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  • Quinta de luxo do Banco de Portugal custa 1,3 milhões em manutenção de espaços verdes

    Quinta de luxo do Banco de Portugal custa 1,3 milhões em manutenção de espaços verdes

    Nos últimos sete anos, a Quinta da Fonte Santa, uma herdade do Banco de Portugal de 22 hectares às portas de Lisboa, custou 1,3 milhões de euros só em serviços de manutenção dos espaços exteriores. A propriedade de luxo, alberga um centro hípico, que está concessionado, além de piscinas e até uma discoteca. Oficialmente, o Banco de Portugal atribui ao espaço a pomposa designação de ‘centro de formação’. A propriedade passou a património da instituição liderada por Mário Centeno em 1989, sendo de uso exclusivo dos quadros do Banco de Portugal e suas famílias. De resto, só pode lá entrar quem tiver convite. Manter os espaços exteriores envolve despesas várias, que não estão discriminadas no relatório de contas e de actividades, mas o mais recente contrato surge no Portal Base: foi assinado no final de Dezembro com o valor de quase 880 mil euros, com IVA.


    Monda. Ressemeadura. Retancha. Não é todos os dias que se lêem documentos do Banco de Portugal com palavras ligadas a jardinagem e agricultura, sendo mais comum encontrar relatórios e publicações escritos numa linguagem económico-financeira e muito burocrática. A explicação é simples. É que, além de barras de ouro, o Banco de Portugal guarda um outro ‘tesouro’ de luxo e de cariz mais ‘rural’: a Quinta da Fonte Santa, a qual exige manutenção, designadamente dos espaços verdes.

    A propriedade de 22 hectares, situada em Caneças, Odivelas, às portas de Lisboa, é fechada ao público e alberga um vasto conjunto de valências que vão desde o centro hípico, que está concessionado, a piscinas, e até uma discoteca.

    Mas isto de ‘ser rico’ sai caro. Só na manutenção dos espaços verdes, a propriedade de luxo do Banco de Portugal custou 1,62 milhões de euros (com IVA) nos últimos sete anos, segundo uma análise do PÁGINA UM aos contratos registados no Portal Base, plataforma de registo de compras públicas.

    Entrada da Quinta da Fonte Santa, em Caneças, Odivelas. / Foto: D.R.

    No mais recente contrato feito pelo Banco de Portugal, no dia 27 de Dezembro, a despesa envolvida na “Aquisição de Serviços de Manutenção de Espaços Verdes e de Espaços Exteriores” para a Quinta da Fonte Santa ascende a 715 mil euros, que sobe para 880 mil com IVA. O serviço, com um prazo de cinco anos, foi adjudicado à empresa Espaços Verdes – Projectos e Construção, Lda., através de concurso público. Contudo, não estão disponíveis os nomes das restantes empresas que eventualmente concorreram a este procedimento.

    As tarefas incluídas no caderno de encargos abrangem, além dos trabalhos de jardinagem e limpeza de caminhos e muros, outras tarefas, nomeadamente a “limpeza dos galinheiros, pombais e capoeiras, incluindo a reposição de alimento para as espécies animais”, bem como a limpeza das lareiras e das churrasqueiras.

    Planta da Quinta da Fonte Santa com o detalhe das várias infraestruturas existentes no espaço de 22 hectares. / Foto: Banco de Portugal

    Nos últimos sete anos, o Banco de Portugal assinou cinco contratos com empresas para prestarem aquele tipo de serviço na Quinta da Fonte Santa. A 2 de Outubro de 2017, foram assinados dois contratos com duas empresas distintas para serviços de manutenção de espaços exteriores e serviços de limpeza para a Quinta. O contrato de valor mais elevado, de 171 mil euros, com um prazo de execução de três anos, foi adjudicado à Espaços Verdes. O segundo contrato, no valor de 103.680 euros, também com um prazo de execução de três anos, foi entregue à empresa Não Se Mace – Limpezas.

    Seguiu-se, a 18 de Janeiro de 2021, um outro contrato com a Espaços Verdes, no montante de 43.848 euros, com um prazo de execução de nove meses. A 16 de Setembro desse mesmo ano, o Banco de Portugal contratou a Purgest Serviços Ambientais, Lda. para fazer a manutenção dos espaços exteriores da Quinta por um período de três anos, tendo pago 286.500 euros por este serviço.

    Estes contratos não abrangem manutenção de piscinas ou limpeza de espaços interiores da Quinta da Fonte Santa. No Portal Base constam três contratos efectuados em 2019, 2020 e 2021 entre o Banco de Portugal e empresas que prestam serviços de manutenção de piscinas, mas os respectivos cadernos de encargos não se encontram disponíveis, pelo que não existem detalhes sobre os serviços contratados a estas empresas, sendo apenas referido que se trata de “serviços de manutenção da rede hidráulica”. Dois dos contratos foram realizados com a Regapool – Bombas, Jardins e Piscinas, Lda. e um outro com a Cimai, Engenharia e Química Avançada, Sociedade Unipessoal, Lda..

    A Quinta celebrou o seu 30º aniversário na posse do Banco de Portugal em 2019, com um almoço comemorativo que contou com altas figuras da instituição e representantes da Câmara Municipal de Odivelas. / Foto: D.R.

    Apesar da dimensão da Quinta e de se tratar supostamente de um centro de formação do Banco de Portugal, o PÁGINA UM não encontrou referências ao espaço nos mais recentes relatórios institucionais do Banco. Aliás, consultando a página do Banco de Portugal na Internet, é como se a Quinta não existisse. A principal referência ao espaço é encontrada na página do Centro Hípico Quinta da Fonte Santa, o qual está aberto ao público, disponibilizando aulas de hipismo e ‘baptismos’.

    De resto, pesquisando na Internet sobre a Quinta e o Banco de Portugal, encontra-se um ‘link‘ que remete para um ‘esclarecimento‘ que a instituição fez em 2012 na sequência de uma notícia sobre o espaço. No comunicado, era referido que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao Banco”. Ainda de acordo com o comunicado, “o Banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho (nomeadamente para acolher acções no quadro do funcionamento dos bancos centrais do Sistema Europeu de Bancos Centrais e de cooperação com os bancos centrais dos Países Lusófonos)”.

    O Banco também explicava, nessa nota, que “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do Banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações (neste caso, incluindo actividades para pessoas com deficiência)”.

    A Quinta da Fonte Santa tem 22 hectares. / Foto: D.R.

    No comunicado, o Banco adiantou que optou por concessionar o picadeiro para que pudesse ser aproveitado, abrindo o espaço ao público em geral, “sem que a mesma implicasse custos para o Banco e preservasse o seu valor patrimonial”. Garantiu, na altura, que “trata-se de uma infra-estrutura que não representa custos para o Banco nem visa servir o Banco” e que o “único objectivo que presidiu ao respectivo concessionamento foi manter aberto um espaço que serve a comunidade onde está localizada a Quinta da Fonte Santa, mantendo o seu valor patrimonial para o Banco”.

    Também se encontra disponível uma referência à Quinta na página da Câmara Municipal de Odivelas, por ocasião do evento de celebração do 30º aniversário do espaço como fazendo parte do património do Banco de Portugal. O evento, ocorrido a 5 de Outubro de 2019, contou com a presença de quadros de topo do Banco e representantes da autarquia, e incluiu um almoço na biblioteca da Quinta.

    De resto, encontram-se também classificações ao espaço no Google feitas por visitantes e convidados que puderam desfrutar da Quinta privada. Num comentário publicado há sete meses pode ler-se: “Propriedade privada do Banco de Portugal. Uma linda quinta com excelentes condições para campo de férias! Piscina, jardins, hipismo, discoteca… Foi um privilégio ter frequentado o local. Cuidado com as alergias e com os insetos.”

    Helder Rosalino (ao centro na foto) foi um dos altos quadros do Banco de Portugal que participou no 30º aniversário da Quinta da Fonte Santa, em 2019.

    Visualizando fotos da Quinta na Internet e nas redes sociais, há quem tenham vindo ao engano até Caneças. Foi o que aconteceu com um utilizador que atribuiu uma estrela ao recinto: “Bela treta. Fui eu fazer uma viagem de carro e gastar gasolina, andei perdido para encontrar este jardim , com a minha mulher e dois filhos e sou barrado à entrada, dizendo que era uma propriedade privada e só com convite se pode entrar, Obrigado ao Banco de Portugal.”

    Quintas de luxo às portas de Lisboa não é para quem quer, mas para quem pode. Até porque as despesas de manutenção são altas. Pelos vistos, o Banco de Portugal quer e pode.


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  • ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    ‘Foge, cão, que te fazem barão’: Condecorações custam cinco milhões de euros desde 2021

    No século XIX, perante os exageros do reconhecimento desmesurado, surgiu o dichote: “Foge cão, que te fazem barão; para onde, se me fazem visconde”. Hoje, na Terceira República, já não há o perigo de se ‘apanharem’ títulos nobiliárquicos, mas há sempre uma grande chance de se levar uma alfinetada no peito ou um penduricalho no pescoço para a conveniente condecoração. O PÁGINA UM foi, por isso, pesquisar os contratos públicos para tentar perceber quanto se gastou, e quem gasta, na aquisição de medalhas e insígnias com que nos convencemos que somos os ‘melhores da Cantareira’. Além da tradição das condecorações sobretudo nas forças armadas e de segurança, bem como as concedidas pela Presidência da República, as autarquias também gastam que se fartam, e até o Fisco não se esquece da sua ‘medalhinha’. De entre as 104 entidades que, desde 2021, enaltecem feitos através deste ‘modus operandi’, a Marinha foi a mais gastadora: 675 mil euros.


    Portugal, país multisecular, pode não cometido feitos recentes dignos de louvor universal, mas a nível interno não nos podemos queixar da falta de brilho, pelo menos das insígnias e condecorações oferecidas amiúde. De facto, somos uma Nação que há muito deixou de conquistar mundos, mas que ainda exibe, com espantosa solenidade, a arte de premiar-se a si própria. Se não temos demasiadas invenções a propor ao mundo, nem pensamentos revolucionários nem epopeias para celebrar, nem guerras para combater ou pazes para estabelecer, inventam-se então glórias administrativas e até fiscais que colocam qualquer um na iminência de se tornar uma eminência no pódio da auto-celebração. Claro que, com custos, porque as medalhas e outros insígnias similares, mesmo que fossem de latão – e algumas são de ouro –, não caem do céu nem se fazem como a água-benta. Custam bom dinheiro e movimentam, além de muitas vaidades, um negócio apetecível.

