O PÁGINA UM — e os seus projectos jornalísticos complementares a lançar ainda este ano — está a reforçar a redacção em Lisboa e procura profissionais motivados, independentes e rigorosos, com paixão pelo jornalismo e sentido de missão pública.
As vagas abertas são:
2 Estágios curriculares ou profissionais (para efeitos de inscrição na CCPJ) — bolsa de estágio e formação incluída;
1 Jornalista Júnior, com contrato inicial a termo certo, em regime de tempo inteiro e presencial;
1 Jornalista Sénior, com experiência comprovada e espírito crítico, igualmente em regime de tempo inteiro e presencial;
1 Administrativo, com domínio das rotinas editoriais, tratamento documental e apoio à gestão.
Todos os candidatos devem enviar:
Curriculum vitae detalhado;
Três trabalhos distintos (publicados na imprensa escrita ou, no caso dos estagiários, trabalhos académicos relevantes);
Intervalo remuneratório pretendido.
As candidaturas devem ser enviadas até 7 de Novembro de 2025 para o e-mail: 📩 pavieira@paginaum.pt
O PÁGINA UM privilegia a independência editorial, a investigação documental e a escrita rigorosa. Procuramos quem queira fazer jornalismo de verdade — sem concessões nem filtros.
O vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Pedro Correia Gonçalves, está a exercer funções em situação de incompatibilidade por ser sócio-gerente de uma empresa de consultadoria criada em 2021. Na verdade, a grave condição de incompatibilidade — que, por lei, pode implicar perda de mandato — verifica-se desde há quatro anos, uma vez que, antes de tomar posse como vice-presidente da ERC, Correia Gonçalves — considerado um protegido de Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República — já exercia o cargo de director executivo da ERC, equiparado a director-geral, portanto um alto cargo público.
De acordo com a investigação do PÁGINA UM, Pedro Correia Gonçalves — que durante anos perambulou por gabinetes ministeriais e foi consultor na sociedade de advogados fundada por Aguiar-Branco — constituiu, em 14 de Maio de 2021, a Noble Ventures, como sociedade unipessoal, ou seja, sendo sócio único e gerente. Nessa data acumulou, desde logo, uma incompatibilidade séria que, se conhecida, teria levantado problemas de imediata apreciação. Recorde-se que, desde 14 de Abril de 2018 — saído, no dia anterior, das funções de assessor do PSD na Assembleia da República, onde estava desde 2016 — assumira funções de director executivo da ERC, cargo com estatuto de dirigente de 1.º grau.
Pedro Correia Gonçalves.
Ainda que o objecto social da empresa não se apresentasse explicitamente ligado à comunicação social, a incompatibilidade era evidente. O estatuto do pessoal dirigente — aplicável ao director executivo, equiparado a dirigente de 1.º grau — determina um regime de exclusividade, impondo “a renúncia ao exercício de quaisquer outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, exercidas com carácter regular ou não, e independentemente da respectiva remuneração”. As excepções possíveis — ensino ou palestras — carecem de autorização superior e, em qualquer caso, não podem ser prestadas através de empresa detida pelo próprio.
Mais grave é a manutenção da empresa após Novembro de 2023, data em que Pedro Correia Gonçalves tomou posse como membro do Conselho Regulador da ERC, por indigitação da Assembleia da República sob proposta do PSD. Aqui, as incompatibilidades resultam expressamente do Estatuto da ERC, que remete para o regime aplicável aos titulares de altos cargos públicos e estabelece que, durante o mandato, “não podem exercer qualquer outra função pública ou actividade profissional, excepto o exercício de funções docentes no ensino superior, em tempo parcial”.
Apesar disso, durante toda a existência da Noble Ventures, Correia Gonçalves jamais fez menção pública à empresa, nem tão-pouco os seus superiores, no período em que foi director executivo, tinham conhecimento formal da situação. Em diversos currículos, o actual vice-presidente omite ser detentor e gerente de uma sociedade unipessoal. E nem sequer fez qualquer menção a essa actividade empresarial, incompatível, quando foi ouvido na Assembleia da República quando foi ouvido pelos deputados.
