satisfazer um legítimo pedido de acesso em prol da necessária transparência, dizendo que “será divulgado publicamente em breve”. O gabinete de imprensa da Marinha não definiu o conceito de “breve”.

    A Marinha descarta também responsabilidades no afastamento de última hora do putativo candidato a Belém nas funções de regência da cadeira de Segurança Marítima. “No caso da eventual referência ao Senhor Almirante Gouveia e Melo nos horários do próximo semestre da Nova School of Law, bem como à sua divulgação, trata-se de matérias do foro exclusivo da referida faculdade, pelo que se sugere contacto directo com a mesma”, disse o gabinete de imprensa do Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM.

  • ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    Tudo começou há uma década e meia, e não tem fim à vista. Por causa de um conflito com a arrecadação de IVA, a Infraestruturas de Portugal – a empresa estatal responsável pelas redes rodoviárias e ferroviárias – e a Autoridade Tributária ‘renovam’, ano após ano, diferendos semelhantes que acabam no tribunal administrativo. Junte-se à morosidade judicial que em 15 anos de quezílias ainda não conseguiu tomar uma decisão final em qualquer um dos 11 processos uma incompreensível inacção política para encontrar uma solução por via legislativa. Numa luta entre duas entidades da Administração Pública, cujos resultados serão indiferentes para os contribuintes, quem está a ganhar, e bem, nesta absurda ‘guerra de alecrim e manjerona’ tem sido a sociedade de advogados sistematicamente contratada por ajuste directo pela Infraestruturas de Portugal. Liderada por Eduardo Paz Ferreira, o marido da ex-ministra socialista da Justiça, Francisca Van Dunem, esta sociedade já amealhou 1,3 milhões de euros a tratar destes diferendos.


    O Fisco, já se sabe, não aceita de bom grado que não o deixem amealhar o máximo de imposto e de taxas. Nem as entidades públicas se livram desta sanha. E a antiga Estradas de Portugal, hoje Infraestruturas de Portugal (IP), foi uma dessas ‘vítimas’: no exercício financeiro do ano de 2008 e no primeiro semestre de 2009, esta empresa pública argumentou, perante a Autoridade Tributária, que tinha direito a deduzir o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo à denominada Consignação de Serviço Rodoviário. Essa receita, apesar de legalmente pertencer à IP, era cobrada aos consumidores pelos distribuidores de combustível, que a encaminhava para o Fisco. Somente depois, de acordo com os mecanismos legais para cobrança e liquidação do imposto, esses montantes chegavam (e chegam) à IP.

    O diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009, que poderia ter sido pontual, e mediado, no limite, pelos Ministérios das Finanças e das Infraestruturas, não ficou resolvido nos gabinetes, como seria de esperar em entidades da Administração Pública, e acabou por parar no tribunal. Ou seja, o Tribunal Administrativo é que decidiria em que parte do Estado ficaria esse dinheiro: se no Fisco ou se na IP. Se o diferendo de 2008 foi parar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o mesmo destino teve um diferendo similar de 2009, e assim sucessivamente, em praticamente todos os anos até, por agora, 2020. À conta disto, estão ainda sem resolução 11 processos nas diferentes fases. Ou melhor dizendo, estão todos os processos, incluindo o de 2008, por resolver, porque nos tribunais administrativos anda tudo a passo de caracol.

    Um desentendimento entre a IP e o Fisco em torno do IVA está longe de entrar nos carris. / Foto: D.R.

    Com efeito, o primeiro processo, que envolve uma verba de 277 mil euros, teve uma decisão favorável ao Fisco na primeira instância, mas está parado desde 2013 por via do recurso da então Estradas de Portugal. Mas se a Autoridade Tributária começou por marcar o ‘primeiro golo’, sem ganhar em definitivo, os conflitos dos outros anos têm estado a dar ‘vitórias’ à actual Infraestruturas de Portugal. Porém, como há recurso do outro lado, contabilizam-se pelo menos oito processos que ainda estão muito longe do fim, porque aguardam acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul depois de um longo ‘calvário’ na primeira instância.

    Só para dar um exemplo, o diferendo relativo ao exercício de 2013 só teve sentença de primeira instância em finais de Março do ano passado – ou seja, assumindo que este conflito entre o Fisco e a IP se terá iniciado em 2014, a primeira decisão judicial demorou 10 anos. Mesmo assim pior está o diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009: depois da primeira sentença, aguarda-se por um acórdão do tribunal de recurso desde 2013. Ou seja, vai fazer, em Março, 12 anos.

    Os processos relativamente mais recentes (2017, 2018, 2019 e 2020) ainda estão numa fase mais atrasada. Nos dois primeiros casos, as impugnações no tribunal por parte da IP, depois do indeferimento do recurso hierárquico no Fisco, foram feitas em Abril de 2023, sem ter havido ainda sentença. Nos outros dois casos (2019 e 2020) ainda se está, respectivamente, na fase de recurso hierárquico e no projecto de relatório de inspecção tributária. Ignora-se se existem mais processos posteriores a 2020.

    Certo é que, com tudo isto, a empresa estatal que gere as redes rodoviárias e ferroviárias em Portugal está num impasse, que se prevê venha a durar anos, ou mesmo décadas, sobre montantes bastante significativos. De acordo com dados da empresa pública, no final de Junho de 2024, o saldo que reivindica deste conflito com o Fisco correspondia a 2,358 mil milhões de euros, um aumento face aos 2,254 mil milhões de euros no final de 2023.

    Com o ‘dinheiro’ empatado, porque contabilisticamente nem o Fisco nem a IP podem considerar aqueles elevados montantes como seus, quem está a pagar é, na verdade, o contribuinte, sendo que lhe será indiferente quem venha a ganhar as causas, uma vez que se tratam de conflitos entre duas entidades da Administração Pública. E o contribuinte está a perder já por uma simples razão: a IP está a contratar a ‘peso de ouro’ uma sociedade de advogados, por ajuste directo, liderada por Eduardo Paz Ferreira, marido da ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo entre 2015 e 2022.

    A ‘colaboração’ entre Paz Ferreira e a IP nos chamados “processos IVA” começou em 2010, ainda com a Estradas de Portugal, para tratar das primeiras fases dos processos. Os montantes recebidos pela sociedade de advogados rondou os 184.500 euros entre 2010 e 2014. Nesta fase, apenas estariam em curso entre cinco e seis processos judiciais, pelo que cada processo, geralmente requerimentos, terá custado à actual IP mais de 30 mil euros.

    Em 2015, com IVA incluído, o montante recebido por Paz Ferreira foi de quase 37 mil, descendo para pouco mais de 21 mil no ano seguinte e em 2017 subiu para 60.270 euros e em 2018 para quase 73 mil euros. Mas depois disparou: em 2019 foi celebrado novo ajuste directo, desta vez pelo valor de quase 347 mil euros, com IVA, que deveria durar para tratar dos “processos IVA” até Fevereiro de 2022. Somente no primeiro semestre de 2023 surgiram dois novos ajustes directos, mas de baixo valor: o primeiro de 12.300 euros, e o segundo de 24.600 euros.

    Eduardo Paz Ferreira, advogado e marido de Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça do governo socialista. / Foto: D.R.

    Porém, o ano não terminaria sem mais um chorudo contrato de ‘mão-beijada’: Paz Ferreira arrecadou uma adjudicação de mais de 258 mil euros (com IVA) para tratar dos “processos IVA” por três anos; em teoria, até Julho de 2026. Contudo, na prática o dinheiro esfumou-se, supostamente por prestação de serviços. E assim sendo, 17 meses depois, no passado dia 16 de Dezembro, foi assinado um novo ajuste directo com Paz Ferreira no valor de 253.134 euros, IVA incluído.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, um porta-voz da IP diz que houve ” necessidade de um novo contrato decorrente do facto de o anterior se ter esgotado, dados os desenvolvimentos processuais entretanto ocorridos, quer decorrentes dos processos de inspecção anuais quer porque, em 2024, foram proferidas seis decisões judiciais favoráveis à IP, mas objeto de recurso” pela Autoridade Tributária.

    A IP tem justificado a contratação de Paz Ferreira através de uma norma que prevê o ajuste directo sempre que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação […], e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Essa tem sido uma forma enviesada para perpetuação de ajustes directos, afastando a concorrência.