    Num levantamento do PÁGINA UM aos contratos para a aquisição de medalhas e insígnias – que, em alguns poucos casos, incluem adereços ou outros ‘apetrechos’ similares (como taças) –, foram detectados 280 contratos no Portal Base, envolvendo mais de uma centena de entidades, para adquirir ‘lembranças’ para os ilustres agraciados, num período de apenas quatro anos. Estes contratos, celebrados entre Janeiro 2021 e final deste ano de 2024, somam um valor total de 4,05 milhões de euros, que se aproxima dos cinco milhões de euros, caso se inclua o IVA. E quase grande parte através de contratos de mão-beijada: 182 foram por ajuste directo ou similar (65%), 56 após consulta prévia (31%) e apenas 42 por concurso público (24%).

    Presidência da República é uma das ‘máquinas’ de condecorações do país. Foto: PR.

    Entre os organismos mais entusiastas nas medalhas estão os militares, as forças de segurança e a Presidência da República. No primeiro caso, em apenas quatro anos, os diversos ramos das Forças Armadas, incluindo o Estado-Maior-General, despenderam 1.227.199 euros (com IVA incluído) em medalhas e condecoração, estando a Marinha no topo. Desde 2021, o Estado-Maior da Armada gastou mais de 675 mil euros, dos quais 380 mil euros durante a liderança de Gouveia e Melo, que nas últimas semanas andou a distribuir comendas e medalhas, incluindo a Isaltino Morais, presidente da autarquia de Oeiras, que de imediato o apoiou na quase certa candidatura às Presidenciais de 2026.

    Por sua vez, o Exército gastou, em quatro anos, um total de 362.325 euros em condecorações, ficando-se as Força Aérea nos 237.204 euros. A cúpula – isto é, o Estado-Maior-General das Forças Armadas – teve um encargo, neste período, de 37.232 euros.

    No caso das forças de segurança, a militarizada – a Guarda Nacional República (GNR) – também adora medalhar-se: despachou, desde 2021, um total de 237.204 euros para sobretudo condecorar os seus elementos, que rondam os 23 mil. A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi mais comedida, embora tenha um efectivo menor (um pouco menos de 21 mil agentes), e apenas gastou em medalhas 59.812 euros nos últimos quatro anos.

    A Presidência da República, através da sua Secretaria-Geral, é uma cliente habitual das empresas de medalhística. Ou melhor dizendo, de uma só: a Casa das Condecorações Helder Cunha, com quem, nos últimos quatro anos, celebrou 14 ajustes directos, sempre em valores baixos para, de forma muito conveniente mas pouco transparente, não ser obrigada a abrir concurso público. Certo é que, tudo a somar, só nestas insígnias para comendadores e outras insígnias de ordens honoríficas se gastaram 202.902 euros.

    Descontando a Ordem dos Contabilistas Certificados – que surge em destaque na lista (com gastos de 150.650 euros) por ser considerada uma entidade pública, mas o financiamento é sobretudo ‘privado’ –, são as autarquias que ocupam os restantes lugares no top 10 dos maiores apreciadores (e ‘consumidores’) de medalhas. Destacam-se Braga (148.415 euros), Cascais (126.014 euros), Loulé (113.332 euros) e Lagos (102.633 euros). O município de Castelo Branco (100.364 euros) fecha o lote de 12 entidades públicas que pagaram, desde 2021, mais de 100 mil euros para agraciamentos.

    Foto: Academia Militar.

    Em todo o caso, na lista compilada pelo PÁGINA UM encontram-se 67 Câmaras Municipais, além de duas juntas de freguesia (Santa Maria Maior, em Lisboa, e União de Charneca da Caparica e Sobreda, em Almada), que gastaram mais de 2,2 milhões de euros em medalhas. Além dos municípios já referidos, detectam-se mais 22 com gastos em medalhas acima dos 25 mil euros: Oeiras (86 360 euros), Guimarães (84 304 euros), Vila Nova de Famalicão (81 478 euros), Mortágua (74 703 euros), Faro (72 200 euros), Peso da Régua (60 202 euros), Almada (59 279 euros), Seixal (58 972 euros), Vila Nova de Gaia (55 350 euros), Barcelos (55 229 euros), Fafe (49 735 euros), Tavira (49 174 euros), Palmela (48 824 euros), Póvoa de Varzim (48 559 euros), Guarda (41 620 euros), Sintra (39 975 euros), Funchal (37 757 euros), Vila do Conde (35 117 euros), Oleiros (30 553 euros), Trofa (29 690 euros), São João da Pesqueira (28 876 euros), Ansião (25 483 euros).

    Também o Governo e a Administração Pública directa têm aberto os cordões à bolsa para conceder ‘graças’. Por exemplo, em Abril deste ano, a Presidência do Conselho de Ministros gastou 23.616 euros para adquirir medalhas comemorativas da participação nas ações militares da Revolução dos Cravos. Em Junho de 2021, o Ministério da Defesa fez um contrato, após consulta prévia, no valor de 22.075 euros para, durante três anos, serem fornecidas “medalhas de condecoração”. Também se encontraram três contratos da Assembleia da República, um por ano, para as medalhas do Prémio Direitos Humanos. Não são baratas: pelas seis medalhas, em ouro, atribuídas em três anos, o Parlamento gastou 47.847 euros. Em média, cada uma ficou em quase oito mil euros. Mas a Assembleia da República não foi a única entidade pública a conceder medalhas em ouro: no final de 2023, por exemplo a autarquia de Castelo Branco adquiriu 10, tendo cada uma custado, com IVA, cerca de 4.250 euros.

    Merecem também destaque os três contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira, todos deste ano. O primeiro serviu para comprar “1.000 medalhas com símbolo” do Fisco, no valor total de 9.840 euros, o que se pode considerar um preço unitário comedido. Já os dois outros contratos, de Julho passado, serviram para comprar “medalhas comemorativas de 40 anos de serviço público”, sem um número determinado no contrato (e o caderno de encargos não consta no Portal Base), bem como as caixas. Cada um destes contratos rondou os 23 mil euros.

    Em muitos casos, condecorações servem para que os condecorados não esqueçam quem os condecorou. Foto: Marinha.

    De entre as outras entidades com montantes apreciáveis de gastos em medalhas destacam-se ainda a Fundação INATEL (79.450 euros), a Direcção-Geral da Educação (77.378 euros), a empresa municipal lisboeta EGEAC (70.528 euros), o Instituto do Emprego e da Formação Profissional (41.279 euros), o Banco de Portugal (28.855 euros) e a Imprensa Nacional – Casa da Moeda (28.608 euros), bem como diversas universidades, ordens profissionais e até hospitais. Convém, contudo, salientar que os valores apurados pelo PÁGINA UM podem pecar por defeito, uma vez que na pesquisa no Portal Base podem constar contratos não detectados pelo facto de a sua descrição não mencionar palavras como medalhas, condecorações ou insígnias. Além disso, em compras mais pequenas, muitas as entidades públicas podem não ter registado os contratos se o procedimento adoptado tiver sido o ajuste directo simplificado.

    Em todo o caso, assim se prova que, mesmo já sem caravelas nem fulgores inventivos, Portugal continua a navegar com mestria nos mares do auto-elogio, não sendo já sequer necessário erguer castelos ou cravar padrões em terras distantes. A glória das insígnias reluzentes surge agora sob a forma de medalhas e fita para pendurar entregues a torto e a direito. Os elogios ficam com quem recebe; a factura é paga pelos contribuintes.


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  • ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    Num mercado de arte bastante competitivo, as pinturas de Paula Rego, mesmo as de menores dimensões, não são nada baratas, até pela raridade com que surgem em leilões. No mês passado, um pequeno quadro em pastel sobre papel, inspirado no conto do Capuchinho Vermelho, foi arrematado por 293 mil euros, incluindo comissões, mas a leiloeira infomou então que o comprador era um “cliente português que pediu para manter o anonimato”. Sabe-se agora que, afinal, a aquisição foi feita pela Fundação D. Luís I, pertencente à autarquia de Cascais. que é o seu principal ‘mecenas’. Mas há agora outro mistério: de acordo com o contrato, o negócio entre a fundação e a leiloeira somente começou a tomar forma cerca de duas semanas após o leilão, e o contrato acabou assinado só na semana passada.


    A Fundação D. Luís I – entidade da autarquia de Cascais responsável pela gestão dos espaços do município – é o ‘comprador misterioso’ de uma obras mais emblemáticas da série ‘Capuchinho Vermelho’, de Paula Rego, que foi vendido em leilão no passado dia 14 de Novembro.

    Intitulada originalmente intitulada “Mother wears the wolf’s pelt” (“A mãe a usar a pele do lobo”), a leiloeira Veritas Art Auctioneers revelara apenas que o quadro de Paulo Rego – um quadro em pastel sobre papel de 84 por 67 centímetros – tinha sido adquirido por um “cliente português que pediu para manter o anonimato“, de acordo com a Lusa. A estimativa de preço situava-se entre os 180 mil e os 250 mil euros, tendo o quadro sido arrematado por 240 mil euros (valor do martelo), o que resultou num preço final de 293.136 euros, atendendo à comissão da leiloeira de 18% e ao IVA sobre esta parcela.

    ‘Mother wears the wolf’s pelt”, pintura executada em 2003 por Paula Rego

    Esta obra integra um conjunto de seis pinturas de Paula Rego, executadas no início deste século, alusivas ao conto do Capuchinho Vermelho escrito o século XVII, a partir de recolhas orais do francês Charles Perrault, e, mais tarde, reescrita pelos germânicos Jacob e Wilhelm Grimm. Antes desta venda tinha estado exposta no Museu de Serralves, em 2004 e 2005, depois em Barcelona, em 2017, e ainda nesse ano e no seguinte num museu de arte em Melbourne, tendo estado depois brevemente numa exposição Casa das Histórias Paula Rego (CHPR) em 2018.

    O desvendar do mistério da identificação do comprador deste importante quadro de Paula Rego por valores elevados – embora modestos para algumas das suas obras maiores, como o painel “Avestruzes Bailarinas do filme ‘Fantasia’ de Walt Disney”, vendido em Londres no ano passado por 3,5 milhões de euros –, não foi ainda assumido pela Fundação D. Luís I, mas está já confirmado por um contrato estabelecido por esta entidade e a leiloeira no passado dia 16 deste mês.

