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  • Na “guerra de palavras”, o Público mudou de opinião… e a ERC apoia

    Na “guerra de palavras”, o Público mudou de opinião… e a ERC apoia

    Em Junho, a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) classificou o embaixador de Israel como persona non grata. Dor Shapira respondeu à letra no Público, mas não houve réplica, porque a direcção do diário não apreciou determinadas expressões. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) veio agora dar razão ao director do Público, e acha mesmo que há mais expressões contra Israel que deveriam ser “proibidas”. Os tempos são agora bem diferentes do que eram, por exemplo, há oito anos… nas páginas também do Público. Confira.


    Em 2014 escrevia-se longo e grosso nas páginas do jornal Público, no auge de uma ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza. No dia 16 de Julho, a embaixadora Tzipora Rimon não poupava nas palavras em artigo de opinião intitulado “Em busca da estabilidade perdida dos cidadãos de Israel”: “Em Israel o valor da vida fica no topo da escala de valores e o Estado dedica todos os seus meios a melhorar a forma de a preservar. Contrária a isto é a actuação do Hamas, internacionalmente reconhecida como organização terrorista, cuja motivação é destruir vidas de israelitas.”

    E continuava sem rodeios nem receios: “O Hamas dirige os seus mísseis para áreas residenciais populosas para, indiscriminadamente, atingir o máximo de civis israelitas – crianças, mulheres, idosos. O Hamas declara abertamente ser seu objectivo atingir centros populacionais, como Telavive, Jerusalém, Haifa e muitas outras cidades, e não alvos militares.”

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    Nem uma linha fora do contexto. Uma piscadela para passar o parágrafo seguinte, e a embaixadora, que esteve em Portugal entre 2013 e 2017, mantinha a linha sem contemplações: “Esta é uma clara violação do direito internacional e é um crime de guerra. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou: Esta é a diferença entre nós e o Hamas. Usamos um sistema defensivo antimíssil para proteger os cidadãos de Israel e o Hamas está a usar os residentes de Gaza para defender os seus arsenais de mísseis.”

    O artigo de opinião ainda contava mais quatro parágrafos, mas o importante aqui é acrescentar que teve resposta a preceito, três dias depois. Em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina, um grupo de cinco pessoas pôde fazer duas coisas simples: contestar a opinião da embaixadora de Israel no próprio jornal que a publicou – então dirigida por Bárbara Reis –, e prescindiu, sem problemas, de ser meigo na escolha das palavras.

    Logo a abrir, o título: “Um artigo racista da embaixadora israelita”.

    Na polémica em 2014 entre o embaixador de Israel e apoiantes da causa palestiniana não se mediram palavras.

    Depois, em apenas quatro parágrafos, os mimos foram constantes: “(…)  as únicas ‘vidas humanas’ que importam ao regime racista israelita são as dos seus cidadãos judeus”; “incrível cinismo” da embaixadora; “campanha israelita de limpeza étnica” e “regime israelita do apartheid”. E ainda, em relação à postura dos israelitas em relação aos palestinianos na Faixa de Gaza, explícitas comparações com o “extermínio dos judeus na Alemanha nazi” e acusações de “lógica genocida” similar ao nazismo.

    Tudo valeu como argumentos – e, independentemente das posições extremadas, fez-se opinião. Chocante? Sim. Mas expôs-se opinião, dura e crua, de ambos os lados. A liberdade de expressão é assim.

    Mas isso foi há oito anos…

    Hoje, aquele texto de André Trassa, Elsa Sertório, João Jordão, Sahd Wadi e Teresa Cabral – os autores do artigo em 2014 em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina – jamais seria publicado no Público.

    E não por o actual director do Público, Manuel Carvalho, fosse eventualmente considerar ilegítimo que o Comité de Solidariedade com a Palestina retorquisse (por não ter mandato de representação do Hamas), mas sim porque aquele texto de há oito anos seria agora acusado de “conter expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvem responsabilidade criminal, nos termos do disposto no número 4, do artigo 25º da Lei de Imprensa”.

    Marcha de Orgulho LGBTI+ teve este ano um “condimento especial”, uma polémica entre a organização e o embaixador de Israel.

    E porque se diz isto? Por uma simples razão: a citação do parágrafo anterior consta de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, apenas esta semana colocada no seu site (embora tomada em 31 de Agosto passado). A dita deliberação dá razão ao Público por recusar um direito de resposta à Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) sobre um artigo de opinião do embaixador israelita Dor Shapira.

    Recue-se para contextualizar. No cerne da polémica esteve a recusa da organização daquela marcha, que se realizou em Lisboa no passado dia 18 de Junho, em acolher a participação do embaixador israelita, não por qualquer tipo de discriminação sexual naquele país, mas por razões políticas relacionadas com a Palestina.

    Dor Shapira não gostou e aproveitou a abertura das páginas do Público para opinar, no dia 21 de Junho, sobre a MOL, dizendo não saber se a decisão de o colocar como persona non grata se devia a “ignorância, estupidez ou hipocrisia”. E zurzia mais, acusando a organização de estar “capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas”, acabando a defender o seu país, atacando a Palestina: “Em muitos dos países vizinhos de Israel – e especialmente na Faixa de Gaza – não há Comunidade LGBTI+ por uma razão muito simples: se alguém o assumir será sumariamente punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução. Israel acolhe estas pessoas.”

    Ao contrário da sua antecessora em 2014, o embaixador de Israel não teve de receber resposta ao seu artigo de Junho passado.

    Uma polémica é sempre boa para dirimir com palavras, duras que sejam; antes isso do que usarem-se somente armas, pensar-se-á. Mas o director do Público não deixou. E a novela passou para outro patamar.

    Primeiro, no dia 23 de Junho, a organização do MOL quis publicar um artigo de resposta, alegando até a Lei da Imprensa, mas Manuel Carvalho, o director do Público, não deixou. Havia uma frase terrível no texto dos organizadores do MOL: “Um estado que se vangloria da sua democracia e respeito pelos DH [Direitos Humanos] enquanto desenvolve um dos mais longos genocídios da história da humanidade.”

    Segundo consta da deliberação da ERC, andou a direcção do Público a contar palavras – e achou “exagerada [a] dimensão do texto [da organização da MOL], por comparação com a do artigo respondendo“ [do embaixador]. E alegou também existirem “referências que não tinham relação directa e útil com o teor do artigo de Dor Shapira”, além de constarem “expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolviam responsabilidade criminal”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social só divulgou esta semana a polemica deliberação votada em finais de Agosto.

    Dois dias mais tarde, após a recusa inicial, a organização da MOL reduziu o texto, mas continuou a encravar no director do Público, que pretendeu ver retirada a expressão “campanhas de genocídio”, porque, segundo conta a deliberação da ERC, era “contrária ao Estatuto Editorial do Público e desproporcionadamente desprimorosa ou implicando responsabilidade criminal”. Com a expressão “campanhas de genocídio”, Manuel Carvalho não publicava; sem a dita expressão, publicava…

    E, então, foi o caso parar à ERC. E o resultado ainda foi mais restritivo quanto ao uso de certas expressões. Na deliberação, o regulador (ainda) presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas defende que a “acusação a Israel de levar a cabo campanhas genocidas, e sendo o genocídio um dos crimes mais graves que pode ser imputado a um Estado” pode “mesmo ser fonte de responsabilização para o jornal caso o texto de resposta fosse publicado”, concluindo assim pela legitimidade da recusa do director do Público.

