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  • Expo 2025 Osaka: institutos públicos pagam para ter cobertura noticiosa… e Cristina Ferreira no Japão

    Expo 2025 Osaka: institutos públicos pagam para ter cobertura noticiosa… e Cristina Ferreira no Japão

    A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) recusa divulgar quanto custaram os convites a jornalistas e a “figuras públicas” — entre as quais a apresentadora Cristina Ferreira — para participarem na cobertura do Dia de Portugal na Expo 2025, que decorre na cidade japonesa de Osaka. Questionada pelo PÁGINA UM, a agência estatal liderada por Ricardo Arroja escusou-se ainda a responder, escudando-se num silêncio institucional pouco compatível com o dever de transparência na gestão de dinheiros públicos.

    Até ao momento, apenas dois órgão de comunicação social — o Expresso e Lusa— assumiu publicamente que a cobertura noticiosa do pavilhão português no passado dia 10 de Junho foi patrocinada por verbas públicas. Na peça assinada por Christiana Martins, com fotografia de Ana Baião, lê-se de forma explícita: “O Expresso viajou a convite da AICEP”. A jornalista do Expresso ainda aproveitou para entrevistar a comissária do pavilhão português, Joana Gomes Cardoso, nomeada pela AICEP, a entidade que pagou a viagem.

    A comissária teve, numa entrevista ao Expresso sob patrocínio da AICEP, com perguntas ‘fofas’, a oportunidade de relativizar a notícia do PÁGINA UM sobre a subserviência da língua portuguesa em parte da exposição, dizendo ter dificuldade de “responder ao absurdo”. E também pôde lamentar-se das exigências da contratação pública, apesar do Orçamento do Estado já ter permitido um regime de excepção à AICEP que, por exemplo, possibilitou a contratação por ajuste directo no valor de 220 mil euros de uma agência de comunicação sueca que tem, como um dos objectivos, conseguir que Joana Gomes Cardoso seja entrevistada por um jornal nipónico.

    No caso da Agência Lusa, detida pelo Estado, e que divulga os seus trabalhos para outros órgãos de comunicação social, também se diz que “os jornalistas viajaram a convite da AICEP“. Porém, os restantes órgãos, em número desconhecido, preferiram o manto do eufemismo ou a mais absoluta omissão.

    A RTP, por exemplo, apresentou os seus repórteres como “enviados especiais”, sem qualquer menção a custos ou convites. Na TVI, onde a jornalista Andreia Vale demonstrou evidente cumplicidade com a comissária do pavilhão, Joana Gomes Cardoso, chega-se ao ponto de lhe entregar o microfone para, em desafino colectivo, se cantar o hino nacional num coro improvisado. Tudo isto sem uma única referência sobre quem suportou os encargos da deslocação da equipa da estação de Queluz de Baixo ao Japão.

    O recurso a convites pagos para cobertura jornalística tornou-se prática rotineira — embora eticamente questionável — no relacionamento com empresas privadas. Mas começa agora a ser adoptado também por organismos públicos, o que representa uma preocupante erosão da independência editorial e do princípio de isenção informativa que deve nortear o jornalismo.

    Quando jornalistas aceitam viagens, estadias ou outros benefícios não por sua iniciativa, mas a convite de entidades públicas, estabelece-se uma relação de conivência susceptível de enviesar a cobertura, transformando o repórter num promotor institucional. Esta prática, já de si censurável no sector privado por poder configurar publicidade disfarçada de reportagem, torna-se ainda mais grave quando envolve recursos públicos. Cria-se um potencial conflito entre o dever de escrutínio do poder e a comodidade de uma cobertura favorecida. O desvio ético daí resultante afecta não só a qualidade da informação prestada, como também mina a confiança dos cidadãos nos órgãos de comunicação social, ao tornar mais difusa a linha que separa o interesse público do interesse promovido.

    Por outro lado, considerando a especial responsabilidade de isenção e de tratamento equitativo que se exige a instituições públicas, importa escrutinar os critérios de selecção dos media e das personalidades convidadas, bem como as contrapartidas esperadas. Saliente-se que não existe, actualmente, qualquer obrigação legal que imponha aos jornalistas ou órgãos de comunicação social a declaração dos montantes envolvidos, mesmo quando se tratam de viagens a destinos distantes como o Japão, cujo custo por participante poderá ascender a vários milhares de euros.

    Ricardo Arroja, presidente da AICEP: se a imprensa não vai à montanha, então pague-se à imprensa para ir à montanha… com dinheiros públicos.

    Situação paralela verifica-se com o pagamento a “figuras públicas” por parte de organismos do Estado — uma prática já vulgarizada no sector privado, onde se insere na lógica do marketing. Mas em instituições públicas, a promoção de marca suscita questões adicionais: faz sentido que entidades financiadas por dinheiros públicos invistam em notoriedade pessoal ou institucional, quando a sua missão não é competir no mercado, mas servir o interesse colectivo com transparência, rigor e parcimónia?

    A utilização de celebridades para reforçar a imagem de entidades públicas pode facilmente descambar para o culto da personalidade, a personalização de políticas ou a simples tentativa de conquistar simpatias populares sem substância efectiva. Acresce ainda o problema da selecção dessas figuras: com base em que critérios são escolhidas? Qual o impacto real da sua presença? E, sobretudo, quem retira verdadeiro benefício dessa associação — o cidadão ou a própria figura contratada, promovida à custa do erário público? Mais do que uma questão de comunicação, trata-se, pois, de um dilema ético e político: onde termina a informação institucional e começa a propaganda financiada pelos contribuintes?

    Entretanto, na chamada “imprensa cor-de-rosa”, multiplicam-se referências à presença de Cristina Ferreira na cerimónia do Dia de Portugal, apontando que terá sido convidada pelo Turismo de Portugal. A apresentadora da TVI, de resto, confirma esse convite na sua página no Instagram, prolongou a sua estadia em solo nipónico para férias — um luxo, ao que tudo indica, pelo menos parcialmente patrocinado com dinheiros públicos.

    Cristina Ferreira foi convidada especial para Osaka…e aproveitou a boleia para fazer férias no Japão.

    O PÁGINA UM questionou formalmente o Turismo de Portugal sobre quem convidou, quanto custou e se houve cachets envolvidos. Aguarda-se resposta. No Portal Base, contudo, não constam quaisquer contratos celebrados com agências de viagens ou despesas associadas a este tipo de deslocações. O mesmo se verifica relativamente à AICEP.

    Enquanto isso, a cobertura dos media portugueses tem omitido factos alarmantes sobre a própria Expo 2025 Osaka. Desde a semana passada, os níveis bacterianos de Legionella — bactéria que pode causar uma forma grave de pneumonia — situam-se 53 vezes acima do limite de segurança. Desde 28 de Maio, zonas como o Forest of Tranquility e a Water Plaza — palco de espectáculos aquáticos — foram encerradas para desinfecção, após confirmação da contaminação. A exposição, inaugurada a 13 de Abril, já enfrentara outros incidentes, incluindo ameaças de bomba, sobrevoos por drones não autorizados, falhas no metropolitano e mesmo receios de explosões de metano, dado situar-se sobre um antigo aterro sanitário.

    Segundo o Mainichi Broadcasting System, os primeiros testes positivos à presença de Legionella ocorreram em Maio, mas as autoridades só vieram a público semanas depois. A desinfecção inicial revelou-se ineficaz, e novos testes realizados a 7 de Junho voltaram a detectar concentrações 53 vezes acima do limite legal. Apesar do risco elevado para a saúde pública, nem a AICEP nem qualquer órgão de comunicação social português fizeram menção ao problema.