    Neste contrato, assinado pelos administradores da Fundação D. Luís I, Salvato Teles de Menezes e Ana Padrão, omite-se, porém, a aquisição do quadro no leilão, referindo-se que o valor da compra foi definido de acordo com uma proposta de 27 de Novembro – ou seja, já depois da data do leilão – e deliberada mais tarde pelo Conselho Directivo no dia 11 do presente mês de Dezembro.

    a large pyramid shaped building sitting on top of a lush green field
    Pintura adquirida pela fundação da Câmara Municipal de Cascais vai integrar o espólio da Casa das Histórias Paula Rego.

    Esta aquisição pode considerar-se como avultada para a Fundação que tinha, no final do ano passado, um património líquido de pouco mais de três milhões e, apesar de cerca de 206 mil euros, recebeu 438 mil euros de subsídios da própria Câmara Municipal de Cascais.

    A obra deverá ainda este ano integrar o espólio de Paula Rego na ‘sua’ Casa das Histórias, projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura. No contrato de compra-e-venda é, aliás, referida a importância deste quadro que colmatará “a inexistência de pinturas deste período na colecção da CHPR”, possibilitando também uma melhor compreensão para a “linha de investigação que a artista definiu quando se propôs, em 1976, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a ‘ilustrar mais prolificamente os contos tradicionais portugueses ou integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”.

    Esta pintura, criada em 2003, a última da série que reinterpreta o conto clássico do Capuchinho Vermelho, mostra uma mulher sentada, vestida de veludo vermelho e adornada com uma estola de pele, remetendo para temas como o poder matriarcal e a transformação, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma tensão narrativa que é marca distintiva desta artista falecida em Junho de 2022, aos 87 anos.

    O díptico “Dancing Ostriches from Walt Disney’s ‘Fantasia’ (1995), pastel em papel colado sobre alumínio, é a obra mais valorizada de Paula Rego, tendo sido leiloada no ano passado por 3,5 milhões de euros em Londres.

    Recorde-se que no final de Outubro passado, a Câmara de Cascais revelou que comprara a pintura “Rei Canuto”, executada por Paula Rego em 1977, pelo valor de 262.500 euros a uma coleccionadora estrangeira, embora a aquisição tenha sido concluída em 2023.

    Antes, em Setembro de 2022, o município adquiriu também, depois de negociações com a família da pintora, o quadro “The Exile” por 240 mil euros. Poucos meses mais tarde, em Dezembro desse ano, foi a vez da então Direcção-Geral do Património Cultural desembolsar 424 mil euros pelo quadro “O impostor”, pintado em 1964.


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  • Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Novas dinâmicas de construção e factores financeiros e conjunturais estão a causar uma redução líquida do parque habitacional em importantes concelhos do país desde 2012. Apesar do Instituto Nacional de Estatística ter revelado hoje que Portugal superou em 2022 a fasquia dos seis milhões de fogos, o valor mais elevado de sempre, uma análise do PÁGINA UM descobriu que cidades como Lisboa, Porto, Loures e Amadora apresentam reduções relavantes face ao ano de 2012. Na região metropolitana da capital são os municípios da Margem Sul e Mafra que mostram mais dinamismo, enquanto que a ‘atracção urbanística’ no Norte se deslocou para as subregiões do Cávado, Ave e Tãmega e Sousa, que já apresentam mesmo taxas de crescimento superiores ao Algarve. E há concelhos do interior e nas regiões autónomas em curioso contra-ciclo.


    Os municípios de Lisboa e Porto perderam, no conjunto, quase seis mil fogos do seu parque habitacional numa década, de acordo com informação hoje revelada pelo Instituto Nacional de Estatística, que actualizou os números de alojamentos familiares respeitantes ao ano de 2022.

    Uma análise do PÁGINA UM à série histórica desde 2012 revela que, no caso dos dois principais municípios do país, a crise habitacional se explica bastante pela estagnação da construção e remodelação. Ao invés de um crescimento a nível nacional, mesmo se ténue – havia mais 104.750 alojamentos em 2022 em comparação com 2012, ultrapassando-se pela primeira vez na História os seis milhões de fogos habitacionais –, a cidade de Lisboa registou um decréscimo de 0,9%, significando uma redução de 3.020 fogos (de 323.196 para 320.176), enquanto o Porto perdeu 2.834 fogos, passando de 137.793 para 134.959, ou seja, uma redução de 2,1%.

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    Mesmo se na região administrativa da Grande Lisboa, os fogos habitacionais ainda cresceram (+0,35%, significando mais 3.706), as dinâmicas urbanísticas estão alteradas face ao que sucedeu até à primeira década deste século. As zonas de suburbanas mais antigas estão a perder dinamismo construtivo. Por exemplo, o concelho de Loures registou uma diminuição de 1.216 fogos (-1,22%) neste período, passando de 99.567 para 98.351. Outro caso de perda foi o da Amadora, que diminuiu em 566 fogos (-0,64%), descendo de 88.007 para 87.441.

    Mesmo em concelhos extensos e com um passo de grande dinamismo, e especulação à mistura, estiveram agora mais ‘recatados’ entre 2012 e 2022. Sintra registou um aumento de 1.554 fogos (+0,85%), atingindo 184.580 em 2022. Cascais cresceu 1.608 fogos (+1,47%), alcançando 111.003, enquanto Oeiras apresentou um acréscimo de 789 fogos (+0,91%), totalizando 87.074.

    Entre os concelhos com maior dinamismo na Área Metropolitana de Lisboa destacam-se Montijo (+5,06%), Seixal (+4,93%), Palmela (+4,86%), Mafra (+4,43%), Sesimbra (+4,11%) e Odivelas (+3,23%), reflectindo um crescimento acentuado, impulsionado pela procura de novas habitações em zonas periféricas. Por outro lado, a estagnação ou saturação são evidentes em concelhos como Vila Franca de Xira (+0,56%) e Almada (+0,57%), onde o parque habitacional está praticamente estabilizado nesta última década.

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    Porto foi o 20º concelho do país que mais parque habitacional perdeu em termos relativos

    A descentralização para zonas periféricas, como Mafra e Montijo, reflecte um fenómeno de suburbanização mais afastada do principal pólo de atracção e com ligações menos directas por transportes públicos. A pressão demográfica e a procura por terrenos acessíveis têm assim transferido o foco da construção para fora do centro urbano.

    No caso da Área Metropolitana do Porto (AMP) também se observa uma dinâmica diversificada, mas tendo como ponto comum a perda do parque habitacional na principal cidade. Entre os concelhos com maior crescimento destacam-se Valongo (+3,26%, +1.321 fogos), Póvoa de Varzim (+3,09%, +1.092 fogos), e Trofa (+2,40%, +377 fogos). Outros concelhos, como Vila do Conde (+2,28%, +869 fogos), Espinho (+1,88%, +298 fogos) e Vila Nova de Gaia (+1,79%, +2.548 fogos), também registaram aumentos, embora com valores médios anuais a rondar os 0,2% ao ano.

    Além do Porto, há sinais de estagnação e de declínio urbanístico em algumas zonas suburbanas. O caso mais evidente é a Maia – que apresentou uma ligeira diminuição de 50 fogos (-0,08%) –, mas o município de Matosinhos (+0,7%) está praticamente com o mesmo número de alojamento de 2012.

    bridge, house, village
    Dinãmicas urbanísticas no Norte estão mais fortes nas subregiões do Ave, Cávado e Tâmega e Sousa.

    Na região Norte, o fraco dinamismo urbanismo Este contraste reflete uma realidade comum às duas principais áreas metropolitanas: o crescimento das periferias em detrimento dos centros. A ‘migração’ da construção na região Norte desviou-se para outras sub-regiões, sobretudo para o Cávado e o Ave.

    Com efeito, a região do Cávado registou um crescimento expressivo de 5,1% (+9.751 fogos), o maior do país, com destaque para quase todos os seus municípios: Amares, Barcelos, Braga, Esposende e Vila Verde. A única exceção foi Terras do Bouro, que não acompanhou esta tendência.

    Já a região do Ave apresentou um crescimento de 4,7%, o segundo maior do país, O destaque vai para o concelho de Vizela, que cresceu 9,2% e se posiciona como o terceiro município mais dinâmico do país em termos urbanísticos, apenas atrás da Madalena, na ilha do Pico, nos Açores (+14,3%), e da Golegã (+12,1%). Estes dois últimos são os únicos municípios do país com uma taxa de crescimento médio anual superior a 1% entre 2012 e 2022.

    A dicotomia litoral-interior agravou-se evidente. De entre os 78 concelhos com perda de parque habitacional entre 2012 e 2022, a esmagadora maioria são do interior, com destaque para Tarouca (-9,8%), Penela (-8,4%), Coruche (-4,7%), Mação (-4,6%), São Vicente (-4,3%), Soure (-4,2%), Sardoal (-4,0%), Nordeste (-3,6%), Chamusca (-3,3%), Avis (-3,1%), embora surjam outros municípios de áreas metropolitanas. Por exemplo, o Porto foi o 20º concelho com maior perda relativa do património habitacional.

    A view of a city from the top of a hill

    Em todo o caso, as dinâmicas urbanísticas dependem muito de circunstancialismos. Mesmo existindo bastantes municípios do litoral com maiores crescimentos no número relativo de alojamentos habitacionais, encontram-se alguns casos curiosos:  Madalena (+14,3%), Golegã (+12,1%), Campo Maior (+8,7%), Corvo (8,4%, embora se refira apenas a mais 16 fogos), Velas (+5,7%), Manteigas (+5,7%), Odemira (+5,7%) e Penedono (+5,5%), Vila Nova de Paiva (5,5%), Calheta (Madeira, +5,2%) e Oliveira de Frades (+5,1%)

    Apesar de ainda ter concelhos com forte dinamismo urbanístico, a região do Algarve está longe do fulgor de outrora, tendo registado um cr5escimento de 3,76% (+12.984 fogos) entre 2012 e 2022, impulsionado pela procura turística e pela atractividade residencial. Concelhos como Loulé (+4,15%, +4.312 fogos) e Portimão (+3,89%, +3.256 fogos) são exemplos desta vitalidade das betoneiras, mas a taxa de crescimento está já abaixo das registadas pela sub-região do Ave, do Cávado e do Tâmega e Sousa.