Contactado pelo PÁGINA UM, Pedro Correia Gonçalves recusa qualquer “incompatibilidade jurídico-legal” — o que não corresponde à realidade — e afirma que “a referida sociedade foi e encontra-se devidamente referenciada na declaração entregue junto do Tribunal Constitucional”. Também aqui surge uma incongruência difícil de explicar para quem é jurista: actualmente, quem recebe as declarações de rendimentos e património dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos é a Entidade da Transparência, sediada em Coimbra, e não o Tribunal Constitucional. Acresce que o PÁGINA UM solicitou acesso ao registo do vice-presidente da ERC junto da Entidade da Transparência, mas o documento não está disponível para consulta, aguardando-se esclarecimentos sobre os motivos dessa indisponibilidade.
Sobre o facto de não constar em nenhuma biografia a actividade empresarial iniciada em 2021, Correia Gonçalves limitou-se a dizer que “no currículo público constam as referências que o respectivo titular [ele] considera relevantes”. O PÁGINA UM não perguntou se, nos currículos privados do vice-presidente da ERC, as referências à existência da Noble Ventures já são facultadas para eventualmente efeitos de propostas de serviços presentes ou futuros.
O vice-presidente da ERC — entidade cuja missão inclui exigir transparência e detectar incompatibilidades no sector dos media — também não se mostrou expansivo quanto à natureza dos serviços prestados pela sua empresa, acabando por indicar apenas que se situariam “no âmbito da área académica”, isto é, “na área jurídica”. Correia Gonçalves recusando divulgar que tipo de trabalhos realizou e quais os clientes, alegando que estes “estão abrangidos pelo sigilo profissional.”
Membros do Conselho Regulador da ERC. Da esquerda para a direita: Helena Sousa (Presidente), Pedro Correia Gonçalves, Carla Martins, Telmo Gonçalves e Rita Rola.
Porém, o objecto social registado da Noble Ventures é, na verdade, muito mais vasto e vago, conforme constatou o PÁGINA UM: “consultoria de gestão e de negócios; gestão e prestação de serviços administrativos; gestão de investimentos; consultoria, marketing e eventos; arrendamento de bens imobiliários; formação; compra e venda de bens imobiliários, incluindo compra para revenda, e realização de estudos”. A inclusão de marketing e organização de eventos — áreas também exploradas por órgãos de comunicação social — agrava a incompatibilidade.
Por fim, Pedro Correia Gonçalves assegura que a Noble Ventures “não tem actividade de facto desde Novembro de 2022”, afirmação que não é verdadeira e surpreende tratando-se de argumentos de alguém da área jurídica, fazendo lembrar o caso de Manuel Pizarro quando tomou posse como ministro da Saúde no final de 2022. Em causa estava então uma empresa de consultadoria que, apesar de não ter receitas recentes, era utilizada pelo socialista para registar despesas pessoas, abatendo lucros acumulados sem pagar IRC — expediente ilegal, pois as despesas empresariais pressupõem sempre actividade efectiva, mesmo que seja investimento. Manuel Pizarro acabou por dissolver a empresa pouco tempo depois de entrar em funções.
No caso da Noble Ventures, trata-se de uma microempresa com receitas apenas nos dois primeiros anos (2021 e 2022) — o que já colocaria Pedro Correia Gonçalves à margem da lei, por acumular actividade privada sendo director executivo. Em 2021, segundo contas anuais consultadas pelo PÁGINA UM, a sociedade facturou quase 24 mil euros, fechando o ano com lucro de 18 mil euros. Em 2022 registou ainda cerca de 1.500 euros de proveitos e iniciou a erosão desses lucros. Nas contas de 2023 e 2024, a empresa serviu sobretudo para pagamento de despesas pessoais de quase 4.000 euros, mantendo ainda cerca de 15 mil euros em depósitos bancários em nome da sociedade.
Registo da criação da Noble Ventures quando Pedro Correia Gonçalves já era director executivo. O actual vice-presidente recusa revelar os clientes.
Mas tal não com a Nobel Ventures que agora serve para despesas pessoais do vice-presidente da ERC que até confesso que não tem actividade, logo acaba implicitamente por admitir que coloca na contabilidade activa despesas pessoais. E mesmo tratando-se de montantes modestos, a questão legal intromete-se ainda a parte ética, de enorme gravidade.
“A lei não exige lucro para haver incompatibilidade: basta a existência de gerência activa, gestão de contas bancárias ou despesas registadas para se configurar exercício de actividade profissional privada, incompatível com o regime de exclusividade imposto a quem dirige ou regula a comunicação social portuguesa”, sublinha um jurista ouvido pelo PÁGINA UM, lembrando que Pedro Correia Gonçalves “é um jurista e vice-presidente de um regulador com especiais deveres de fiscalização e transparência”. E conclui: “Se se exige transparência aos regulados, maior tem de ser a transparência do regulador; e, quando um dirigente mantém empresa activa, a perda de mandato não é figura retórica — é a consequência que a lei prevê.”