    Mas a ERC acabou por ainda ir mais longe, considerando que seria suficiente, para a recusa legítima de publicação de um texto de resposta ao abrigo da Lei de Imprensa, que se acusasse Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.


    N.D. Há momentos em que o jornalista não consegue decidir se deve informar ou se deve opinar, manifestando a sua repulsa. Este é um deles. Todo este episódio – e sobretudo o contraste de hoje com um passado tão recente na aceitação do debate duro – mostra a lamentável e miserável mudança social nos últimos anos.

    Se este episódio nos revela algo, não é tanto as raízes e ramificações do conflito israelo-palestiniano – que esse vai durar; é sim a perda (recente) da nossa capacidade como sociedade em saber discutir aberta e tenazmente um qualquer assunto. O politicamente correcto anda a ser imposto; prevalece o respeitinho; censura-se a palavra mais dura, mesmo se discutível a sua essência e justeza. A Censura is the new black.

    Confesso que me encontro (lamentavelmente) impreparado para poder concordar com todas as acusações contra Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.

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    Mas sei, e isso sem pestanejar, ser lamentável que haja quatro pessoas que lamentavelmente serpenteiam pelos corredores de uma entidade que foi criada pela Constituição para defender a liberdade de expressão achem que, no espaço público, de debate, não se possa usar aquelas expressões considerando-as “desproporcionadamente desprimorosas”. E que digam que isso não pode ser porque, enfim, o embaixador de Israel até mostrou um “tom contido e o lamento nele expresso pela recusa em participar” na MOL.

    Sobre o Público de agora; não faço já mais comentários por agora: confrontar a postura de 2014 com a de 2022 mostra-se suficiente e prescinde de mais opinião.

    Há qualquer coisa aqui, por aí, de bafiento. E um futuro sombrio se coloca nos nossos horizontes, com gente assim.

  • Uma em cada cinco famílias portuguesas está em “pobreza energética”. Em Boticas chega a ser três em cinco

    Uma em cada cinco famílias portuguesas está em “pobreza energética”. Em Boticas chega a ser três em cinco

    Quase 20% das famílias portuguesas está a receber descontos na factura da electricidade por ter rendimentos muito baixos. Uma análise detalhada do PÁGINA UM identificou as regiões e concelhos com as maiores carências, quase todas no Norte e Centro do país, onde faz mais frio no Inverno. Será que as famílias mais carenciadas aguentarão a prevista escalada de preços por força da galopante inflação?


    Uma em cada cinco famílias estará a beneficiar de tarifa social de electricidade (TSE) – um apoio automático do Estado que, na verdade, revela uma situação de grande debilidade financeira que coloca a população portuguesa numa das piores situações europeias em relação à denominada pobreza energética. Com a aproximação do Inverno e a galopante taxa de inflação, a probabilidade de um impacte na Saúde Pública pode ser brutal, tendo em conta que os internamentos e a mortalidade aumentam com o frio.

    De acordo com cálculos do PÁGINA UM, 19,3% das famílias portuguesas encontram-se abaixo de um limiar de rendimentos que as levam a necessitar de apoio estatal.

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    A situação mostra-se mais grave nas regiões Norte e Centro do país, atingindo os 32,4% – quase uma em cada três famílias – no distrito de Vila Real, e estando acima dos 20% nos distritos de Bragança (27,9%), Viseu (25,0%), Guarda (24,5%), Viana do Castelo (23,0%), Braga (21,2%) e Porto (20.9%).

    As regiões com menor percentagem de aglomerados familiares com direito a TSE são, curiosamente, o Alentejo (Évora, Beja e Portalegre), e os distritos de Lisboa e de Faro.

    Face ao desconhecimento do número de contratos de consumo doméstico por concelho por parte da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), o PÁGINA UM considerou, para o cálculo das estimativas, o número de contratos beneficiários de TSE – disponibilizados para o mês de Junho – e o total das famílias apuradas pelos Censos de 2021.

    Por concelho, três integrados no distrito de Vila Real se destacam em termos de percentagem de famílias a necessitarem de apoio estatal para pagar as contas de electricidade: Boticas (60%, com 1.225 contratos de TSE num total de 2.057 famílias), Montalegre (52%, com 2.042 contratos de TSE num total de 3.943 famílias) e Valpaços (48%, com 3.079 contratos de TSE num total de 6.472 famílias).

    Percentagem de famílias com tarifa social de electricidade por distrito em Junho de 2022, calculado em função do número de beneficiários por 100 famílias. Fonte: DGEG e INE. Análise: PÁGINA UM. Mapa: © João Cláudio Martins.

    Acima dos 33% encontram-se ainda 15 municípios: três do distrito de Viseu: Vila Nova de Paiva (44%), Sátão (39%) e Resende (38%); mais três de Vila Real: Mondim de Basto (38%), Chaves (35%) e Santa Marta de Penaguião (33%); quatro de Bragança: Vila Flor (36%), Alfândega da Fé, Vimioso e Macedo de Cavaleiros (todos com 34%); um de Braga: Celorico de Basto (35%); três da Guarda: Sabugal (35%), Aguiar da Beira (34%) e Vila Nova de Foz Côa (33%); e ainda um do Porto: Baião (34%).

    De entre os concelhos com menores percentagens de família com TSE salientam-se Castanheira de Pêra (9%), Penela (10%), Odemira e Alcoutim (ambos com 11%) e Arronches, Figueiró dos Vinhos, Santiago do Cacém, Estremoz, Coruche e Alcácer do Sal (todos com 12%).

    Dos concelhos de maior dimensão, Lisboa tem 14% das famílias com TSE (34.944 contratos em 242.618 famílias), Sintra conta 21% (32.174 contratos em 153.234 famílias), Vila Nova de Gaia 20% (24.305 contratos em 121.311 famílias), Porto tem 18% (18.316 contratos em 102.227 famílias) e Cascais 16% (13.783 contratos em 86.497 famílias).

    Recorde-se que desde Julho de 2016, o acesso ao benefício da tarifa social da energia eléctrica e também de gás passou a ser concretizado por um mecanismo de reconhecimento automático, através da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social.

    São beneficiários os titulares de contratos domésticos que recebam complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção, prestações de desemprego, pensão social de velhice ou invalidez ou o agregado familiar com um rendimento anual igual ou inferior a 5.808 euros, acrescido de 50% por cada elemento que não tenha qualquer rendimento, até ao máximo de 10.

    No caso da TSE, o benefício consiste, actualmente, num “desconto de 33,8 % sobre as tarifas transitórias de venda a clientes finais de eletricidade, excluído o IVA, demais impostos, contribuições, taxas e juros de mora que sejam aplicáveis”.

    Apesar da perda generalizada de rendimentos durante a pandemia, até houve uma redução global de beneficiários do TSE. De acordo com os dados da DGEG, a TSE reduziu-se de 780.255 contratos no final do primeiro trimestre de 2020 para 766.930 em Junho deste ano, ou seja, uma diminuição de 1,7%.