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  • AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    De boas intenções, está o inferno cheio. Mas há medidas que nem sequer se mostram boas na intenção, até porque os resultados serão previsivelmente catastróficos. Para aumentar os terrenos urbanizáveis, alegando ser necessário para fazer face à crise de habitação, o Governo Montenegro prepara-se para dar uma ‘machadada’ ao mais importante legado da política de ordenamento e planeamento do território do século XX, flexibilizando administrativamente, através das autarquias, a passagem de terrenos da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional para fins urbanísticos. Além de ser uma medida com efeitos indesejáveis e promotor esquemas de corrupção – por exemplo, facilitará a passagem de terrenos rurais não edificáveis para áreas urbanas em redor do futuro aeroporto de Lisboa -, há uma ironia política:o Governo Montenegro, eleito sob a sigla de Aliança Democrática, ‘assassina’ assim dois instrumentos de planeamento (leis da Reservas Agrícola e Ecológica Nacional (RAN e REN) aprovados em 1982 e 1983 pelo Governo da Aliança Democrática original, então liderado por Pinto Balsemão, tendo como principal dinamizador dos diplomas o arquitecto Ribeiro Telles. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa integrou também esse Governo, podendo suscitar a legalidade de uma alteração do regime da REN e da RAN por simples decreto-lei, porque estão em causa áreas da competência da Assembleia da República.


    À boleia de uma alegada crise da habitação e de suposta escassez de terrenos para construção, o Governo Montenegro quer destruir todos os alicerces da política de ordenamento e planeamento urbanístico, através de uma alteração da Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, mas a iniciativa pode esbarrar na Assembleia da República por estarem em causa modificações profundas na Lei dos Solos, uma vez que esta é uma matéria da estrita competência dos deputados.  

    Na semana passada, o Governo anunciou que o Conselho de Ministro aprovou um decreto-lei para “permitir às autarquias disponibilizar mais terrenos para a construção de habitação destinada à classe média em todo país”, com a condição de que“pelo menos 70% das casas construídas deverão ser vendidas a preços moderados, um novo conceito criado para abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar justiça social”. De acordo com as indicações transmitidas publicamente, a ideia será conceder às autarquias o poder, de forma arbitrária, para alterar usos de solo, passando-o de rústico para urbano.

    people working on building during daytime

    Mas para isso, o Governo Montenegro precisa de flexibilizar os regimes de protecção e condicionamento das áreas de Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional que, como são terrenos rústicos – e actualmente sem capacidade construtiva –, acabam por apresentar um custo mais barato e apetecível para a especulação imobiliária.

    Não deixa de ser irónico que esta tentativa de dar uma ‘machadada’ na política de urbanismo seja uma iniciativa de um Governo que se anunciou sob a sigla AD – Aliança Democrática, ressuscitando a versão de finais dos anos 70 e início dos anos 80, dinamizada inicialmente por Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral (CDS) e Ribeiro Telles (PPM), e que depois da morte do primeiro continuou com Francisco Pinto Balsemão até 1983.

    Com efeito, foi já no fim desse mandato que o Governo de Pinto Balsemão, que tinha uma forte ‘costela ambientalista’ (Ribeiro Telles, então ministro da Qualidade de Vida), que foram aprovados dois mais importantes instrumentos de protecção ambiental e de urbanismo – a lei da RAN, em Setembro de 1982, e a lei da REN, em Junho de 1983 – sobre as quais se erigiram os planos directores municipais e outros planos de ordenamento. Curiosamente, o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, integrava este Governo da AD como ministro dos Assuntos Parlamentares.

    Pinto Balsemão, Ribeiro Telles e Marcelo Rebelo de Sousa integraram o Governo AD que aprovou a lei da RAN e da REN, que protegeu solos da construção. O novo Governo AD, de Luís Montenegro, quer transformar em ‘três tempos’ solos rústicos em áreas para o imobiliário. Foto: Museu da Presidência.

    As restrições impostas para os solos da RAN e da REN nunca radicaram em qualquer extremismo ambientalista, sustentando-se numa visão estratégia inter-geracional e mesmo de protecção contra catástrofes naturais. Além de protecção de solos agrícolas, a delimitação de áreas sensíveis no âmbito serve sobretudo para preservar linhas de água e leitos de cheia – para evitar desastres humanos como se observou recentemente na região de Valência –, aquíferos de águas subterrâneos, proteger zonas declivosas e sobretudo evitar um crescimento desenfreado e caótico das zonas urbanas.

    “Esta medida do Governo é inaceitável do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, porque, em vez de promover uma aposta na consolidação e reabilitação dos centros urbanos, vai disponibilizar mais terrenos, promovendo o crescimento em ‘mancha de óleo’ para zonas sensíveis com a necessidade de novos e maiores investimentos de infraestruturação”, salienta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

    Aliás, ao invés de promover mais uma maior quantidade de terrenos disponíveis, o efeito expectável será contrário. As construtoras terão tendência a abandonar projectos imobiliárias em zonas consolidadas, preferindo adquirir terrenos rústicos muito mais baratos para depois conseguirem uma viabilização junto das autarquias. Este expediente escancara, além disso, as portas para a especulação e mesmo para a corrupção e outros esquemas ínvios, recordando procedimentos dos anos 90 do século passado, quando se desenvolveu a primeira geração de planos directores municipais. Nessa altura, muitos empresários, em conluio com autarcas, compravam terrenos rústicos, vendo depois essas zonas serem integradas em áreas edificáveis, multiplicando assim o seu valor. Aliás, este tipo de esquemas pode já ocorrido antes deste anúncio do Governo, mas tornar-se-à corriqueiro a nível local, concedendo poderes arbitrários aos políticos.

    Governo prepara-se para destruir um dos maiores legados de político de ordenamento e de urbanismo do século XX, abrindo as portas a esquemas de tráfico de influências e de corrupção no imobiliário.

    Esta alteração no regime dos terrenos rústicos aparenta, aliás, encaixar-se na perfeição para a existêncoa de transações especulativas em torno do futuro aeroporto de Lisboa. A esmagadora maioria dos terrenos envolventes à zona do Campo de Tiro de Alcochete integram a RAN e a REN. Com esta medida do Governo Montenegro, esses terrenos multiplicam de valor ‘da noite para o dia’.

    A ideia de ser a falta de terrenos – e os seus custos elevados – uma das principais causas da crise da habitação em Portugal tem sido uma ideia estafada que não encontra reflexo na realidade dos números, porque o ritmo de construção depende sobretudo das condições económicas e dos ciclos financeiros, bem como da oferta e da procura. Embora se observe agora um recente crescimento populacional nos anos recentes, a uma taxa de 1%, não existe propriamente uma escassez de casas, mas sim uma dificuldade de adaptação dos rendimentos dos portugueses a um mercado que se globalizou, tanto nas zonas urbanas como rurais, neste caso pela procura de segundas residências.

    Por esse motivo, observando a evolução dos licenciamentos de fogos (casas) pelas autarquias desde 2007, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui-se que o mercado imobiliário está já bastante dinâmico, tendo mesmo registado este ano o valor mais elevado desde 2009, se considerarmos os primeiros 10 meses (Janeiro a Outubro). A nível nacional, os 28.004 fogos licenciados este ano são praticamente cinco vezes mais do que os licenciados em 2014, em plena crise financeira.

    Evolução do número de fogos licenciados em Portugal e nas diversas regiões (NUT II) entre 2007 e 2024 para os primeiros 10 meses de cada ano. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando as licenças de construção concedidas nos últimos 24 meses (Novembro de 2022 a Outubro de 2024) com as do período homólogo anterior (Novembro de 2020 a Outubro de 2022), confirma-se esse dinamismo: um crescimento de 9,3%, passando de 59.558 para 65.092 fogos licenciados. Esse crescimento está sobretudo concentrado na região Norte, que impulsionou nesse período em 12,8%, e particularmente no Grande Porto.

    Nessa sub-região, o crescimento foi de 21%, passando de pouco mais de 14 mil fogos licenciados para mais de 11.700. Na região de Lisboa – que engloba os municípios da Grande Lisbia e da Península de Setúbal –, apesar de se registar um crescimento (3,7%), está a níveis mais modestos. Enquanto nos últimos dois anos se licenciaram 13.033 fogos, no período de Novembro de 2020 a Outubro de 2022 as autarquias tinham concedido licenças para a construção de 12.567 fogos.

    Em todo o caso, existe uma tendência de mudança na tipologia dos fogos licenciados. De acordo com os dados do INE, nos últimos dois anos, as licenças destinam-se para uma tipologia mais pequenas, indo ao encontro da prevalência de uma procura num mercado imobiliário destinado a pessoas sozinhas, casais ou famílias de poucos filhos.

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    O regime da REN serviu sobretudo para suster a construção desenfreada em zonas sensíveis, entre as quais áreas em leitos de cheia.

    Nos últimos dois anos, 44,4% dos fogos licenciados serão T2 ou menores. Os T0 e T1 são representam 17,2%. No período homólogo anterior as tipologias T2 ou menores atingiam os 36,9% e no período entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020 foi de 36,5%. Já as tipologias de maiores dimensões (T4 e mais) estão a descer em peso. Nos últimos dois anos são 12,7% do total, quando nos dois períodos homólogos anteriores foram de 15% e 14,9%, respectivamente.

    Se recuarmos aos últimos dois anos do boom imobiliário do início do século – em 2007 e 2008 licenciaram-se mais de 111 mil fogos –, as casas de grandes dimensões (T4 ou mais) representaram 17,8% do total, enquanto T0 e T1 tiveram um peso de apenas 10%. Se juntarmos os T2, a percentagem sobe para os 36,6%, confirmando-se assim que se está a construir mais apartamentos de menores dimensões.


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  • Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Sem contas anuais conhecidas de 2022 e de 2023, com a Super Bock a não querer renovar a organização do festival na Praia do Meco, com a falta de patrocínios para o festival da Zambujeira do Mar e com o Fisco à perna, a outrora pujante empresa de espectáculos de Luís Montez está à beira do precipício. O ‘pequeno toque’ para a queda da Música no Coração é já um passo inevitável. Aquilo que mais surpreende é, na verdade, o facto de ainda estar em funcionamento, pois em finais de 2021 encontrava-se em falência técnica, com capitais próprios negativos de mais de 6,2 milhões de euros, e um passivo colossal de 26 milhões, impossível de pagar, sobretudo agora com o impacte da perda dos festivais Super Bock Super Rock e Sudoeste.