    Mesmo que haja complexidade nos processos em tribunal, o certo é que a Paz Ferreira está longe de ser a única sociedade de advogados do país capaz de representar a IP em processos relacionados com IVA. Mas o argumento de que ‘só esta sociedade de advogados sabe da poda’ não é verídico nesta situação. Pode estar-se, mais uma vez, perante um abuso na interpretação das normas do Código dos Contratos Públicos.

    Segundo a empresa pública, a mais recente contratação decorre “da necessidade da IP em manter o patrocínio judiciário que tem vindo a ser assegurado, mantendo, deste modo, a estratégia e o sucesso da defesa adoptada, que tem subjacente um elevado grau de conhecimento nas valências de direito e processo tributário e o conhecimento efetivo de toda a tramitação inerente aos complexos processos em curso e aos que eventualmente se venham a iniciar, com a mesma natureza fiscal, valências essas que, pela sua especificidade, a equipa interna da IP não dispõe”.

    De entre os contratos públicos celebrados pelo escritório de Eduardo Paz Ferreira, a IP é, de longe, o seu melhor cliente, totalizando 13 contratos, todos por ajuste directo, a que acrescem mais seis pela Estradas de Portugal, até 2015. No total, este advogado celebrou 58 contratos desde 2013, segundo dados do Portal Base, sempre de ‘mão-beijada’, facturando cerca de 2,9 milhões de euros. Com a IP será previsível, se se mantiver, o facilitismo na contratação, que continue assim por muitos anos.

    Na plataforma que agrega os registos sobre contratos públicos, o Portal Base, encontram-se contratos adjudicados pela IP à Paz Ferreira desde 2015. No entanto, as verbas envolvidas eram bem mais baixas, situando-se entre os 7.500 euros e os 40 mil euros.

    Ainda não é visível a luz ao fundo do túnel nos processos que opõem a IP e o Fisco. / Foto: D.R.

    Saliente-se, por fim, que o diferendo com a Autoridade Tributária tem tido fortes reflexos negativos nas contas da empresa pública liderada por Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre Junho de 2020 e Março de 2022. No primeiro semestre de 2024, a IP teve mesmo de reforçar as suas provisões em 20,3 milhões de euros, ficando o valor acumulado nos 547,7 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado. Esse montante que “corresponde ao IVA que o Grupo IP estima que deixaria de receber caso fosse considerado que a CSR [Consignação do Serviço Rodoviário] não é uma receita sujeita a IVA”.

    A empresa também registava, a 30 de Junho último, responsabilidades assumidas com garantias bancárias de 1,5 mil milhões de euros prestadas a favor da Autoridade Tributária decorrentes do processo do IVA, além de assumir ainda garantias no montante de 4,9 milhões de euros prestadas a favor de
    tribunais no âmbito de processos de contencioso e a outras entidades.


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  • Solar dos Presuntos com lucros de 2 milhões, mas novas admissões ‘corridas’ a salário mínimo

    Solar dos Presuntos com lucros de 2 milhões, mas novas admissões ‘corridas’ a salário mínimo

    O custo das refeições ultrapassa, facilmente, os 50 euros por comensal, mas consolidou-se como um ponto de referência para almoços e jantares de figuras públicas. O icónico Solar dos Presuntos, em Lisboa, aumentou em 2021 a sua capacidade e, em dois anos, ultrapassou facilmente a crise causada pela pandemia e mais do que duplicou o número de empregados. Na semana passada, o seu gerente, Pedro Cardoso, revelou que um quarto dos trabalhadores é de origem nepalesa, sendo que a experiência é tão boa que não os trocaria por nada. O PÁGINA UM foi olhar as contas da empresa gestora do restaurante para concluir que Pedro Cardoso só pode estar mesmo satisfeito: em termos reais, depois de um forte investimento em 2021, conseguiu um aumento real dos lucros da ordem dos 65% entre 2019 e 2023, que atingiram os dois milhões de euros, mas também muito por via do salário médio líquido dos empregados ter baixado 26%. Pela análise às contas, apesar de a margem líquida (lucro a dividir pelas receitas) ser mais de sete vezes superior à média do sector da restauração, grande parte dos novos contratados pelo Solar dos Presuntos estará a ganhar valores próximos do salário mínimo nacional.


    “Gosto muito deles, somos como uma família, são essenciais à nossa actividade e eu não faço qualquer distinção com os outros funcionários portugueses que aqui estão”. Foi com estas palavras ao jornal Expresso, na semana passada, que Pedro Cardoso, o proprietário do Solar dos Presuntos, supostamente quis homenagear a importância dos imigrantes, destacando mesmo que o famoso restaurante na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, não seria o mesmo sem os nepaleses, que constituem cerca de um quarto dos trabalhadores. “Se o pessoal do Nepal fosse todo embora, a restauração fechava, não tínhamos mão-de-obra necessária à nossa actividade”, afiançou o empresário.

    A falta de mão-de-obra, sendo questão recorrente, até para justificar a imigração, deve ser ponderada num contexto salarial. Ou seja, muitas vezes, a falta de mão-de-obra está sobretudo associada a um contexto salarial. Não é raro que a alegada escassez de trabalhadores provenha sobretudo da ausência de condições atractivas, sejam salariais, contratuais ou de progressão profissional. E isso mostra-se mais visível em determinados sectores, como a restauração. Daí que a entrada de imigrantes implica, em muitos casos, sobretudo em tarefas pouco qualificadas, mas exigentes em termos de condições de trabalho, um reajustamento salarial – para baixo. E não para sobrevivência das empresas, mas simplesmente para aumento dos lucros.

    Pedro Cardoso ‘herdou’ a gestão de um dos mais icónicos restaurantes de Lisboa fundado em 1974.

    Foi nessa óptica – e num contexto em que se sabe que a subutilização do trabalho em Portugal abrangia quase 614 mil pessoas em Novembro passado, ou seja, cerca de 11% da população activa alargada –, que o PÁGINA UM foi tentar perceber, através da análise das contas da empresa proprietária – a Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda. –, se o Solar dos Presuntos está com a ‘corda na garganta’ e, sobretudo, perceber a sua política salarial face à evolução da facturação e, em especial, do lucro.

    Analisaram-se assim, em detalhe, as demonstrações financeiras e outros elementos constantes da Informação Empresarial Simplificada (IES) da empresa proprietária do Solar dos Presuntos para os exercícios anuais de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023. As contas de 2024 apenas serão conhecidas ao longo dos próximos meses. Aliás, a IES de 2023 somente foi reportada pela empresa no passado dia 18 de Outubro. Nesse contexto, mostrou-se desnecessário, até pela isenção jornalística que se pretende transmitir, solicitar mais esclarecimentos à Gonzalez, Teixeira e Seoane, dado que a IES oferece dados claros e suficientes para uma análise económica e financeira rigorosa.

    Convém desde já destacar que, tal como sucedeu com todo o sector da restauração, os anos de 2020 e 2021 foram complicados para o Solar dos Presuntos, por via dos confinamentos e da redução abrupta do turismo. Nesse contexto, mesmo com subsídios estatais nesses dois anos da ordem dos 520 mil euros, a empresa apresentou um inédito prejuízo de 60 mil euros em 2021. Mas esse desempenho também se deveu ao investimento numa profunda remodelação do restaurante que mais do que duplicou a capacidade. O restaurante reabriria em Agosto desse ano passando de cerca de 200 lugares para 450, com um investimento anunciado de quatro milhões de euros. Assim terá sido, até porque as contas o reflectem: os activos fixos tangíveis (que incluem sobretudo os edifícios) subiram de quase 2,6 milhões de euros em 2020 para um pouco mais de 6,4 milhões em 2021.

    A presença de futebolistas é o ‘prato forte’ do Solar dos Presuntos. Nesta foto, revelada pelo gerente Pedro Cardoso, estão Jeremiah St Juste, Franco Israel, Francisco Trincão e Viktor Gyökeres, todos jogadores do plantel do Sporting.