Mais vale tarde do que nunca. Mas no caso dos fogos rurais, há medidas que chegam tarde demais. Depois de um ano trágico de fogos rurais em Portugal, é no Outono que o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)dá ordem de compra de meios terrestres e equipamento para prevenção e combate a incêndios.
No total, em quatro concursos públicos, o ICNF vai gastar até perto de 27,5 milhões de euros, sem IVA, para comprar viaturas ligeiras, tractores, uniformes e equipamento de protecção individual para equipas de sapadores de prevenção e combate aos fogos rurais.
/ Foto: D.R.
O caso não é para menos. Afinal, segundo dados do Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais, citados pelo ICNF, arderam este ano 269.941 hectares, dos quais 46% relativos a área ardida de povoamentos florestais, 43% de matos e 11% de terrenos agrícolas. este ano foi o quarto pior de sempre, apenas atrás de 2017, 2003 e 2005. No total, até ao dia 22 de Outubro, registaram-se 8.458 ocorrências.
Paradoxalmente, o investimento na prevenção é feito em mais um ano de desastres, e numa altura em que o Orçamento do Estado até reduz em nove milhões as verbas públicas disponibilizadas, que passará para apenas 44,7 milhões de euros. Porém, o ICNF tem os bolsos cheios para ir às compras por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Área ardida por ano desde 2021. Fonte: ICNF. Análise: PÁGINA UM.
Perante as estatísticas, o ICNF “abriu os cordões à bolsa” — com financiamento do PRR — e lançou concursos para a compra de equipamento. Um dos concursos que está a decorrer envolve a compra “de 218 unidades de maquinaria pesada (tractores) e respectivas alfaias destinadas à prevenção e combate de fogos rurais”. O valor base do contrato é de 22.544.500 euros.
Este concurso é composto por dois lotes, um para a compra de 51 tractores florestais “de tipo 1 e respectivas alfaias” e outro relativo à aquisição de 167 tractores florestais “de tipo 2 e respectivas alfaias”.
Outro concurso que está a decorrer, também financiado pelo PRR, envolve “a aquisição de 55 veículos ligeiros de combate a incêndios para as equipas de sapadores florestais”. Neste caso, o valor base é de 4,4 milhões de euros, com o preço base unitário de 80 mil euros.
Imagem que consta do caderno de encargos relativo ao concurso para compra de veículos ligeiros pelo ICNF.
Também a decorrer está o concurso do ICNF para “aquisição de uniformes e de equipamentos de proteção individual para os operacionais na área da gestão de fogos rurais”, composto por três lotes distintos, e que envolve uma despesa de 320.513 euros. O contrato a adjudicar terá um prazo de execução de sete meses. Este procedimento é cofinanciado pelo PRR.
Já fechado está o concurso para “aquisição de serviços de operação de veículos no âmbito do DECIR (Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais) 2025” e que tem um valor base de 220 mil euros. Esta compra sai do bolso do ICNF, já que não menciona qualquer financiamento comunitário.
Mas estas medidas já chegam tarde para os que perderam tudo nos fogos deste ano, em Portugal.
Foto: D.R.
O mesmo se aplica à campanha publicitária de prevenção de incêndios rurais que o ICNF aprovou em Maio e que só viu a luz do dia no final de Agosto, como o PÁGINA UM noticiou. Nessa campanha, o governo despejou, através dos cofres do ICNF, 725 mil euros em publicidade na comunicação social para a “difusão de publicidade institucional, no âmbito da campanha de sensibilização para a redução dos incêndios rurais”.
Agora, com a chuva de Outono à porta e temperaturas amenas, os meios de combate e prevenção de incêndios estão a ser encomendados pelo ICNF e a população está a ser informada. Para a floresta já ardida, já chegam tarde. Pelo menos, no próximo Verão o ICNF terá meios para evitar o pior.
Afinal, a Trust in News, dona da revista Visão, não é a única empresa do comentador e empresário Luís Delgado que tem dívidas e acções de execução. Uma outra sociedade do seu universo empresarial acaba de ser alvo de um processo de execução na Justiça por parte do Millennium bcp. O processo também pede que Delgado, que é gerente da empresa, seja executado.