  • Mais de 600 mil: nunca houve tantos idosos em risco de pobreza e exclusão

    Mais de 600 mil: nunca houve tantos idosos em risco de pobreza e exclusão

    É o reverso da medalha do aumento da esperança média de vida — e também um sinal atroz de derrota civilizacional e das políticas sociais. Nos últimos cinco anos, o número de pessoas com mais de 65 anos a viver em risco de pobreza ou exclusão social em Portugal aumentou de forma alarmante.

    De acordo com cálculos efectuados pelo PÁGINA UM, com base nas percentagens divulgadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e cruzando esses valores com as estimativas oficiais da população residente, verifica-se que entre 2019 e 2024 houve um acréscimo de mais de 100 mil idosos nesta condição de fragilidade socioeconómica. Em números absolutos, passaram de cerca de 560 mil para mais de 600 mil.

    an old woman with a scarf around her neck

    Este dado é tanto mais preocupante porque continua ausente das apresentações formais do INE, que se limita a publicar apenas as proporções percentuais. Além disso, fica ‘escondida’ de uma melhoria registada na população vista globalmente: pela primeira vez desde 2018, segundo os dados divulgados no final de Maio relativos ao ano de 2024, a percentagem da população residente em risco de pobreza ou exclusão ficou abaixo da fasquia dos 20% (19,7%), sendo que na faixa dos 18 aos 64 anos — que grosso modo corresponde à população em idade activa — essa percentagem é ainda mais baixa (17,8%).

    No entanto, aquilo que se os números relativos não mostram é que a população idosa tem vindo a crescer continuamente, e daí o número de vulneráveis acima dos 65 anos estar em contínuo crescimento desde 2018. Esta omissão de dados absolutos mascara o verdadeiro impacto social da evolução.

    Com efeito, os valores do INE, compilados no âmbito da meta europeia Europa 2030, indicam que 23,8% dos idosos se encontravam em 2024 em risco de pobreza ou exclusão social. Esta percentagem parece apenas ligeiramente superior aos 20,4% de 2019 — e até mais baixa do que em 2021, em plena pandemia —, mas em termos absolutos o aumento é muito relevante.

    clothes hanging out to dry on a clothes line

    De facto, como a população com 65 ou mais anos aumentou em cerca de 210 mil pessoas no último quinquénio, passando de 2.327.150 em 2019 para 2.537.740 em 2023 (ano usado como referência populacional, uma vez que o INE ainda não divulgou, estranhamente, as estimativas de 2024), o aumento percentual da exclusão e pobreza é ainda mais agravado pelo aumento populacional no grupo dos idosos.

    Ou seja, mesmo que a taxa se mantivesse constante, o número absoluto de pessoas afectadas teria subido. Como a taxa aumentou, o número de idosos pobres disparou para valores inéditos, estimando-se em 603.982 idosos em 2024, face a 560.843 em 2020 e 534.322 em 2021. A tendência é persistente e preocupante, sem sinais de reversão.

    A situação torna-se ainda mais grave quando analisada sob o prisma do sexo. Entre os homens com mais de 65 anos, o risco de pobreza em 2024 afectava 20,8%, valor já de si significativo. Mas entre as mulheres com a mesma idade, a percentagem ascende a 26,1%, o que equivale, segundo os cálculos do PÁGINA UM, a mais de 376 mil mulheres idosas em risco de pobreza ou exclusão social — um número que supera em muito os 227 mil homens idosos na mesma condição. A disparidade é estrutural: existe não apenas uma diferença de rendimentos ou protecção social, mas também uma assimetria demográfica.

    Evolução no último quinquénio da população idosa (homens e mulheres) em função do risco de pobreza e exclusão. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM. Nota: Uma vez que as estimativas de população de 2024 ainda não foram divulgadas pelo INE, os valores absolutos foram calculados em função do risco para o ano N e da população do ano -1. Isto significa que os valores até pecam por um ligeiro defeito.

    Em Portugal, como em quase todo o mundo, a esperança média de vida é mais elevada entre as mulheres, o que resulta numa sobre-representação feminina nas faixas etárias mais avançadas. Em 2023, por exemplo, havia cerca de 1,44 milhões de mulheres com mais de 65 anos, face a 1,09 milhões de homens — ou seja, cerca de 350 mil mulheres a mais.

    Este desequilíbrio demográfico agrava o impacto social do fenómeno da pobreza na velhice. Além disso, os números tornam claro que não estamos perante uma anomalia estatística, mas sim diante de uma tendência que compromete o tecido social e o próprio contrato intergeracional. Com o aumento progressivo da esperança de vida, aliado a carreiras contributivas interrompidas ou precárias — sobretudo no caso de muitas mulheres que trabalharam sem descontos ou em tarefas não remuneradas —, o sistema de pensões revela-se incapaz de garantir condições de vida dignas a uma parte substancial da população mais velha.

    Recentemente foi relevada uma análise da CGTP, com base em dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em que se destacava que mais de metade dos pensionistas por velhice da Segurança Social (986.200 pessoas) recebia menos de 500 euros mensais — um valor inferior ao limiar de pobreza fixado nesse ano em 542 euros (em cálculo por rendimento anual dividido por 14).

    row of vegetables placed on multilayered display fridge

    Destes, cerca de 68 por cento são mulheres, o que reforça a constatação de que a pobreza na velhice afecta desproporcionalmente o sexo feminino. Somando os pensionistas que auferem até 750 euros mensais, o universo atinge quase 1,5 milhões de pessoas, representando 77% dos pensionistas da Segurança Social.

    Apesar de a média das pensões de velhice situar-se nos 666 euros mensais, o valor continua a rondar o limiar da pobreza. As pensões do regime geral atingem ligeiramente mais (524 euros), mas mesmo nesse contexto, as mulheres continuam a receber apenas cerca de 62% do valor dos homens. Esta realidade, como sublinha a CGTP, resulta de carreiras contributivas mais curtas e salários historicamente mais baixos, sendo o reflexo acumulado de desigualdades estruturais. O panorama traçado revela, pois, uma crise silenciosa que se adensa nos lares mais envelhecidos do país — e que permanece à margem das prioridades políticas.

  • Bairro Alto: onda de assaltos em restaurantes e bares

    Bairro Alto: onda de assaltos em restaurantes e bares

    Vidros partidos, fechaduras arrombadas, portas estragadas. O cenário repete-se de noite para noite, Nas últimas semanas, somam-se os assaltos a estabelecimentos situados no popular Bairro Alto, em Lisboa. Na Rua do Norte, numa só noite foram assaltados dois restaurantes, o Limoncello e a Adega Machado. Outros estabelecimentos não foram assaltados, mas os proprietários encontraram fechaduras e portas estragadas pela manhã. Foi o caso do restaurante Stasha, na Rua das Gáveas.

    Os proprietários de restaurantes e bares daquele conhecido bairro lisboeta de diversão nocturna fazem contas aos prejuízos causados pelos roubos e sentem-se sozinhos. Falam na existência de um certo desinteresse pelo tema por parte das autoridades, designadamente a Junta de Freguesia da Misericórdia. Sobretudo, nesta altura, pedem mais vigilância e patrulhamento policial na zona, durante a noite.

    Os assaltos a estabelecimentos no Bairro Alto têm acontecido pela madrugada. / Foto: D.R.

    “Quase todos os dias há um assalto ou uma tentativa de assalto a estabelecimentos aqui no Bairro. Sentimo-nos impotentes para parar isto”, disse um dos empresários da zona ouvidos pelo PÁGINA UM.

    “O problema aqui no Bairro não é a falta de segurança nas ruas, das pessoas, dos clientes, mas dos espaços e estabelecimentos. Tem havido uma onda imparável de assaltos. Era preciso haver mais vigilância e um reforço da presença da polícia durante a noite”, disse.