    Esse aumento da capacidade, a par da inauguração em 2023 do Gracinha – um espaço de petiscos que, aparentemente, não tem caído nas graças de muitos clientes –, catapultou a facturação e os lucros da empresa do Solar dos Presuntos. Depois dos dois anos da pandemia (2020 e 2021) com facturação em cada um dos exercícios a rondar os três milhões de euros – uma queda significativa face a 2019, que se cifrou em 5,9 milhões de euros –, a empresa conseguiu facturar mais de 7,7 milhões de euros em 2022 e terminou o ano de 2023 com quase 9,5 milhões, ou seja, uma receita diária superior a 28 mil euros.

    Mas se a facturação atingiu, em 2023, montantes elevados, mesmo para um restaurante popular – frequentado por VIPs, sobretudo futebolistas –, mais impressionantes foram os lucros, que mostraram o sucesso do investimento no período da pandemia. Com efeito, se em 2020 os lucros tinham recuado 63% face ao ano anterior (de 1,07 milhões de euros para 361 mil euros) e em 2021 foram contabilizados prejuízos (-60 mil euros), a recuperação iniciou-se de imediato em 2022. Nesse ano, a empresa do Solar dos Presuntos teve um lucro de 571 mil euros e em 2023 atingiu a cifra dos 2.006.040 euros.

    Parecendo evidente que o investimento no redimensionamento do Solar dos Presuntos em plena pandemia, que causou prejuízos em 2021, foi uma aposta ganha, há também outro factor: com o aumento do pessoal, os salários médios diminuíram, ou seja, uma parte dos trabalhadores contratados sobretudo a partir de 2022 passou a ganhar menos. E este menos é ainda menos se considerarmos o efeito da inflação.

    De facto, considerando os encargos com os empregados, bem como a retenção de IRS, o salário médio líquido dos funcionários do Solar dos Presuntos era, em 2019, de cerca de 1.340 euros, tendo baixado para os 1.123 euros em 2023. Entre 2019 e 2023, o número de empregados aumentou de 52 para 94. Mas a evolução salarial agravou-se ainda mais pela forte inflação que se registou sobretudo a partir de 2022.

    Assim, se se considerar o factor de actualização do Instituto Nacional de Estatística (INE), o salário médio em 2023 deveria ser 13,9% superior ao de 2019 para, em teoria, não ocorrer perda de poder de compra. Ou seja, em média o salário de 2023 deveria ser de 1.525 euros – porém, é de 1.123 euros, o que significa que a folha salarial média em valores reais desceu 26,4%.

    Não sendo de esperar que quem já trabalhava no Solar dos Presuntos em 2019 tenha passado a ganhar menos – pelo contrário, terá havido alguma actualização em virtude da inflação –, aquilo que estes valores revelam é que as novas contratações, em termos líquidos, tenham sido ‘corridas’ a salários próximos do ordenado mínimo nacional, que em 2023 estava fixado nos 760 euros. Ou seja, uma parte substancial dos contratados pelo Solar dos Presuntos desde 2022 estará a receber o salário mínimo nacional.

    Ao invés de uma redução do salário médio em termos reais de cerca de 26% entre 2019 e 2023, o lucro quase duplicou em termos nominais (passando de 1,07 milhões para 2,01 milhões de euros), registando um crescimento de 65% em termos reais. Se os salários de 2019 tivessem sido aumentados com um factor de actualização de 1,1389 (INE) e os salários médios dos novos contratados fossem semelhantes aos salários mais antigos, os gastos do pessoal seriam, de acordo com as estimativas do PÁGINA UM, de cerca de 2,9 milhões de euros, um pouco mais de 520 mil euros face aos valores reais. Nessas circunstâncias, o Solar dos Presuntos estaria muito longe de ficar aflito: a empresa ‘apenas’ baixaria os seus lucros de 2,01 milhões para cerca de 1,5 milhões de euros.

    Evolução (em euros) das vendas, dos custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), dos fornecimentos e serviços externos (FSE), dos gastos com pessoal (incluindo todos os encargos) e dos lucros entre 2019 e 2023. Fonte; IES da Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda.

    Aliás, a situação da empresa gestora do Solar dos Presuntos era, no final de 2023 (só a meio do presente ano se saberão as contas de 2024), bastante desafogada, com activos no valor de quase 16 milhões de euros, dos quais mais de 3,2 milhões de euros em caixa e contas bancárias. Nos últimos cinco anos, período analisado pelo PÁGINA UM, o endividamento sempre foi relativamente baixo – o passivo era de dois milhões de euros – face a um robusto capital próprio de 13,9 milhões de euros, dos quais 10,4 milhões de lucros acumulados. A margem líquida (razão entre lucro e receitas) em 2023 atingiu os 21,2%, um valor mais de sete vezes superior ao do mercado da restauração, de acordo com os números de Banco de Portugal. Se a empresa do Solar dos Presuntos tivesse apresentado a taxa média de margem líquida do sector (2,94%), mesmo assim o lucro em 2023 seria da ordem dos 277 mil euros.

    Segundo as informações do IES da empresa, nos últimos cinco anos nunca houve distribuição de dividendos, nem tão-pouco gratificações declaradas quer à gerência quer ao pessoal.

    Apesar do volume de negócios, dos montantes do balanço e do número de empregados estarem em patamares que exigiriam a certificação das contas por um revisor oficial de contas (ROC), a empresa do Solar dos Presuntos continua a assumir ser, em termos contabilísticos, uma “pequena entidade”, algo que, a manter-se, pode suscitar uma intervenção da Autoridade Tributária.


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  • Quinta de luxo do Banco de Portugal custa 1,3 milhões em manutenção de espaços verdes

    Quinta de luxo do Banco de Portugal custa 1,3 milhões em manutenção de espaços verdes

    Nos últimos sete anos, a Quinta da Fonte Santa, uma herdade do Banco de Portugal de 22 hectares às portas de Lisboa, custou 1,3 milhões de euros só em serviços de manutenção dos espaços exteriores. A propriedade de luxo, alberga um centro hípico, que está concessionado, além de piscinas e até uma discoteca. Oficialmente, o Banco de Portugal atribui ao espaço a pomposa designação de ‘centro de formação’. A propriedade passou a património da instituição liderada por Mário Centeno em 1989, sendo de uso exclusivo dos quadros do Banco de Portugal e suas famílias. De resto, só pode lá entrar quem tiver convite. Manter os espaços exteriores envolve despesas várias, que não estão discriminadas no relatório de contas e de actividades, mas o mais recente contrato surge no Portal Base: foi assinado no final de Dezembro com o valor de quase 880 mil euros, com IVA.


    Monda. Ressemeadura. Retancha. Não é todos os dias que se lêem documentos do Banco de Portugal com palavras ligadas a jardinagem e agricultura, sendo mais comum encontrar relatórios e publicações escritos numa linguagem económico-financeira e muito burocrática. A explicação é simples. É que, além de barras de ouro, o Banco de Portugal guarda um outro ‘tesouro’ de luxo e de cariz mais ‘rural’: a Quinta da Fonte Santa, a qual exige manutenção, designadamente dos espaços verdes.

    A propriedade de 22 hectares, situada em Caneças, Odivelas, às portas de Lisboa, é fechada ao público e alberga um vasto conjunto de valências que vão desde o centro hípico, que está concessionado, a piscinas, e até uma discoteca.

    Mas isto de ‘ser rico’ sai caro. Só na manutenção dos espaços verdes, a propriedade de luxo do Banco de Portugal custou 1,62 milhões de euros (com IVA) nos últimos sete anos, segundo uma análise do PÁGINA UM aos contratos registados no Portal Base, plataforma de registo de compras públicas.

    Entrada da Quinta da Fonte Santa, em Caneças, Odivelas. / Foto: D.R.

    No mais recente contrato feito pelo Banco de Portugal, no dia 27 de Dezembro, a despesa envolvida na “Aquisição de Serviços de Manutenção de Espaços Verdes e de Espaços Exteriores” para a Quinta da Fonte Santa ascende a 715 mil euros, que sobe para 880 mil com IVA. O serviço, com um prazo de cinco anos, foi adjudicado à empresa Espaços Verdes – Projectos e Construção, Lda., através de concurso público. Contudo, não estão disponíveis os nomes das restantes empresas que eventualmente concorreram a este procedimento.