O banco deu entrada com uma acção no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no passado dia 4 de Outubro a visar a empresa ‘Regula & Acerta’, bem como o próprio Luís Delgado. Em causa está uma dívida de 108 mil euros.
Luís Delgado. / Foto: D.R.
A empresa em questão foi criada por Delgado em 2014 como uma sociedade unipessoal com um capital social de apenas 100 euros. Em 2017, passou a ser uma sociedade por quotas e o capital social foi aumentado em um euro, passando a mulher de Delgado, Ana Delgado, a deter essa quota.
A sociedade opera com o CAE 56220 relativo a “actividades de serviço de fornecimento de refeições por contrato e outras atividades de serviços de alimentação” e tem sede na morada que Delgado indica como sendo a sua residência: Rua Gil Vicente, 64, rés do chão, em Lisboa.
Trata-se de uma empresa que já não apresenta contas desde o exercício de 2022.
Foto: Captura de imagem do Portal Citius.
Além desta acção de execução, em Julho passado, o empresário foi alvo de um processo para ser executado por uma dívida de 453.978,62 euros da Trust in News à Taguspark – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento do Parque de Ciência e Tecnologia de Lisboa. Trata-se de uma dívida relacionada com rendas não pagas pela empresa de media, que acumulou dívidas superiores a 30 milhões de euros, designadamente ao Fisco e à Segurança Social. Os seus credores aprovaram, no início deste mês, a cessação da actividade da empresa de media.
Recorde-se que Luís Delgado está a cumprir uma pena suspensa de cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada por dívidas contraídas ao Fisco nos primeiros anos de actividade da Trust in News. Se não pagar o montante em dívida, de 828 mil euros, arrisca ir para a prisão. O mesmo sucede com os outros dois gerentes da Trust in News, que estavam em funções na altura em que o crime foi cometido.
O plano de insolvência da TIN, apresentado por Delgado, era a sua última ’tábua de salvação’ perante diversas acções de execução em curso por parte de credores de TIN, designadamente a AT e a Segurança Social. Apesar de ter um capital social de apenas 10 mil euros, esta unipessoal criada em 2017, acumulou, estranhamente, dívidas superiores a 30 milhões de euros sobretudo junto do Estado, mas também junto do Novo Banco e da Impresa.
Agora, a somar ao descalabro da TIN, Luís Delgado enfrenta novas acções de execução mas por dívidas de uma das suas restantes empresas.
O Banco de Portugal encomendou a troca de peças para as duas piscinas que tem na sua quinta de luxo em Odivelas, que classifica como ‘centro de formação’. Pela troca das peças o Banco de Portugal deverá gastar 61.500 euros.
Em causa está a “substituição das centrais hidráulicas das piscinas da Quinta da Fonte Santa”, um espaço com 22 hectares, às portas de Lisboa, que é propriedade do Banco de Portugal.
Quinta da Fonte Santa, em Odivelas. / Foto: D.R.
Em concreto, o objecto da encomenda abrange “a remoção de equipamentos e componentes existentes nas centrais hidráulicas e posterior fornecimento, instalação, ligação e comissionamento de novos equipamentos e componentes, nas centrais hidráulicas das piscinas do Centro de Formação da Quinta da Fonte Santa do Banco de Portugal”. A informação consta do caderno de encargos do concurso público cujo prazo terminou no dia 15 deste mês.
Segundo os detalhes da encomenda, “pretende-se dotar a central hidráulica da piscina 1, com três unidades de electrobomba do tipo ARAL Plus C-3000 7.5CV 400V, ou equivalente”. Para a “circulação do chapinheiro, piscina das crianças, pretende-se o fornecimento, instalação e comissionamento de duas unidades de eletrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1CV 230V, ou equivalente.
Por fim, “para a central hidráulica da piscina 2, pretende-se o fornecimento e aplicação de duas unidades de electrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1.5CV 400V, ou equivalente”. O serviço inclui a “substituição dos equipamentos existentes, com todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários ao seu correto funcionamento”.
A verba que agora o Banco de Portugal vai despender é uma “gota de água” no contexto dos gastos de manutenção que a sua quinta de luxo exige anualmente. Recorde-se que só na manutenção dos espaços verdes da Quinta da Fonte Santa foram gastos 1,6 milhões de euros (com IVA) em sete anos.
Uma das piscinas da Quinta da Fonte Santa. / Foto: D.R.
Quanto à limpeza do espaço, tem um encargo de 1.724.460 euros (com IVA) nos próximos cinco anos, segundo o contrato assinado pelo Banco de Portugal no início de Dezembro do ano passado.