    A caminho do fim. Será apenas uma questão de dias, de semanas ou de meses, mas o fim é irreversível: a Música no Coração, a outrora pujante empresa de espectáculos e de festivas, detentora de uma rede de rádios, está em colapso financeiro, e já nem sequer entregou, como era obrigatório, a Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa aos anos de 2022 e 2023.

    A situação agravou-se no último mês com a decisão da  cervejeira Super Bock de não renovar o contrato com a empresa de Luís Montez, conhecido também por ser genro de Cavaco Silva, para a organização do festival Super Bock Super Rock, que se realiza anualmente na Praia do Meco, como noticiou o Observador no passado dia 21 de Novembro.

    Luís Montez

    Este desfecho era esperado, não apenas pela já débil situação financeira da Música do Coração, mas porque esta até já tinha vendido a rádio associada ao evento à Medialivre – que pretendia comprar frequência para preparar uma rede de rádio própria –, deixando mesmo de emitir em finais do passado mês de Setembro.

    Na mesma linha, o Festival do Sudoeste tem também os dias acabados. Luís Montez anunciou à SIC, há duas semanas, que este festival na Zambujeira do Mar, não tem capacidade de realizar no próximo ano por falta de patrocinadores. Porém, esse é apenas um dos problemas. O PÁGINA UM apurou que, devido a dívidas fiscais, o uso da denominação do Festival Sudoeste foi penhorado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Janeiro deste ano, aguardando-se ainda uma decisão do tribunal. Apesar disso, a empresa de Luís Montez mantém-se livre de constar na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social, embora esteja sujeito a diversos processos de execução intentados por credores.

    Mesmo sem se conhecer as contas de 2022 e de 2023, o PÁGINA UM sabe que a Música do Coração encontra-se ainda em pior situação face às demonstrações financeiras de 2021, reveladas pelo PÁGINA UM em Abril passado. A ‘holding’ de Luís Montez – que é ainda proprietária de algumas rádios com actividade residual – estava já com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros no final daquele ano, registando um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. O passivo, incluindo empréstimos bancários. aproximava-se dos 26 milhões de euros. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estavam consolidadas.

    stage light front of audience

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava já mais patente de 2021, pois detectavam-se evidentes sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, nesse ano, a ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se contavam 3.099 euros.

    Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante estaria fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias, isto é, das rádios.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos.

    Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. Ou seja, cometia uma ‘sangria’ à sua própria empresa ‘moribunda’.

    O PÁGINA UM tentou contactar Luís Montez para solicitar comentários e saber se havia demonstrações financeiras de 2022 e 2023, mas não obteve resposta.


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  • Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Fundada como empresa unipessoal em 2013, a Unbabel é uma das parceiras do projecto do ‘ChatGPT’ português, mas a casa-mãe, a Unbabel Inc, é norte-americana e é uma incógnita. Nos últimos anos, a empresa contou com o financiamento de seis projectos agraciados com fundos europeus, num total de perto de 21 milhões de euros. Além disso, tem realizado rondas de financiamento junto de empresas de capital de risco e investidores, com a última ronda a superar os 20 milhões de euros. Mas, apesar dos sonhos altos e da imagem ‘hi-tech’ a ‘portuguesa’ Unbabel tem apenas um capital social de 108 euros e, apesar de todo conhecimento em inteligência artificial, as últimas contas que divulgou foram as do ano de… 2022.


    De Samora Correia para o Mundo. A Unbabel, parceira ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ português que deverá nascer em 2025, foi fundada por sócios portugueses. Hoje, a casa-mãe tem sede em São Francisco e a empresa tem escritórios em oito cidades, incluindo em Lisboa, Londres e Israel. Mas, apesar de trabalhar na área da inteligência artificial (IA), a ‘portuguesa’ Unbabel tem um capital social de apenas 108 euros e as últimas contas anuais conhecidas são as do ano de 2022.

    O reduzido montante de capital social não a impediu de ‘ganhar asas’ e angariar perto de 21 milhões de euros em fundos europeus tanto através da participação em cinco projectos no programa Portugal 2020 e um projecto contemplado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Neste último financiamento, a Unbabel Unipessoal obteve 18,5 milhões de euros, dos quais 9,9 milhões de euros já entraram em ‘caixa’, para liderar a fundação do Centro para a AI Responsável, um projecto iniciado em 2021 e que tem data prevista de conclusão de Dezembro de 2025, englobando a criação da “próxima geração de produtos de IA”.

    A empresa é uma das principais protagonistas do projecto anunciado no mês passado, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que visa criar um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla inglesa) em português ‘de Portugal’. O ‘AMÁLIA’, ou ‘Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial’, é a primeira iniciativa divulgada no âmbito da ‘Agenda Nacional de Inteligência Artificial’ que será apresentada pelo governo no primeiro trimestre de 2025.

    Segundo o governo, o AMÁLIA “tem previsto um investimento de 5,5 milhões de euros e um calendário de trabalho e desenvolvimento de 18 meses, do qual resultará uma primeira versão multimodal” do projecto. Mas, a este valor “acresce o vasto investimento já realizado em infraestrutura de computação, projetos de desenvolvimento e recursos humanos especializados que contribuirão em grande medida para o desenvolvimento do LLM. Aqui está inserido o investimento no LLM GlorIA e também em infraestrutura de computação de alta-performance do Deucalion e Mare Nostrum 5, supercomputadores instalados, respectivamente, na Universidade do Minho e em Barcelona.

    Mas o AMÁLIA vai assentar num alicerce já existente: o Tower LLM, da Unbabel, idealizado para tarefas de tradução. Parte ‘dos tijolos’ para construir o ‘ChatGPT’ português virá de dados da Fundação Científica de Cálculo Nacional (FCCN). Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da Unbabel e CEO do Centro para IA Responsável, disse ao Eco que, além da Unbabel, está envolvida no AMÁLIA uma equipa de investigação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova, liderada pelo professor João Magalhães, além da equipa de investigação no Instituto Superior Técnico (IST), liderada pelo professor André Martins, que é também vice-presidente do departamento de pesquisa de IA na Unbabel.

    Vasco Pedro, co-fundador e presidente-executivo da Unbabel é uma presença assídua nas edições da Web Summit. / Foto: D.R.

    A Unbabel é, assim, uma peça central no futuro LLM em português. Mas esta é apenas uma das facetas da empresa que já opera desde 2013 e, através de fusões e aquisições já está presente em diversos mercados. Hoje, disponibiliza serviços de tradução em mais de 30 línguas diferentes. A empresa emprega 328 trabalhadores e tem seis vagas abertas para diversas funções, segundo o seu site. A Unibabel Unipessoal tem a sua sede em Lisboa, na Rua Castilho 52. Mas a empresa está também presente em mais sete localizações: São Francisco (sede da casa-mãe, Unibabel Inc.), Londres, Edinburgo, Telavive, Cebu e Timisoara.

    A empresa nasceu como uma sociedade por quotas tendo como sócios fundadores o actual presidente-executivo, Vasco Pedro, e João Graça, Sofia Pessanha, Hugo Vieira da Silva e Hugo Prezado da Silva. Em 2023, integrou a empresa israelita Bablic, que foi fundada em 2011, bem como a alemã EVS Translations, criada em 1991. Antes, em 2021, tinha integrado a britânica Lingo24, com sede em Edinburgo, fundada em 2001.

    No final do ano passado, a empresa anunciou um aumento de capital de dois euros subscrito em dinheiro pelas “novas sócias Ged Tech Seed, Fundo de Capital de Risco Fechado e Ged Tech Growth, Fundo de Capital de Risco Fechado”, geridos pela Ged Ventures Portugal, Sociedade Capital de Risco, com sede em Lisboa. Após esta operação passou a ter um capital social de 108 euros, dos quais 101 euros são detidos pela Unbabel Inc., com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que como sociedade anónima não está obrigada a revelar os seus accionistas..

    Os restantes sócios da Unbabel ‘lusitana’, com uma quota simbólica de um euro cada, são os fundos de capital de risco Explorer Growth Fund II, III,IV, e V, geridos pela Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa;  e o Indico Opportunity Fund I – Fundo de Capital de Risco, gerido pela Indico Capital Partners, Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa.

    Também no final de 2023 foi anunciada a realização de uma emissão de obrigações no montante de 10 milhões de euros efectuada através de uma oferta particular.

    Desde o seu nascimento, a empresa tem realizado rondas de investimento, além dos financiamentos obtidos via fundos comunitários. Na última ronda, há um ano, a empresa angariou 21 milhões de dólares junto de um conjunto de investidores de capital de risco, nomeadamente, Iberis Capital, GED Ventures Portugal, Point 72, Notion, ScaleVentures Partners e Caixa Capital.

    Imagem do edifício-sede da Unbabel Unipessoal em Lisboa. / Foto: D.R.; Unababel

    Nas últimas contas anuais da Unbabel Unipessoal disponíveis, referentes a 2022, a empresa registou uma facturação de 16,7 milhões de euros e um resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos de 3,3 milhões de euros. Mas créditos fiscais de 2,3 milhões de euros fizeram saltar os lucros da empresa para 5,2 milhões de euros. Nas suas contas, a Unbabel contabilizou ainda um valor de 3,8 milhões de euros de activos por impostos diferidos.

    Do lado dos custos com pessoal, a empresa com sede em Lisboa registou gastos de 11,2 milhões de euros, dos quais 8,5 milhões de euros referentes a remunerações. Mas, contrastando com os custos, na Unbabel ‘portuguesa’, apenas se encontram activos fixos tangíveis de 177 mil euros e activos intangíveis de 25 mil euros. Traduzido ‘em miúdos’, o ‘tesouro’ desta Torre de Babel ‘inteligente’ lusa parece estar fora de Portugal.

    O PÁGINA UM contactou a Unbabel pedindo para, além de informações sobre os investimentos na ‘Amália’, serem identificados que eram os beneficários efectivos da Unbabel ‘lusitana’, porque não consta no registo nacional, quem eram os sócios com capital na Unbabel Inc. e se poderiam ser enviados os resultados financeiros dessa empresa com sede nos Estados Unidos. Além disso, considerando que os rendimentos da Unbabel ‘lusitana’ andam em redor de valores pouco acima de 10 milhões de euros, relativamente estáveis, perguntava-se se se afigurava estarmos perante um unicórnio, cujo conceito remete para uma startup com uma avaliação acima de mil milhões de dólares. O CEO e fundador da empresa, Vasco Pedro, ainda respondeu que sobre receitas e accionistas, “infelizmente não podemos divulgar” nada, mas prometendo que teriam “todo o gosto em ajudar” sobre o resto. Não ajudaram.