    As tarefas incluídas no caderno de encargos abrangem, além dos trabalhos de jardinagem e limpeza de caminhos e muros, outras tarefas, nomeadamente a “limpeza dos galinheiros, pombais e capoeiras, incluindo a reposição de alimento para as espécies animais”, bem como a limpeza das lareiras e das churrasqueiras.

    Planta da Quinta da Fonte Santa com o detalhe das várias infraestruturas existentes no espaço de 22 hectares. / Foto: Banco de Portugal

    Nos últimos sete anos, o Banco de Portugal assinou cinco contratos com empresas para prestarem aquele tipo de serviço na Quinta da Fonte Santa. A 2 de Outubro de 2017, foram assinados dois contratos com duas empresas distintas para serviços de manutenção de espaços exteriores e serviços de limpeza para a Quinta. O contrato de valor mais elevado, de 171 mil euros, com um prazo de execução de três anos, foi adjudicado à Espaços Verdes. O segundo contrato, no valor de 103.680 euros, também com um prazo de execução de três anos, foi entregue à empresa Não Se Mace – Limpezas.

    Seguiu-se, a 18 de Janeiro de 2021, um outro contrato com a Espaços Verdes, no montante de 43.848 euros, com um prazo de execução de nove meses. A 16 de Setembro desse mesmo ano, o Banco de Portugal contratou a Purgest Serviços Ambientais, Lda. para fazer a manutenção dos espaços exteriores da Quinta por um período de três anos, tendo pago 286.500 euros por este serviço.

    Estes contratos não abrangem manutenção de piscinas ou limpeza de espaços interiores da Quinta da Fonte Santa. No Portal Base constam três contratos efectuados em 2019, 2020 e 2021 entre o Banco de Portugal e empresas que prestam serviços de manutenção de piscinas, mas os respectivos cadernos de encargos não se encontram disponíveis, pelo que não existem detalhes sobre os serviços contratados a estas empresas, sendo apenas referido que se trata de “serviços de manutenção da rede hidráulica”. Dois dos contratos foram realizados com a Regapool – Bombas, Jardins e Piscinas, Lda. e um outro com a Cimai, Engenharia e Química Avançada, Sociedade Unipessoal, Lda..

    A Quinta celebrou o seu 30º aniversário na posse do Banco de Portugal em 2019, com um almoço comemorativo que contou com altas figuras da instituição e representantes da Câmara Municipal de Odivelas. / Foto: D.R.

    Apesar da dimensão da Quinta e de se tratar supostamente de um centro de formação do Banco de Portugal, o PÁGINA UM não encontrou referências ao espaço nos mais recentes relatórios institucionais do Banco. Aliás, consultando a página do Banco de Portugal na Internet, é como se a Quinta não existisse. A principal referência ao espaço é encontrada na página do Centro Hípico Quinta da Fonte Santa, o qual está aberto ao público, disponibilizando aulas de hipismo e ‘baptismos’.

    De resto, pesquisando na Internet sobre a Quinta e o Banco de Portugal, encontra-se um ‘link‘ que remete para um ‘esclarecimento‘ que a instituição fez em 2012 na sequência de uma notícia sobre o espaço. No comunicado, era referido que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao Banco”. Ainda de acordo com o comunicado, “o Banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho (nomeadamente para acolher acções no quadro do funcionamento dos bancos centrais do Sistema Europeu de Bancos Centrais e de cooperação com os bancos centrais dos Países Lusófonos)”.

    O Banco também explicava, nessa nota, que “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do Banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações (neste caso, incluindo actividades para pessoas com deficiência)”.

    A Quinta da Fonte Santa tem 22 hectares. / Foto: D.R.

    No comunicado, o Banco adiantou que optou por concessionar o picadeiro para que pudesse ser aproveitado, abrindo o espaço ao público em geral, “sem que a mesma implicasse custos para o Banco e preservasse o seu valor patrimonial”. Garantiu, na altura, que “trata-se de uma infra-estrutura que não representa custos para o Banco nem visa servir o Banco” e que o “único objectivo que presidiu ao respectivo concessionamento foi manter aberto um espaço que serve a comunidade onde está localizada a Quinta da Fonte Santa, mantendo o seu valor patrimonial para o Banco”.

    Também se encontra disponível uma referência à Quinta na página da Câmara Municipal de Odivelas, por ocasião do evento de celebração do 30º aniversário do espaço como fazendo parte do património do Banco de Portugal. O evento, ocorrido a 5 de Outubro de 2019, contou com a presença de quadros de topo do Banco e representantes da autarquia, e incluiu um almoço na biblioteca da Quinta.

    De resto, encontram-se também classificações ao espaço no Google feitas por visitantes e convidados que puderam desfrutar da Quinta privada. Num comentário publicado há sete meses pode ler-se: “Propriedade privada do Banco de Portugal. Uma linda quinta com excelentes condições para campo de férias! Piscina, jardins, hipismo, discoteca… Foi um privilégio ter frequentado o local. Cuidado com as alergias e com os insetos.”

    Helder Rosalino (ao centro na foto) foi um dos altos quadros do Banco de Portugal que participou no 30º aniversário da Quinta da Fonte Santa, em 2019.

    Visualizando fotos da Quinta na Internet e nas redes sociais, há quem tenham vindo ao engano até Caneças. Foi o que aconteceu com um utilizador que atribuiu uma estrela ao recinto: “Bela treta. Fui eu fazer uma viagem de carro e gastar gasolina, andei perdido para encontrar este jardim , com a minha mulher e dois filhos e sou barrado à entrada, dizendo que era uma propriedade privada e só com convite se pode entrar, Obrigado ao Banco de Portugal.”

    Quintas de luxo às portas de Lisboa não é para quem quer, mas para quem pode. Até porque as despesas de manutenção são altas. Pelos vistos, o Banco de Portugal quer e pode.


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  • ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    No século XIX, perante os exageros do reconhecimento desmesurado, surgiu o dichote: “Foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde”. Hoje, na Terceira República, já não há o perigo de se ‘apanharem’ títulos nobiliárquicos, mas há sempre uma grande chance de se levar uma alfinetada no peito ou um penduricalho no pescoço para a conveniente condecoração. O PÁGINA UM foi, por isso, pesquisar os contratos públicos para tentar perceber quanto se gastou, e quem gasta, na aquisição de medalhas e insígnias com que nos convencemos que somos os ‘melhores da Cantareira’. Além da tradição das condecorações sobretudo nas forças armadas e de segurança, bem como as concedidas pela Presidência da República, as autarquias também gastam que se fartam, e até o Fisco não se esquece da sua ‘medalhinha’. De entre as 104 entidades que, desde 2021, enaltecem feitos através deste ‘modus operandi’, a Marinha foi a mais gastadora: 675 mil euros.


    Portugal, país multisecular, pode não cometido feitos recentes dignos de louvor universal, mas a nível interno não nos podemos queixar da falta de brilho, pelo menos das insígnias e condecorações oferecidas amiúde. De facto, somos uma Nação que há muito deixou de conquistar mundos, mas que ainda exibe, com espantosa solenidade, a arte de premiar-se a si própria. Se não temos demasiadas invenções a propor ao mundo, nem pensamentos revolucionários nem epopeias para celebrar, nem guerras para combater ou pazes para estabelecer, inventam-se então glórias administrativas e até fiscais que colocam qualquer um na iminência de se tornar uma eminência no pódio da auto-celebração. Claro que, com custos, porque as medalhas e outros insígnias similares, mesmo que fossem de latão – e algumas são de ouro –, não caem do céu nem se fazem como a água-benta. Custam bom dinheiro e movimentam, além de muitas vaidades, um negócio apetecível.

    Num levantamento do PÁGINA UM aos contratos para a aquisição de medalhas e insígnias – que, em alguns poucos casos, incluem adereços ou outros ‘apetrechos’ similares (como taças) –, foram detectados 280 contratos no Portal Base, envolvendo mais de uma centena de entidades, para adquirir ‘lembranças’ para os ilustres agraciados, num período de apenas quatro anos. Estes contratos, celebrados entre Janeiro 2021 e final deste ano de 2024, somam um valor total de 4,05 milhões de euros, que se aproxima dos cinco milhões de euros, caso se inclua o IVA. E quase grande parte através de contratos de mão-beijada: 182 foram por ajuste directo ou similar (65%), 56 após consulta prévia (31%) e apenas 42 por concurso público (24%).