De resto, com a excepção dos contratos referentes aos encargos com a quinta, pouca informação pública se encontra sobre a propriedade, designadamente no site e relatórios do Banco de Portugal.
A informação mais completa foi divulgada num comunicado que o Banco de Portugal emitiu em 2012 com um esclarecimento. Nesse comunicado, a instituição indicou que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao banco”.
As duas piscinas foram ‘herdadas’, mas já registaram algumas remodelações ao longo do ano. Uma piscina de 25 metros de comprimento por 13 metros de largura não é para todas as ‘bolsas’: pode atingir um custo mínimo de 1,3 milhões de euros, com custos de manutenção anual acima de 50 mil euros.
Vista aérea da Quinta da Fonte Santa. / Foto: Captura de imagem do Google Maps
Ainda de acordo com o comunicado, “o banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho”. Também explicou que, “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações”.
Uma certeza existe agora: com este contrato que o Banco de Portugal vai adjudicar em breve, as águas das duas piscinas da sua quinta de luxo estarão garantidamente mais limpas para o bem-estar dos seus funcionários e convidados a desfrutar das várias actividades lúdicas disponíveis na propriedade.
1) Onde e como falhou o sistema? A ruptura do cabo ocorreu dentro do destorcedor do trambolho superior da cabina 1, a poucos centímetros da pinha (soquete) de amarração. A análise macroscópica realizada pelo GPIAAF mostra roturas progressivas dos arames (degrau a degrau, ao longo do tempo). Após a libertação, formou-se a meio do traçado um laço no sentido de torção — assinatura típica de rotação acumulada. Este ponto de ruptura não era visível numa inspeção convencional sem desmontar o destorcedor.
2) Que cabo estava montado? O cabo era um 6x36WS-FC, grau 1960, 32 mm, torção Lang direita (zZ), com alma de fibra sintética. Entrara em serviço a 1 de Outubro de 2024; à data do acidente tinha 337 dias. Embora a sua carga mínima de rupttura (662 kN) fosse “largamente suficiente” para a carga do sistema, não estava conforme com a especificação interna da Carris para o Ascensor da Glória e, mais grave, o certificado do fabricante proibia o uso com destorcedor — exatamente o que existe no Glória.
3) Porquê a incompatibilidade com destorcedor? A norma EN 12385-3 classifica cabos que não são resistentes à rotação e não devem trabalhar com extremidades livres de girar (caso de destorcedores). O cabo 6x36WS-FC enquadra-se nesse grupo; o certificado entregue ao operador também o dizia. Nada disto foi considerado na recepção e aplicação do cabo.
4) A pinha (soquete): defeitos internos e método empírico. Radiografias às duas pinhas do trambolho, realizadas pelo GPIAAF, onde a ruptura ocorreu detectaram zonas menos densas e vazios numa delas. A execução das pinhas seguia um processo empírico histórico, registado num “caderno antigo” da Carris fora do sistema documental, sem norma interna específica para preparação do cabo, composição da liga, ensaios ou critérios de aceitação. O procedimento não cumpria os preceitos das normas EN 12927 (instalações por cabo – requisitos de segurança) e EN 13411-4 (terminações metálicas/resina), que exigem preparação, qualificação e inspeções periódicas à zona da pinha.
5) Sequência operacional e falência da redundância. Após a ruptura do cabo no acidente do Elevador da Glória, a cabina 1 acelerou pela calçada; o guarda-freio actuou corretamente, mas os freios não imobilizaram o veículo. O primeiro embate, já com descarrilamento e tombamento parcial, deu-se entre 41 e 49 km/h, cerca de 20 segundos após o início de movimento. A cabina 2 recuou e ficou presa no limite inferior. O relatório descreve um sistema de frenagem cuja eficácia não estava assegurada para o cenário de falha de cabo, sem ensaios regulares para esse caso.
6) Manutenção, aceitação e qualidade. Existia um plano de manutenção, mas os registos nem sempre correspondiam ao executado. A MNTC actuava de facto como “mão de obra” sob orientação da Carris. Não houve ensaios/controlo após a execução das pinhas nem inspeções magneto-indutivas que cobrissem os últimos 2 metros junto às terminações. Em 2024–25 ocorreram ainda dois incidentes (colisão da cabina 1 nas escadas e embate com veículo de manutenção) que solicitaram anormalmente o cabo e as fixações.