    Ainda não foi possível obter respostas da Polícia de Segurança Pública (PSP) e os empresários afectados desconhecem se já foram identificados ou detidos os assaltantes. Testemunhas têm apontado o dedo a dois estrangeiros, de nacionalidade argelina, como sendo os alegados autores de alguns dos assaltos.

    Policiamento no Bairro Alto, até há, mas da Polícia Municipal, e os empresários lamentam que seja, sobretudo, para visar os estabelecimentos e encontrar eventuais ‘falhas’, e não para afastar e travar o aumento dos assaltos.

    Um dos recentes assaltos no Bairro Alto. / Foto: D.R.

    Para Ricardo Tavares, presidente da Associação Portuguesa de Restaurantes, Bares e Animação Noturna, é incompreensível que não se consiga travar os assaltantes, noite após noite. “No Bairro Alto não há insegurança para as pessoas. Tem é havido assaltos a vários espaços”, disse. O empresário apontou que existe uma falta de solidariedade por parte da Junta de Freguesia da Misericórdia em relação à situação que insegurança que afecta os estabelecimentos daquele bairro histórico. E aponta o dedo a interesses que existem para acabar com o negócio da restauração na zona para instalar hotéis de luxo no bairro.

    O PÁGINA UM colocou hoje algumas questões sobre a onda de assaltos no Bairro Alto à Junta de Freguesia da Misericórdia e também à Câmara Municipal de Lisboa, e ainda não foi possível obter respostas.

    Contudo, não é só no Bairro Alto que os roubos a restaurantes e bares se avolumam. Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, os empresários falam na existência de um clima de insegurança. Nunca sabem como vão encontrar o seu estabelecimento pela manhã. Alguns estabelecimentos foram assaltos várias vezes seguidas.

    Nas zonas da Graça, Arroios, Anjos e Intendente, dezenas de donos de estabelecimentos criaram um abaixo-assinado depois de terem sofrido assaltos e arrombamentos. Na imagem, é visível a fachada em vidro partida de um bar situado na Rua Damasceno Monteiro que foi assaltado no início deste ano. / Foto: D.R.

    Foi mesmo criada uma petição, reunindo assinaturas de dezenas de proprietários de estabelecimentos destas zonas, a pedir um reforço de segurança e policiamento. “Abrimos as nossas portas todas as manhãs, sem saber se seremos as próximas vítimas”, lê-se no texto da petição. “Esta onda implacável de crimes não só coloca em risco a nossa segurança e a de nossos colaboradores, mas também abala a confiança e a tranquilidade dos nossos clientes”, adianta.

    Os assaltantes, além de provocarem danos em portas e janelas, levam o que podem, desde dinheiro, tabaco, garrafas de bebidas alcoólicas, máquinas registadoras e pequenos electrodomésticos.

    Nenhum estabelecimento está imune a ser assaltado. Os roubos têm deixado um rasto de prejuízos que afecta desde o pequeno restaurante familiar até ao café ‘gourmet’ e ao bar popular, que atrai turistas em busca de esplanada e diversão.

    Estes empresários fizeram um apelo, “com urgência, que as autoridades responsáveis, como a Câmara Municipal de Lisboa, a Polícia de Segurança Pública e as Juntas de Freguesia de Arroios e Penha de França, tomem medidas imediatas e eficazes para combater a criminalidade na nossa área”.

    Vista de Lisboa a partir de um dos miradouros na Graça. Na zona, as receitas ganhas com turistas e clientes habituais não chegam, por vezes, para alguns estabelecimentos cobrirem os prejuízos deixados por assaltos sucessivos. / Foto: D.R.

    Tal como está a acontecer no Bairro Alto, os assaltos decorrem sobretudo de noite e nas primeiras horas da manhã, por isso, os proprietários de bares e restantes pediram um reforço do patrulhamento policial nesse período. Também pediram a instalação de câmaras de vigilância “em locais estratégicos para deter a atividade criminosa” e “apoio institucional e logístico para os proprietários de negócios que desejam reforçar a segurança dos seus estabelecimentos, como ‘gratificado’ ou ajuda financeira para poder contratar empresas de segurança para vigilância”.

    De resto, no caso da Graça, não há estabelecimento que não se queixe de roubos e assaltos, tanto aos estabelecimentos como a funcionários. Nem as farmácias escapam. De há uns meses para cá, a mais frequentada farmácia do Largo da Graça conta com um segurança presente logo à entrada. Um sinal dos tempos que se vivem nestes bairros turísticos de Lisboa.

    No caso do Bairro Alto, sem respostas das autoridades, aos donos dos estabelecimentos, resta-lhes, para já, enfrentar os prejuízos enquanto colocam mais trancas nas portas, sem saber quando vai chegar o próximo assalto.

  • Polígrafo mentiu para garantir que Rui Tavares só dizia verdades

    Polígrafo mentiu para garantir que Rui Tavares só dizia verdades

    O Polígrafo – o órgão de comunicação social dedicado ao fact-checking e que se arvora de “guardiã da verdade”, distribuindo selos, incluindo “pimenta na língua” – foi apanhado a martelar factos, classificando como verdadeira uma afirmação falsa de Rui Tavares, co-líder e deputado do Livre.

    Numa deliberação ontem divulgada, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) reconheceu formalmente que o Polígrafo violou o dever de rigor informativo ao validar, sem a devida contextualização, uma afirmação de Rui Tavares durante o debate televisivo para as recentes eleições legislativas, no qual confrontou André Ventura, presidente do Chega.

    a wooden statue with a white hat on top of it

    Para apurar quem faltara mais à verdade no frente-a-frente, o Polígrafo escolheu cinco afirmações dos dois políticos, tendo “sentenciado” que Ventura mentiu em duas, enquanto Tavares teria dito cinco verdades. Só que não. Tavares afirmou no debate que, durante o mandato de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, “até roubo de jóias houve”. Ora, o Polígrafo classificou tal afirmação como “verdadeira”, justificando-se com investigações em curso no Brasil relativas a jóias recebidas por Bolsonaro durante o exercício da presidência, para além da condenação de inelegibilidade por oito anos. Contudo, como se depreende da própria ERC, quem mentiu foi o Polígrafo.

    De acordo com a deliberação do regulador, é certo que “em Julho de 2024 foi tornado público e profusamente noticiado que a Polícia Federal [do Brasil] denunciara Jair Bolsonaro por apropriação indevida de jóias que recebera enquanto chefe de Estado, considerando que se trata de património público”.

    Porém, “o caso levou a uma decisão do Tribunal de Contas do Brasil (TCU), de Março de 2025, que considerou que presentes de uso pessoal, recebidos por presidentes e vice-presidentes, não são património público, podendo mantê-los ao saírem do cargo”, acrescentando ainda que se “aguarda, entretanto, parecer da Procuradoria-Geral da República que pode seguir diversas vias: denúncia ao Supremo Tribunal Federal – cuja decisão não é influenciada pela posição adoptada pelo TCU –, pedido de novas diligências ou arquivamento”.

    Aliás, nessa decisão de Março passado, acabou por fazer uma equivalência das ofertas recebidas por Bolsonaro ao que Lula da Silva tinha feito em 2005, quando ficou com um relógio oferecido enquanto líder do Estado brasileiro.

    Nada disso é referido na análise do Polígrafo. Ao invés, para fundamentar a classificação de “Verdadeiro” à frase de Rui Tavares, o Polígrafo escreveu: “Bolsonaro deveria ter entregue [sic] essas jóias ao Estado brasileiro assim que deixou o poder, uma vez que estas foram uma oferta institucional. De acordo com as investigações, porém, Jair Bolsonaro vendeu algumas dessas jóias através de intermediários.”

    Assim sendo, a ERC conclui ser “forçoso concluir que o Polígrafo incumpr[iu] o dever de rigor informativo na verificação de factos publicada”, embora destaque sobretudo a ausência de “contexto suficiente para que os leitores compreendam os contornos reais” da alegada apropriação e venda de jóias.