    Percentagem de famílias com tarifa social de electricidade por concelho em Junho de 2022, calculado em função do número de beneficiários por 100 famílias. Fonte: DGEG e INE. Análise: PÁGINA UM. Mapa: © João Cláudio Martins.

    Em 25 de Agosto passado, Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática, anunciou, a pretexto do aumento do preço dos combustíveis e electricidade, um conjunto de medidas de mitigação da inflação, nomeadamente a possibilidade de transição para o mercado regulado, a colocação de um preço máximo do gás doméstico e do apoio da Bilha Solidária. Além disso, O Governo alterou o IVA da electricidade de 23% para 6%, mas apenas para os primeiros 100 KWh, o que, de acordo com a DECO, resultará “numa poupança média mensal de 1,08 euros”.

    O impacte nos próximos meses da subida do preço da electricidade pode ser significativo se o Inverno for particularmente frio, agravando assim os efeitos da denominada “pobreza energética” de Portugal, com consequências tanto no conforto como mesmo da taxa de mortalidade.

    Nos últimos anos, de acordo com uma análise de Luísa Schmidt e Ana Horta, investigadoras do Instituto de Ciências Sociais, os preços da eletricidade para os consumidores domésticos em Portugal têm sido dos mais elevados da União Europeia, muito por via dos impostos.

    Em 2019, o Eurostat indicou que os impostos e taxas incluídos nas faturas da eletricidade dos portugueses constituíram 55% do preço final. “Assim, num contexto sociocultural em que se considera normal ter frio em casa no inverno, muitos portugueses optam por reduzir ao mínimo os custos com aquecimento”, salientam as duas investigadoras.

    Alguns dos indicadores compilados pelo Instituto de Ciências Sociais mostram que Portugal se encontrava já numa situação complexa do ponto de vista do conforto energético, com 18,9% dos portugueses incapazes de manterem a casa adequadamente quente, valor que confronta com 7% na União Europeia. As investigadoras consideraram também que, além do problema de rendimento das famílias, também se coloca o óbice da “literacia” energética, ou seja, as pessoas ignoram, em muitas situações, quais os tarifários mais adequados e outras medidas de poupança e de eficiência energética.

  • E a grande novidade da Feira do Livro de Lisboa (ao ar livre) é… a ausência de máscaras

    E a grande novidade da Feira do Livro de Lisboa (ao ar livre) é… a ausência de máscaras

    Desde 2020, a Feira do Livro de Lisboa foi “empurrada” para Agosto. Depois de fortes restrições nas úlltimas duas edições, abriu ontem a 92ª edição. Há muitos livros, encontros com autores e muitos comes-e-bebes. Só faltam mesmo as máscaras, que não deixam saudade.


    Já foi na Primavera, com chuvadas à mistura, agora tem sido em pleno Verão, mas é uma tradição incontornável em Lisboa. A caminho do centenário, ontem, abriu a 92ª edição da Feira do Livro, em pleno Parque Eduardo VII.

    Embora o panorama sócio-económico actual seja de crise e inflação, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) promete que esta, sim, será a maior de sempre: 340 pavilhões e 140 participantes, entre grandes grupos editoriais, pequenas editoras e mesmo alfarrabistas.

    Ontem, na inauguração, a maior diferença que saltou à vista, face aos dois anos anteriores, não foram os livros, nem as roulottes com comida, nem a presença já habitual do presidente da República. Foi sim uma ausência face às duas edições anteriores (2020 e 2021): a máscara facial. Além de todas as outras medidas como a entrada condicionada ou o álcool gel.

    A “normalidade” tem-se vindo a recuperar aos poucos e os corredores da Feira comprovaram-no. Poucas foram as máscaras, muitos os livros.

    Longe de estarmos perante uma canícula, pela tarde de ontem o fluxo de visitantes ainda era moderado, e concentrava-se não tanto nos pavilhões, mas nas sombras das árvores. E também, sem surpresa, nas zonas dos “comes e bebes”, incluindo bancas de gelados, mais apetecíveis que um Prémio Nobel.

    Mas não apenas de livros viverá esta feira. Estamos perante um evento cultural em que haverá workshops, debates, showcookings – que foram interrompidos durante a pandemia – e as costumeiras sessões de autógrafos para todos os gostos e feitios. Os fins-de-semana são garantidamente os dias com maior concentração de autores para dois dedos de conversa – às vezes nem isso, se a fila for grande para os mais populares – e uns autógrafos da praxe.

    Um colaborador da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, que já representa a marca na Feira do Livro de Lisboa há seis anos, disse ao PÁGINA UM que a afluência de visitantes estará agora próxima da realidade pré-pandemia. “Nota-se uma clara diferença em relação aos últimos anos, as pessoas estão mais descontraídas e não têm tanto medo de mexer nos livros”, reconheceu Gonçalo Silva.

    Junto aos stands do grupo editorial Penguin Random House, o testemunho de outro vendedor também foi positivo. João Alves, um estreante a trabalhar nesta edição, assegurou que, apesar de ser esperada uma maior afluência ao final da tarde, logo nas primeiras horas da manhã “as vendas correram muito bem”.

    Este será o terceiro e último ano em que a Feira do Livro decorre na recta final do Verão (em Agosto e Setembro), ainda no decurso das medidas impostas no âmbito da pandemia. Em 2023, o evento voltará a realizar-se de acordo com o calendário habitual – entre Maio e Junho. Na cidade do Porto, por sua vez, a sua Feira inicia-se hoje.

  • Bastaram 30 bebedouros para EPAL “arrebatar” prémio ambiental patrocinado por empresa-mãe

    Bastaram 30 bebedouros para EPAL “arrebatar” prémio ambiental patrocinado por empresa-mãe

    Estava prevista a instalação de 200 bebedouros em Lisboa no âmbito da Capital Verde Europeia, mas o projecto arrastou-se e só foram ainda colocados 30 em dois anos e meio. Este ano, nem um. Não houve problema: a EPAL, em parceria com a autarquia de Lisboa e uma associação ambientalista ligada ao PSD, foi mesmo assim distinguida com um prémio promovido pela revista Visão e patrocinado em 60 mil euros pela “holding” Águas de Portugal.


    Uma trintena de bebedouros colocados ao longo dos anos da graça de 2020 e de 2021 foi o quanto bastou para a Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL) – em parceria com a autarquia de Lisboa e o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território (GEOTA) – “arrebatar” um prémio de sustentabilidade.

    A inusitada façanha – quase ao nível das ancestrais inaugurações dos chafarizes do Estado Novo – foi entronizada pela revista Visão em Junho passado, através dos Prémios Verdes, cujo patrocínio exclusivo, com direito a contrato no Portal Base no valor de 60.000 euros, foi do Grupo Águas de Portugal – nada mais, nada menos do que a empresa-mãe da EPAL.

    Inauguração do bebedouro da EPAL em Janeiro de 2020

    O contrato em causa incluía também a realização de entrevistas e artigos de opinião de pessoas ligadas a esta empresa pública de saneamento.

    Aliás, entre o júri dos prémios – que contou com cinco categorias – estiveram a própria directora da Visão, Mafalda Anjos, e o presidente do Grupo Águas de Portugal, José Furtado, que tem como seu vice-presidente José Manuel Sardinha, que acumula a presidência da própria EPAL.