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  • Nova School of Law: ala do CDS ‘entrega’ regência e categoria universitária ilegal a Gouveia e Melo

    Nova School of Law: ala do CDS ‘entrega’ regência e categoria universitária ilegal a Gouveia e Melo

    ‘Dura lex, sed lex’ é uma das máximas jurídicas mais relevantes. Mas a lei pode ser, na verdade, amaciada para os amigos. No início de 2023, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – ou pomposamente rebaptizada com o anglicismo Nova School of Law – anunciou a contratação de Gouveia e Melo para a regência de uma cadeira do mestrado em Direito e Economia do Mar, colocando-o com o estatuto de Professor Convidado. Mas, apesar de se estar numa escola de ilustres juristas, fez-se tábua rasa das normas do Estatuto da Carreia Docente Universitária, e nunca houve pareceres para essa nomeação, que terá sido iniciada em 2022 e surge sob a égide de uma parceria não revelada. Além disso, o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada nunca pôs os pés numa sala de aula, mandando subordinados leccionar a cadeira. O incómodo interno fez com que, entretanto, Gouveia e Melo passasse a constar, na lista do corpo docente, na secção das parcerias. Todo este processo foi conduzido por Assunção Cristas, antiga ministra do Ambiente, que é coordenadora do mestrado, e por Mariana França Gouveia, actual presidente do Conselho Científico da faculdade. Nenhum dos intervenientes quis prestar esclarecimentos, remetendo para gabinetes de comunicação breves depoimentos sem focar aspectos fulcrais.


    A Universidade Nova de Lisboa dispõe-se a construir ilegalmente um currículo académico ao Almirante Gouveia e Melo conferindo-lhe a regência de uma cadeira de mestrado e titulando-o de Professor Convidado. O putativo candidato à Presidência da República nem sequer precisou no ano lectivo passado de meter literalmente os pés nas instalações da Faculdade de Direito desta universidade pública – agora denominada, para efeitos de mero marketing institucional, de Nova School of Law –, porque todas as aulas foram ministradas por oficiais não identificados da Marinha.

    Neste processo, o Estatuto da Carreira Docente Universitária foi sistematicamente violado e a validade da acreditação do próprio mestrado em Direito e Economia do Mar, coordenado pela antiga ministra do Ambiente do CDS, Assunção Cristas, arrisca a ser colocada em causa pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) por incumprimento das normas legais.

    Gouveia e Melo ostenta a regência de uma cadeira de mestrado sem nunca ter posto os pés numa aula.

    No auge da sua popularidade na liderança do Estado-Maior da Armada, a Faculdade de Direito da UNL divulgou em Fevereiro do ano passado que “uma das novidades deste ano [lectivo, de 2023/2024]” seria “a lecionação da cadeira Maritime Security a cargo da Marinha Portuguesa, sob a regência do Almirante Gouveia e Melo. E acrescentava ser “com enorme satisfação que recebemos o ex-coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 em Portugal, que se juntou à NOVA School of Law no seguimento do nosso empenho em robustecer o nosso corpo docente com os/as melhores e mais talentosos/as profissionais, contribuindo para a excelência deste Mestrado”.

    O “nosso empenho”, o da Faculdade de Direito da UNL, deve ler-se como empenho da ala do CDS nesta instituição universitária pública, que desde há muito ‘namora’ com o Almirante Gouveia e Melo, como ficou patente no descontraído encontro nocturno no bar Cockpit há duas semanas, revelado pelo PÁGINA UM, com o líder centrista e ministro da Defesa, Nuno Melo. Com efeito, todo o processo de convite foi conduzido pela então directora da Faculdade, Mariana França Gouveia – que actualmente preside ao Conselho Científico – e pela coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, que também lidera a Comissão Científica do mestrado. Além das suas ligações umbilicais ao CDS, estas duas advogadas, amigas de longa data, gravitam numa das mais importantes sociedades de advogados com milionários contratos públicos: a Vieira de Almeida.

    Apesar do mais recente processo de acreditação pela A3ES ser completamente omisso sobre a entrada de militares de carreira sem currículo académico na regência de uma cadeira e a prestar aulas, não foi cumprida qualquer das regras previstas no rigoroso Estatuto da Carreira Docente Universitária, que não permite, por razões óbvias, a contratação de qualquer pessoa mesmo sob convite e mesmo se tivesse um currículo académico invejável, o que não é o caso de Gouveia e Melo.

    Assunção Cristas, antiga líder do CDS e ministra do Ambiente, é coordenadora do mestrado. Com a sua amiga de longa data e ligada também aos centristas, Mariana França Gouveia, antiga directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e actual presidente do Conselho Científico, tratou de contratar Gouveia e Melo, concedendo-lhe um título ilegal à luz do Estatuto da Carreira Docente Universitária.

    A colaboração de Gouveia e Melo no mestrado coordenado por Assunção Cristas até terá começado antes de ser formalmente apresentado, como se uma graduação universitária fosse algo caseira. Com efeito, em 19 de Novembro de 2022, Assunção Cristas colocou na sua página do Facebook uma fotografia com uma das filhas ao lado de Gouveia e Melo com a seguinte mensagem: “Foi um gosto começar o dia na Base Naval do Alfeite com os alunos do Mestrado em Direito e Economia do Mar da NOVA School of Law. Fomos extraordinariamente bem recebidos pelo Almirante Gouveia e Melo e pela sua equipa, responsáveis pela cadeira de Maritime Security”. Ora, nessa altura, nem sequer havia qualquer anúncio de formalização da ligação entre a Marinha e a Faculdade de Direito da UNL.

    Saliente-se que para o recrutamento de professores, ainda mais para exercerem regência, a lei determina que os convites somente podem ser endereçados a “individualidades, nacionais ou estrangeiras, cuja reconhecida competência científica, pedagógica e ou profissional na área ou áreas disciplinares em causa esteja comprovada curricularmente”, sendo necessário que esse convite se fundamente “em relatório subscrito por, pelo menos, dois professores da especialidade, que tem de ser aprovado pela maioria absoluta dos membros do Conselho Científico em exercício efectivo de funções, aos quais é previamente facultado o currículo da individualidade a contratar”. Ora, nada disso foi cumprido pela Faculdade de Direito da UNL, como confirmou o PÁGINA UM junto de professores catedráticos desta instituição. Como um regente de uma cadeira de mestrado tem de ser obrigatoriamente, independentemente de estar no quadro ou ser convidado, um professor catedrático, associado ou auxiliar – até por praticar actos administrativos –, a irregularidade da nomeação de Gouveia e Melo reveste-se de grande gravidade. No limite, as notas atribuídas podem ficar sem efeito por terem sido concedidas por alguém sem competências legais.

    A regência da cadeira de Segurança Marítima atribuída a Gouveia e Melo está ainda patente no próprio site da instituição universitária para o próximo semestre, que começa em Fevereiro, o que indicia que continuará nestas funções, mesmo em situação ilegal, quando sair da chefia do Estado-Maior da Armada no final do presente mês. Porém, estranhamente, o seu nome foi ‘desviado’ nos últimos dias da lista de “Professores/as Convidados/as” para a ambígua lista de parcerias sem contrato directo com a Faculdade de Direito da UNL. Uma alteração no corpo docente terá sido uma tentativa de ‘apagar’ o rastro de ilegalidades, mas os registos históricos da Internet não deixam margem para dúvidas de que a universidade pública concedeu a Gouveia e Melo um estatuto que nunca poderia ostentar.

    Ligação à Marinha estabelecida de forma informal por Assunção Cristas começou ainda antes do anúncio em Fevereiro de 2023.

    De facto, em registos consultados pelo PÁGINA UM, a primeira vez que Gouveia e Melo surge como Professor Convidado na lista do corpo docente da Faculdade de Direito da UNL é de 28 de Fevereiro de 2023, imediatamente a seguir ao anúncio da sua ‘contratação’. Ao longo de 2023, o mesmo registo encontrou-se em 29 de Março, em 5 de Abril e em 30 de Setembro. E continuou este ano, já com a segunda regência de Gouveia e Melo à cadeira de Segurança Marítima (ano lectivo de 2023/2024), encontrando-se registos em 24 de Fevereiro, em 13 de Abril e em 20 de Julho, último registo que consta no Archive.org.

    Em consulta do PÁGINA UM, não gravada, no início do passado mês de Novembro, Gouveia e Melo mantinha-se ainda na lista de “Professores Convidados”, o que indicia que a sua inclusão não foi um mero lapso administrativo, mas sim que a sua ‘transferência’ terá sido fruto de diligências superiores de ocultar a situação ilegal. Mantém-se, porém, para Gouveia e Melo uma particularidade: tem uma página própria com um endereço de correio electrónico da Faculdade de Direito da UNL, mas omitindo as suas funções de regência da cadeira de Segurança Marítima.

    O PÁGINA UM colocou perguntas concretas a Gouveia e Melo sobre esta sua ‘contratação’ por uma universidade pública à margem da lei. Procurou saber-se se a regência da cadeira de Segurança Marítima foi feita ao abrigo de alguma parceria com a Marinha ou ele fora contratado exclusivamente para a regência e docência, sendo que, no caso de uma parceria (por duas entidades públicas), se solicitou o documento. Pediu-se também a confirmação, no sentido de aferir informações recolhidas junto de antigos alunos do mestrado, se Gouveia e Melo nunca deu qualquer aula, mandando oficiais da Marinha prestar indevidamente funções de docência. Também se procurou averiguar se o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada recebera algum título académico e se continuará a regência depois de abandonar o cargo.  

    Campus de Campolide, onde ainda funciona a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Em resposta, transmitida pelo gabinete de relações públicas do Estado-Maior da Armada, e não assinada nem assumida por Gouveia e Melo, apenas se refere, sem enviar qualquer comprovativo, que a “lecionação da cadeira de Segurança Marítima insere-se numa parceria entre a Marinha Portuguesa e a Nova School of Law”, acrescentando somente que ”as aulas são ministradas por oficiais da Marinha, tendo o Almirante Gouveia e Melo contribuído, como regente dessa cadeira, de forma gratuita e no quadro da [ignota] parceria”.