    Polígrafo, um verificador de factos que transforma mentiras em verdades.

    Em todo o caso, o regulador reforça a censura ao acto do Polígrafo tendo em conta o facto de este ser um “órgão de comunicação social reconhecido como verificador de factos certificado e assim apresentado aos olhos do público”, pelo que tem “o dever e a responsabilidade de manter os padrões que lhe são impostos, quer pela legislação e pela ética que impendem sobre o exercício da actividade jornalística, quer pelos padrões exigidos pelas organizações certificadoras de verificadores de factos IFCN – International Fact-Checking Network – e EFCSN – European Fact-Checking Standards Network”. Recorde-se que o Polígrafo tem o Facebook – que teve um papel fulcral na limitação da expressão durante a pandemia – como um dos seus principais financiadores.

    Esta deliberação da ERC não impõe sanções, limitando-se a um “alerta” ao Polígrafo. Mas a marca ficou.
    Para os cidadãos atentos, ficou provado que os verificadores também precisam de ser verificados. E que Rui Tavares, afinal, também mente. Aliás, uma outra frase do co-líder do Livre, no calor do debate, também está longe da verdade: por mais defeito que tenha, Bolsonaro não foi condenado (ainda) por corrupção, logo não é verdade que seja “o mais corrupto da América do Sul”.

  • ‘Sonhos de menino’: Tony Carreira deu uma borla a Luís Montenegro

    ‘Sonhos de menino’: Tony Carreira deu uma borla a Luís Montenegro

    A explicação oficial do Governo para o adiamento dos “momentos festivos” das comemorações oficiais do 25 de Abril foi a morte do Papa Francisco, mas, na própria tarde desse anúncio, o gabinete de Luís Montenegro estava já a ultimar as negociações do concerto de Tony Carreira para o dia 1 de Maio, no Palácio de São Belém.

    ‘Negociações’ é um termo lato, porque, na verdade, o Governo de Montenegro conseguiu aquilo que um dos artistas com mais contratos públicos raramente concede: uma borla. Com efeito, segundo documentos a que o PÁGINA UM teve hoje finalmente acesso, após intervenção da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), na tarde de 23 de Abril passado — na mesma altura em que o Governo anunciava o adiamento das festas da Revolução dos Cravos —, a Regiconcerto, empresa de Tony Carreira, confirmava as condições do espectáculo previsto para o dia 1 de Maio.

    Entre essas condições, “na sequência dos contactos mantidos” — conforme refere num e-mail a CEO da Regiconcerto, Filipa Ramires —, estava “a interpretação de, aproximadamente, seis temas”, sendo que “em termos de cachet artístico, e tal como falado, o Tony Carreira abdica do seu próprio cachet”. O acordo foi realizado ao mais alto nível, porque o e-mail da Regiconcerto é enviado directamente para, entre outros, Pedro Pinto, chefe de gabinete de Montenegro, para a assessora de imprensa Cátia Duarte Silva e até para um adjunto do ministro Pedro Duarte.

    Apesar da ‘borla’ de Tony Carreira, no acordo é indicado que deve haver um pagamentos, no valor de 4.700 euros (mais IVA), para os quatro músicos que acompanharam o cantor, três técnicos operadores, motorista e manager. Foi também apresentado um orçamento adicional para a montagem e desmontagem do espectáculo, a cargo de cinco elementos, mas essa documentação não foi ainda remetida pela Secretaria-Geral do Governo.

    Sem o adiamento das festividades do 25 de Abril, teria sido impossível a Luís Montenegro contar — e cantar o em dueto ‘Sonhos de menino’ — com Tony Carreira no Palácio de São Bento, em vésperas de eleições legislativas, criando-lhe um momento especial de visibilidade pública. No dito concerto — ou showcase —, o primeiro-ministro chegou mesmo a participar num dueto na canção “Sonho de Menino”.

    Acordo para o concerto de Tony Carreira foi feito no dia do anúncio do adiamento das comemorações do 25 de Abril, alegadamente por causa da morte do Papa Francisco. Nota: O PÁGINA UM rasurou os endereços de e-mail.

    Com efeito, a agenda de Tony Carreira encontrava-se já bastante preenchida há vários meses para os dias em torno das comemorações da Revolução dos Cravos. No dia 24 de Abril, o cantor actuou no Barreiro, ao abrigo de um contrato celebrado no dia 8 desse mês com a autarquia local, à qual cobrou 72.570 euros (com IVA). No dia seguinte, deu espectáculo no município norte-alentejano de Alter do Chão, que pagou 46.125 euros para cumprir um contrato assinado em 21 de Março.

    Não existe ilegalidade alguma num artista actuar gratuitamente num evento para agradar ao primeiro-ministro de um Governo em funções, mesmo em contexto de pré-campanha eleitoral. Porém, do ponto de vista formal, mesmo sem cachet artístico, a empresa de Tony Carreira celebrou um contrato oneroso sujeito às regras do Código dos Contratos Públicos (CCP), uma vez que houve prestações acessórias pagas a músicos, técnicos e outros profissionais, com valores que, somados, configuram inequivocamente uma prestação de serviços financiada por dinheiros públicos.

    Mais ainda, de acordo com os documentos obtidos, essa prestação foi objecto de contactos prévios e de uma confirmação formal de condições por parte da empresa Regiconcerto, em nome de Tony Carreira, na tarde de 23 de Abril. Ou seja, houve um contrato, ainda que não redigido por escrito.

    Agenda de Tony Carreira estava cheia para a noite de 24 de Abril, no Barreiro, e no dia 25 de Abril (na foto), em Alter do Chão.

    A consequência jurídica deste acto é evidente: tratando-se de um contrato de serviços com valor económico, impunha-se o seu registo no Portal BASE no prazo de 20 dias. Ora, tal registo ainda não foi efectuado, em clara violação do princípio da transparência.

    Na verdade, não fosse a insistência do PÁGINA UM junto da CADA, jamais teriam vindo a público quaisquer detalhes sobre os contornos deste contrato, do qual Montenegro colheu claros dividendos simbólicos e mediáticos. Acresce que a gratuitidade, numa situação desta natureza envolvendo o Governo, suscita inevitavelmente dúvidas quanto a eventuais benefícios futuros — tanto mais quando se sabe que, por regra, os espectáculos musicais de Tony Carreira estão longe de ser baratos, rondando, em média, os 50 mil euros, já com logística e montagem de palco.

    De acordo com o Portal BASE, desde Janeiro, Tony Carreira foi contratado por 16 autarquias, envolvendo montantes totais próximos dos 900 mil euros com IVA. Em 11 desses contratos, a entidade contratada foi a própria Regiconcerto, empresa do artista. Importa também sublinhar que, à luz desta amostra — e pelo menos por agora —, Tony Carreira revela-se um artista claramente mais requisitado por autarcas socialistas do que por sociais-democratas.

    Luís Montenegro, ‘quebrando a barreira de segurança’ no dia 1 de Maio para ir cantar um dueto com Tony Carreira, que lhe deu uma ‘borla’.

    Apesar de o PS liderar actualmente 48% das autarquias (149 em 308) e o PSD 37% (114), a distribuição dos contratos evidencia um claro enviesamento político: dos 16 contratos, 11 (ou seja, 69%) foram celebrados com câmaras municipais lideradas pelo PS — nomeadamente Chaves, Marco de Canaveses, Loures, Vila Velha de Ródão, Barreiro, Mértola, Estremoz, Vila Nova de Gaia, Tábua, Olhão e Vinhais —, enquanto apenas três envolveram autarquias do PSD (Ponta Delgada, Alter do Chão e Arganil) e um foi celebrado com uma autarquia independente (Oeiras).