    Justificada fica assim a forma como no site da EPAL se anunciou a surpreendente distinção: “Projeto ‘Rede de Bebedouros de Lisboa’ arrebata o galardão ‘Prémios Verdes – Visão+AdP’, na categoria Água e Cidades Sustentáveis”.

    Mas ainda mais espantoso do que o “amor maternal” do Grupo Águas de Portugal para com a sua empresa-filha EPAL é o facto de o projecto dos bebedouros estar ainda muito longe da conclusão. Ou melhor dizendo, está muito atrasado.

    Primeiro bebedouro instalado, em foto tirada na semana passada.

    Em concreto, dois anos e meio se passaram desde a “primeira pedra” e a taxa de execução está em apenas 15%, quase fazendo jus à primeira grande obra pública da antecessora da EPAL: o Aqueduto das Águas Livres demorou mais de 13 anos até chegar a Lisboa no século XVIII no meio de avanços e muitos recuos.

    Lançado com pompa e circunstância em 27 de Janeiro de 2020, com direito à presença do então ministro do Ambiente Matos Fernandes e uma vasta comitiva, o primeiro dos 200 bebedouros, a serem disseminados pela capital, foi “plantado” na Avenida da Liberdade defronte à sede da EPAL. A cerca de 20 metros encontra-se um antigo e elegante bebedouro em pedra lioz, inactivo, como tantos outros em jardins alfacinhas.

    Aplicativo H2o Quality mostra localização dos bebedouros da EPAL/Câmara de Lisboa e das juntas de freguesia.

    Mas este, tal como os outros 199 previstos – que contavam com um orçamento de 400 mil euros –, eram de última geração: “mais modernos e inclusivos, em espaços abertos e fechados, que podem ser utilizados por crianças, adultos e pessoas com mobilidade reduzida”, possibilitando o enchimento de garrafas e de fornecimento de água a animais de estimação.

    Aquando da inauguração deste primeiro bebedouro, enfatizou-se a sua importância na sustentabilidade ambiental e o seu enquadramento nas iniciativas de Lisboa como Capital Verde Europeia. Mas foi-se o ano de 2020, e apesar de se saber que os bebedouros eram de “água da torneira”, o projecto foi perdendo gás. Este ano, por exemplo, ainda não foi colocado nenhum.

    Marcos Sá, assessor de comunicação da EPAL, alega questões contratuais para que apenas estejam até agora instalados 30 bebedouros, faltando portanto 170. “A partir de determinados valores, somos obrigados a fazer concursos públicos, e tivemos de os fazer para a montagem”, esclareceu o porta-voz da empresa.

    Os bebedouros deste projecto podem ser encontrados no aplicativo H2O Quality, que tem também a localização de vários outros patrocinados por juntas de freguesias, nomeadamente Penha de França, Arroios e Estrela, que, aliás, nunca receberam prémio algum.

    A EPAL garante agora que está prevista a conclusão da instalação dos 200 bebedouros  no “primeiro trimestre de 2023”, após ter sido já feita uma adjudicação por ajuste directo. Certamente que se com 15% da “empreitada” concluída se recebeu um prémio, com 100% mais lhe serão atribuídos.

  • Corpo Nacional de Escutas exigia certificado digital ou teste em mega-acampamento, mas afinal agora só é uma “recomendação”

    Corpo Nacional de Escutas exigia certificado digital ou teste em mega-acampamento, mas afinal agora só é uma “recomendação”

    Na próxima segunda-feira, inicia-se o 24º acampamento de escuteiros em Idanha-a-Nova. E o Corpo Nacional de Escutas quis ser, em matéria da gestão da covid-19, mais “papista” do que a própria Direcção-Geral da Saúde, impondo “controlo sanitário” prévio de entradas, com distinção entre vacinados/recuperados e não vacinados. Mas, afinal, confrontada pelo PÁGINA UM por via da ilegalidade desta discriminação e falta de sustentação legal e epidemiológica, a organização diz agora que, afinal, não passa de uma “recomendação”.


    O lema cunhado durante a pandemia, “seja um agente de Saúde Pública”, está a fazer escola, e agora multiplicam-se os casos de “exageros de autoridade”, onde entidades sem funções públicas exigem o cumprimento de regras que nem sequer encontram respaldo nem na Ciência nem em normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e muito menos na legislação.

    É o caso do Corpo Nacional de Escutas (CNE) que, num mega-acampamento (ACANAC) em Idanha-a-Nova entre 1 e 7 de Agosto, decidiu implementar plano de contingência “fora-da-lei”.

    Foto: ©Agência Ecclesia

    De acordo com os documentos a que o PÁGINA UM teve acesso, a organização deste evento escutista internacional nomeou um número indeterminado de responsáveis com a função de “assegurar que haja um responsável sanitário (poderá ser o responsável de contingente ou não, mas que deverá estar presente em Campo) que se certifique que cada participante do contingente tem pelo menos uma das seguintes condições: certificado de vacinação completo, ou certificado de recuperação válido, ou teste antigénio negativo 24h [24 horas] antes da entrada no ACANAC”. Esse responsável estaria obrigado a assinar um termo de responsabilidade.

    Em e-mail enviado aos pais dos jovens escuteiros, a que o PÁGINA UM também teve acesso, é salientado o facto de se estar perante um “evento privado e como tal, em articulação com as autoridades de saúde pública locais, considerou-se que seria uma mais-valia para a segurança de todos os participantes que fossem cumpridas algumas regras para entrada” no acampamento.

    Sucede, porém, que tanto em eventos privados como públicos, estas exigências não têm já qualquer enquadramento legal nem introduz qualquer benefício sanitário. Um detentor de certificado digital pode estar, no momento da sua exibição, infectado, pelo que a sua entrada sem teste num acampamento – assumindo-se que os testes em assintomáticos são formas eficazes de prevenção epidemiológica – seria até “perigosa”, ao contrário do que sucederia com um não-vacinado a quem se faria um teste para confirmar que estava negativo.

    Idanha-a-Nova vai receber escutistas a partir de segunda-feira.

    Além disso, recorde-se que, actualmente, o detentor de um certificado digital válido não tem já, na prática, e dentro do território nacional, qualquer “direito suplementar” ou benefício face às pessoas não-vacinadas ou que, sendo recuperadas ou recebido doses de vacinas, excederam o prazo do certificado. Todas as normas – algumas de constitucionalidade duvidosa e de eficácia preventiva questionável – que limitavam o acesso apenas a detentores do certificado válido e/ou exigiam, em complemento ou alternativa, um teste ao SARS-CoV-2 foram caindo nos últimos meses.

    Mesmo desde o dia 1 deste mês, por despacho governamental “deix[ou] de ser exigido aos passageiros que entrem em território nacional a apresentação de comprovativo de realização de teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2 com resultado negativo ou a apresentação de certificado digital COVID UE ou de certificado de vacinação ou recuperação emitido por países terceiros, aceite ou reconhecido em Portugal”.

    Confirmando ao PÁGINA UM as exigências para a entrada no acampamento que se inicia na próxima segunda-feira, o coordenador de comunicação externa do CNE, Henrique Ramos, diz que a organização pretendeu “garantir o cumprimento de todas as condições de segurança para os participantes, sendo aplicadas e postas em prática pela Equipa Organizadora e de Serviço, todas as medidas que o possam garantir”.

