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  • Será que os ministros podem contribuir (com as suas casas) para o Programa Mais Habitação?

    Será que os ministros podem contribuir (com as suas casas) para o Programa Mais Habitação?

    Aviso: todos os ministros são proprietários imobiliários, embora alguns detenham apenas um mais ou menos “modesto” apartamento. Outros andam a pagar empréstimos bancários. Mas há um punhado de governantes que, além do próprio António Costa, possuem um património susceptível de vir a ser “cobiçado” pela ministra da Habitação, caso avance a peregrina ideia do arrendamento coercivo.

    Confira em baixo uma síntese da “busca” do PÁGINA UM ao património imobiliário dos principais governantes em funções, de acordo com as últimas declarações entregues no Tribunal Constitucional, e que escondem mais do que revelam, tantas são as rasuras justapostas para os jornalistas não verem e o público não saber.


    Marina Gonçalves, ministra da Habitação

    A responsável pelo pacote legislativo é apenas proprietária de uma fracção autónoma em Cristelo, no concelho de Caminha, de onde é natural, que pelo valor patrimonial (96.144,61 euros), deverá ser uma moradia.

    Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência

    A ministra da Presidência apenas detém um apartamento para habitação com três divisões e 67 metros quadrados. Frugal, portanto.

    Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.

    João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros

    Proprietário de duas fracções urbanas em Lisboa – uma na freguesia de Santa Maria Maior e outra em Arroios –, o ministro João Gomes Cravinho, não declarou rendimentos prediais. Assumindo que vive num dos dois apartamentos, o segundo pode vir a ser “cassado” pela colega Marina Gonçalves para avolumar a oferta no mercado de arrendamento.

    Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional

    Sem indicação sequer da freguesia, a ministra da Defesa Nacional é proprietária de um único prédio urbano na cidade de Lisboa, com o valor patrimonial de 128.138 euros, o que indicia ser um apartamento.

    Mariana Vieira da Silva é o membro do Governo com propriedade mais “exígua”.

    José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna

    O ministro da Administração Interna consegue que o Tribunal Constitucional lhe conceda direito a completo segredo sobre a sua propriedade predial. Apenas se sabe que tem um prédio urbano, mas não se sabe onde nem o seu valor patrimonial.

    Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça

    Embora grande parte da informação da última declaração não seja transparente – ou seja, está rasurada –, a ministra da Justiça apresenta uma panóplia patrimonial, distribuída por Lisboa, Peniche e sobretudo Marinha Grande. Neste concelho do distrito de Leiria, Catarina Sarmento e Castro possui uma moradia T4 e mais uma garagem autónoma, enquanto em Peniche tem um T1 e outro apartamento da mesma dimensão em Carnide, na cidade de Lisboa. Além destes imóveis, tem um terço da herança indivisa de um T4 e de um T2 na Marinha Grande, além de um escritório de dimensões desconhecidas e três garagens autónomas. Como não apresenta rendimentos prediais, algumas destas propriedades são candidatas a integrarem a bolsa de arrendamento coercivo da ministra da Habitação.

    Se a peregrina ideia do arrendamento coercivo (sob a aura de inconstitucionalidade) avançar, e então se houver justiça, alguns das propriedades da ministra da Justiça serão as primeiras a entrarem no mercado…

    Fernando Medina, ministro das Finanças

    O antigo presidente da autarquia alfacinha detém um apartamento T4 nas Avenidas Novas, em Lisboa, mantendo uma dívida bancária de 351.855 euros. De resto, tem espalhados pelo Norte do país uma mão-cheia patrimonial que as rasuras do Tribunal Constitucional não permitem conhecer em detalhe: ½ de um prédio urbano em Vila real, ¼ de um prédio (não se sabe se rústico ou urbano) em Ribeira de Pena, mais ½ de três prédios rústicos em Celorico de Basto, e mais ½ de um prédio urbano em Muxões (Celorico de Basto), além de 1/6 de uma herança indivisa herdada do pai que o Tribunal Constitucional não considera merecedor de ser discriminada.

    Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares

    Proprietária de uma fracção – presume-se que apartamento – na freguesia lisboeta da Misericórdia, Ana Catarina Mendes detém ainda 50% de umas outras fracções na capital, ambas na freguesia de Campo de Ourique. Divorciada do ex-ministro Paulo Pedroso, a sua declaração não indica quem é detentor da outra metade destas duas fracções. Certo apenas que na declaração de 2019, Ana Catarina Mendes reportou um rendimento predial de 18.000 euros, mas na declaração de Março de 2022 – já separada de Pedroso – não indica qualquer rendimento deste tipo.

    Com duas casas de férias, António Costa Silva “livra-se” do arrendamento coercivo gizado pela sua colega da Habitação.

    António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar

    Sendo porventura o ministro com maior património financeiro – e com o maior rendimento anual antes de entrar em funções governamentais (384.936 euros), António Costa Silva indica a propriedade de uma fracção em local desconhecido (apenas existe a referência ao artigo matricial 1344 e ao registo número 2099), além de um prédio urbano em Sobral da Lagoa, no concelho de Óbidos. Terá concluído a compra em Novembro de 2022 de uma fracção (não discriminada) na Quarteira, no concelho de Loulé.

    Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura

    Proprietário de um apartamento na zona das Amoreiras, sob a qual tem um empréstimo de 465.656 euros, o ministro da Cultura apresenta-se como titular de uma fracção autónoma em Vila Nova de Milfontes (com valor patrimonial de 85.219 euros), a que acresce outra em Alvor (com valor patrimonial de 49.765 euros) e 1/24 de uma outra fracção na Praia do Alvor (com valor patrimonial de 77.495 euros).

    Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, à esquerda de António Costa, tem um apartamento em Lisboa, e outro em Sintra, que já aluga.

    Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

    Proprietária de uma fracção na Charneca da Caparica, provavelmente uma moradia, a atender ao valor patrimonial (160.339,55 euros), a ministra da Ciência detém ainda um prédio urbano em Vila Real de Santo António (com valor patrimonial de 7.875 euros) e 1/2 de uma outra parcela na mesma localidade.

    João Costa, ministro da Educação

    O ministro da Educação indica apenas uma moradia na Quinta do Anjo, sem mais qualquer indicação.

    Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

    Proprietária de um apartamento de 148 metros quadrados em Moscavide e de um T4 na Portela com 136 metros quadrados, a ministra do Trabalho é forte “candidata” a incorporar um destes prédios urbanos no pacote do arrendamento coercivo da Habitação, porque não apresenta rendimentos prediais. Tem ainda uma moradia na Silveira, no concelho de Torres Vedras, com 132 metros quadrados, integrado num terreno 750 metros quadrados, além de dois prédios urbanos, aparentemente em más condições, em Vila Nova de Foz Coa.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde

    Proprietário de um apartamento na freguesia portuense de Ramalde, bem como de duas outras fracções na mesma zona, uma das quais será o escritório onde funcionava a sua empresa de consultoria.

    Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática

    Com ½ de um T3 em Lisboa, em freguesia desconhecida, o ministro do Ambiente indica a propriedade de uma fracção autónoma para habitação em Sintra, sem outra qualquer indicação. Apresentou um rendimento predial anual de 2.800 euros.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas

    Proprietário de um apartamento em Arroios (com valor patrimonial de 87.077 euros), o novo ministro das Infraestruturas detém ainda um prédio urbano em Cascais com um valor patrimonial de 135.030 euros. Deve ser um bom senhorio, porque os rendimentos prediais declarados num ano foram apenas de 333 euros.

    João Galamba declara uma segunda habitação em Cascais e um rendimento predial anual de 333 euros.

    Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial

    Excluindo o património do marido, a ministra da Coesão Territorial é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Coimbra, sem se conhecer detalhes para além do artigo matricial urbano (nº 4277). Não tem rendimentos prediais.

    Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação

    A antiga presidente da autarquia de Abrantes, apenas indica a propriedade de um prédio naquela cidade, sem outra referência além do artigo matricial (nº 7771).

  • António Costa tem dois apartamentos elegíveis para arrendamento coercivo

    António Costa tem dois apartamentos elegíveis para arrendamento coercivo

    Uma das medidas mais polémicas – e eventualmente inconstitucional – do plano do Governo para aumentar a oferta de casas é o arrendamento coercivo, ou seja, o Estado obrigará os proprietários com alojamentos desocupados a alugarem. A ministra Marina Gonçalves já veio descansar emigrantes e proprietários com casa de férias, mas ficarão assim eventualmente elegíveis apartamentos que não apresentem rendimento predial e se situem próximo da habitação permanente. O primeiro-ministro António Costa tem dois apartamentos nestas condições, um na Penha de França e outro em Odivelas.


    Dois dos apartamentos do primeiro-ministro António Costa na região de Lisboa não lhe estão a dar qualquer rendimento predial nem podem ser consideradas segunda residência, pelo que eventualmente ficarão abrangidos pela mais polémica medida prevista pelo pacote legislativo do Ministério da Habitação: o arrendamento coercivo.

    De acordo com a consulta feita pelo PÁGINA UM à última declaração de património e rendimentos do primeiro-ministro no Tribunal Constitucional, António Costa declarou a posse de cinco fracções autónomas em Portugal: três em Lisboa – na freguesia de Benfica, onde oficialmente mora, de Santa Clara e de Penha de França –, uma em Odivelas, e uma ainda no Carvoeiro, onde passa férias quando está no Algarve, embora neste caso detenha apenas uma parte indivisa de herança. Além dessas, sabe-se que António Costa detém ainda uma fracção – que ele próprio desconhece as características – na cidade de Margão, em Goa, por herança.

    Estrada do Desvio, junto à Calçada de Carriche, na freguesia de Santa Clara, onde António Costa é senhorio de um apartamento.

    No entanto, nessa declaração – feita em 21 de Novembro passado, que consistiu num esclarecimento exigido pelo Ministério Público sobre uma declaração anterior, datada de 30 de Março de 2022 –, António Costa explicita que os seus rendimentos prediais, num total de 7.300,80 euros por ano, “provêm do arrendamento da fracção sita na freguesia de Santa Clara, devidamente identificada no campo próprio, e ainda da permilagem correspondente às rendas do condomínio sito na freguesia de Benfica”, dizendo que “não há qualquer outro rendimento a declarar”.

    Apesar desta última declaração ter sido rasurada pelos serviços do Tribunal Constitucional – alegadamente por permitir a identificação individualizada de residências, mas em que se expurgou indevidamente a tipologia e área das fracções –, o PÁGINA UM sabe que esse apartamento de António Costa na freguesia de Santa Clara se localiza num segundo andar de um prédio da Estrada do Desvio, junto à Calçada do Carriche. Não se divulga o endereço completo por não ser, por agora, relevante.

    Rua Estácio da Veiga, à esquerda, na freguesia de Penha de França, onde António Costa é proprietário de um apartamento sem rendimento predial.

    Desta forma, assumindo António Costa que as outras duas fracções não têm rendimento predial, nem são casas de férias, significa que o primeiro-ministro pode ser considerado, segundo os critérios do Ministério da Habitação, um proprietário elegível para arrendamento coercivo, caso não prove inequivocamente que aquelas têm uma ocupação frequente ou permanente.

    O apartamento da Penha de França, localiza-se também num segundo andar da Rua Estácio da Veiga, num prédio de três pisos em boas condições. O primeiro-ministro já possui este apartamento pelo menos desde 2015, como noticiou o Observador em Março daquele ano, quando António Costa assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.

    Já o apartamento em Odivelas, na Rua da Paiã, situa-se também no segundo andar, neste caso de um prédio em más condições de conservação. O apartamento foi dado como vendido em 21 de Outubro de 2016 numa notícia do Observador, de há quatro anos, que revelava os intensos negócios imobiliários de António Costa. Mas o PÁGINA UM pode garantir que é esse o apartamento que ainda está declarado pelo primeiro-ministro como pertencendo a si e à mulher Fernanda Tadeu.

    Rua da Paiã, em Odivelas. No edifício verde, ao lado esquerdo, está o apartamento de António Costa.

    Pode, em todo o caso, haver mais uma confusão na declaração de António Costa. Nos esclarecimentos transmitidos pelo primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional surge mesmo a informação de que ele desconhecia que uma conta bancária não identificada, por rasurada pelos serviços daquele órgão de fiscalização e controlo dos políticos e da democracia, e que ele repetidamente indicava como sua, afinal, para sua “surpresa”, nem sequer era titular. O primeiro-ministro prometeu vir a rectificar a situação.

  • Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Não foi apenas a negociar a indemnização de 500 mil euros por rescindir com a TAP que os caminhos do advogado Pedro Rebelo de Sousa e da ex-secretária de Estado do Tesouro se cruzaram. Três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis para liderar a NAV, esta empresa pública contratou a sociedade do irmão do presidente da República para prestar serviços jurídicos na área do trabalho. Em todo o caso, já se sabia desde Abril passado que a agora ex-secretária de Estado do Tesouro iria para aquela empresa pública de gestão da navegação aérea. Quanto a Pedro Rebelo de Sousa, apesar do seu irmão, o presidente da República, defender que tem já pouca influência na gestão do sociedade de advogados que fundou, imagine-se então se tivesse muita: o PÁGINA UM revela aqui a evolução dos contratos públicos sacados pela SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, na esmagadora maioria por ajuste directo.


    A sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do presidente da República, conseguiu ganhar um contrato de prestação de serviços à Navegação Aérea de Portugal (NAV), no valor de 66.861 euros, apenas três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis como presidente do conselho de administração daquela empresa pública.  O despacho de nomeação, assinado pelo ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo demissionário ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos tem data de 24 de Junho deste ano; o contrato entre a NAV e a SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados é de 27 de Junho, embora tenha entrado em vigor retroactivamente, em 14 de Junho daquele mês.

    Embora Alexandra Reis não tenha estado directamente envolvida no contrato – terá sido assinado por dois vogais em funções, uma vez que só assumiu a presidência formal em 1 de Julho –, há muito era conhecida a sua indigitação para liderar a empresa de gestão do tráfego aéreos. E as suas ligações a Pedro Rebelo de Sousa eram óbvias: o advogado negociara, no início deste ano, a famosa indemnização de 500 mil euros pela rescisão do cargo de vogal do conselho de administração da TAP.

    Pedro Rebelo de Sousa, como surge no site da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados

    Alexandra Reis saíra da companhia aérea estatal em Fevereiro passado – em rota de colisão com a CEO Christine Ourmieres-Widener –, mas em 11 de Abril já estava o seu currículo em análise pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração (CReSAP).

    O contrato de prestação de serviço, disponível no Portal Base, não identifica sequer quem assinou o contrato de ambas as partes – o que é uma situação ilegal e de pouca transparência, uma vez que a protecção de dados não se aplica aos nomes das pessoas envolvidas na sua assinatura –, e apenas refere, de forma muito abstracta, o objecto: “serviços de assessoria jurídica no âmbito da área de prática de Direito do Trabalho”, remetendo para um caderno de encargos não disponibilizado (o que também não é legal). Sabe-se apenas que a sociedade de Rebelo de Sousa foi a escolhida, ignorando-se os critérios, depois de uma consulta prévia a outros três conhecidos escritórios de advogados: PLMJ, Garrigues e Vieira de Almeida.

    Alexandra Reis foi nomeada para liderar uma empresa que três dias depois contratou o advogado que negociara a sua indemnização pela rescisão na TAP.

    Este contrato de Rebelo de Sousa acaba por ser, porém, apenas mais um dos muitos que a sua sociedade tem conseguido nos últimos anos.

    Apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, ter já tentado desvalorizar o papel do irmão na sociedade SRS (que fundou e onde é manager partner), dizendo que tem “uma posição simbólica” –, na verdade os contratos com entidades públicas e similares têm estado a aumentar nos últimos três anos. E este ano bateu já mesmo um recorde: contabilizam-se 10 contratos com o valor total de 471.216 euros, sem IVA incluído.

    Este ano, o contrato mais elevado foi assinado com a Secretaria de Estado Regional da Economia da Madeira (100.000 euros). Aliás, no arquipélago madeirense, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu seis contratos nos últimos dois anos no valor de 234.950 euros.

    Acima do valor do contrato com a NAV, a SRS obteve também um contrato de 70.000 euros com a ATEC, uma academia de formação nascida de um acordo entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e empresas alemãs (Volkwagen, Autoeuropa, Siemens e Bosch).

    No lote de entidades públicas com contratos este ano com Pedro Rebelo de Sousa conta-se ainda a Fundação Centro Cultural de Belém (15.000 euros), os municípios de Sever do Vouga (50.000 euros) e do Porto (44.955), a própria Ordem dos Advogados (20.000 euros), a Ordem dos Contabilistas Certificados (59.400 euros), a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira (25.000 euros) e a Transtejo (20.000 euros).

    Uma evidência dos negócios da sociedade de Pedro Rebelo de Sousa estarem de vento em pompa é a evolução da facturação. Nos últimos três anos (2020-2022), a SRS concretizou contratos públicos no total de 1.286.751 euros, quando no triénio anterior facturara, em contratos deste género, apenas 455.378 euros.

    Evolução do valor total dos contratos públicos da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados. Fonte: Portal Base.

    Se se considerar a média dos 10 anos anteriores a 2020, a SRS registara apenas um valor anual de 158.054 euros, que contrasta com os 428.917 euros de média anual do triénio 2020-2022. Ou seja, um aumento de 171%.

    Além disto, nos últimos três anos, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu também angariar 17 novos clientes entre as entidades públicas, ou seja, antes de 2020 nunca com estas estabelecera contratos. E também desde 2020, grande parte dos contratos obtidos foram concretizados apenas pela “linda cor dos olhos” do irmão do presidente da República: 73% do montante nestes últimos três anos foi obtido em ajustes directos, sem concorrência, apenas por contactos privilegiados.

    Note-se que alguns dos contratos entretanto assinados nos últimos anos podem não estar ainda no Portal Base.

  • Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Este ano contam-se nove meses com mais de 10.000 mortes; antes da pandemia havia dois ou três em cada 12 meses

    Nos últimos 36 meses registam-se 19 meses com mais de 10.000 óbitos, uma situação sem memória nos tempos modernos. No triénio anterior (2017-2019) houve apenas sete no total, todos em meses de Inverno. Neste ano de 2022 agravou-se o cenário dos dois primeiros anos de pandemia: em 2020 houve seis meses acima daquela fasquia, e em 2021 foram quatro. Tamanha persistência em números elevados é completamente absurda, ainda mais com uma taxa elevadíssima de vacinação contra a covid-19, que supostamente seria eficaz para debelar os efeitos da pandemia. O contínuo excesso pode ser agora por causa das alterações climáticas, como diz o ministro da Saúde… ou, se calhar, com maior grau de probabilidade, de tudo o resto, a começar pelo alheamento do Governo à situação. E pela forma como escondem informação.


    O ano ainda não terminou, ainda faltam nove dias para Dezembro acabar, mas um trágico recorde está garantido: o ano de 2022 contará nove meses com uma mortalidade acima de 10.000 óbitos. Somente Agosto (9.306 mortes), Setembro (8.754) e Outubro (9.525) não superaram aquele número. Dezembro ainda não atingiu as 10.000 mortes, mas será uma questão de tempo: até dia 21 registam-se 8.502 óbitos – uma média diária de quase 405, o que significa que até à passagem de ano será expectável chegar-se a valores que rondem os 12.500 óbitos.

    Esta é uma situação inaudita nos tempos modernos, e mesmo nos dois anos anteriores, em pandemia. Em 2020 foram contabilizados seis meses com mais de 10.000 óbitos: Janeiro (antes da chegada do SARS-CoV-2), Março, Abril, Julho, Novembro e Dezembro. No ano seguinte contabilizaram-se quatro: Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro. Nos primeiros dois meses de 2021, a mortalidade total foi, contudo, extraordinariamente elevada: 19.646 e 12.747 óbitos, respectivamente.

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    O significado de nove meses (em 12) com um número de óbitos acima de 10.000 é muito relevante face ao perfil tradicional da mortalidade portuguesa, claramente com uma evolução sazonal: Inverno mais mortífero Verão mais “ameno”. No presente século, e no período anterior à pandemia, geralmente registavam-se somente dois ou três meses com valores acima daquela fasquia – por regra entre Novembro e Fevereiro. Em 2011 e 2004 até só houve um mês com esse nível de mortalidade (Janeiro, com 10.575 óbitos).

    Consultando dados mensais do Pordata a partir de 1980, no final do século XX até era raro um ano ter mais de dois meses acima de 10.000 óbitos, observando-se mesmo um (1982) que não registou qualquer mês nessas circunstâncias.

    A mortalidade em 2022 sempre em níveis anormalmente elevados – e ainda mais sucedendo a dois anos com mais de 120 mil óbitos, em cada um – constitui mais um indicador de uma “mortalidade estrutural”, isto é, que não advém de eventos sazonais associados a infecções respiratórias e/ ou ondas de calor.

    Mortalidade total por mês em 2022. Valor de Dezembro estimado em função da média diária de óbitos até dia 21. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Antes da pandemia, por norma, a mortalidade diária entre o último terço do Outono e em grande parte do Inverno situava-se entre os 350 e os 450 óbitos (em picos de surtos gripais intensos), havendo uma tendência de decréscimo ao longo da Primavera. O Verão constitui a época menos letal, mesmo quando surgem repentinas e mortíferas ondas de calor. Por norma, o mês de Setembro até costuma ser o menos letal, seguindo-se Agosto.

    Em situações normais, o “comportamento letal” do Verão também dependia de como o Inverno tinha sido, e vice-versa. Ou seja, após uma elevada mortalidade associada a um surto gripal, geralmente sucedia um Verão ameno, mas se fosse demasiado ameno, o Inverno seguinte tinha tendência a ser mais mortífero.

    Ora, nada disto sucedeu em 2022, ainda mais quando 2020 e 2021 já tinham sido anos de excesso de mortalidade. Com efeito, se contabilizarmos Novembro e Dezembro de 2021, até Julho deste ano contabilizaram-se nove meses consecutivos acima de 10.000 óbitos, o que significa que houve, grosso modo, em média, mais de 330 óbitos diários. Nem essa inaudita sequência refreou o ressurgimento de níveis elevados de mortalidade, após o período estival geralmente menos letal.

    Número de meses com mais e com menos de 10.000 óbitos entre 1980 e 2022. Fonte: Pordata. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando o período pandémico – no pressuposto de que a pandemia ainda assim continua a ser considerada pela Organização Mundial de Saúde – com o período homólogo imediatamente anterior, confirma-se o problema “estrutural” do excesso de mortalidade em Portugal, e que nem se pode argumentar que seja muito por causa da covid-19.

    Com efeito, este ano a covid-19 está a contribuir para a mortalidade total em níveis similares a 2020 (5,7% e 5,6%, respectivamente), o que não deixa de ser paradoxal, uma vez que 2022 tem uma elevada taxa de imunidade vacinal (e com reforços) e o primeiro ano de pandemia apenas começou a contabilizar mortes por covid-19 a partir de meados de Março.