    Ou seja, a “borla” pode muito bem ter funcionado como uma operação de charme de Tony Carreira para abrir caminho também junto dos executivos sociais-democratas. Porém, aparentemente, o ‘coração’ do artista aparenta bater ainda para o lado socialista, o particularmente para o novo líder do PS. Em Dezembro de 2023, o cantor romântico, cujo nome de nascimento é António Antunes, chegou a gravar um vídeo de apoio a José Luís Carneiro — aquando da corrida à liderança contra Pedro Nuno Santos —, considerando-o “uma pessoa com princípios muito bons, com os quais me identifico”.

  • Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Lagos: meio milhão de euros em três esculturas ‘voam’ em nove dias por ajuste directo

    Hoje, a escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge, na sua intervenção oficial do Dia de Portugal na cidade algarvia de Lagos, lançou uma reflexão que bem poderia ter sido moldada em granito: “O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espectáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas.”

    A frase talvez pretendesse tocar a consciência cívica, mas involuntariamente poderia também ter sido inspirada pela realidade lacobrigense — gentílico erudito de Lagos, que remonta à antiga Lacobriga romana —, onde o cidadão paga e assiste. E onde o ídolo, invariavelmente, é de pedra, ferro ou bronze.

    Hugo Pereira, presidente socialista da autarquia de Lagos: 500 mil euros em Arte de Rotunda em nove dias. Tudo por três ajustes directo, em dois casos a ‘artistas da casa’. Foto: CML.

    De facto, Lagos, a cidade algarvia onde as rotundas florescem em bronze, ferro ou pedra e o orçamento municipal se curva com frequência ao apelo da (es)cultura popular, resolveu, em apenas nove dias do final de Abril passado, ‘investir’ mais meio milhão de euros em arte pública — ou, mais rigorosamente, em Arte de Rotunda.

    A decisão foi tomada através de três contratos sucessivos por ajuste directo, sem consulta pública e com escassa informação disponível. Sabe-se apenas que dois dos felizes contemplados têm ligações a Lagos, ou por aí terem nascido ou por aí residirem.

    A autarquia, liderada pelo socialista Hugo Pereira, ainda não prestou esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre os critérios das encomendas nem sobre as razões das escolhas a dedo nem sobre o conteúdo das obras. Mas há criatividade garantida e também ironia — pelo menos na denominação de duas das empresas beneficiadas.

    A icónica e polémica estátua de José Cutileiro em Lagos, que necessita de legenda para se saber quem evoca. Foto: DR.

    Um dos contratos, no valor de 209.100 euros (IVA incluído), foi assinado com a empresa Poeiras Ajuizadas, criada apenas em Março deste ano, sendo este o seu primeiro contrato público. Logo por ajuste directo. Com um capital social de 500 euros, a sócia única desta novel empresa é Rita Mendes Pereira, aparentando que o seu melhor atributo para a escolha seja ser natural de Lagos, para além de possuir um mestrado em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. A peça será instalada na rotunda junto ao Centro de Saúde, na entrada poente da cidade.

    O segundo contrato, ainda mais generoso, fixou-se nos 246.000 euros (com IVA) e foi adjudicado à empresa Palavra Mental, nascida em Agosto de 2024, em Chilreira, no concelho de Sintra, também com 500 euros de capital social. A firma pertence ao escultor Rui Matos, que conta com um extenso percurso artístico, tendo iniciado carreira nos anos 80. O seu currículo expositivo é denso e variado, com obras em ardósia, gesso, bronze, pedra e ferro.

    Nas últimas semanas, o trânsito na conhecido Rotunda de São Gonçalo esteve congestionado para ser colocado o suporte para a peça escultória de Rui Matos, tendo as obras previsivelmente terminado no final da semana passada, conforme informação da autarquia, que não revelou aos munícipes o custo da obra. Não se conseguiu ainda apurar quando a escultura será colocada, mas da cabeça e mãos do dono da Palavra Mental sabe-se o que essa mente já concebeu antes.

    Rotunda de São Gonçalo vai receber escultura que custou 246 mil euros.

    Por exemplo, numa das suas exposições recentes, a obra de Rui Matos é descrita como a de um escultor que, “tal como um músico, gera no processo da linguagem uma estrutura compositiva aberta entre o resultado sonoro/visual e a performance compositiva. Nestas narrativas, desenvolvem-se tensões a serem resolvidas estruturalmente em torno da busca da abstracção na essência da natureza.” E mais: “Operando numa semelhante abstracção intrínseca à natureza, cuja ‘gramática’ se revela particularmente universal, o escultor interliga dois sistemas, o do geométrico-matemático com o da linguagem primordial.”

    Enfim, um discurso estético de múltiplas literacias visuais — e, aparentemente, agora com uma generosa fonte de financiamento público. São raríssimas as obras de escultura acima dos 200 mil euros adjudicadas por autarquias.

    O terceiro contrato, de menor valor mas não menos digno de menção, foi celebrado com António Pedro Serrano de Sousa Correia, artista plástico nascido em Angola em 1961, que usa o nome artístico A. Pedro Correia. Residente em Lagos, dedica-se à escultura, à criação de objectos tridimensionais e à instalação multidisciplinar.

    O contrato, no valor de 44 mil euros — sem IVA, por ser artista em nome individual — visa a criação de uma escultura a instalar na entrada norte da cidade, no entroncamento da EN120 com a Avenida de Alcácer Quibir. Na sua página do Facebook, datada do início de Maio, já é possível ver fotografias da obra em fase avançada de execução numa zona lateral à rotunda defronte à esquadra da PSP. Um espaço onde, aliás, caberiam mais algumas esculturas — e talvez umas centenas de milhares de euros adicionais em futuros ajustes directos.

    Importa lembrar que Lagos é uma cidade que, segundo o seu próprio site institucional, conta já com 27 monumentos e esculturas espalhados pelo espaço público. Incluem-se homenagens ao Infante D. Henrique, a Salgueiro Maia, a São Gonçalo, a Júlio Dantas e, naturalmente, ao rei D. Sebastião, cuja escultura emblemática de José Cutileiro, instalada nos anos 70, continua a despertar perplexidade entre os visitantes menos informados: o monarca surge com expressão adolescente e ‘capacete de motorizada’, exigindo leitura prévia para identificação.

    Com este novo impulso escultórico, Lagos confirma o seu estatuto de capital nacional da estátua por rotunda, caminhando para um rácio de uma peça escultória em espaço público por cada mil habitantes. Se um dia se decidir celebrar o próprio conceito de homenagem urbana, já haverá espaço — e verba — para mais uma figura de bronze, talvez com Lídia Jorge em pedestal, e a inscrição lapidar: “os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores.”

  • Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Habitação: já não se viam tantos licenciamentos desde 2008

    Não há fome que não dê em fartura – e essa fartura pode vir a dar, a prazo, outros tantos problemas tão ou mais complexos do que a fome original. Depois de anos de estagnação do licenciamento de habitação – no decurso da crise do subprime em 2007 –, Portugal está agora a assistir a um súbito festim de projectos aprovados — mas, como em toda a fartura precipitada, o risco de indigestão urbanística é real e iminente.

    Os dados dos licenciamentos urbanísticos de Abril de 2025, hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que o sector do licenciamento de novos fogos entrou numa fase de completa euforia, mas olhando para o detalhe identificam-se excessos passados e velhos erros.

    a man standing on top of a metal structure

    Uma análise de investigação e de estatística à série de dados mensais dos licenciamentos desde Janeiro de 2007 feita pelo PÁGINA UMuma actividade jornalística considerada menor (como “jornalismo-tainha”) pelo director editorial do Correio da Manhã –, permite antever que o presente ano deverá ultrapassar, com grande margem, todos os valores registados desde 2008.