    Presidência da República é uma das ‘máquinas’ de condecorações do país. Foto: PR.

    Entre os organismos mais entusiastas nas medalhas estão os militares, as forças de segurança e a Presidência da República. No primeiro caso, em apenas quatro anos, os diversos ramos das Forças Armadas, incluindo o Estado-Maior-General, despenderam 1.227.199 euros (com IVA incluído) em medalhas e condecoração, estando a Marinha no topo. Desde 2021, o Estado-Maior da Armada gastou mais de 675 mil euros, dos quais 380 mil euros durante a liderança de Gouveia e Melo, que nas últimas semanas andou a distribuir comendas e medalhas, incluindo a Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras, que de imediato o apoiou na quase certa candidatura às Presidenciais de 2026.

    Por sua vez, o Exército gastou, em quatro anos, um total de 362.325 euros em condecorações, ficando-se as Força Aérea nos 237.204 euros. A cúpula – isto é, o Estado-Maior-General das Forças Armadas – teve um encargo, neste período, de 37.232 euros.

    No caso das forças de segurança, a militarizada – a Guarda Nacional República (GNR) – também adora medalhar-se: despachou, desde 2021, um total de 237.204 euros para sobretudo condecorar os seus elementos, que rondam os 23 mil. A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi mais comedida, embora tenha um efectivo menor (um pouco menos de 21 mil agentes), e apenas gastou em medalhas 59.812 euros nos últimos quatro anos.

    A Presidência da República, através da sua Secretaria-Geral, é uma cliente habitual das empresas de medalhística. Ou melhor dizendo, de uma só: a Casa das Condecorações Helder Cunha, com quem, nos últimos quatro anos, celebrou 14 ajustes directos, sempre em valores baixos para, de forma muito conveniente mas pouco transparente, não ser obrigada a abrir concurso público. Certo é que, tudo a somar, só nestas insígnias para comendadores e outras insígnias de ordens honoríficas se gastaram 202.902 euros.

    Descontando a Ordem dos Contabilistas Certificados – que surge em destaque na lista (com gastos de 150.650 euros) por ser considerada uma entidade pública, mas o financiamento é sobretudo ‘privado’ –, são as autarquias que ocupam os restantes lugares no top 10 dos maiores apreciadores (e ‘consumidores’) de medalhas. Destacam-se Braga (148.415 euros), Cascais (126.014 euros), Loulé (113.332 euros) e Lagos (102.633 euros). O município de Castelo Branco (100.364 euros) fecha o lote de 12 entidades públicas que pagaram, desde 2021, mais de 100 mil euros para agraciamentos.

    Foto: Academia Militar.

    Em todo o caso, na lista compilada pelo PÁGINA UM encontram-se 67 Câmaras Municipais, além de duas juntas de freguesia (Santa Maria Maior, em Lisboa, e União de Charneca da Caparica e Sobreda, em Almada), que gastaram mais de 2,2 milhões de euros em medalhas. Além dos municípios já referidos, detectam-se mais 22 com gastos em medalhas acima dos 25 mil euros: Oeiras (86 360 euros), Guimarães (84 304 euros), Vila Nova de Famalicão (81 478 euros), Mortágua (74 703 euros), Faro (72 200 euros), Peso da Régua (60 202 euros), Almada (59 279 euros), Seixal (58 972 euros), Vila Nova de Gaia (55 350 euros), Barcelos (55 229 euros), Fafe (49 735 euros), Tavira (49 174 euros), Palmela (48 824 euros), Póvoa de Varzim (48 559 euros), Guarda (41 620 euros), Sintra (39 975 euros), Funchal (37 757 euros), Vila do Conde (35 117 euros), Oleiros (30 553 euros), Trofa (29 690 euros), São João da Pesqueira (28 876 euros), Ansião (25 483 euros).

    Também o Governo e a Administração Pública directa têm aberto os cordões à bolsa para conceder ‘graças’. Por exemplo, em Abril deste ano, a Presidência do Conselho de Ministros gastou 23.616 euros para adquirir medalhas comemorativas da participação nas ações militares da Revolução dos Cravos. Em Junho de 2021, o Ministério da Defesa fez um contrato, após consulta prévia, no valor de 22.075 euros para, durante três anos, serem fornecidas “medalhas de condecoração”. Também se encontraram três contratos da Assembleia da República, um por ano, para as medalhas do Prémio Direitos Humanos. Não são baratas: pelas seis medalhas, em ouro, atribuídas em três anos, o Parlamento gastou 47.847 euros. Em média, cada uma ficou em quase oito mil euros. Mas a Assembleia da República não foi a única entidade pública a conceder medalhas em ouro: no final de 2023, por exemplo a autarquia de Castelo Branco adquiriu 10, tendo cada uma custado, com IVA, cerca de 4.250 euros.

    Merecem também destaque os três contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos deste ano. O primeiro serviu para comprar “1.000 medalhas com símbolo” do Fisco, no valor total de 9.840 euros, o que se pode considerar um preço unitário comedido. Já os dois outros contratos, de Julho passado, serviram para comprar “medalhas comemorativas de 40 anos de serviço público”, sem um número determinado no contrato (e o caderno de encargos não consta no Portal Base), bem como as caixas. Cada um destes contratos rondou os 23 mil euros.

    Em muitos casos, condecorações servem para que os condecorados não esqueçam quem os condecorou. Foto: Marinha.

    De entre as outras entidades com montantes apreciáveis de gastos em medalhas destacam-se ainda a Fundação INATEL (79.450 euros), a Direcção-Geral da Educação (77.378 euros), a empresa municipal lisboeta EGEAC (70.528 euros), o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (41.279 euros), o Banco de Portugal (28.855 euros) e a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (28.608 euros), bem como diversas universidades, ordens profissionais e até hospitais. Convém, contudo, salientar que os valores apurados pelo PÁGINA UM podem pecar por defeito, uma vez que na pesquisa no Portal Base podem constar contratos não detectados pelo facto de a sua descrição não mencionar palavras como medalhas, condecorações ou insígnias. Além disso, em compras mais pequenas, muitas as entidades públicas podem não ter registado os contratos se o procedimento adoptado tiver sido o ajuste directo simplificado.

    Em todo o caso, assim se prova que, mesmo já sem caravelas nem fulgores inventivos, Portugal continua a navegar com mestria nos mares do auto-elogio, não sendo já sequer necessário erguer castelos ou cravar padrões em terras distantes. A glória das insígnias reluzentes surge agora sob a forma de medalhas e fita para pendurar entregues a torto e a direito. Os elogios ficam com quem recebe; a factura é paga pelos contribuintes.


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  • ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    Num mercado de arte bastante competitivo, as pinturas de Paula Rego, mesmo as de menores dimensões, não são nada baratas, até pela raridade com que surgem em leilões. No mês passado, um pequeno quadro em pastel sobre papel, inspirado no conto do Capuchinho Vermelho, foi arrematado por 293 mil euros, incluindo comissões, mas a leiloeira infomou então que o comprador era um “cliente português que pediu para manter o anonimato”. Sabe-se agora que, afinal, a aquisição foi feita pela Fundação D. Luís I, pertencente à autarquia de Cascais. que é o seu principal ‘mecenas’. Mas há agora outro mistério: de acordo com o contrato, o negócio entre a fundação e a leiloeira somente começou a tomar forma cerca de duas semanas após o leilão, e o contrato acabou assinado só na semana passada.


    A Fundação D. Luís I – entidade da autarquia de Cascais responsável pela gestão dos espaços do município – é o ‘comprador misterioso’ de uma obras mais emblemáticas da série ‘Capuchinho Vermelho’, de Paula Rego, que foi vendido em leilão no passado dia 14 de Novembro.

    Intitulada originalmente intitulada “Mother wears the wolf’s pelt” (“A mãe a usar a pele do lobo”), a leiloeira Veritas Art Auctioneers revelara apenas que o quadro de Paulo Rego – um quadro em pastel sobre papel de 84 por 67 centímetros – tinha sido adquirido por um “cliente português que pediu para manter o anonimato“, de acordo com a Lusa. A estimativa de preço situava-se entre os 180 mil e os 250 mil euros, tendo o quadro sido arrematado por 240 mil euros (valor do martelo), o que resultou num preço final de 293.136 euros, atendendo à comissão da leiloeira de 18% e ao IVA sobre esta parcela.