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    Henrique Ramos acrescenta ainda que “quer na preparação quer na realização do ACANAC 2022”, se pretendeu que fossem “implementadas todas as medidas vigentes à data”, daí que “com o objetivo de diminuir o risco de contágio entre os participantes, decidiu a Equipa Organizadora do ACANAC solicitar aos agrupamentos participantes que se certificassem que cada participante do seu contingente não constituísse um risco para os restantes participantes.”

    Porém, o porta-voz da CNE acaba por admitir que, “como estas condições não serão confirmadas pela organização, esta solicitação [exigência de certificado ou de teste prévio para acesso ao acampamento] assume na prática a forma de recomendação, sendo que por esse motivo nenhum participante será impedido de participar na maior festa do escutismo em Portugal.”

    O PÁGINA UM contactou a DGS para comentar esta situação, mas mesmo com insistências, não obteve resposta, como quase sempre sucede.

  • Censura na Carta de Direitos da Era Digital tem os dias contados

    Censura na Carta de Direitos da Era Digital tem os dias contados

    Depois de ver o Chega a apresentar um projecto de lei para revogar o controverso artigo que previa o estabelecimento da Censura por fact-checking, o Partido Socialista correu a propor retirar apenas os cinco pontos mais polémicos. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social defende, entretanto, o expurgo completo do polémico artigo 6º daquela lei. Mas também está contra a possibilidade, proposta pelo partido de André Ventura, de se encontrar um regime de excepção para políticos e jornalistas que lhes permitam transmitir “fake news” sem penalidades.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) defende, num parecer legislativo ontem divulgado, a revogação do controverso artigo 6º da Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, uma lei aprovada em Abril do ano passado pela Assembleia da República que previa a possibilidade de o Estado orientar a “censura” de conteúdos por si considerados “desinformação”.

    Este diploma, em vigor desde Julho de 2021, estabeleceu, entre outras normas, que o “Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos [fact checkers] por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.

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    Estas entidades teriam a incumbência de classificar a suposta “desinformação”, que a lei definia como “toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”

    Contudo, se aplicada sem critério, e com intervenção estatal, este normativo significaria a reintrodução da Censura em Portugal.

    Em resposta a um pedido da Assembleia da República face a uma proposta de alteração desta lei do partido Chega –, a ERC reitera algumas das posições que já manifestara em 2021, até porque então se passou a prever que o regulador dos media passasse também a receber queixas fora da esfera da comunicação social.

    O regulador critica sobretudo o modelo escolhido pela Assembleia da República de, para a constituição de plataformas de verificação de factos, se “apoiar apenas estruturas que sejam extensões de órgãos de comunicação social”, porquanto tal solução seria sempre “redutora e discriminatória”, até porque seria sempre desejável uma postura de “independência e imparcialidade”.

    A ERC defende que, a existirem fact checkers com essa função, faria mais sentido “integrar académicos, jornalistas, investigadores independentes, sem quaisquer ligações a órgãos de comunicação social pré-existentes”.

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    Independentemente dessas considerações, o regulador mostra-se bastante mais favorável à simples revogação de todos os seis pontos do artigo 6º perante todas as “perplexidades e reservas” que foram recebendo desde a entrada em vigor da lei. Tantas que, na verdade, este artigo nunca foi aplicado.

    Apesar desta posição, a ERC manifesta-se, por outro lado, contra o projecto de lei do Chega em acrescentar uma excepção num outro artigo, o 5º, para os partidos políticos e os órgãos de comunicação social.

    Além de admitir que o actual artigo 5º levanta “sérias dúvidas” quanto à sua constitucionalidade por se prever, em condições especiais (ainda nem sequer definidas), a “interrupção intencional de acesso à Internet (…) ou a limitação da disseminação de informação ou de outros conteúdos” em caso de divulgação de conteúdos falsos, a ERC diz que abrir excepções aos partidos e aos media consagraria “uma solução que parece violadora dos princípios da igualdade e da não discriminação”.

    Como argumento, o regulador diz que a solução nunca deveria passar por aceitar que políticos e jornalistas pudessem, sem penalidade, praticar “comportamentos qualificados como desinformação” que estariam “vedados a todas as restantes pessoas ou entidades”.

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    Recorde-se que esta será a segunda vez que a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital está em debate para a exclusão do famigerado artigo 6º. Apesar de aprovado por unanimidade em 8 de Abril do ano passado, ainda nesse mês a Iniciativa Liberal e o CDS quiseram revogar o tal artigo controverso, mas então sem sucesso.

    Curiosamente, no mês passado, 10 dias após o projecto de lei do Chega ter dado entrada no Parlamento, 76 deputados socialistas propuseram também uma alteração profunda no artigo 6º. Não chega a ser a revogação total, mas expurga os pontos mais polémicos, mantendo somente o princípio de que “o Estado assegura o cumprimento em Portugal do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação, por forma a proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, de jure ou de facto, que produzam, reproduzam ou difundam narrativa considerada desinformação”.

    Como o Partido Socialista está em maioria na Assembleia da República, com a aprovação da sua proposta, mesmo que venha a ser chumbado o projeto do Chega, na prática esvazia-se toda a polémica da Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Com a espuma dos dias a desaparecer em redor da pandemia, começam a surgir investigadores com coragem para análises menos emotivas e mais científicas. Anteontem, na prestigiada BMJ Global Health foi publicado um extenso artigo de nove investigadores de diversas universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido onde não se poupam críticas aos abusos cometidos na gestão da pandemia que colidiram “com os direitos humanos e promoveram a polarização social, afectando a saúde e o bem-estar”.


    Nove investigadores norte-americanos, canadianos e britânicos acusam as políticas de vacinação contra a covid-19, seguidas pelos diversos países democráticos, de terem tido “efeitos prejudiciais na confiança do público, na confiança nas vacinas, na polarização política, nos direitos humanos, nas desigualdades e no bem-estar social”.

    Num extenso artigo de 14 páginas publicado na passada quinta-feira na prestigiada revista científica BMJ Global Health, os nove investigadores – que trabalham, entre outros centros, na Universidade de Oxford, Johns Hopkins University (Maryland), London School of Hygiene & Tropical Medicine, Universidade de Washington e Universidade de Toronto – questionam “a eficácia e as consequências da política de vacinação coerciva na resposta à pandemia”, recomendando aos decisores políticos que “retomem abordagens de saúde pública não discriminatórias e baseadas na confiança.”

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    Intitulado “The unintended consequences of COVID- 19 vaccine policy: why mandates, passports and restrictions may cause more harm than good”, o artigo aborda, em detalhe, como foi implementada a estratégia de vacinação maciça e as suas implicações em termos de psicologia comportamental (reactância, dissonância cognitiva, estigma e desconfiança), política e direito (efeitos nas liberdades civis, polarização e governança global), socio-economia (efeitos na desigualdade, capacidade do sistema de saúde e bem-estar social) e de integridade da Ciência e da Saúde pública (a erosão da ética da saúde pública e da supervisão regulatória). E também a forma ziguezagueante como políticos e media se comportaram.