    Em todo o caso, 2022 não se compara com 2021, em que a covid-19 terá representado, de acordo com as classificações oficiais, 9,5% de todas as mortes. Convém, contudo, salientar que a taxa de letalidade a partir do surgimento da variante Ómicron esteve quase sempre abaixo de 0,25%, até início de Outubro, quando a Direcção-Geral da Saúde modificou a estratégia de testagem (quebrando a série estatística). Ou seja, em praticamente todo o ano de 2021, antes da Ómicron, e já com o programa de vacinação em pleno, a taxa de letalidade da covid-19 (então dominada pela variante Delta) até era francamente superior; chegou mesmo a ultrapassar os 3% em Janeiro de 2021 e registou alguns picos acima de 1% entre meados de Outubro e a primeira quinzena de Novembro daquele ano.

    Comparação da evolução da mortalidade diária (média de sete dias) entre 15 de Março de 2020 e 20 de Dezembro de 2022 (1.011 dias) e o período homólogo de 2017 a 2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Certo é que o contínuo excesso de mortalidade ao longo dos meses deste ano – e depois de dois anos já de excesso – é difícil de compreender. Ou melhor dizendo, é difícil de admitir, ademais tendo em conta o aparente alheamento das autoridades de Saúde e do Governo, que mostram uma apatia para apurar as verdadeiras causas desta situação.

    Na verdade, não é apatia, é activa atitude obscurantista: recorde-se que o Ministério da Saúde, quer através da Direcção-Geral da Saúde, quer da Administração Central do Sistema de Saúde, tem sistematicamente recusado disponibilizar, entre outras, as bases de dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) – que permitiriam ao PÁGINA UM apurar os desvios sobre as principais causas de morte e hospitalização nos últimos anos.

    E recorde-se também que o actual ministro da Saúde, Manuel Pizarro, em nada mudou a filosofia da sua antecessora, Marta Temido, no sentido de não promover uma investigação independente às origens do excesso de mortalidade. Aliás, preferiu conjecturar em torno das alterações climáticas como culpadas pelo excesso de mortalidade.

  • Desastre de saúde pública continua: terceiro ano consecutivo acima dos 120 mil óbitos; e o ano de 2022 arrisca ser ainda mais mortífero do que 2021

    Desastre de saúde pública continua: terceiro ano consecutivo acima dos 120 mil óbitos; e o ano de 2022 arrisca ser ainda mais mortífero do que 2021

    Anteontem foi o dia mais mortífero do ano, com 471 óbitos. Os últimos dias têm mostrado um agravamento da mortalidade total, mesmo observando-se um abrandamento dos casos de urgência hospitalar e de infecções respiratórias. De que estão a morrer os portugueses? Ninguém sabe, porque o Ministério da Saúde não divulga os seus estudos e a Administração Central do Sistema de Saúde ainda não cumpriu uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, cedendo dados sobre morbilidade e mortalidade hospitalar.


    Pelo terceiro ano consecutivo, a mortalidade total em Portugal ultrapassará os 120 mil óbitos, segundo estimativas do PÁGINA UM com base nos números registados até 13 de Dezembro de 2022. A situação já era expectável ao longo do presente ano, com sucessivos meses, sobretudo na Primavera e Verão, a baterem recordes de mortalidade no período democrático, embora em Outubro e Novembro se tenha verificado um menor excesso de mortalidade.

    Porém, com a meteorologia mais agreste – embora ainda sem frio –, o mês de Dezembro está a dar sinais de vir a ser muito mais inclemente, mesmo se se está a observar um abrandamento no fluxo das urgências e da prevalência das infecções respiratórias, que tiveram o seu auge, por agora, em meados de Novembro.

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    Certo é que, consultando os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), desde o dia 5 deste mês de Dezembro, a mortalidade total tem estado em níveis extremamente elevados, por norma bem acima dos 400 óbitos, o que constitui uma situação raríssima na primeira quinzena do último mês do ano.

    Seis dos 13 primeiros dias de Dezembro estão com mortalidade total acima dos 400 óbitos, e na segunda-feira passada atingiu-se os 471 óbitos, o valor máximo deste ano. Este número ainda pode vir a subir com as habituais actualizações. O anterior máximo registara-se em 14 Julho (459 óbitos).

    De acordo com estimativas do PÁGINA UM, se até ao final de Dezembro se observar um nível de mortalidade similar ao dos primeiros 12 dias do mês, o ano de 2022 terminará ligeiramente acima dos 125 mil óbitos. Esse número (125.077) será ligeiramente inferior ao de 2021 (125.231). No entanto, se houver um agravamento, 2022 pode mesmo suplantar 2021, “bastando” que entre hoje e o dia 31 de Dezembro a mortalidade média diária suba para os 412 óbitos, o que não se afigura impossível. Por exemplo, nesse período, em 2020 atingiu-se os 418 óbitos de média diária, e em 2016 – portanto, muito antes da covid-19 – o número esteve próximo (409).

    Registos diários dos episódios de urgência e monitorização da gripe e outras infecções respiratórias revelam um desagravamento nas últimas semanas, mas a mortalidade total aumentou. Fonte: SNS.

    Certo é que os três últimos anos terminarão com um excesso absurdamente elevado face aos três anos anteriores, o que não se explica apenas com a mortalidade por covid-19 e pelo envelhecimento populacional. Somando a mortalidade entre 2020 e 2022 (estimada até final de Dezembro) atingem-se cerca de 374 mil óbitos, enquanto nos três anos anteriores se contabilizam 336.140 óbitos. Ou seja, estamos perante um aumento de cerca de 38 mil óbitos, ou, em termos relativos, de 11%.

    Mesmo considerando que, de acordo com dados oficiais – não validados de forma independente, saliente-se – se registaram 25.584 óbitos por covid-19 em Portugal, significa que o acréscimo não-covid será superior a 12 mil. Em todo o caso, convém salientar que a mortalidade por outras doenças fora do âmbito respiratório situar-se-á em valores muitíssimo superiores, porque durante a pandemia houve uma redução muito substancial de mortes pelas habituais pneumonias e doenças afins.

    Recorde-se que o PÁGINA UM aguarda que a Administração Central do Sistema de Saúde cumpra a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, disponibilizando a base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos para se poder fazer um balanço mais rigoroso através da mortalidade hospitalar.

    O grupo etário dos mais idosos (acima dos 85 anos) tem sido o mais fustigado pela mortalidade – que, obviamente, tem uma taxa muito superior à das outras idades –, com valores excepcionalmente elevados este ano face aos anos anteriores. Este ano, até ao dia de ontem, se contabilizaram 52.420 óbitos de pessoas com mais de 85 anos, valor que contrasta com os 51.213 óbitos em período homólogo do ano passado, que já era o pior desde que há registos.

    Mortalidade total entre 2009 e 2022. Para o ano de 2022, estimou-se óbitos diários (média) de 403 entre 14 e 21 de Dezembro. Caso a mortalidade diária nesse período seja de 412 óbitos, o ano de 2022 suplantará o de 2021. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Este autêntico gerontocídio – também não explicado apenas pela covid-19, ainda mais face à elevada taxa de vacinação nos últimos dois anos contra aquela doença, nem pelo empobrecimento – fica bem patente quando se compara os anos da pandemia com os anteriores. Com efeito, entre 15 de Março de 2017 e 13 de Dezembro de 2019 (pré-pandemia), o SICO regista 124.457 óbitos de pessoas com mais de 85 anos; o número de mortes desde a primeira morte da covid-19 (15 de Março de 2020) e o dia de ontem (13 de Dezembro de 2022) já vai em 148.040, ou seja, um acréscimo de 19% (mais de 23.500 óbitos).

    O Ministério da Saúde continua sem revelar para quando estará concluído o estudo prometido sobre as causas do excesso de mortalidade em Portugal, embora o ministro Manuel Pizarro já tenha afirmado que os fenómenos extremos tiveram “profundo efeito” na saúde dos portugueses – uma afirmação que carece de provas e de disponibilização de dados oficiais que possibilitem uma análise independente.

  • Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    No espaço de 10 dias, Lisboa viu três concentrações e manifestações nas ruas em defesa dos direitos humanos, direitos civis e da democracia. Contestação contra as propostas de revisão constitucional levou a plataforma cívica Cidadania XXI a mobilizar-se em duas concentrações na capital, juntando mais de uma centena de pessoas. Já este Sábado, Lisboa juntou-se a muitas outras cidades do mundo numa Manifestação Mundial para os Direitos Humanos e Liberdade, com a presença de cerca de mais de uma centena e meia de pessoas.


    Estamos em plena Europa do século XXI, mais propriamente em 2022, mas não parece. A sociedade civil está a ter necessidade de regressar às ruas dos países ocidentais, em manifestações, para defesa dos direitos cívicos. Na Europa, berço da Democracia, incluindo Portugal. Duas concentrações em Lisboa, nas últimas duas semanas, são disso exemplo: uma contra as propostas de revisão constitucional; a outra, integrada na Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022). Ambas trouxeram às ruas não mais de duas centenas de pessoas; ainda poucas, por agora, mas as duas com muitas palavras de ordem em defesa dos direitos, liberdades e garantias, sempre com a democracia em pano de fundo.

    Mas além da manifestação e das concentrações, a sociedade civil mexe-se por outras vias. A plataforma cívica Cidadania XXI tem estado particularmente activa, tendo já feito chegar aos líderes dos dois maiores partidos políticos portugueses (PS e PSD) um manifesto/ petição intitulado Em Defesa da Liberdade da Constituição.

    Joana Amaral Dias, psicóloga, ex-deputada e activista, a discursar no dia 10 de Novembro numa concentração contra a revisão constitucional.

    Esta plataforma cívica é um movimento de cariz cívico que nasceu em 2020 e se notabilizou por diversas iniciativas de amplitude, sobretudo os debates denonimados Tertúlias da Junqueira, que reuniram notáveis da vida académica, médica, científica, jurídica e dos media para debater a censura e as muitas medidas ilegais e anticientíficas que foram adoptadas durante a pandemia. Além disso, organizaram uma grande manifestação no dia 25 de Abril de 2021 que desceu a Avenida da Liberdade, em plena pandemia.

    Na petição entregue a António Costa e Luís Montenegro, esta plataforma cívica manifesta “preocupação [com] o processo de Revisão Constitucional em curso e em particular a proposta que o Governo enviou à Assembleia da República do dia 9 de Novembro”.

    Salienta-se que, de entre as alterações propostas pelos dois principais partidos (que constituem maioria qualificada, ou seja, mais de dois terços dos deputados), está a possibilidade de detenção de um cidadão sem mandato judicial, algo que a Cidadania XXI considera uma “perigosa intenção” por “ficar aberta a possibilidade de um qualquer Governo prender um cidadão, com base em regras estipuladas por si, retirando a legitimidade e a autonomia fundamental dos Tribunais para decidir sobre os Direitos, Liberdades e Garantias”.

    António Jorge Nogueira, fundador e presidente da Plataforma Cívica – Cidadania XXI (à direita), entregou um manifesto contra a proposta de revisão constitucional ao primeiro-ministro, António Costa.

    Segundo esta plataforma cívica, com uma Constituição nos termos propostos, “estaremos perante um regime constitucional em que o Governo poderá exercer sobre os cidadãos o mesmo tipo de autoritarismo totalitário que actualmente vigora no regime chinês”.

    A possibilidade de detenção de cidadãos sem mandato judicial, apenas por ordem das autoridades sanitárias, surge após ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional os confinamentos forçados de cidadãos, a coberto de alegados riscos, durante a pandemia da covid-19. Visto que as detenções sem mandato judicial violaram a Constituição, o Governo decidiu assim aproveitar para propor uma alteração à Lei Fundamental do país.

    Vários juristas têm vindo, contudo, a alertar para os perigos desta revisão constitucional. O próprio bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, denunciou que, caso PS e PSD avancem com a aprovação desta revisão, “está em causa a supressão de direitos, de liberdades e de garantias”.

    Uma das concentrações contra a proposta de revisão da Constituição, em que participou a Cidadania XXI, juntou mais de uma centena de pessoas, durante a noite do passado dia 10 de Novembro, junto ao Hotel Epic Sana Marquês, onde decorreu o Conselho Nacional Extraordinário do PSD. A Cidadania XXI entregou a sua petição a alertar para os perigos levantados pelas propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    António Jorge Nogueira, presidente da Cidadania XXI (à esquerda), entregou um manifesto contra as propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    A plataforma cívica deslocou-se também à sede do PS, no Largo do Rato, entregando o mesmo documento ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, e ao presidente do partido que sustenta o Governo, Carlos César. Este documento também será entregue ao Presidente da Assembleia da República, aos Grupos Parlamentares, ao Presidente da República, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da Magistratura “e a diversas outras instituições da sociedade portuguesa”, segundo António Jorge Nogueira.

    “Não nos podemos esquecer que durante dois anos o Presidente da República, o Governo e diversas instituições actuaram conscientemente e sistematicamente contra a Constituição, conforme já declarado 23 vezes por juízes do Tribunal Constitucional”, afirmou António Jorge Nogueira ao PÁGINA UM. Com este projecto de revisão da Constituição, “já não estamos em modo democrático”, lamentou.

    No âmbito destas iniciativas, a Cidadania XXI vai organizar ainda outros eventos públicos, onde se incluirá um novo ciclo de Tertúlias da Junqueira em torno do tema da defesa dos direitos, liberdades e garantias. A plataforma pretende também reunir com os diferentes grupos com assento parlamentar.

    Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga e activista, que marcou presença nas concentrações e na manifestação de sábado, tem sido uma acérrima crítica das posições de PS e PSD. “Repare-se que em nenhuma circunstância, mesmo que se reúnam dois terços dos deputados ou a totalidade dos parlamentares, é permitido alterar ou abolir esses mesmos direitos”, escreveu esta psicóloga em artigo de opinião no semanário O Novo. “O artigo 288.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) constitui uma barreira intransponível, bloqueia em absoluto qualquer tentativa de os adulterar”, adiantou, frisando: “a razão é simples: mexer-lhes, alterar o contemplado no artigo 24.º, é atacar o magma da democracia” e que “sem esses direitos não há Estado de direito e, por isso, o tal 288 não o permite em circunstância alguma”.

    Manifestação Mundial levou para as ruas cidadãos em diversas cidades do mundo, no passado Sábado.
    (Fotos em cima: Manifestação em Lisboa. Foto em baixo: Manifestação em Toronto, no Canadá)

    A ex-deputada do Bloco de Esquerda foi, aliás, uma das individualidades que subiu ao palco para discursar no âmbito da Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022) no passado sábado, a par da médica Margarida Oliveira, que foi alvo de processo pela Ordem dos Médicos, por delito de opinião, apesar de defender medidas com base na evidência científica.

    Recorde-se que a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, Miguel Guimarães, tiveram, durante a pandemia, um papel de relevo na tentativa de silenciar e punir médicos que se mostraram contra medidas e recomendações do Governo e da Direcção-Geral da Saúde.

    Desde 2020, que cidadãos em diversos países têm participado em manifestações e marchas em defesa dos direitos humanos e civis, perante as medidas drásticas e ilegais que foram adotadas por Governos alegadamente para combater a pandemia de covid-19, incluindo a política de segregação criada com a introdução do chamado “certificado digital” ou “passaporte covid-19” e vacinação obrigatória em diversos setores.

    A Suécia, um país que geriu com sucesso a pandemia, foi a excepção, tendo recusado aderir a confinamentos e máscaras faciais, em geral, nem impôs medidas drásticas como a maioria dos restantes países, registando menos óbitos com covid-19, menores impactos económicos e menos mortes em excesso, comparando com pares na Europa.