7) Compras e especificação do cabo: o desvio de 2022. A investigação do GPIAAF documenta como, numa consulta lançada para o Elevador de Santa Justa, foram adicionados os artigos do Glória/Lavra e acabou contratualizado (e depois rececionado e aceite) um tipo de cabo divergente da especificação interna da Carris para o Elevador da Glória (que pedia 6x19S-IWRC gr1770, admitindo 6x19S-FC gr1770 como alternativa). Desde Dezembro de 2022 passou a ser usado no Glória o cabo 6x36WS-FC gr1960 zZ, não conforme com a especificação. O primeiro desses cabos durou 601 dias sem incidentes registados; o segundo foi o do acidente.
8) Enquadramento legal e supervisão pública. O relatório do GPIAAF reconstrói a “zona cinzenta” jurídica que deixou os Elevadores da Glória e Lavra fora da supervisão regular do IMT/ANSF, ao contrário da Bica e de Santa Justa. Mas afirma explicitamente que nada impedia a aplicação adaptada de regras e supervisão efetiva — por iniciativa do operador ou do IMT — e recomenda agora um quadro legislativo que cubra todos os funiculares e sistemas assimiláveis.
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Onde a nossa investigação bateu certo — e cedo
O Relatório Preliminar do GPIAAF hoje conhecido confirma, com linguagem pericial, o essencial do que o PÁGINA UM apurou e publicou entre 5 e 27 de setembro. Abaixo confrontamos, ponto por ponto, as constatações oficiais com as nossas peças — com títulos e datas — mostrando como o jornalismo independente chegou primeiro aos nós críticos desta tragédia.
1) O ponto de falha estava “escondido” — e nós avisámos
O GPIAAF localiza a ruptura dentro do destorcedor, a poucos centímetros da pinha/soquete, com rupturas progressivas e formação de laço por rotação acumulada — um local invisível numa inspeção visual sem desmontar. Já a 27/09/2025, explicámos que a questão decisiva não era “partir como corda velha”, mas ceder na união cabo–soquete, um ponto que exige processos e ensaios formais de selagem, e não meras rotinas visuais.
2) O cabo aplicado desde 2022 era de alma de fibra — e isso importa na amarração
O relatório descreve umcabo 6x36WS-FC, grau 1960, 32 mm, torção Lang (zZ), colocado 01/10/2024, com 337 dias de serviço — não conforme com a especificação da Carris e vedado pelo próprio certificado a uso com destorcedor. Em 22/09/2025, mostrámos a viragem de 2022 de IWRC (alma de aço) para CF (alma de fibra), e revelámos as facturas, e a poupança de 43%, sublinhando que o risco não estava na carga mínima de ruptura (CRM) nominal, mas no comportamento em serviço na amarração. Em 25/09/2025, detalhámos por que a CF é mais vulnerável à compactação e à perda de eficácia no soquete.
3) Incompatibilidade cabo–destorcedor-soquet: a regra técnica que foi ignorada
O relatório preliminar do GPIAAF regista que o próprio certificado do cabo proibia o trabalho com extremidade livre para girar (destorcedor), pelo facto de o cabo não ser resistente à rotação — justamente o caso do 6x36WS-FC. Na nossa leitura técnica (27/09/2025) já alertávamos para a eventual não conformidade normativa das terminações e da compatibilidade geometria–material, por serem determinantes na segurança.
4) Pinha executada por “método empírico” e sem ensaios — aquilo que denunciámos
Radiografias revelaram vazios internos numa das pinhas e um procedimento transmitido por “caderno antigo” da Carris, sem norma, sem ensaios e sem critérios de aceitação. A 27/09/2025 já escrevêramos que a selagem não é artesanato: exige materiais, provas de carga e qualificação em linha com as normas europeias de segurança. A ausência destes controlos deixava o sistema exposto.
5) Falhou a redundância: travões que não param sem o cabo
O guarda-freio (que morreu no acidente) actuou, mas os travões não imobilizaram a cabina; o primeiro embate deu-se entre 41–49 km/h, cerca de 20 segundos após a rutura do cabo. Nunca se ensaiou o cenário de falha de cabo. Em 05/09/2025, denunciámos a “inspeção por olhómetro” feita sem parar o equipamento (tempo real de paragem: 00:00:00), sem testes funcionais sob carga; e em 06/09/2025 provámos que o caderno de encargos nem exigia ensaios mecânicos ou não destrutivos ao cabo. Revelámos também em 13/09/2025 que, ao contrário do que sucedia na Carris, a manutenção no Porto, feita para os eléctricos dos STCP também pela MNTC, eram muitíssimo mais exigentes.