    ‘Mother wears the wolf’s pelt”, pintura executada em 2003 por Paula Rego

    Esta obra integra um conjunto de seis pinturas de Paula Rego, executadas no início deste século, alusivas ao conto do Capuchinho Vermelho escrito o século XVII, a partir de recolhas orais do francês Charles Perrault, e, mais tarde, reescrita pelos germânicos Jacob e Wilhelm Grimm. Antes desta venda tinha estado exposta no Museu de Serralves, em 2004 e 2005, depois em Barcelona, em 2017, e ainda nesse ano e no seguinte num museu de arte em Melbourne, tendo estado depois brevemente numa exposição Casa das Histórias Paula Rego (CHPR) em 2018.

    O desvendar do mistério da identificação do comprador deste importante quadro de Paula Rego por valores elevados – embora modestos para algumas das suas obras maiores, como o painel “Avestruzes Bailarinas do filme ‘Fantasia’ de Walt Disney”, vendido em Londres no ano passado por 3,5 milhões de euros –, não foi ainda assumido pela Fundação D. Luís I, mas está já confirmado por um contrato estabelecido por esta entidade e a leiloeira no passado dia 16 deste mês.

    Neste contrato, assinado pelos administradores da Fundação D. Luís I, Salvato Teles de Menezes e Ana Padrão, omite-se, porém, a aquisição do quadro no leilão, referindo-se que o valor da compra foi definido de acordo com uma proposta de 27 de Novembro – ou seja, já depois da data do leilão – e deliberada mais tarde pelo Conselho Directivo no dia 11 do presente mês de Dezembro.

    a large pyramid shaped building sitting on top of a lush green field
    Pintura adquirida pela fundação da Câmara Municipal de Cascais vai integrar o espólio da Casa das Histórias Paula Rego.

    Esta aquisição pode considerar-se como avultada para a Fundação que tinha, no final do ano passado, um património líquido de pouco mais de três milhões e, apesar de cerca de 206 mil euros, recebeu 438 mil euros de subsídios da própria Câmara Municipal de Cascais.

    A obra deverá ainda este ano integrar o espólio de Paula Rego na ‘sua’ Casa das Histórias, projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura. No contrato de compra-e-venda é, aliás, referida a importância deste quadro que colmatará “a inexistência de pinturas deste período na colecção da CHPR”, possibilitando também uma melhor compreensão para a “linha de investigação que a artista definiu quando se propôs, em 1976, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a ‘ilustrar mais prolificamente os contos tradicionais portugueses ou integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”.

    Esta pintura, criada em 2003, a última da série que reinterpreta o conto clássico do Capuchinho Vermelho, mostra uma mulher sentada, vestida de veludo vermelho e adornada com uma estola de pele, remetendo para temas como o poder matriarcal e a transformação, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma tensão narrativa que é marca distintiva desta artista falecida em Junho de 2022, aos 87 anos.

    O díptico “Dancing Ostriches from Walt Disney’s ‘Fantasia’ (1995), pastel em papel colado sobre alumínio, é a obra mais valorizada de Paula Rego, tendo sido leiloada no ano passado por 3,5 milhões de euros em Londres.

    Recorde-se que no final de Outubro passado, a Câmara de Cascais revelou que comprara a pintura “Rei Canuto”, executada por Paula Rego em 1977, pelo valor de 262.500 euros a uma coleccionadora estrangeira, embora a aquisição tenha sido concluída em 2023.

    Antes, em Setembro de 2022, o município adquiriu também, depois de negociações com a família da pintora, o quadro “The Exile” por 240 mil euros. Poucos meses mais tarde, em Dezembro desse ano, foi a vez da então Direcção-Geral do Património Cultural desembolsar 424 mil euros pelo quadro “O impostor”, pintado em 1964.


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  • Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Novas dinâmicas de construção e factores financeiros e conjunturais estão a causar uma redução líquida do parque habitacional em importantes concelhos do país desde 2012. Apesar do Instituto Nacional de Estatística ter revelado hoje que Portugal superou em 2022 a fasquia dos seis milhões de fogos, o valor mais elevado de sempre, uma análise do PÁGINA UM descobriu que cidades como Lisboa, Porto, Loures e Amadora apresentam reduções relavantes face ao ano de 2012. Na região metropolitana da capital são os municípios da Margem Sul e Mafra que mostram mais dinamismo, enquanto que a ‘atracção urbanística’ no Norte se deslocou para as subregiões do Cávado, Ave e Tãmega e Sousa, que já apresentam mesmo taxas de crescimento superiores ao Algarve. E há concelhos do interior e nas regiões autónomas em curioso contra-ciclo.


    Os municípios de Lisboa e Porto perderam, no conjunto, quase seis mil fogos do seu parque habitacional numa década, de acordo com informação hoje revelada pelo Instituto Nacional de Estatística, que actualizou os números de alojamentos familiares respeitantes ao ano de 2022.

    Uma análise do PÁGINA UM à série histórica desde 2012 revela que, no caso dos dois principais municípios do país, a crise habitacional se explica bastante pela estagnação da construção e remodelação. Ao invés de um crescimento a nível nacional, mesmo se ténue – havia mais 104.750 alojamentos em 2022 em comparação com 2012, ultrapassando-se pela primeira vez na História os seis milhões de fogos habitacionais –, a cidade de Lisboa registou um decréscimo de 0,9%, significando uma redução de 3.020 fogos (de 323.196 para 320.176), enquanto o Porto perdeu 2.834 fogos, passando de 137.793 para 134.959, ou seja, uma redução de 2,1%.

    window, travel, lisbon

    Mesmo se na região administrativa da Grande Lisboa, os fogos habitacionais ainda cresceram (+0,35%, significando mais 3.706), as dinâmicas urbanísticas estão alteradas face ao que sucedeu até à primeira década deste século. As zonas de suburbanas mais antigas estão a perder dinamismo construtivo. Por exemplo, o concelho de Loures registou uma diminuição de 1.216 fogos (-1,22%) neste período, passando de 99.567 para 98.351. Outro caso de perda foi o da Amadora, que diminuiu em 566 fogos (-0,64%), descendo de 88.007 para 87.441.

    Mesmo em concelhos extensos e com um passo de grande dinamismo, e especulação à mistura, estiveram agora mais ‘recatados’ entre 2012 e 2022. Sintra registou um aumento de 1.554 fogos (+0,85%), atingindo 184.580 em 2022. Cascais cresceu 1.608 fogos (+1,47%), alcançando 111.003, enquanto Oeiras apresentou um acréscimo de 789 fogos (+0,91%), totalizando 87.074.

    Entre os concelhos com maior dinamismo na Área Metropolitana de Lisboa destacam-se Montijo (+5,06%), Seixal (+4,93%), Palmela (+4,86%), Mafra (+4,43%), Sesimbra (+4,11%) e Odivelas (+3,23%), reflectindo um crescimento acentuado, impulsionado pela procura de novas habitações em zonas periféricas. Por outro lado, a estagnação ou saturação são evidentes em concelhos como Vila Franca de Xira (+0,56%) e Almada (+0,57%), onde o parque habitacional está praticamente estabilizado nesta última década.

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    Porto foi o 20º concelho do país que mais parque habitacional perdeu em termos relativos

    A descentralização para zonas periféricas, como Mafra e Montijo, reflecte um fenómeno de suburbanização mais afastada do principal pólo de atracção e com ligações menos directas por transportes públicos. A pressão demográfica e a procura por terrenos acessíveis têm assim transferido o foco da construção para fora do centro urbano.

    No caso da Área Metropolitana do Porto (AMP) também se observa uma dinâmica diversificada, mas tendo como ponto comum a perda do parque habitacional na principal cidade. Entre os concelhos com maior crescimento destacam-se Valongo (+3,26%, +1.321 fogos), Póvoa de Varzim (+3,09%, +1.092 fogos), e Trofa (+2,40%, +377 fogos). Outros concelhos, como Vila do Conde (+2,28%, +869 fogos), Espinho (+1,88%, +298 fogos) e Vila Nova de Gaia (+1,79%, +2.548 fogos), também registaram aumentos, embora com valores médios anuais a rondar os 0,2% ao ano.