    Reconhecendo que as vacinas tiveram impacto significativo na redução da taxa de mortalidade relacionada com a covid-19, os investigadores criticam sobretudo os mecanismos de coerção e estigmatização implementados nos últimos dois anos, que “provocaram considerável resistência social e política”, o que, segundo eles, tiveram “consequências prejudiciais não intencionais”, as quais “podem não ser éticas, cientificamente justificadas e eficazes.”

    Primeira página do artigo.

    Por exemplo, no caso da adopção dos certificados digitais, como passes sanitários para o acesso a determinados locais, os investigadores salientam que acabou por “colidir com os direitos humanos e promover a polarização social afectando a saúde e o bem-estar”, tendo sido usado com um fito “inerentemente punitivo, discriminatório e coercitivo.” Defendem, por isso, ser da máxima importância uma reavaliação “à luz das consequências negativas.”

    No artigo relembra-se também a manipulação da opinião pública em redor da eficácia das vacinas ao longo do ano passado para incentivar a adesão da população.

    “A lógica comunicada publicamente para a implementação de tais políticas mudou ao longo do tempo”, salientam os autores. Numa primeira fase dizia-se que a vacinação visava a “proteção dos mais vulneráveis”. Em seguida serviria para se alcançar a “imunidade de rebanho’, acabar com a pandemia’ e ‘voltar ao normal’, assim que o suprimento de vacinas fosse suficiente”. Porém,“no final do Verão de 2021” já passou a defender-se “a recomendação universal de vacinação para reduzir a pressão hospitalar e nas unidades de cuidados intensivos na Europa e América do Norte”.

    Sobre as políticas gerais da vacinação obrigatória, os autores admitem que têm sido cada vez mais desafiadas e questionadas, devido à diminuição significativa da eficácia contra a infecção, apontando também que estudos realizados em Israel e no Reino Unido mostram que a “vacinação forçada aumentou os níveis de contestação, especialmente naqueles que já desconfiavam das autoridades”, agudizando a polarização social.

    Neste aspecto, os media mainstream são particularmente criticados pelos investigadores, por terem usado “narrativas simplistas sobre percepções públicas complexas”, sobretudo quando sistematicamente optaram por catalogar as posições críticas como uma “consequência de forças ‘anti-ciência’ e de ‘extrema-direita”.

    Nessa linha, a pressão social sobre os não-vacinados chegou a níveis de perseguição. Por exemplo, ainda que a imunidade natural – adquirida por uma infeção anterior por SARS-CoV-2, tenha fornecido uma protecção significativa, mesmo superior à da imunidade vacinal, “muitos dos que foram infetados acabaram por ser suspensos dos seus empregos ou até mesmo despedidos”, no caso de não se terem vacinado, denunciam os investigadores. “Estas pessoas, ficaram impedidas de viajar ou de participar em eventos públicos”, acrescentam.

    Não ser vacinado passou a ser alvo de uma discriminação automática, incentivada por políticos e mesmo pelos media. Discriminar ou rotular não-vacinados “tornou-se socialmente aceitável entre os grupos de pró-vacinas, media e o público em geral, que viram a vacinação completa como uma obrigação moral e parte do contrato social”, referem os investigadores, mas apontam as consequências nefastas: “O efeito, no entanto, tem sido o de polarizar a sociedade – física e psicologicamente (…) A política de vacinas parece ter impulsionado as atitudes sociais em direção a uma dinâmica nós/eles em vez de adaptativa com estratégias para diferentes comunidades e grupos de risco.”

    Para exemplificar, as atitudes hostis de responsáveis políticos, os investigadores elencam frases ameaçadoras e estigmatizantes de diversos políticos, como Emmanuel Macron, Justin Trudeau, Joe Biden, Jacinda Ardern e Tony Blair.

    A declaração do presidente francês, feita no início de Janeiro deste ano, é bastante reveladora da procura de estigmatização: “É uma pequena minoria que está a resistir. Como reduzir essa minoria? Irritando-os ainda mais… Quando a minha liberdade ameaça a liberdade dos outros, eu passo a ser um irresponsável e alguém irresponsável não é um cidadão”.

    Também a de Tony Blair é destacada: “Precisamos chegar aos não-vacinados. Francamente, se você ainda não está vacinado, se é elegível e não tem razões de saúde para não ser vacinado, você não é apenas um irresponsável, mas um idiota.” E também são salientadas duas intervenções do presidente norte-americano, uma das quais em Setembro do ano passado em que responsabilizava os não-vacinados pela manutenção da pandemia. Joe Biden garantia que se estava perante uma “pandemia de não-vacinados”. Como agora se sabe, as vacinas concedem uma protecção extremamente curta ou mesmo irrelevante na redução da transmissão.

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    Segundo os investigadores, “os governos abusaram [também] do poder, invocando um constante estado de emergência, evitando [assim] a consulta pública”, além de terem demonstrado “que confiavam excessivamente nos dados fornecidos pelas farmacêuticas”.

    Considerando também que “a confiança nas autoridades de saúde se perde quando estas não são transparentes” – até porque não existiu transparência sobre o impacto negativo das vacinas, o que “exacerbou as ansiedades sociais, frustrações, raiva e incerteza”, os investigadores concluem que “as consequências criadas por estas circunstâncias, provocam uma tensão entre os princípios constitucionais e bioéticos, especialmente em democracias liberais”. Razão que os leva depois a relembrar que “as estruturas éticas foram projetadas para assegurar que os direitos e liberdades sejam respeitados mesmo durante a emergência de saúde pública”.

  • Haverá ainda uma verdadeira democracia na União Europeia?

    Haverá ainda uma verdadeira democracia na União Europeia?

    A pandemia da covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram dois autênticos “terramotos” na vida do Velho Continente, com a União Europeia a assumir um protagonismo nunca anteriormente visto sobre os países-membros e os seus cidadãos. Conseguirá a democracia sobreviver neste processo?


    Num debate organizado pela Cidadania XXI, na passada terça-feira, o advogado José Luís da Cruz Vilaça e a jurista Maria Vieira da Silva discutiram (e discordaram) sobre a actuação da União Europeia (UE) na salvaguarda das liberdades e garantias dos cidadãos. As decisões tomadas durante a pandemia, como a criação do certificado digital, estiveram “sob escrutínio”.

    Especializada em Direito da UE, Maria Vieira da Silva lançou duras críticas à Comissão Europeia e ao Conselho Europeu, e a algumas das suas últimas directivas, comparando mesmo muitas das decisões das instituições comunitárias com as do Partido Comunista Chinês. “Não reconheço a actual UE e é doloroso dizê-lo”, afirmou a jurista, acrescentando que “quando falamos em democracia falamos em separação de poderes, e na UE já não existe essa separação”.

    Debate colocou em confronto as opiniões de José Luís da Cruz Vilaça e Maria Vieira da Silva, em debate moderado por Carlos Gomes.

    Considerando ainda que no seio da UE apenas já se usa a “liberdade como um slogan”, e que se vende os “direitos fundamentais como meras mercadorias a empresas privadas” – citando o exemplo do Facebook –, Maria Vieira da Silva questionou “onde fica a liberdade de expressão” aludindo, como exemplo, à Lei dos Serviços Digitais.