    Manifestação em Lisboa no âmbito do World Wide Rally for Freedom

    Hoje, sabe-se, com base em dados e em estudos científicos, que os confinamentos tiveram um impacto devastador na saúde e na economia, tendo sido uma política errada a seguir, como cientistas tinham avisado logo em março de 2020.

    Por outro lado, os dados revelam ainda haver em 2022 milhares de mortes em excesso sem explicação em vários países, como Portugal, faltando investigações independentes ao tema. Enquanto isso, diversos países começam a recuar na vacinação de certas camadas e faixas etárias da população, enquanto mais estudos e dados mostram que riscos de reacções adversas aconselham cautela na vacinação com as novas vacinas, sobretudo em determinados grupos de pessoas, como homens e crianças e jovens.

    Mas, apesar das medidas erradas adoptadas, os direitos humanos e civis que foram amputados desde 2020 não foram repostos na maioria dos países, e teme-se que possam mesmo ser definitivamente abolidos em países como Portugal, com as propostas de revisão constitucional. Por outro lado, também há receios de que a onda de medidas totalitárias seja reforçada agora para gerir a crise ambiental que se anuncia.


    N.D.: A jornalista e cronista do PÁGINA UM Elisabete Tavares é membro fundador da Plataforma Cívica – Cidadania XXI, embora não exerça papel activo nesta associação desde Outubro de 2021.

  • Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    A Tabaqueira “brincou com o fogo” e tentou contornar a Lei do Tabaco, que proíbe taxativamente a publicidade directa e indirecta aos produtos do tabaco. Este ano multiplicou-se em pagamentos de conteúdos comerciais a vários órgãos de comunicação social. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social já concluiu que, em quatro conteúdos de periódicos da Global Media, houve ilegalidade. Seguem-se agora processos para aplicação de coimas que podem ascender aos 250 mil euros por cada infracção. O Público ficou entretanto hoje também sob a alçada punitiva do regulador.


    Dias difíceis para as parcerias entre os grupos de media e a Tabaqueira. Na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) revelou ao PÁGINA UM a abertura de um “procedimento” por alegada violação da Lei do Tabaco, foi também ontem divulgada uma deliberação que custará quatro processo de contra-ordenação devido a publicidade a produtos de tabaco a três jornais da Media Capital: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo.

    Em causa, de acordo com a deliberação ERC/2022/296, estão dois conteúdos patrocinados pela Tabaqueira no Jornal de Notícias (nas edições de 20 e 29 de Abril deste ano), um no Diário de Notícias (2 de Junho) e outro no Dinheiro Vivo (20 de Abril), onde se faz promoção da marca Tabaqueira e dos seus produtos, quer directa quer indirectamente, o que viola a Lei do Tabaco.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano. Contudo, nos últimos meses, recorrendo a parcerias comerciais, extremamente dúbias, a Tabaqueira foi lançando uma imagem de empresa preocupada com a saúde e o ambiente, e na vanguarda da Ciência, enquanto aborda os seus novos produtos, designadamente os cigarros electrónicos e o tabaco aquecido.

    A ERC analisou, nesta fase, dois artigos patrocinados do Jornal de Notícias, intitulados “Investir em ciência para construir um mundo sem fumo” e “’Gaia não é um Cinzeiro’ procura limpar da cidade as beatas dos cigarros”.

    No primeiro artigo reflecte-se sobre o desenvolvimento da Ciência em prol dos consumos tabágicos menos nocivos, anunciando que substituir “os cigarros tradicionais por novos produtos menos nocivos é o grande objetivo da Philip Morris International, que investiu mais de 8,1 mil milhões de dólares nesta missão”, adiantando-se que próximo passo será uma aposta no sector da saúde e do bem-estar.

    Conteúdos comerciais da Tabaqueira são publicidade proibida mesmo que não se promova directamente produtos.

    No segundo artigo, é dada uma visão de marketing social desenvolvido entre a Tabaqueira e a Câmara de Gaia para benefício geral da comunidade e ambiente, mas onde também surge a promoção aos novos produtos da empresa, supostamente “substanciadas por evidência científica”.

    No artigo do Dinheiro Vivo, intitulado “Como a inovação está a ajudar a Philip Morris International a transformar o seu negócio”, é feita, segundo a ERC, uma retrospectiva do percurso da Philip Morris International (PMI) na venda de produtos de tabaco e a inversão das campanhas promocionais, que apelam a um consumo sem fumo. ERC exemplifica com o seguinte excerto: “A inversão oficial da estratégia da empresa deu-se em 2016, quando anunciou que iria comercializar produtos alternativos, mais modernos e com redução dos riscos do tabaco. ‘Dissemos que conseguíamos reduzir drasticamente os malefícios do tabaco e que podíamos ter um produto que retira 95% dos elementos tóxicos do fumo de tabaco’, afirmou o empresário polaco, que assumiu a gestão do grupo em 2021. O grande objetivo passa pela substituição dos cigarros a combustão por produtos de tabaco aquecido sem fumo.”

    O argentino Marcelo Nico, director-geral da Tabaqueira, tentou contornar a Lei do Tabaco, fazendo parcerias com grupos de media para publicar conteúdos comerciais para dar boa imagem à empresa. A ERC diz agora ser proibido.

    Por fim, no Diário de Notícias, através do artigo pago (e assumidamente identificado como publicidade) intitulado “Uma jornada de transformação para a construção de Um Amanhã Melhor”, é feita, também seguindo a síntese da ERC, uma apologia aos novos produtos de tabaco sem combustão, pela British American Tobacco (BAT), em que se defendem valores da marca socialmente responsáveis, evidenciando-se as seguintes características, «[a] marca de tabaco aquecido da BAT, o glo, é composta por um dispositivo eletrónico portátil que contém uma bateria de iões de lítio que alimenta uma câmara de aquecimento. Por fim, os produtos modernos orais, que incluem bolsas de nicotina sem tabaco, são igualmente uma das novas categorias da marca. Sendo que também incluem produtos orais tradicionais, como os tabacos húmidos ‘snus’ e ‘snuff’.”

    Segundo a ERC, os quatro artigos pagos pela Tabaqueira às três publicações da Global Media “têm um carácter eminentemente institucional de posicionamento das empresas e marcas associadas a produtos de tabaco e a cigarros eletrónicos, em que se defendem valores sociais relevantes como sejam a saúde e o ambiente.”

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social “ameaça” aplicar multas ao Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, e também Público, por receberem patrocínios da Tabaqueira em violação à Lei do Tabaco.

    No procedimento aberto pela ERC, a Global Media veio defender que aqueles artigos publicitários tenham tido “por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos”, alegando, por exemplo, que os textos do Jornal de Notícias tinham um “cariz e estilo informativo”, designadamente sobre o Fórum Económico de Delfos, na Grécia, realizado em Abril de 2022, em que se “reporta a ciência sobre o tabaco sem fumo, o investimento que uma empresa está a fazer em inovação, os objectivos”.

    Por outro lado, o grupo de media liderado por Marco Galinha – que se tem especializado em parcerias mediáticas com todo o tipo de empresas e entidades públicas, incluindo autarquias e Governo – diz que, algumas daquelas publicações se enquadravam no conceito de “brandstory”.

    Segundo a Global Media, “as designadas ‘brandstories’ afastam-se do fenómeno publicitário qua tale, já que, originariamente, constituem a criação de textos em torno da história de determinada marca e da sua identidade”. E acrescenta que, nesta lógica peregrina, se “procura comunicar a identidade da marca, englobando todas as definições da sua construção, como a personalidade, o propósito, os valores, a cultura, a missão e a visão.”

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    A ERC mostrou-se, contudo, pouco favorável à argumentação da Global Media, até porque a Lei do Tabaco é muito clara. Com efeito, esse diploma legal dizer ser “proibida a comunicação comercial em serviços da sociedade da informação, na imprensa e outras publicações impressas, que vise ou tenha por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos e recargas, com exceção das publicações destinadas exclusivamente aos profissionais do comércio de cigarros eletrónicos e recargas, e das publicações que sejam impressas e publicadas em países terceiros, se essas publicações não se destinarem principalmente ao mercado da União Europeia.»