    Além do Porto, há sinais de estagnação e de declínio urbanístico em algumas zonas suburbanas. O caso mais evidente é a Maia – que apresentou uma ligeira diminuição de 50 fogos (-0,08%) –, mas o município de Matosinhos (+0,7%) está praticamente com o mesmo número de alojamento de 2012.

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    Dinãmicas urbanísticas no Norte estão mais fortes nas subregiões do Ave, Cávado e Tâmega e Sousa.

    Na região Norte, o fraco dinamismo urbanismo Este contraste reflete uma realidade comum às duas principais áreas metropolitanas: o crescimento das periferias em detrimento dos centros. A ‘migração’ da construção na região Norte desviou-se para outras sub-regiões, sobretudo para o Cávado e o Ave.

    Com efeito, a região do Cávado registou um crescimento expressivo de 5,1% (+9.751 fogos), o maior do país, com destaque para quase todos os seus municípios: Amares, Barcelos, Braga, Esposende e Vila Verde. A única exceção foi Terras do Bouro, que não acompanhou esta tendência.

    Já a região do Ave apresentou um crescimento de 4,7%, o segundo maior do país, O destaque vai para o concelho de Vizela, que cresceu 9,2% e se posiciona como o terceiro município mais dinâmico do país em termos urbanísticos, apenas atrás da Madalena, na ilha do Pico, nos Açores (+14,3%), e da Golegã (+12,1%). Estes dois últimos são os únicos municípios do país com uma taxa de crescimento médio anual superior a 1% entre 2012 e 2022.

    A dicotomia litoral-interior agravou-se evidente. De entre os 78 concelhos com perda de parque habitacional entre 2012 e 2022, a esmagadora maioria são do interior, com destaque para Tarouca (-9,8%), Penela (-8,4%), Coruche (-4,7%), Mação (-4,6%), São Vicente (-4,3%), Soure (-4,2%), Sardoal (-4,0%), Nordeste (-3,6%), Chamusca (-3,3%), Avis (-3,1%), embora surjam outros municípios de áreas metropolitanas. Por exemplo, o Porto foi o 20º concelho com maior perda relativa do património habitacional.

    A view of a city from the top of a hill

    Em todo o caso, as dinâmicas urbanísticas dependem muito de circunstancialismos. Mesmo existindo bastantes municípios do litoral com maiores crescimentos no número relativo de alojamentos habitacionais, encontram-se alguns casos curiosos:  Madalena (+14,3%), Golegã (+12,1%), Campo Maior (+8,7%), Corvo (8,4%, embora se refira apenas a mais 16 fogos), Velas (+5,7%), Manteigas (+5,7%), Odemira (+5,7%) e Penedono (+5,5%), Vila Nova de Paiva (5,5%), Calheta (Madeira, +5,2%) e Oliveira de Frades (+5,1%)

    Apesar de ainda ter concelhos com forte dinamismo urbanístico, a região do Algarve está longe do fulgor de outrora, tendo registado um cr5escimento de 3,76% (+12.984 fogos) entre 2012 e 2022, impulsionado pela procura turística e pela atractividade residencial. Concelhos como Loulé (+4,15%, +4.312 fogos) e Portimão (+3,89%, +3.256 fogos) são exemplos desta vitalidade das betoneiras, mas a taxa de crescimento está já abaixo das registadas pela sub-região do Ave, do Cávado e do Tâmega e Sousa.


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  • AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    De boas intenções, está o inferno cheio. Mas há medidas que nem sequer se mostram boas na intenção, até porque os resultados serão previsivelmente catastróficos. Para aumentar os terrenos urbanizáveis, alegando ser necessário para fazer face à crise de habitação, o Governo Montenegro prepara-se para dar uma ‘machadada’ ao mais importante legado da política de ordenamento e planeamento do território do século XX, flexibilizando administrativamente, através das autarquias, a passagem de terrenos da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional para fins urbanísticos. Além de ser uma medida com efeitos indesejáveis e promotor esquemas de corrupção – por exemplo, facilitará a passagem de terrenos rurais não edificáveis para áreas urbanas em redor do futuro aeroporto de Lisboa -, há uma ironia política:o Governo Montenegro, eleito sob a sigla de Aliança Democrática, ‘assassina’ assim dois instrumentos de planeamento (leis da Reservas Agrícola e Ecológica Nacional (RAN e REN) aprovados em 1982 e 1983 pelo Governo da Aliança Democrática original, então liderado por Pinto Balsemão, tendo como principal dinamizador dos diplomas o arquitecto Ribeiro Telles. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa integrou também esse Governo, podendo suscitar a legalidade de uma alteração do regime da REN e da RAN por simples decreto-lei, porque estão em causa áreas da competência da Assembleia da República.


    À boleia de uma alegada crise da habitação e de suposta escassez de terrenos para construção, o Governo Montenegro quer destruir todos os alicerces da política de ordenamento e planeamento urbanístico, através de uma alteração da Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, mas a iniciativa pode esbarrar na Assembleia da República por estarem em causa modificações profundas na Lei dos Solos, uma vez que esta é uma matéria da estrita competência dos deputados.  

    Na semana passada, o Governo anunciou que o Conselho de Ministro aprovou um decreto-lei para “permitir às autarquias disponibilizar mais terrenos para a construção de habitação destinada à classe média em todo país”, com a condição de que“pelo menos 70% das casas construídas deverão ser vendidas a preços moderados, um novo conceito criado para abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar justiça social”. De acordo com as indicações transmitidas publicamente, a ideia será conceder às autarquias o poder, de forma arbitrária, para alterar usos de solo, passando-o de rústico para urbano.

    people working on building during daytime

    Mas para isso, o Governo Montenegro precisa de flexibilizar os regimes de protecção e condicionamento das áreas de Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional que, como são terrenos rústicos – e actualmente sem capacidade construtiva –, acabam por apresentar um custo mais barato e apetecível para a especulação imobiliária.

    Não deixa de ser irónico que esta tentativa de dar uma ‘machadada’ na política de urbanismo seja uma iniciativa de um Governo que se anunciou sob a sigla AD – Aliança Democrática, ressuscitando a versão de finais dos anos 70 e início dos anos 80, dinamizada inicialmente por Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral (CDS) e Ribeiro Telles (PPM), e que depois da morte do primeiro continuou com Francisco Pinto Balsemão até 1983.

    Com efeito, foi já no fim desse mandato que o Governo de Pinto Balsemão, que tinha uma forte ‘costela ambientalista’ (Ribeiro Telles, então ministro da Qualidade de Vida), que foram aprovados dois mais importantes instrumentos de protecção ambiental e de urbanismo – a lei da RAN, em Setembro de 1982, e a lei da REN, em Junho de 1983 – sobre as quais se erigiram os planos directores municipais e outros planos de ordenamento. Curiosamente, o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, integrava este Governo da AD como ministro dos Assuntos Parlamentares.

    Pinto Balsemão, Ribeiro Telles e Marcelo Rebelo de Sousa integraram o Governo AD que aprovou a lei da RAN e da REN, que protegeu solos da construção. O novo Governo AD, de Luís Montenegro, quer transformar em ‘três tempos’ solos rústicos em áreas para o imobiliário. Foto: Museu da Presidência.

    As restrições impostas para os solos da RAN e da REN nunca radicaram em qualquer extremismo ambientalista, sustentando-se numa visão estratégia inter-geracional e mesmo de protecção contra catástrofes naturais. Além de protecção de solos agrícolas, a delimitação de áreas sensíveis no âmbito serve sobretudo para preservar linhas de água e leitos de cheia – para evitar desastres humanos como se observou recentemente na região de Valência –, aquíferos de águas subterrâneos, proteger zonas declivosas e sobretudo evitar um crescimento desenfreado e caótico das zonas urbanas.