    Recorde-se que esta legislação delega aos proprietários das redes sociais a capacidade de determinar os conteúdos que podem ou não ser publicados. Ou seja, é uma “autoridade extra-judicial, que tem a tarefa de estabelecer o que é falso ou verdadeiro, legal ou ilegal”, destacou Maria Vieira da Silva.

    Posição distinta neste debate teve José Luís da Cruz Vilaça, advogado e antigo juiz do Tribunal de Justiça da UE, que disse não ter “uma visão apocalíptica do estado de direito“ na principal instituição do Velho Continente. “Não existe um problema sistémico de proteção dos direitos”, defendeu, tendo destacado a importância do Tribunal de Justiça da UE na definição jurisprudencial dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus.

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    No que diz respeito à polémica regulamentação do espaço digital, José Luís da Cruz Vilaça disse que “o problema tem sido o de conciliar os vários direitos fundamentais”, podendo, neste processo, “haver direitos que entrem em confronto“, como a liberdade de expressão e a segurança dos utilizadores.  O advogado ressaltou ainda que se “devem aplicar aos meios digitais os mesmos princípios que se aplicam fora desses meios“.

    Neste debate houve, também, espaço para questionar a integridade da UE, aspecto em que Maria Vieira da Silva acusou a instituição de se deixar corromper pela influência do lobbying: “existem cerca de 30 mil lobistas activos em Bruxelas que exercem mais influência sobre as instituições comunitárias do que todos os eurodeputados”. Para esta jurista, a “UE foi concebida segundo os direitos democráticos, mas foi privada da capacidade de lhes dar resposta”.

    As decisões da UE em reacção à invasão da Ucrânia pela Rússia também estiveram em discussão, merecendo, de igual modo, a reprovação de Maria Vieira da Silva. “Achei escandaloso o facto de a Comissão Europeia suspender os canais russos, só porque Van der Leyen achou que manipulam a verdade dos factos”, considerou.

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    Defendendo a liberdade de expressão como necessária às sociedades democráticas e o artigo 11 da Carta dos Direitos Fundamentais, a jurista manifestou ainda preocupação com “o risco de deitarmos fora os valores ocidentais”.

    Por sua vez, José Luís da Cruz Vilaça optou por fazer a apologia de que ”somos todos mais fortes com a UE”, defendendo que essa “cidadania [comunitária] acrescenta muitos mais direitos do que deveres às cidadanias nacionais”. O antigo juiz do Tribunal de Justiça da UE admitiu, porém, que “a guerra veio alterar um pouco” o panorama jurídico europeu.

    Num ponto houve consenso. Cruz Vilaça e Maria Vieira da Silva posicionaram-se contra o silenciamento mediático daqueles que, por criticarem a gestão da pandemia, foram rotulados com o epíteto de “negacionistas”. Nesse aspecto, o advogado considerou “lamentável que nem todas as pessoas possam exprimir-se da mesma forma”.

  • Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    A autarquia de Lisboa já gastou, desde Julho do ano passado, quase 430 mil euros a comprar kits alimentares para os centros de vacinação contra a covid-19, através de contratos nada transparentes. O primeiro contrato, em vigor até Novembro, serviu para fornecer a cada utente uma maçã, uma embalagem de água e um mini-pacote de bolacha maria. O segundo contrato, assinado por ajuste directo, no mês passado, no valor de 214.900 euros, serve agora para nada: os centros de vacinação estão praticamente vazios.


    Os centros de vacinação contra a covid-19 em Lisboa estão “às moscas”, mas no mês passado, por ajuste directo e sem contrato escrito, a Câmara de Lisboa comprou 214.900 euros de kits alimentares à Albisabores – uma empresa de importação e exportação de Castelo Branco – para os distribuir pelos utentes.

    O contrato, que durará até 12 de Julho – o que implica um custo diário de 1.760 euros – estará a abastecer os três únicos centros de vacinação ainda abertos, agora com uma procura residual, para não dizer praticamente nula, conforme constatou in loco o PÁGINA UM.

    Centro de vacinação no pavilhão da Ajuda. Apenas cadeiras vazias na passada quinta-feira à tarde.

    Ignora-se também que tipo de alimentos foram agora adquiridos, porque nem a Câmara Municipal de Lisboa nem a Albisabores quiseram fornecer informações sobre esta matéria. O gabinete de Carlos Moedas não respondeu ao e-mail do PÁGINA UM. A Albisabores, após um contacto telefónico, pediu perguntas por escrito, mas depois não respondeu.

    O contrato em causa nem sequer foi reduzido a escrito, usando uma norma do Código dos Contratos Público, abusivamente invocada durante a pandemia, que permite esse expediente sempre que “a segurança pública interna ou externa justifica-o”. Ignora-se em que aspecto a segurança pública esteve em causa para a autarquia liderada por Carlos Moedas fazer ajustes directos para a compra de kits alimentares para um centro de vacinação – uma situação raramente feita em outros municípios. Não existe nenhuma sugestão nem recomendação de índole médica que justifique a necessidade de ingerir qualquer alimento ou bebida após a toma da vacina.

    Entrada do centro de vacinação das Olaias, na sexta-feira passada.

    Em Lisboa encontram-se, actualmente, apenas três centros de vacinação contra a covid-19 em funcionamento, devido à já baixíssima procura. E mesmo esses estão praticamente sem fluxo de pessoas.

    O PÁGINA UM fez, na tarde da passada quinta-feira e sexta-feira, uma visita “encoberta” (sem pré-aviso e identificação) aos centros de vacinação no pavilhão desportivo da Ajuda, no Templo Hindu (em Telheiras) e nos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa nas Olaias, e todos estavam com mais pessoal de enfermagem e de logística do que de utentes.

    Por exemplo, no pavilhão da Ajuda, aquando da visita do PÁGINA UM, quatro funcionários conversavam, ao computador, de frente para cerca de 40 cadeiras vazias. Uma diligente funcionária, de pé, e com os braços atrás das costas, aguardava uma eventual, mas nunca anunciada chegada de pessoas para a inoculação.

    Nas Olaias, o cenário era similar. A sala de espera, de dimensão bem mais reduzida e com menos de metade das cadeiras, poderia ainda ser mais pequena. Mesmo que houvesse apenas uma cadeira disponível seria, mesmo assim, mais do que suficiente, porque durante o tempo da visita do PÁGINA UM foi evidente a ausência de interessados na vacina. Os três funcionários da Câmara que lá estavam, de coletes cor-de-laranja, tinham pouco mais que fazer do que contar o tempo. Pessoas para vacinar não havia.

    À entrada do centro do Templo Hindu Radha Krishna, a recepção aos potenciais utentes era feita por sapadores da própria autarquia. O PÁGINA UM observou aí dois longos corredores com dezenas de cadeiras. Todas vazias. Nos guichés, ninguém levantado: apenas funcionários sentados. O “circuito” terminava num enorme auditório para a denominada “zona de recobro”, onde se observaram um pouco mais de uma dezena de pessoas. Não se vislumbrava ninguém a comer ou com qualquer coisa parecida com um kit alimentar.

    Templo Hindu Radha Krishna, na quinta-feira passada. À entrada, sapadores da autarquia controlavam entrada, mas fluxo era quase inexistente.