6) Manutenção e aceitação: registos formais ≠ trabalho real
O GPIAAF aponta registos que não batiam com as tarefas, formação sobretudo on-the-job, ausência de ensaios após execução das pinhas e inspeções magneto-indutivas que não cobriam os últimos 2 metros junto à terminação; documenta ainda incidentes em 2024–25 que solicitaram cabo e fixações. A 08/09/2025, revelámos a opacidade documental (sem relatório de instalação de 2024, sem prova de qualificações) e exigimos traçabilidade técnica e ensaios de aceitação. Em 06/09/2025, expusemos o modelo de manutenção reduzido a checklists visuais e a ausência de prescrições técnicas para desmontagens/medições/ensaios.
7) Compras e especificação: o pivot de 2022 ficou provado
O GPIAAF reconstruiu o processo que levou à escolha, para o elevador da Glória, de um cabo de alma de fibra em 2022. Em 22/09/2025, já tínhamos ligado os pontos: 2020 (cabos IWRC com certificação EN 12385-8) vs 2022 (CF), com uma poupança de 43% no preço e dúvidas de certificação — uma poupança ilusória com custos de segurança. Em 25/09/2025, identificámos a decisão de topo (de Tiago Lopes Faria, então presidente da Carris e professor do Instituto Superior Técnico) em 2022 e a ausência de ensaios/pareceres prévios à mudança.
8) Enquadramento legal e supervisão: a “zona cinzenta” não desculpa ninguém
O relatório do GPIAAF explica por que os elevadores da Glória e Lavra ficaram fora da supervisão regular do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMT), mas acrescenta que nada impedia regras e supervisão adaptadas. Em 11/09/2025, demonstrámos que a substituição do cabo é alteração significativa: exige projecto, plano de ensaios, análise de segurança independente e autorização prévia do IMT, além de documentação e inspeções periódicas.
9) Quem tinha a incumbência de trocar o cabo — e quem o fez
Revelámos em 08/09/2025 que a substituição do cabo era incumbência contratual da MNTC, sem prova pública de que a equipa tivesse as certificações exigidas. A Carris nunca respondeu e confirmou-se agora que foram técnicos da empresa municipal que procederam á substituição sem garantias de cumprimento das normas.
Linha do tempo das nossas publicações (antes do relatório)
O relatório preliminar corrobora o núcleo das nossas revelações: cabo errado e não conforme, incompatível com destorcedor e aplicação no soquete; falha na terminação com método empírico; manutenção/aceitação deficitárias; e supervisão pública omissa onde devia existir. A diferença é que hoje tudo isso vem escrito na gramática da peritagem. O jornalismo do PÁGINA UM chegou lá antes, e continuará acompanhar este caso para que o acidente da Glória modifique práticas e responsabilidades.
Uma campanha de informação sobre o uso de drogas, lançada este mês pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), acabou por se tornar tão tóxica que foi eliminada das redes sociais.
Em causa estão publicações do SNS nas redes sociais, designadamente no Facebook e Instagram, com informação sobre o uso de substâncias, como canábis e cocaína. A polémica estalou porque a campanha mencionava os “efeitos” provocados pelas drogas e que arriscavam servir de incentivo ao consumo das substâncias, por parecerem até ser positivos.
Foto: Os “slides” polémicos que faziam parte da campanha de informação do SNS ainda estão disponíveis na Internet, tendo como referência a página do SNS no Facebook.
A campanha de informação do SNS sobre cada substância era composta por quatro “slides” com informações separadas e o objectivo, no último slide, era facultar os contactos para quem precisasse da ajuda do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), a entidade pública identificada na campanha. O principal problema é que, separado dos restantes, um dos slides destacava os efeitos ou alegadas ‘virtudes’ dos estupefacientes, o que poderia induzir à experimentação.
No caso da campanha sobre o uso de canábis, publicada no início deste mês, o SNS referia que os efeitos do consumo da substância incluem: relaxamento; alteração da percepção do tempo; aumento do apetite; e euforia leve.
Já na campanha de informação relativa ao uso de cocaína, publicada no dia 10 de Outubro, o SNS destacava que os efeitos do consumo da droga incluem: euforia; aumento de energia; sociabilidade; e diminuição da fadiga. Este slide em particular está a ser partilhado nas redes sociais, separado dos restantes slides, para criticar o SNS pelo conteúdo da campanha de sensibilização.