    “Esta medida do Governo é inaceitável do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, porque, em vez de promover uma aposta na consolidação e reabilitação dos centros urbanos, vai disponibilizar mais terrenos, promovendo o crescimento em ‘mancha de óleo’ para zonas sensíveis com a necessidade de novos e maiores investimentos de infraestruturação”, salienta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

    Aliás, ao invés de promover mais uma maior quantidade de terrenos disponíveis, o efeito expectável será contrário. As construtoras terão tendência a abandonar projectos imobiliárias em zonas consolidadas, preferindo adquirir terrenos rústicos muito mais baratos para depois conseguirem uma viabilização junto das autarquias. Este expediente escancara, além disso, as portas para a especulação e mesmo para a corrupção e outros esquemas ínvios, recordando procedimentos dos anos 90 do século passado, quando se desenvolveu a primeira geração de planos directores municipais. Nessa altura, muitos empresários, em conluio com autarcas, compravam terrenos rústicos, vendo depois essas zonas serem integradas em áreas edificáveis, multiplicando assim o seu valor. Aliás, este tipo de esquemas pode já ocorrido antes deste anúncio do Governo, mas tornar-se-à corriqueiro a nível local, concedendo poderes arbitrários aos políticos.

    Governo prepara-se para destruir um dos maiores legados de político de ordenamento e de urbanismo do século XX, abrindo as portas a esquemas de tráfico de influências e de corrupção no imobiliário.

    Esta alteração no regime dos terrenos rústicos aparenta, aliás, encaixar-se na perfeição para a existêncoa de transações especulativas em torno do futuro aeroporto de Lisboa. A esmagadora maioria dos terrenos envolventes à zona do Campo de Tiro de Alcochete integram a RAN e a REN. Com esta medida do Governo Montenegro, esses terrenos multiplicam de valor ‘da noite para o dia’.

    A ideia de ser a falta de terrenos – e os seus custos elevados – uma das principais causas da crise da habitação em Portugal tem sido uma ideia estafada que não encontra reflexo na realidade dos números, porque o ritmo de construção depende sobretudo das condições económicas e dos ciclos financeiros, bem como da oferta e da procura. Embora se observe agora um recente crescimento populacional nos anos recentes, a uma taxa de 1%, não existe propriamente uma escassez de casas, mas sim uma dificuldade de adaptação dos rendimentos dos portugueses a um mercado que se globalizou, tanto nas zonas urbanas como rurais, neste caso pela procura de segundas residências.

    Por esse motivo, observando a evolução dos licenciamentos de fogos (casas) pelas autarquias desde 2007, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui-se que o mercado imobiliário está já bastante dinâmico, tendo mesmo registado este ano o valor mais elevado desde 2009, se considerarmos os primeiros 10 meses (Janeiro a Outubro). A nível nacional, os 28.004 fogos licenciados este ano são praticamente cinco vezes mais do que os licenciados em 2014, em plena crise financeira.

    Evolução do número de fogos licenciados em Portugal e nas diversas regiões (NUT II) entre 2007 e 2024 para os primeiros 10 meses de cada ano. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando as licenças de construção concedidas nos últimos 24 meses (Novembro de 2022 a Outubro de 2024) com as do período homólogo anterior (Novembro de 2020 a Outubro de 2022), confirma-se esse dinamismo: um crescimento de 9,3%, passando de 59.558 para 65.092 fogos licenciados. Esse crescimento está sobretudo concentrado na região Norte, que impulsionou nesse período em 12,8%, e particularmente no Grande Porto.

    Nessa sub-região, o crescimento foi de 21%, passando de pouco mais de 14 mil fogos licenciados para mais de 11.700. Na região de Lisboa – que engloba os municípios da Grande Lisbia e da Península de Setúbal –, apesar de se registar um crescimento (3,7%), está a níveis mais modestos. Enquanto nos últimos dois anos se licenciaram 13.033 fogos, no período de Novembro de 2020 a Outubro de 2022 as autarquias tinham concedido licenças para a construção de 12.567 fogos.

    Em todo o caso, existe uma tendência de mudança na tipologia dos fogos licenciados. De acordo com os dados do INE, nos últimos dois anos, as licenças destinam-se para uma tipologia mais pequenas, indo ao encontro da prevalência de uma procura num mercado imobiliário destinado a pessoas sozinhas, casais ou famílias de poucos filhos.

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    O regime da REN serviu sobretudo para suster a construção desenfreada em zonas sensíveis, entre as quais áreas em leitos de cheia.

    Nos últimos dois anos, 44,4% dos fogos licenciados serão T2 ou menores. Os T0 e T1 são representam 17,2%. No período homólogo anterior as tipologias T2 ou menores atingiam os 36,9% e no período entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020 foi de 36,5%. Já as tipologias de maiores dimensões (T4 e mais) estão a descer em peso. Nos últimos dois anos são 12,7% do total, quando nos dois períodos homólogos anteriores foram de 15% e 14,9%, respectivamente.

    Se recuarmos aos últimos dois anos do boom imobiliário do início do século – em 2007 e 2008 licenciaram-se mais de 111 mil fogos –, as casas de grandes dimensões (T4 ou mais) representaram 17,8% do total, enquanto T0 e T1 tiveram um peso de apenas 10%. Se juntarmos os T2, a percentagem sobe para os 36,6%, confirmando-se assim que se está a construir mais apartamentos de menores dimensões.


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  • Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Sem contas anuais conhecidas de 2022 e de 2023, com a Super Bock a não querer renovar a organização do festival na Praia do Meco, com a falta de patrocínios para o festival da Zambujeira do Mar e com o Fisco à perna, a outrora pujante empresa de espectáculos de Luís Montez está à beira do precipício. O ‘pequeno toque’ para a queda da Música no Coração é já um passo inevitável. Aquilo que mais surpreende é, na verdade, o facto de ainda estar em funcionamento, pois em finais de 2021 encontrava-se em falência técnica, com capitais próprios negativos de mais de 6,2 milhões de euros, e um passivo colossal de 26 milhões, impossível de pagar, sobretudo agora com o impacte da perda dos festivais Super Bock Super Rock e Sudoeste.


    A caminho do fim. Será apenas uma questão de dias, de semanas ou de meses, mas o fim é irreversível: a Música no Coração, a outrora pujante empresa de espectáculos e de festivas, detentora de uma rede de rádios, está em colapso financeiro, e já nem sequer entregou, como era obrigatório, a Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa aos anos de 2022 e 2023.

    A situação agravou-se no último mês com a decisão da  cervejeira Super Bock de não renovar o contrato com a empresa de Luís Montez, conhecido também por ser genro de Cavaco Silva, para a organização do festival Super Bock Super Rock, que se realiza anualmente na Praia do Meco, como noticiou o Observador no passado dia 21 de Novembro.

    Luís Montez

    Este desfecho era esperado, não apenas pela já débil situação financeira da Música do Coração, mas porque esta até já tinha vendido a rádio associada ao evento à Medialivre – que pretendia comprar frequência para preparar uma rede de rádio própria –, deixando mesmo de emitir em finais do passado mês de Setembro.

    Na mesma linha, o Festival do Sudoeste tem também os dias acabados. Luís Montez anunciou à SIC, há duas semanas, que este festival na Zambujeira do Mar, não tem capacidade de realizar no próximo ano por falta de patrocinadores. Porém, esse é apenas um dos problemas. O PÁGINA UM apurou que, devido a dívidas fiscais, o uso da denominação do Festival Sudoeste foi penhorado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Janeiro deste ano, aguardando-se ainda uma decisão do tribunal. Apesar disso, a empresa de Luís Montez mantém-se livre de constar na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social, embora esteja sujeito a diversos processos de execução intentados por credores.

    Mesmo sem se conhecer as contas de 2022 e de 2023, o PÁGINA UM sabe que a Música do Coração encontra-se ainda em pior situação face às demonstrações financeiras de 2021, reveladas pelo PÁGINA UM em Abril passado. A ‘holding’ de Luís Montez – que é ainda proprietária de algumas rádios com actividade residual – estava já com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros no final daquele ano, registando um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. O passivo, incluindo empréstimos bancários. aproximava-se dos 26 milhões de euros. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estavam consolidadas.

    stage light front of audience

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava já mais patente de 2021, pois detectavam-se evidentes sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, nesse ano, a ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se contavam 3.099 euros.

    Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante estaria fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias, isto é, das rádios.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos.

    Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. Ou seja, cometia uma ‘sangria’ à sua própria empresa ‘moribunda’.

    O PÁGINA UM tentou contactar Luís Montez para solicitar comentários e saber se havia demonstrações financeiras de 2022 e 2023, mas não obteve resposta.


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