    O PÁGINA UM também colocou diversas questões, em concreto, tanto à actual directora da Faculdade de Direito da UNL, Margarida Lima Rego – que tomou posse em Outubro de 2022 – como a Assunção Cristas e a Mariana França Gouveia. Apesar de todas terem recebido a mensagem do PÁGINA UM, todas optaram por não responder, remetendo para a LPM – uma agência de comunicação, actualmente sem qualquer contrato válido com a instituição universitária, segundo registos do Portal Base –, que emitiu uma breve declaração: “A Nova School of Law conta com a colaboração da Marinha Portuguesa no Mestrado em Direito e Economia do Mar. No âmbito dessa colaboração, o Almirante Gouveia e Melo, na sua qualidade de Chefe de Estado Maior da Armada, e a sua equipa são responsáveis por leccionar a unidade curricular de Segurança Marítima”. Nada é dito sobre os procedimentos de atribuição do cargo de Professor Convidado a Gouveia e Melo, nem sobre a ausência de deliberação do conselho científico, nem sobre como a regência e a lecionação de uma cadeira de um mestrado ser feita por pessoas não qualificadas nem sobre se o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada vai continuar em funções universitárias em situação ilegal.

    O fundador e antigo coordenador do mestrado em Direito e Economia do Mar, o catedrático Jorge Bacelar Gouveia mostra-se atónito com esta situação. “A contratação de docentes convidados é excepcional e deve basear-se num currículo adequado e com bibliografia na área, o que não acontece” no caso de Gouveia e Melo, diz. E acrescenta ser “até caricato que, no programa apresentado, estejam elementos bibliográficos do regente anterior [Armando Marques Guedes], que podia ter continuado a lecionar, mas que foi afastado”.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Catedrático decano da Faculdade de Direito da UNL, Bacelar Gouveia diz não ser do seu conhecimento nem consta que “o Conselho Científico alguma vez tenha aprovado um relatório assinado por dois docentes a propor a contratação de Gouveia e Melo como docente convidado, como manda a lei”, reforçando que, “pelo menos, esses relatórios nunca constaram da ordem de trabalhos nem a questão foi discutida em Conselho Científico, como estabelece o Estatuto da Carreira Docente Universitária”.

    O PÁGINA UM vai requerer formalmente tanto à Marinha como à Faculdade de Direito da UNL diversos documentos, incluindo a alegada parceria e actos da regência de Gouveia e Melo, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, seguindo uma intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa caso um dos ‘bastiões’ do ensino público universitário da área jurídica se mantenha irresoluto em esclarecer este caso.


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  • Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Quase três em cada 10 partos de nados-vivos no ano passado foram de mães com naturalidade estrangeira, mas um ‘olhar’ mais fino, realizado pelo PÁGINA UM a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística, revela que já há concelhos de grande dimensão onde esse peso é maioritário. Nos municípios de Sintra, Amadora e Odivelas, a maioria dos nascimentos registados em 2023 teve, como mães, mulheres naturais de países estrangeiros. É a primeira vez que tal sucede em concelhos que estão no top 10 dos mais fecundos. Este fenómeno tem vindo reforçar-se sobretudo nos últimos três anos, e com especial prevalência na Grande Lisboa e no Algarve. Na região Norte, no Alentejo interior e nas regiões autónomas o peso de nascimentos provenientes de mães ‘estrangeiras’ mantém-se ainda bastante baixo.


    Uma realidade inédita em Portugal. No ano passado, os municípios de Sintra, Amadora e Odivelas – três dos concelhos que se encontram no top 10 dos mais fecundos do país – contabilizaram mais recém-nascidos cujas mães são de naturalidade estrangeira do que de naturalidade portuguesa. Além destes três municípios, também em Odemira, no Alentejo Litoral, e nos concelhos algarvios de Aljezur e Albufeira se registaram mais bebés de ‘mães estrangeiras’ (no sentido estrito de naturalidade, uma vez que podem ter adquirido a nacionalidade portuguesa). Esta é uma análise do PÁGINA UM aos dados históricos, desde 2011, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), sendo que a informação por município relativa ao ano de 2023 foi disponibilizada no final da passada semana.

    Embora entre 2011 e 2019 se tenha observado esporadicamente concelhos pequenos com uma percentagem superior a 50% de bebés nascidos de mães naturais do estrangeiro – como em Porto Moniz, em 2015 e 2019, e no Corvo, em 2017 –, somente em 2020 surgiram mais casos em municípios de média dimensão. Por exemplo, em 2020 os municípios de Albufeira, Odemira e Aljezur tiveram mais bebés de mães ‘estrangeiras’ do que de mães ‘portuguesas’. Os dois últimos concelhos repetiriam a partir desse ano essa característica, que confirma os efeitos da imigração de população em idade fecunda, e em 2022 até tiveram a companhia novamente de Albufeira e também de Pedrógão Grande e também dos ‘pequenos’ Porto Moniz e Corvo.

    person wearing gray shirt putting baby on scale

    Contudo, no ano passado, juntaram-se a este ‘clube’ concelhos de grande dimensão: Sintra (52,1% de nascimentos de ‘mães estrangeiras’), o segundo do país com mais nascimentos em termos absolutos (apenas atrás de Lisboa); Amadora (56,2%), que está na quinta posição, e ainda Odivelas (50,6%), que é o oitavo. No entanto, em termos percentuais, Aljezur foi em 2023 o município de Portugal com o maior fluxo de nascimentos de mães naturais de país estrangeiros com 64,6% do total, seguindo-se Odemira (63,3%) e Albufeira (63,0%).

    Em concreto, no concelho da Amadora nasceram mais 249 crianças de mãe não-autóctone em comparação com bebés de mães naturais de Portugal (1.135 vs. 886), enquanto em Sintra a diferença foi de 186 (2.267 vs. 2.081) e em Albufeira foi de 139 (337 vs. 198). Nos outros três concelhos, a diferença absoluta foi mais pequena: em Odemira de 73 (174 vs. 101), em Odivelas apenas de 20 (921 vs. 901) e em Aljezur de 19 (42 vs. 23).

    O surgimento de mais nascimentos de crianças de mães ‘estrangeiras’ decorre do aumento da imigração, que tem registado crescimentos significativos nos últimos anos, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa. Entre 2011 e 2018, a percentagem de nascimentos provenientes de mães de naturalidade estrangeiras variou entre 16% e 19%, tendo atingido os 20% em 2019, ou seja, um em cada cinco nascimentos. Mas em 2022 e 2023 houve saltos significativos, que justificam que o saldo natural em Portugal seja agora positivo. Os municípios da Grande Lisboa e Península de Setúbal concentraram, em 2023, 51,6% dos nascimentos de bebés cujas mães tinham naturalidade de países estrangeiros.

    Nascimentos (números absolutos no topo das colunas) nos 10 municípios mais fecundos em 2023 e repartição em função da naturalidade da mãe. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Em 2022, no território nacional, contabilizaram-se 20.464 bebés nascidos de mães com naturalidade estrangeira, representando já 24,5%, e no ano passado subiu para 25.034 nascimentos, significando 29,2% do total. Em apenas dois anos, entre 2021 e 2023, o número de recém-nascidos de mães não-autóctones aumentou quase em oito mil, com o peso relativo a crescer 7,7 pontos percentuais. Se se considerar o ano base de 2014, ou seja, a última década, os partos de nados-vivos com mães de naturalidade estrangeira cresceram 85%. passando de 13.549 para 25.034.

    A Grande Lisboa, englobando a Área Metropolitana de Lisboa e a Península de Setúbal, foi, sem dúvida, o grande contribuidor. Se bem que o peso relativo de nascimentos de mães ‘estrangeiras’ tenha sido, entre 2011 e 2017, sempre bem acima da média nacional, somente em 2018 ultrapassou os 30%, mas em 2022 já atingiu os 37,5%, ultrapassando mesmo dos 44% no ano passado. Por exemplo, no município de Lisboa, em 2023 contabilizaram-se 2.270 nascimentos de mães ‘estrangeiras’ e 3.776 de mães de naturalidade portuguesa, ou seja, 40,2% do total dos recém-nascidos vieram ao mundo de mães não-autóctones.

    Mas além de Lisboa e dos seis municípios já destacados (Aljezur, Odemira, Albufeira, Amadora, Sintra e Odivelas), encontra-se mais 18 concelhos que ultrapassam a fasquia dos 40%: Lagos (49,6%), Barreiro (48,8%), Vila do Bispo (48,1%), Seixal (46,9%), Monção (46,2%), Loulé (45,7%), Moita (45,0%), Loures (44,8%), Portimão (44,0%), Almada (43,7%), Valença (42,9%), Entroncamento (42,9%), Cascais (42,8%), Montijo (42,1%), Penela (41,7%), Vila Velha de Ródão (41,2%), Tavira (40,6%), Rio Maior (40,3%).

    O fenómeno do aumento da prevalência dos nascimentos provenientes de mães não-autóctones não tem sido homogéneo, subsistindo ainda grandes diferenças regionais, e espelhando distintas dinâmicas económicas, sociais e demográficas. Enquanto a Área Metropolitana de Lisboa, a Península de Setúbal e o Algarve registam percentagens elevadas de mães de naturalidade ‘estrangeira’, outras regiões, sobretudo, a Norte e nas regiões autónomas apresentam um peso muito mais baixo.

    Número de nascimento de bebés em 2023 por região provenientes de mãe com naturalidade portuguesa (barras azuis) e com naturalidade estrangeira (barras verdes), marcando a proporção percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, na região Norte, nenhuma das sub-regiões ultrapassa os 25% de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, sendo esta percentagem particularmente baixa no Tâmega e Sousa (7,1%) e no Ave (13,7%). No entanto, como acima referido, destacam-se os valores elevados de Monção e Valença, devido à vizinhança com a Galiza. Estes valores heterogéneos reforçam o perfil mais homogéneo destas áreas, onde predominam mães de naturalidade portuguesa. Outras sub-regiões do Norte, como o Cávado (20,6%) e a Área Metropolitana do Porto (18,3%), situam-se ligeiramente acima dos valores mais baixos da região, mas ainda distantes de outras partes do país com maior diversidade.

    Aliás, de entre os 10 concelhos portugueses com mais nascimentos em 2023, os dois da região Norte (Vila Nova de Gaia e Porto), estão abaixo da média nacional no que diz repito à mães não-autóctones, com 21,1% e 28,7%, respectivamente, ou seja, abaixo média nacional. Os restantes oito concelhos, todos da Grande Lisboa, tiveram valores acima dos 40%, com Sintra, Amadora e Odivelas acima dos 50%, como já salientado.