    Com efeito, entre Janeiro e Abril do presente ano foram licenciados 13.467 novos fogos, o que, considerando os ritmos de licenciamento ao longo dos meses, permite estimar que 2025 chegará a um total próximo dos 46 mil fogos. Tem de se recuar a 2008 para encontrar valor similar.

    O crescimento relativo dos primeiros quatro meses de 2025 face ao quinquénio anterior (2020-2024), que registou uma média anual de 10.217 fogos, é extraordinariamente elevado: 31,8%, o que representa uma mudança brusca no comportamento do mercado e, acima de tudo, das entidades licenciadoras. Contudo, esta dinâmica, à primeira vista positiva numa conjuntura de crise habitacional, esconde desequilíbrios preocupantes: tanto na distribuição regional dos licenciamentos como na própria morfologia dos fogos projectados.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos em cada ano desde 2007. O ano de 2025 é uma estimativa em função dos números reais até Abril e considerando o ritmo de licenciamento mensal ocorrido em 2024. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A análise regional dos dados expõe uma realidade bastante dual. Regiões como as de Coimbra, Lezíria do Tejo, Grande Lisboa, Alto Minho e Tâmega e Sousa apresentam crescimentos superiores a 60% face à média do quinquénio anterior — sendo que Coimbra, com 643 fogos licenciados, mais do que duplicou o valor médio dos cinco anos anteriores.

    A região da Grande Lisboa, com 2.534 novos fogos, regista um aumento de 81,6%, mostrando ser agora o principal motor da retoma na habitação urbana, ultrapassando mesmo a Área Metropolitana do Porto, que mostra estagnação (apenas +20,5%, com 2.813 fogos este ano).

    A euforia é, porém, desigual. Quatro em cada 10 novos fogos licenciados este ano estarão localizados apenas em duas regiões (Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto), ou seja, 39,7% dos novos fogos serão construídos em menos de 6% do território nacional, sendo que estas são já as mais saturadas do ponto de vista urbanístico.

    Evolução dos licenciamentos de fogos novos nos primeiros quatro meses (Janeiro a Abril) de cada ano desde 2007. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Por outro lado, territórios como o Baixo Alentejo (-33,6%), Terras de Trás-os-Montes (-30,8%), Alentejo Central (-28,5%), a Península de Setúbal (-25,1%) e até mesmo o Algarve (-21,8%) e Ave (-5%) apresentam quedas acentuadas. Ou seja, algumas zonas suburbanas, turísticas e do interior, com fraca atractividade económica, continuam a afastar o investimento em habitação, mesmo num contexto de incentivo à construção. Este crescimento reproduz a ‘velha geografia’ da litoralização e da urbanização concentrada, sem qualquer correcção política ou de planeamento estratégico.

    Mas, para além do número bruto de fogos licenciados, a análise do PÁGINA UM aos dados por tipologia revela uma mutação ainda mais significativa e estrutural: a redução progressiva das habitações de maior dimensão e o crescimento acentuado de fogos pequenos, em particular os T0 e T1.

    Nos quatro primeiros meses de 2025, as tipologias T0 e T1 (agregadas nos dados do INE) representam 18,2% do total de fogos licenciados, com 2.448 unidades — uma subida clara face à média de 1.301 unidades por ano no quinquénio anterior. Antes de 2017, raramente esta tipologia ultrapassava os 10% do total. Em termos relativos, trata-se de um aumento de 88,1%, mais do dobro do crescimento geral dos licenciamentos. Este indicador reflecte uma mudança na estratégia dos promotores imobiliários, que apostam agora num mercado da habitação mais compacta — dirigida sobretudo a arrendamento urbano, a residências para estudantes e, em alguns casos, à hotelaria encapotada.

    Licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses em 2025 e na média do quinquénio 2020-2024, e variação percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    A opção por fogos de pequena dimensão responde, parcialmente, às exigências económicas de um mercado onde o preço por metro quadrado atingiu níveis proibitivos. No entanto, esta tendência pode vir a gerar problemas de saturação urbana, congestionamento de serviços públicos e pressão sobre infra-estruturas já deficitárias. Por outro lado, constitui um reflexo da precarização dos modelos de vida — cada vez mais orientados para a mobilidade, o individualismo e a instabilidade. Ou seja, a construção de casas familiares está em forte queda.

    Com efeito, a tipologia T4 ou superior — ou seja, de habitação familiar com espaço e estabilidade — recuou significativamente. Nos primeiros quatro meses deste ano, apenas 1.716 fogos desta categoria foram licenciados em todo o país, o que representa apenas 12,7% do total, quando em 2007 representavam 16,7% (com 3.723 unidades). Em todo o caso, em termos absolutos, o número de fogos com tipologia T4 ou superior é o maior desde 2010.

    Numa perspectiva urbanística global, este boom de licenciamento exige leitura crítica. Não basta celebrar o número: é preciso questionar onde se constrói, o que se constrói e para quem se constrói — algo que os números do INE não mostram, mas que indiciam. A predominância de tipologias mínimas em zonas mais valorizadas, conjugada com a queda de licenciamentos nas regiões menos atractivas, poderá vir a reforçar assimetrias e criar bolhas de sub-habitação urbana — apartamentos demasiado pequenos para necessidades familiares, com preços desajustados face ao rendimento médio, servidos por infra-estruturas que não acompanham o ritmo de expansão.

    Evolução do licenciamento de fogos novos nos primeiros quatro meses do ano (Janeiro a Abril desde 2007) por tipologia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM,

    Não menos importante é o impacto deste crescimento sobre os equipamentos urbanos. A construção intensiva, sobretudo nos centros urbanos já saturados, pode comprometer o acesso a transportes, escolas, unidades de saúde, zonas verdes e abastecimento energético — áreas frequentemente ignoradas no frenesim licenciatório. E existe, assim, com esta vontade de licenciar para resolver a ‘crise da habitação’ apenas com mais construção, o risco de se repetir o erro clássico do urbanismo português: permitir que a pressão imobiliária dite a forma da cidade, em vez de se planear a cidade para responder à sua função social.

    Certo é que este processo de nova bolha imobiliária sucede sem que o Estado, central ou local, assuma um papel de verdadeiro regulador estratégico. As autarquias, muitas vezes dependentes de receitas do licenciamento e pressionadas pelos interesses de promotores, não têm dado provas de capacidade para travar ou orientar os surtos construtivos.

    Em muitos casos, a aprovação de projectos acontece sem qualquer avaliação prévia de impacto sobre os equipamentos públicos, licenciando-se porque surgem investidores, porque há pressa — e há pressa porque há investimento, e o investimento, como se sabe, não gosta de esperar nem de ser contrariado.

    Em suma, se o crescimento de 31,8% no licenciamento de fogos em 2025 é também um sinal de recuperação económica, também revela miopia estrutural. O país que passou anos a lamentar a crise da habitação parece agora enredado numa resposta quantitativa, quando os problemas são sobretudo de qualidade — do território, da oferta, do acesso e do planeamento.

    Assim, se a ‘fome’ de habitação é real, a fartura súbita poderá ser indigesta. A história urbanística portuguesa ensina que os excessos se pagam — não com juros financeiros, mas com décadas de má qualidade de vida, desorganização do espaço e oportunidades perdidas.

  • Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    A indústria farmacêutica reforçou a sua presença no Ministério da Saúde com a nomeação de Francisco Gonçalves para a Secretaria de Estado da Gestão da Saúde. O novo governante salta directamente da Sanofi, onde ocupava desde 2021 o cargo pomposamente denominado Head of Market Access & Public Affairs. Nessas funções, Francisco Gonçalves foi responsável pela definição de estratégias para a obtenção de preços e reembolsos junto das autoridades de saúde, bem como pela articulação com decisores políticos e instituições públicas, assegurando o enquadramento regulatório e institucional favorável à empresa.