    Para o regulador, com a publicação daqueles textos no Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, existe a finalidade de promover uma marca [Tabaqueira], uma imagem [responsabilidade social, defensora do ambiente, promotora da Ciência através de tecnologia para consumo de tabaco supostamente menos lesiva] e, consequentemente os produtos/ serviços por esta distribuídos, promovendo o engagement do leitor com a marca.”

    Na deliberação, encabeçada pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, acrescenta-se que “ainda que se possa considerar que o conteúdo ali veiculado não é promovido através de publicidade tradicional, não deixa de ser um conteúdo patrocinado por uma marca que visa a distribuição e venda de produtos de tabaco.”

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    E a ERC não tem dúvida que se trata de publicidade, ainda que encapotada. “Quando uma empresa que tem como atividade principal, a venda de cigarros, com ou sem combustão, promove incessantemente campanhas em prol da saúde, está a promover, ainda que indiretamente, um produto cuja comunicação comercial é proibida, a pretexto de promover um debate que confunde os leitores e os induz a práticas de promoção e consumo, com o subterfúgio de não se estar a promover um produto”, salienta o regulador na sua deliberação.

    Saliente-se que as tabaqueiras têm usado estratagemas para convencer os consumidores de que o uso dos novos produtos, como o tabaco aquecido, não são prejudiciais à saúde, A própria Organização Mundial de Saúde acusou em Maio de 2020 “a indústria do tabaco de usar um milhão de dólares por hora a tentar vender os seus produtos e de querer viciar cada vez mais jovens em cigarros eletrónicos como se fossem doces.”

    O passo seguinte desta deliberação ERC será a “instauração de processo contraordenacional contra a Global Notícias”, a empresa da Global Media detentora daqueles três periódicos. Em princípio, serão abertos quatro processos de contra-ordenação, tantos quanto as ilegalidades cometidas, ademais face ao facto de estarem em causa três periódicos distintos. Além disso, a ERC determinará ainda se a aplicação das coimas, que podem atingir os 250 mil euros cada, será também paga pela Tabaqueira.

    Recorde-se que hoje o PÁGINA UM noticiou que a ERC iniciou um “procedimento” contra o Público com vista à aplicação de um processo de contra-ordenação pelos mesmo motivos.

    O PÁGINA UM tentou ter a opinião sobre estes processos junto da Tabaqueira, mas sem sucesso.

  • Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    A publicação de um conteúdo comercial da Tabaqueira, elogiando o tabaco aquecido, e que coincidiu com o lançamento de um novo sistema daquela empresa, levou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a instaurar hoje um “procedimento” contra o Público. A multa pode atingir os 250 mil euros.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um “procedimento” contra o Público por violação da Lei do Tabaco que pode resultar na aplicação de uma coima até 250 mil euros. A informação foi confirmada esta tarde ao PÁGINA UM – que revelara essa ilegalidade na quarta-feira passada – pelo Departamento de Supervisão do regulador, que informa também que “a publicação periódica Público foi notificada, nesta data [hoje], para pronúncia sobre os factos descritos”.

    Em causa está a publicação no diário da Sonae, na sexta-feira da semana passada, de um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando várias vezes o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que chegou a destacar o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao Público termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O director-geral da Tabaqueira, o argentino Marcelo Nico, surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Além da questão da publicidade proibida, as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    A ERC vem agora dizer que, “em virtude da análise prévia do referido artigo [conteúdo pago da Tabaqueira], considera-se que os factos alegados poderão constituir violação” da denominada Lei do Tabaco. A coima está compreendida entre um mínimo de 30 mil e um máximo de 250 mil euros, além de eventuais sanções acessórias. O valor pode vir a ser aplicado tanto ao Público como à Tabaqueira.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário do director do Público, mas não obteve resposta.

    Também contactada a Tabaqueira, não houve sequer interesse em passar o telefonema para o gabinete de comunicação desta empresa. A comunicação electrónica, entretanto enviada pelo PÁGINA UM para o endereço geral da Tabaqueira, questionando se a empresa iria suspender este tipo de publicidade, ainda não teve qualquer reacção.

  • Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    É ilegal desde 2005, mas a crise está a empurrar os media para engenhosas tentativas de contornar a lei. Na semana passada, o diário Público autorizou um conteúdo comercial da Tabaqueira onde são tecidos controversos elogios ao tabaco aquecido e se anuncia uma nova tecnologia. Nem de propósito, a subsidiária da Philip Morris começou a comercializar na semana passada o seu novo sistema IQOS Iluma.


    O jornal Público aceitou publicar na sexta-feira passado um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando bastamente o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que destacou o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

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    Actualmente, depois de uma actualização da legislação para incorporar o consumo de tabaco sem combustão, a violação dos normativos de publicidade implica coimas entre 30 mil e 250 mil euros para pessoas colectivas, podendo os processos ser instaurados pela Direcção-Geral do Consumidor ou pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). A ser aplicada uma coima, pode ser subsidiariamente aplicada à Tabaqueira e ao Público.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao diário da Sonae termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    Com efeito, na legenda daquela foto faz-se referência ao evento de lançamento da nova geração de tabaco aquecido, destacando a “busca incessante” da Tabaqueira dos “insights, da recolha e análise de dados que permitiu a criação da tecnologia avançada SmartCore Induction System, graças à qual o tabaco é aquecido através de indução e a partir de dentro, sem ser preciso lâmina”. E conclui: “O que acontece é uma experiência optimizada e sem resíduos de tabaco ou necessidade de limpeza.” 

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Ao longo de cinco parágrafos, incluindo quatro citações do director-geral da Tabaqueira, encontram-se sete referências explícitas ao tabaco aquecido, sempre em tons encomiásticos. Exemplo disto é o seguinte parágrafo: ”A PMI [Philip Morris International] e, subsequentemente a Tabaqueira, assumem-se como pioneiras a nível global no lançamento de produtos de tabaco aquecido. Desde 2016 que o trabalho tem sido desenvolvido nesse sentido e hoje, 6 anos depois, são 70 os países onde se encontra disponível. ‘Portugal foi o 4º país onde foi lançado, e agora é o 6º onde iremos lançar a última tecnologia que temos. Que é uma tecnologia melhor, seja para os fumadores que passam para o tabaco aquecido, quer para os restantes fumadores’, partilha Marcelo Nico, acrescentando em seguida que Portugal se encontra à frente nesta transição, contando já com 400 mil utilizadores de tabaco aquecido.”

    O director-geral da Tabaqueira surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Saliente-se, além da questão da publicidade, que as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    Conteúdo comercial da Tabaqueira termina com foto claramente publicitária.

    Estas entidades alertaram ainda que o uso de tabaco aquecido “permite imitar o comportamento dos fumadores de cigarro convencional, podendo haver o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos em vez de tentarem parar de fumar”. E acrescentaram que “do ponto de vista de segurança e do risco para a saúde, actualmente não existe evidência que demonstre que os PTA [produtos de tabaco aquecido] são menos prejudiciais do que o cigarro convencional”.

    Em 27 de Junho passado, a Tabaqueira já tivera um conteúdo pago na secção Estúdio P, mas não fazia referências explícitas a um produto do tabaco, focando-se sobretudo nos resultados de um inquérito sobre ciência patrocinado pela Philip Morris Internacional.