    Mesmo sem informação disponibilizada pela autarquia de Lisboa e pela Albisabores, este contrato de 214.900 euros poderá, em princípio, não ser muito diferente daquele que foi também assinado em 19 de Julho do ano passado por estas mesmas entidades.

    Nesse contrato, cujos detalhes também não constam no Portal Base, a Albisabores já teve de se sujeitar a um concurso público e “vencer” uma proposta da Sogenave. Mas também aqui se recorreu a um novo expediente: na sua base esteve um concurso público limitado por prévia qualificação, sem publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, porque não ultrapassava o limite de 221.000 euros. Não ultrapassava, diga-se, por apenas 6.100 euros. Note-se que se tivesse sido o Estado a adjudicar, esse limite seria de 144.000 euros.

    Este primeiro contrato do Verão passado, assinado ainda no tempo de Fernando Medina como presidente da autarquia de Lisboa, esteve também em vigor durante 123 dias – entre 19 de Julho e 18 de Novembro de 2021 –, e o PÁGINA UM apurou que consistiu, em geral, no fornecimento de uma simples maçã, um pacote de água em cartão complexo e, por vezes, um mini-pacote de bolachas maria, acondicionado num saco de papel kraft.

    Kit alimentar do primeiro contrato integrava uma embalagem de água comprada em Espanha, uma maçã e um mini-pacote de bolacha maria.

    Note-se que, neste período, a afluência de utentes para vacinação foi incomensuravelmente superior, mas como se ignora o teor de ambos os contratos, não se sabe quantos kits alimentares foram fornecidos em 2021. E muito menos se sabe quantos kits se prevêem distribuir agora que quase não há pessoas a vacinarem-se em Lisboa. E nem se sabe se haverá, para atrair mais visitantes, uma melhoria nos acepipes a oferecer.

    Apenas se sabe uma coisa: a Albisabores vai sacar da autarquia de Carlos Moedas cerca de 1.760 euros por dia. Todos os dias até ao próximo dia 12 de Julho. Ainda são, até lá, mais 78 dias. Sempre a facturar.

  • Covid-19: Comissão Europeia ‘apanha’ com mais de 333 mil protestos contra certificado digital

    Covid-19: Comissão Europeia ‘apanha’ com mais de 333 mil protestos contra certificado digital

    Nunca antes se viu tanta participação num procedimento de consulta pública a um regulamento comunitário. Comissão von der Leyen quer manter certificado discriminatório de não-vacinados, incluindo recuperados, até Junho de 2023, A Alemanha, que ontem chumbou um projecto para tornar a vacina obrigatória para os maiores de 60 anos, lidera os países com maior número de comentário. Em Portugal, o debate sobre esta matéria tem sido inexistente.


    Está ao rubro o último dia da consulta pública do regulamento que visa prolongar o uso do certificado digital da covid-19 por mais um ano. De acordo com a consulta do PÁGINA UM pelas 17:30 horas ao site da Comissão Europeia, onde se encontra a plataforma que permite formalmente apresentar os comentários à proposta, estavam já contabilizados 333.596 comentários de cidadãos, empresas e entidades diversas, um aumento extraordinário face aos registados no início desta semana.

    Quase todos os comentários, convenientemente identificados e registados, contestam a possibilidade de se manter o sistema de controlo da pandemia da covid-19, já em fase endémica, através de restrições discriminatórias aos não-vacinados.

    No domingo passado, o PÁGINA UM destacava já a existência de mais de 136 mil comentários, o que colocava esta proposta da Comissão von der Leyen como a mais polémica de sempre.

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    Em contraciclo com as decisões de diversos países europeus em cessar a discriminação dos cidadãos em função do seu estado vacinal contra a covid-19, e tendo em conta a evidência de as vacinas não funcionarem como “barreira” segura contra a transmissão do coronavírus, a Comissão Europeia insiste estender por mais um ano a aplicação dos certificados digitais para condicionar ou proibir a circulação aérea e o acesso a certos lugares públicos por não-vacinados.

    Ursula von der Leyen, que é uma adepta da imposição da vacinação obrigatória universal, incluindo a jovens e crianças, tem já pronta uma proposta de regulamento para prolongar até 30 Junho de 2023 o controlo de entradas através deste certificado, que apenas atesta a toma de vacinas ou a ocorrência de uma infecção recente.

    Como os certificados têm agora uma validade de nove meses, a implementação desta medida garante às farmacêuticas pelo menos mais um reforço vacinal. No limite, quem tomou a chamada “dose de reforço” até finais de Novembro do ano passado terá de receber uma quinta dose para não sofrer restrições de circulação até ao meio do próximo ano.

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    Porém, anteontem, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) vieram recomendar que, por agora, fossem vacinadas com a quarta dose apenas as pessoas com mais de 80 anos.

    Curiosamente, nos últimos dias, a origem de uma parte muito significativa dos comentários à consulta pública é a Alemanha, o país de Ursula von der Leyem, cujo Parlamento rejeitou ontem uma proposta do chanceler Olaf Scholz de tornar a vacinação obrigatória para os maiores de 60 anos. No Bundestag, a medida foi rejeitado por 378 deputados, tendo 296 votado a favor.

    Pelas 17:30 horas de hoje, provenientes da Alemanha estavam contabilizados 123.888 comentários – no domingo passado eram apenas 22.592 –, enquanto a Itália, que liderou na “contestação” à medida durante a maior parte do tempo da consulta pública, contava 37.334 comentários.

    A Áustria – que chegou a implementar um sistema que visava tornar a vacinação obrigatória, sob pena de pesadas multas, mas acabou por suspender a medida por ter tido um efeito oposto – ocupa agora a terceira posição dos comentários (33.143) sobre o prolongamento da vigência do certificado digital. Com um número superior a 10 mil comentários encontram-se ainda a Holanda (28.458), França (19.704), República Checa (19.190), Eslováquia (18.235) e Bélgica (10.174).

    No caso de Portugal, contabilizam-se, por agora, somente 1.947 comentários, ocupando a 16ª posição. No passado domingo eram 1.257.

    Número de comentários por país no site da Comissão Europeia (17h30 de hoje) sobre a proposta de regulamento para prolongamento do certificado digital até Junho de 2023

    Com o fim da consulta pública, à meia-noite de hoje, hora da Europa Central, as próximas semanas serão fundamentais para saber se a Comissão von der Leyen manterá a intenção de avançar mesmo com a renovação do certificado digital, uma vez que nunca antes houve uma tão grande participação pública contra um regulamento comunitário. Por norma, antes da decisão final, as propostas recebem poucas dezenas ou centenas de comentários.

    Apesar desta contestação, em Portugal o tema dos certificados digitais, cujo uso discriminatório ainda se mantém, não tem merecido a mínima atenção da imprensa mainstream e dos partidos políticos. Na semana passada, o PÁGINA UM quis saber, por duas vezes, a opinião dos partidos políticos com assento parlamentar, mas apenas o PCP respondeu.

    Partido Socialista, Partido Social Democrata, Chega, Bloco de Esquerda, PAN e Livre alhearam-se, não revelando a respectiva opinião, se é que a têm, sobre um tema que marcou indelevelmente a sociedade nos últimos dois anos.