    Foi ele que, por exemplo, negociou com o Ministério da Saúde, então liderado por Ana Paula Martins, a introdução do fármaco Beyfortus – marca comercial do nirsevimab, um anticorpo monoclonal para a prevenção do vírus sincicial respiratório –, que é hoje uma das coqueluches da farmacêutica francesa (confirma). Nas contas de 2024, a Sanofi reportou receitas com este fármaco de quase 1,7 mil milhões de dólares, com um crescimento de 208% face ao ano anterior, ocupando já a segunda posição entre as suas marcas, apenas atrás do Dupixent, também um anticorpo monoclonal destinado ao tratamento da asma e da dermatite atópica, e que é um autêntico campeão de vendas devido ao seu elevado preço.

    Apesar de se tratar de uma doença genericamente benigna e de não haver registo em Portugal de mortes em bebés, a Sanofi – apoiada numa intensiva campanha mediática que incluiu parcerias promíscuas com a imprensa mainstream – conseguiu que, em 2024, o Ministério da Saúde adquirisse doses suficientes para inocular cerca de 62 mil bebés nascidos entre 1 de Agosto do ano passado e 31 de Março de 2025.

    De acordo com o Portal Base, a Sanofi conseguiu vender até hoje cerca de 14,6 milhões de euros (IVA incluído) de Beyfortus, mas a factura deverá ainda aumentar substancialmente. Grande parte deste valor deveu-se á administração de doses em cerca de 62 mil crianças”, justificada por um alegado estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com base em dados de 2023, que apontavam para o internamento hospitalar de 145 crianças até aos dois anos de idade, entre 2 de Outubro e 10 de Dezembro.

    No passado mês de Abril, o Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral da Saúde (DGS), decidiu expandir a estratégia de imunização na próxima campanha de vacinação, alargando a sua abrangência a todos os bebés nascidos entre 1 de Junho de 2025 e 31 de Março de 2026. A data ainda não está definida, mas a campanha de administração do anticorpo monoclonal – que não é tecnicamente uma vacina – deverá arrancar a 1 de Outubro e prolongar-se até 31 de Março de 2026.

    O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.

    Apesar de diversos estudos indicarem que o Beyfortus reduz significativamente a hospitalização de bebés com infecções respiratórias por VSR, não são conhecidos estudos públicos sobre o verdadeiro impacto nos hospitais portugueses, sendo certo que, em termos de óbitos, não havia nada a melhorar, por não haver registos de desfechos fatais. Até porque, antes do Beyfortus, já existia um outro anticorpo monoclonal administrado apenas a prematuros e recém-nascidos com comorbilidades graves.

    Apesar disso, os dados da Agência Europeia do Medicamento – actualmente presidida por Rui Santos Ivo, presidente do INFARMED, e que ficará agora sob tutela do ex-Sanofi Francisco Gonçalves – começam a indicar suspeitas de efeitos adversos graves associados à toma de nirsevimab. Ainda que estes dados careçam de confirmação, a sua inclusão no sistema EudraVigilance constitui já um alerta regulatório.

    Desde 2023 até à data, foram reportadas 628 reacções adversas graves, incluindo 21 mortes. Destas, 13 foram reportadas em 2024 e sete já este ano. O mais recente registo de morte associada à nirsevimab é de 29 de Março e ocorreu por morte súbita de um recém-nascido com menos de um mês no próprio dia da toma, de acordo com o registo da EudraVigilance.

    Os efeitos adversos do Beyfortus têm sido detectados sobretudo em França, onde a administração do fármaco é mais intensiva. Actualmente, para além de Portugal e França, o Beyfortus tem sido administrado em Espanha, Alemanha, Itália, Finlândia e Bélgica – embora nem todos os países tenham optado por abranger todas as crianças. O custo por dose ascende a mais de 200 euros, valor considerado exorbitante, o que tem contribuído para o expressivo crescimento das receitas da Sanofi.

    Com a nomeação de Francisco Gonçalves, são agora dois os governantes do Ministério da Saúde com fortes ligações à indústria farmacêutica. Ana Paula Martins esteve durante vários anos ligada à Gilead, uma das farmacêuticas que conseguiu importantes negócios durante a pandemia, sobretudo com o remdesivir, um fármaco que fora um investimento ruinoso contra o vírus do Ébola, mas que miraculosamente foi considerado eficaz contra o SARS-CoV-2.

    Apesar de a covid-19 ser actualmente uma doença praticamente inofensiva, a Gilead conseguiu já vender este ano em Portugal mais 744 mil euros de remdesivir a diversos hospitais, tendo no ano anterior obtido ainda 3,7 milhões de euros. Desde finais de 2020, cerca de 40 milhões de euros deste antiviral foram adquiridos pelo Estado português à antiga empregadora da actual ministra da Saúde.

    Exemplo paradigmático do uso de jornalistas como ‘delegados de propaganda médica”. Clara de Sousa numa acção da indústria farmacêutica, uma empresa de genéricos.

    A indústria farmacêutica vive, na Europa, um período de expansão acentuada dos seus negócios, com cada vez menor vigilância regulatória, fruto das chamadas “portas giratórias” entre o sector e a política. Além disso, ao nível dos media, tem-se vindo a registar aquilo que se poderá denominar – com rigor a definir – “abraços de urso” publicitários, em que parcerias comerciais envolvendo jornalistas alimentam uma cobertura enviesada: os órgãos de comunicação social funcionam agora como novos delegados de propaganda médica.

    Em Portugal, por exemplo, o Expresso, o Público, a CNN, o Observador, o Diário de Notícias, entre outros, têm mantido generosas parcerias com farmacêuticas, o que se traduz numa visível redução de notícias desfavoráveis e num aumento de conteúdos entusiásticos, mesmo relativamente a medicamentos ainda sem provas consolidadas de eficácia ou de segurança.

  • Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Mesmo depois de ser constituído arguido e com rumores da sua ‘expulsão’ de mentor do The Voice, programa de talentos da RTP, a carreira do cantor Nininho Vaz Maia, vai de vento em popa. As buscas de foi alvo, no passado dia 6 de Abril, relacionadas com tráfico de droga e lavagem de dinheiro, não esmoreceram a vontade de autarcas em contratarem o popular cantor, que afirma estar inocente. No espaço de um mês, após as buscas, Nininho ‘assinou’ mais quatro contratos com autarquias num valor global de 205 mil euros para dar concertos ‘grátis’ à população. E há mais a caminho.

    Os quatro municípios que adjudicaram contratos ao cantor, sempre por ajuste directo, foram: Castelo de Paiva, Sertã, Reguengos de Monsaraz e Arouca. Três dos contratos foram efectuados através da Gigs on Mars, que representa o artista, e um foi feito através da empresa unipessoal Iconikourage, segundo a consulta que o PÁGINA UM fez à plataforma de registo dos contratos públicos, o Portal Base.

    A polémica em torno do artista não beliscou o apetite de autarcas em contratar o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional e esgotou duas noites no MEO Arena. A tendência confirma que Nininho Vaz Maia se tornou um fenómeno musical, sendo até imune a polémicas, como o PÁGINA UM antecipou. Além da popularidade, a polémica em torno do cantor surgiu num contexto em que a cena política ‘lucra’ com posições a favor ou contra minorias.

    O município da Sertã liderado pelo socialista Carlos Miranda adjudicou, no dia 21 de Maio, um contrato referente à contratação de um espectáculo do cantor no valor de 43.665 euros. O cantor tem assim presença confirmada no dia 19 de Julho no ‘Festival de Gastronomia do Maranho‘ de 2025, que decorre de 17 a 20 de Julho.