    Em todo o caso, mesmo esse texto acabava por ser indirectamente elogioso ao tabaco aquecido, embora nunca o citando. No texto destacava-se, por exemplo, que os resultados daquele estudo eram “relevantes no panorama actual, especialmente quando confrontados com a legislação dos produtos de tabaco e da nicotina, um sector onde os inquiridos – tanto consumidores e não consumidores – acreditam que os produtos alternativos podem ter um papel importante na redução do impacto social e para a saúde dos produtos de tabaco.” E acrescentava ser “uma visão partilhada pela Philip Morris International e a sua subsidiária portuguesa Tabaqueira, que têm vindo a desenvolver produtos sem combustão, no âmbito da sua estratégia de redução de risco.”

    Contactada pelo PÁGINA UM, a Direcção-Geral do Consumidor diz que, “tratando-se de um conteúdo editado pelo meio de comunicação visado, similar a texto noticioso, compete à Entidade Reguladora para a Comunicação Social fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem atividades de comunicação social”. Essa visão, contudo, é redutora, uma vez que a legislação incumbe ambas as entidades na função de “fiscalização das matérias relativas à publicidade”.

    O PÁGINA UM tentou ainda obter durante a tarde de hoje uma reacção junto da ERC, mas não a obteve em tempo útil.

    white cigarette stick on white wall

    Eduardo Cintra Torres, crítico de media e especialista no sector da publicidade, defende que “a publicidade em forma de conteúdo jornalístico [como sucede com os textos no Estúdio P] é um género praticado há mais de um século, e é aceite por todas as partes”, acrescentando que, na sua opinião, no caso concreto do conteúdo comercial da Tabaqueira está “correctamente identificado como patrocinado”.

    Este professor universitário diz que se mostra evidente “um problema no conteúdo em si mesmo, dado que promove publicitariamente um produto cuja publicitação está proibida, o tabaco aquecido.”, dizendo ainda que “a Direcção-Geral do Consumidor deveria estar atenta e é sua obrigação agir neste caso”, tal como a ERC, “dado que se trata de uma utilização ilegal de um media.”

    O PÁGINA UM também enviou um pedido de comentários ao director do Público, Manuel Carvalho, sem resposta.

  • Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    É ilegal, mas nenhum regulador consegue multar ou aplicar sanções aos estabelecimentos comerciais que recusarem aceitar dinheiro físico como meio de pagamento. Só uma mudança na lei pode travar a discriminação dos consumidores e travar os infractores. Banco de Portugal diz que vai esperar por mudanças a nível europeu.


    O caso é insólito. Os reguladores confirmam que recusar aceitar dinheiro como meio de pagamento é ilegal. Mas nem a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nem o Banco de Portugal dispõem de base legal para multar os comerciantes que cometem esta ilegalidade. Também não podem levantar processos de contraordenação. Isto porque a lei não impõe quaisquer coimas ou outro tipo de sanções sempre que uma entidade não aceita notas e moedas para pagamentos de bens e serviços.

    Numa altura em que já há (embora poucos) estabelecimentos que recusam aceitar numerário como é o caso do Time Out Market Lisboa , os reguladores estão de mãos atadas e não podem actuar para proteger os consumidores. Só uma alteração da legislação pode acabar com a discriminação em relação aos consumidores mais vulneráveis e sem acesso a meios de pagamento digitais.

    man in chair with table beside coffee

    A “moda” ainda muito recente de se recusar notas e moedas de euro, além de ser ilegal, constitui um acto discriminatório, já que os consumidores sem acesso a meios de pagamento digitais são excluídos.

    A ASAE confirma a ilegalidade da prática. Mas não tem como agir. Em resposta a questões do PÁGINA UM, a ASAE afirmou que, salvo as excepções previstas na lei, “o operador económico não poderá recusar aceitar o pagamento em numerário, porque, em boa verdade, tais situações carecem de cobertura legal que a justifique e fundamente”.

    “Todavia, e não obstante a obrigação que recaiu sobre os operadores económicos, caso estes recusem aceitar pagamentos em numerário, o legislador não previu norma punitiva, pelo que se entende que tal prática não configura uma contraordenação, em virtude de falta de disposição legal que a tipifique enquanto tal”, adiantou.

    Segundo o Banco de Portugal, a tendência adoptada por alguns lojistas é proibida, sendo obrigatória a aceitação de notas e moedas de euro para pagamentos. De acordo com o regulador, “as moedas correntes têm curso legal em toda a área do euro, ou seja, têm de ser aceites como meio de pagamento, pelo seu valor nominal (isto é, pelo valor inscrito na moeda), em todos os países que fazem parte desta área, independentemente de onde tenham sido emitidas”.

    O Time Out Market Lisboa recusa aceitar dinheiro físico

    Contudo, os reguladores apontam existir uma lacuna na lei, a qual não prevê punições para os infractores. O legislador não ponderou que um dia haveria o caso de alguém recusar numerário.

    A situação é crítica para muitos consumidores. O numerário (notas e moedas) continua a ser o meio de pagamento mais usado em Portugal.

    A ASAE lembrou, citando a lei, que, em Portugal, pode ser recusado dinheiro como meio de pagamento apenas se as recusas forem “fundadas na boa-fé”, por exemplo, “em caso de desproporcionalidade entre o valor da nota apresentada pelo devedor relativamente ao montante devido ao credor do pagamento ou mediante acordo das partes em usar outro meio de pagamento” .

    Também “ninguém é obrigado a aceitar, num único pagamento, mais de 50 moedas de euro correntes, com excepção do Estado”. A lei também estipula “uma punição para a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos”.

    person holding brown leather card wallet

    A ASAE frisou que, por outro lado, segundo a Lei de Defesa dos Consumidores, “não existe qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, nos casos de não aceitação de pagamentos em cartão ou que só aceitam esta forma de pagamento quando estão em causa determinados valores, desde que se encontre publicitado no estabelecimento, de forma clara, objetiva e adequada”.

    Questionado sobre se o Banco de Portugal admite corrigir a situação para fazer prevalecer a lei, a instituição liderada por Mário Centeno afirmou que vai aguardar que sejam tomadas decisões a nível da União Europeia, numa altura em que avançam os esforços para o lançamento do euro digital.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, o Banco de Portugal esclareceu que “tal como referido no Relatório sobre Emissão Monetária de 2021, estão em curso trabalhos a nível europeu que permitam endereçar esta questão da forma mais harmonizada possível entre os vários bancos centrais da área do euro”.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Disse ainda que “para além disso, a Comissão Europeia, através de um grupo de trabalho dedicado ao curso legal do numerário integrando representantes dos vários Estados Membros, encontra-se a avaliar a necessidade de introduzir alterações no atual regime legal”.

    No mesmo Relatório, o banco central destaca que “o numerário constitui a única forma de dinheiro público a que todos, mesmo os que não utilizam serviços bancários, podem aceder diretamente” pelo que “é, por conseguinte, determinante para a inclusão financeira”.

    Deste modo, “as notas e moedas continuam a desempenhar um papel crucial na área do euro: embora a sua utilização como meio de pagamento tenha diminuído durante a pandemia, a procura por numerário tem aumentado”.

    No final de 2021, as notas e moedas de euro em circulação somavam 1.576 mil milhões de euros, segundo o supervisor financeiro. No final de 2019, antes da pandemia, esse valor era de 1.323 mil milhões de euros, “ou seja, em dois anos registou-se um aumento de 19%”.

    woman holding magnetic card

    O banco central diz ainda que “esta evolução constitui um indício inquestionável de que, apesar da crescente digitalização da atividade económica, o dinheiro físico continuará a desempenhar um papel importante no futuro, pelo que se impõe continuar a garantir o acesso e a aceitação generalizada do numerário, a par do desenvolvimento de notas inovadoras e sustentáveis”.

    O PÁGINA UM questionou também o Ministério das Finanças sobre se Governo admite adoptar medidas, nomeadamente de proteção ao consumidor, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.

    Segundo uma recomendação divulgada pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, “é essencial garantir que numa economia cada vez mais digital, os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam excluídos e que o direito de escolha sobre o meio de pagamento a utilizar seja uma decisão individual, baseada em informação clara e adequado à sua realidade”.