    No Centro, a percentagem de bebés nascidos de mães de naturalidade ‘estrangeira’ foi já mais elevada no ano passado em comparação ao Norte, embora permaneça ainda moderada. Com exceção das Beiras e Serra da Estrela (17,9%), todas as sub-regiões apresentaram valores entre 20% e 30%. O destaque vai para a Região de Leiria, que regista o maior valor da região Centro, com 29,8%, um pouco acima da média nacional.

    persons hand holding babys foot

    As regiões que concentram os valores mais elevados de nascimentos provenientes de mães estrangeiras são a Área Metropolitana de Lisboa (44,5%), a Península de Setúbal (41,4%) e o Algarve (42,2%). Estas três áreas, que lideram a tabela nacional, são destinos preferenciais para comunidades migrantes, quer pelo dinamismo económico, quer pela oferta de emprego em sectores como turismo, construção civil e serviços. Estes números confirmam o papel fundamental da imigração para a renovação populacional nestas regiões.

    No Alentejo, os valores são, em geral, bastante baixos, com três das quatro sub-regiões a registarem percentagens inferiores a 20%. No Alto Alentejo, apenas 13,3% dos bebés nasceram de mães estrangeiras, enquanto no Alentejo Central o valor é de 18,5%. O Baixo Alentejo também se situa em patamares modestos, com 16,3%.

    A excepção notável é o Alentejo Litoral, onde a percentagem sobe para 25,9%, fruto da relevância crescente da imigração laboral, sobretudo em atividades agrícolas, ao longo da última década. O concelho de Odemira é o principal responsável: no ano passado, apenas 101 dos 275 bebés naturais daquele concelho nasceram de mães de naturalidade portuguesa.

    As regiões autónomas ilustram um cenário demográfico peculiar. Os Açores são, aliás, a região com menor peso de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, registando apenas 5,1% do total, enquanto na Madeira se cifrou nos 19,2%, um valor significativamente abaixo da média nacional.

    Evolução do número de recém-nascidos em Portugal desde 2011 cujas mães tinham naturalidade estrangeira e percentagem em relação ao total. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Estes dados reforçam que as disparidades na naturalidade das mães são uma manifestação clara das dinâmicas económicas e sociais de cada região. Se os municípios dos distritos de Lisboa, Setúbal (sobretudo a norte do Sado) e Faro evidenciam o impacto direto da imigração na estrutura demográfica, observa-se noutras, como o Norte interior e os Açores, perfis populacionais mais tradicionais, com menor diversidade nas origens das mães.

    Esta geografia da maternidade, saliente-se, não permite aferir a nacionalidade das mães nem a naturalidade ou a nacionalidade dos pais, pelo que não se mostra possível retirar quaisquer conclusões sobre graus de miscigenação ou sobre a composição multicultural das famílias. Além disso, a ausência de dados sobre a origem dos pais limita a compreensão das dinâmicas familiares em termos de mobilidade e integração social, restringindo a análise a uma perspectiva exclusivamente centrada nas mães.


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  • Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Os museus do Porto passaram a ser os preferidos dos visitantes estrangeiros, ultrapassando os de Lisboa e de Sintra. Desde 2021, que a ‘capital’ do Norte’ é líder nas visitas de estrangeiros aos museus, mas em 2022 e 2023 a posição de liderança consolidou-se. E, ao contrário de Lisboa e Sintra, o Porto conseguiu nos últimos dois anos ultrapassar o número de visitantes que registava nos anos antes da pandemia. Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que os museus do Porto receberam 2,352 milhões de visitantes em 2023 face aos 2,0 milhões registados em 2019. De resto, a nível nacional, os museus não conseguiram ainda recuperar do tombo observado em 2020 e 2021 devido às políticas radicais e controversas impostas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19. Lisboa não só não recuperou como saltou da primeira para a terceira posição no Top 10 das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, cabendo o segundo lugar a Sintra.


    Goodbye, Lisbon and Sintra! Hello, Oporto! O interesse dos turistas estrangeiros pelos museus da ‘capital’ do Norte catapultaram o Porto para a liderança das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus. Se, em 2019, Lisboa e Sintra eram as cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, o cenário mudou com a crise provocada pela gestão radical da pandemia seguida pelo Governo, que praticamente ‘fechou’ o sector da Cultura e o Turismo. Lisboa não só deixou de ser a favorita como desceu mesmo à terceira posição no ‘top 10’ das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus.

    Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, logo em 2021, o Porto ultrapassou Lisboa e Sintra nas visitas de estrangeiros aos museus, mas foi em 2022 e 2023 que a posição de ‘Rei’ incontestado se consolidou. Em 2019, o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto foi de 2,0 milhões. Em 2020, afundou para 452 mil, mas em 2021 recuperou para 684 mil e, nesse ano, a cidade já superou o número de visitantes estrangeiros nos museus de Lisboa e de Sintra. Em 2022, disparou para 2,27 milhões o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto e voltou a subir para 2,35 milhões em 2023.

    Além de se ter tornado o preferido dos estrangeiros, o Porto – que é a ‘casa’ da Fundação Serralves – conseguiu outra ‘proeza’: ultrapassar o número de visitantes que recebia antes da crise provocada pelas medidas covid-19 do Governo. Já Lisboa e Sintra, ainda estão aquém da performance observada nos antes da pandemia.

    Fundação Serralves, no Porto. / Foto: D.R.

    De notar que o Porto alberga três dos cinco museus nacionais mais visitas em 2022, segundo o INE. Além da Fundação Serralves, existem ainda o Museu dos Clérigos e o Tesouro da Sé Catedral do Porto.

    Já Lisboa, deixou a liderança que ocupava antes da pandemia e afundou para a terceira posição em 2023 e está longe de recuperar ‘a aura’ que tinha entre os visitantes estrangeiros. No ano passado, os museus da capital receberam a visita de 1,69 milhões de estrangeiros, ligeiramente mais do que os 1,66 milhões do ano anterior. Em 2019, o número registado foi de 2,75 milhões de visitantes. Ou seja, no caso dos museus da capital, estão 38,6% abaixo do número de visitantes observado em 2019. Ainda assim, trata-se de uma recuperação, depois de em 2020 as visitas terem descido para 527 mil, uma quebra de 80,8% face a 2019.

    Sintra, onde a ‘estrela é o Palácio Nacional da Pena, que ocupava o segundo lugar do ranking de visitas antes da pandemia, chegou a descer ao terceiro lugar mas ultrapassou Lisboa no ano passado e ocupa actualmente a segunda posição, com 1,73 milhões de visitantes estrangeiros em 2023. Está ainda distante dos 2,53 milhões de visitas de estrangeiros que se observou em 2019.

    Evolução do número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto, Sintra e Lisboa. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Os dados do INE são provenientes do ‘Inquérito aos museus’, o qual é dirigido “aos museus e aos jardins zoológicos, botânicos e aquários que, no ano de referência, estiveram em funcionamento permanente ou sazonal, com pelo menos uma sala ou espaço de exposição e com, pelo menos uma pessoa ao serviço”. É considerado ‘visitante’ cada “pessoa que visita as exposições, utiliza os serviços disponíveis (biblioteca, centro de documentação, reservas, entre outros), e/ou frequenta as atividades realizadas no museu (concertos e conferências, entre outros)”. O INE contabilizou a existência de 644 museus em actividade a nível nacional, dos quais 586 no Continente.

    Segundo o INE, a nível nacional, os museus ainda não conseguiram atingir o número de visitantes estrangeiros que tinham em 2019. Em 2023, o número global de visitantes estrangeiros aos museus atingiu os 8,64 milhões. Se o valor representa uma melhoria de 12,7% face a 2022, ainda está 16,4% abaixo dos 10,34 milhões de visitantes estrangeiros em 2019.

    De facto, o Governo português optou, em 2020 e 2021, por seguir a linha ‘dura’ dos países que optaram por medidas extremas na gestão da pandemia, com imposição de confinamentos e fecho de actividades. As medidas não só levaram ao desastre económico, como deixaram um rasto de excesso de mortalidade recorde nos anos subsequentes, além de ter criado uma onda de problemas diversos de saúde na população que esteve privada de acesso a tratamentos e diagnóstico de outras doenças não-covid. O sector da Cultura esteve entre os mais afectados com as medidas políticas, muitas delas sem base na evidência científica e que hoje estão desacreditadas.

    Visitas totais de estrangeiros aos museus em Portugal. Fonte: INE.

    Em 2020, as visitas de estrangeiros aos museus em Portugal afundou dos 10,34 milhões para os 2,0 milhões. Em 2021, as visitas subiram, mas apenas para 2,89 milhões. Só em 2022, houve uma recuperação mais acentuada, para 7,66 milhões de visitantes estrangeiros. Em 2023, o número de visitas recuperou mas está até abaixo do nível registado em 2018.

    Outra alteração que se pode observar nos últimos anos é a descida observada do peso a nível nacional do ‘top 10’ de cidades favoritas dos estrangeiros que visitam museus. Se em 2014, as 10 cidades com mais visitantes representavam 86,6% do total nacional, em 2019, o peso era de 86,2% e em 2023 já estava nos 81,5%, segundo uma análise feita aos dados do INE.

    Por outro lado, também a composição do ‘top 10’ tem sofrido alterações. Mafra era a quarta favorita em 2014, em 2019 já estava na sétima posição e em 2023 nem consta do ‘top 10’. Já Évora não constava da lista das 10 preferidas em 2014, em 2019 estava na sexta posição e no ano passado ocupava a quinta posição. Também Braga tem vindo a subir na tabela, estando na sexta posição. Guimarães, ‘berço’ de Portugal, mantém a quarta posição que tinha em 2019. Enquanto isso, Coimbra tem vindo a cair na tabela e está oitava posição.

    Top 10 por município do número de visitas de estrangeiros em museus portugueses em 2014, 2019 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Dados do INE relativos a 2022, indicavam que “os cinco museus mais visitados foram o Palácio Nacional da Pena, Museu dos Clérigos, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Museu Coleção Berardo e
    o Tesouro da Sé Catedral do Porto, que em conjunto receberam cerca 4,6 milhões de visitantes (29,5% do total), dos quais 2,9 milhões (37,9%) eram estrangeiros”.

    Dos museus geridos pela empresa pública Museus e Monumentos Nacionais, o mais visitado em 2023 foi o Mosteiro dos Jerónimos, com 965 mil visitas. No total, entre visitantes nacionais e estrangeiros, os museus e monumentos públicos geridos pela MMN geraram um total de 5,15 milhões de visitas em 2023, acima das 4,71 milhões registados no ano anterior.


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