    Seguiu-se um contrato adjudicado à Iconikourage, Unipessoal, no dia 23 de Maio, pelo município de Castelo de Paiva presidido pelo social-democrata José Rocha no montante de 74.722,5 euros referente à aquisição de um “espectáculo, produção e gestão da produção do espetáculo musical de Nininho Vaz Maia – Festas de S. João”. O cantor será o cabeça-de-cartaz das festividades e irá actuar na noite de S. João, a 23 de Junho.

    Na passada terça-feira, dia 3 de Junho, o cantor ganhou mais dois contratos por ajuste directo, assinados pela Gigs on Mars com os municípios de Reguengos de Monsaraz e Arouca.

    Nininho Vaz Maia é o cabeça-de-cartaz das Festas de Santo António em Reguengos de Monsaraz.
    / Foto: D.R.

    No caso do município alentejano, o valor do contrato ficou por 46.125 euros para contratar Nininho Vaz Maia para actuar  nas Festas de Santo António de 2025, que decorrem entre 12 e 15 de Junho. O cantor vai estar em palco às 23 horas no dia 12 de Junho.

    O quarto contrato foi adjudicado pelo município de Arouca, por um valor de 41.364,9 euros. O cantor vai actuar na ‘Feira das Colheitas, Edição 2025’ marcada para entre 25 e 28 de Setembro. O músico vai actuar no dia 26 de Setembro, depois de ter sido “o mais votado no âmbito do inquérito online que a Câmara Municipal lançou para recolha de sugestões de artistas para a 81.ª edição da Feira das Colheitas”, segundo um anúncio da autarquia nas redes sociais, cujo prazo de resposta terminou a 15 de Abril, antes das buscas.

    Curiosamente, este contrato foi adjudicado por uma autarca, a socialista Margarida Belém, que foi condenada em 2023 pelo crime de falsificação de documentos, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período. Em 2024, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso da autarca e confirmou a sentença aplicada na primeira instância.

    Mas a lista de contratos públicos adjudicados a Nininho Vaz Maia não deverá ficar por aqui. É que o artista terá 17 concertos agendados até ao final do ano de Norte a Sul do país, segundo alguns sites com agendas de eventos. Assim, ainda haverá contratos por assinar com autarquias para concertos que serão ‘grátis’ para a população, sendo pagos pelos contribuintes. Por exemplo, Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’, em Agosto, em Vila Real, que celebra este ano o seu centenário.

    Nos últimos dias, surgiram rumores de que Nininho Vaz Maia não irá continuar como ‘Mentor’ no programa de talentos ‘The Voice Portugal’, da RTP, mas não há nenhuma informação oficial sobre o tema. O artista integrou a lista de ‘Mentores’ da última edição do programa, ao lado de de Sónia Tavares, Sara Correia e Fernando Daniel. / Foto: D.R.| RTP

    Ainda hoje foi publicado no Portal Base um contrato no valor de 21.525 euros referente à “aquisição de serviços para o aluguer de som, luz, vídeo, efeitos especiais e material de DJ para o espetáculo do artista Nininho Vaz Maia, inserido na Festa do Emigrante 2025”. De resto, note-se que a despesa com concertos ‘grátis’ contratados pela autarquia de Vila Real em 2025 já iam, no final de Março, perto do meio milhão de euros, segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM. Um custo que ‘sobra’ para os contribuintes e que, em ano de eleições autárquicas, cai que nem ‘mel na sopa’ dos autarcas de todo o país, de ‘olho’ em novo mandato. Nininho é apenas mais um dos artistas com concertos ‘grátis’ que ‘animam’ a festa.

    Na página da Gigs on Mars, agente do artista, constam 11 concertos agendados entre os dias 21 de Junho e 27 de Julho. Já na página oficial do cantor na Internet, a área dedicada a agenda encontra-se vazia, surgindo a mensagem: “de momento não há eventos programados”.

    A agenda recheada do cantor, vem mostrar que a condição de arguido não o afasta dos palcos. Pelo contrário. Recorde-se que, tal como o PÁGINA UM noticiou, no próprio dia em que foi alvo de buscas, o cantor ganhou novo contrato público, com o munícipio de Anadia.

    Actualizando os valores, com os quatro contratos agora ganhos, eleva-se para 697.828 euros a facturação do cantor em 14 contratos com entidades públicas só em 2025. Este valor compara com os 20 contratos ganhos em todo o ano de 2024 e os 12 obtidos em 2023, num valor global 798.940 euros e 326.811 euros, respectivamente.

    Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’ em Vila Real, integrando assim o número de artistas que este ano darão concertos ‘grátis’ à população no âmbito das celebrações do centenário da elevação a cidade. / Foto: D.R.

    No total, desde Janeiro de 2023, quando ganhou o seu primeiro contrato público, o cantor já facturou mais de 1,8 milhões de euros com entidades públicas, incluindo 41 autarquias.

    O cantor tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas e, sobretudo, espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de três meses, esgotou duas noites no MEO Arena, em Lisboa.

  • Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    O Estado-Maior da Armada confirmou hoje que foi Gouveia e Melo quem iniciou, em 2022, a tradição de contratar fornecimentos de porco no espeto para as comemorações do Dia da Marinha. A tradição já não é o que era: se o bacalhau sempre esteve associado aos homens do mar; agora foi substituído pelo porco no espeto. Belém que se prepare…

    Segundo respostas enviadas pelo Serviço de Comunicação da Marinha ao PÁGINA UM, a prática foi levada pelo então novo líder, Gouveia e Melo, que tomara posse em Dezembro de 2021, para comemorar o Dia da Marinha em 2022 em Faro. A compra da iguaria para esse ano não consta no Portal Base. Mas surgem para os anos de 2023, com a comezaina a realizar-se Porto, de 2024, com a patuscada a ocorrer em Aveiro, e já este ano, com o repasto a ser servido em Viana do Castelo, onde estão a decorrer as celebrações.

    Gouveia e Melo, na cidade de Faro, em 2022, nas comemorações do Dia da Marinha. Foi também o dia em que o porco no espeto virou iguaria para uma patuscada. Foto: EMA.

    Curiosamente, mesmo disponibilizando dezenas de fotografias das comemorações do Dia da Marinha — que evoca a chegada de Vasco da Gama a Calecute, em 20 de Maio de 1498, simbolizando a ligação do Ocidente com o Oriente —, nem o Estado-Maior da Armada nem a autarquia de Viana do Castelo colocam imagens do repasto.

    No entanto, segundo as indicações do ajuste directo, foram adquiridos de 8.235 euros desta iguaria, mas a Marinha não adianta quantos porcos terão sido. Indica apenas que terão servido para 1.200 pessoas.

    Este foi, portanto o quarto ano consecutivo que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo, pelo menos nos três últimos, sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    Em centenas de fotografias dos últimos quatro anos alusivas ao Dia da Marinha não surge uma única que mostre o convívio com porco no espeto.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. Deu para 700 comensais. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros. Deu para 600 convivas.

    A Marinha diz agora que foi realizada inicialmente “uma consulta preliminar” — que não é o mesmo que a consulta prévia prevista pelo Código dos Contratos Públicos —, mas que nos anos seguintes não se repetiu por via do “bom desempenho do fornecimento dos bens e a proximidade do local de realização dos eventos”. E defende que “o procedimento seguido é conduzido no estrito cumprimento do normativo legal atinente”.

    A arte da camuflagem: compra-se porco no espeto para comemorações, mas o repasto é feito com discrição; nunca se mostram sequer fotografias dos eventos. Foto: EMA.

    Comer porco no espeto em patuscadas com dinheiros dos contribuintes, mesmo se no âmbito de comemorações por feitos históricos, não é pratica comum. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem no Portal Base mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    Resta saber se, numa eventual chegada de Gouveia e Melo à Presidência da República, se em vez de se realizar a já tradicional Festa do Livro, introduzida em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa, se passe a ter a Festa do Porco no Espeto nos jardins de Belém.