O director-executivo do SNS, Álvaro Almeida (em baixo, o segundo a contar da esquerda), e os membros do conselho de gestão do SNS (da esquerda para a direita): Francisco Matos, Ana Oliveira, Ana Rangel, Helder Sousa e Fernando Pereira. / Foto: D.R.
A campanha, apurou o PÁGINA UM, foi elaborada pelo SNS e validada pelo ICAD, em termos científicos, mas não recebeu criticas positivas dos utilizadores das redes sociais que viram nos “slides” polémicos o risco de servirem como incentivo ao consumo daquelas substâncias que causam dependência.
Apesar de terem sido apagadas das redes sociais, as imagens da campanha do SNS ainda se encontram espalhadas na Internet. Fazendo uma pesquisa nos motores de busca, encontram-se as imagens, que remetem para a página do SNS no Facebook. Mas quando se clica nas imagens, já não se encontram na página do SNS naquela rede social. Ou seja, existem indícios de que estiveram no perfil oficial desta entidade.
O PÁGINA UM confirmou junto de uma fonte oficial que a campanha sobre o uso de canábis e cocaína é verídica e que as publicações foram eliminadas das redes sociais pelo SNS, para serem alvo de “reflexão”.
Foto: Os quatro “slides” que constituem a campanha do SNS sobre o uso de cocaína e que ainda se encontram disponíveis na Internet, apesar de terem sido apagadas da página do SNS no Facebook.
Para o psiquiatra Luís Patrício, um dos pioneiros no tratamento das toxicodependências em Portugal e autor da página ‘Mala de Prevenção‘, “felizmente, tendo em conta o conteúdo, foi apagado” das redes sociais. Mas, salientou que, “infelizmente, está na rede [Internet]”.
O especialista recordou “um outro disparate dos anos 90, quando também nos serviços do Ministério da Saúde foi publicada uma informação também disparatada” sobre heroína, em que foi usada uma frase similar a esta: “a gota sedutora que escorre”. Ora, a heroína, é “um produto/droga de consumo abusivo, geradora de intensa dependência”.
“Estes factos devem-nos fazer pensar que algo tem de mudar em termos de exigência e de competência”, defendeu o psiquiatra.
No caso da campanha que agora foi apagada das redes sociais, Patrício alertou que, quem vir apenas o slide sobre os efeitos do uso das drogas, “de forma isolada, pode pensar não se tratar de uma informação no âmbito da prevenção sanitária social, mas de um slide integrado numa campanha com perspectivas geopolíticas económicas”.
Foto: D.R.
O psiquiatra observou que quem publicou a campanha “ou não valorizou, porventura, o risco, no âmbito da educação para a saúde/prevenção, na perspectiva sanitária e social, ou teria apenas talvez alguma boa intenção”.
Luís Patrício salientou que, com o slide polémico, “quem não sabe [quais são] os efeitos, fica a saber” e, “alguém menos informado ou mais frágil, até pela vivência grupal, queira comprovar os efeitos da “gulosa” assim é o nome em calão [para a cocaína]”. Por outro lado, “quem esteja em sofrimento directo ou indirecto relacionado com cocaína, poderá sentir alguma tristeza ou até revolta dados os estragos provocados pela cocaína nos que, sem desejarem, ficaram agarrados, dependentes”.
O psiquiatra destacou que, na sensibilização sobre o uso de drogas, “um dos equívocos reconhecidos foi, nos anos 70 e 80, serem publicitados os efeitos da substância no âmbito da prevenção” que causou um “efeito contrário ao desejado”. Mas, “porventura, em Portugal, ainda há quem não tenha sido ensinado ou compreendido”.
Foto: D.R.
Defendeu que “é preciso repensar a prevenção em Portugal”, com “mais competência, mais exigência, mais profissionalismo” porque “as boas vontades são simpáticas, mas não chegam”.
Em resposta a questões do PÁGINA UM, fonte oficial do SNS indicou “que a direcção executiva do Serviço Nacional de Saúde não tem intervenção nessas campanhas, nem na publicação dos conteúdos das redes sociais do SNS”. Formalmente, o ICAD não comentou a polémica. O PÁGINA UM fez também várias tentativas de contacto com a porta-voz da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, para obter um comentário, mas até ao momento não nos foi comunicada qualquer resposta.
A par da campanha sobre o uso de canábis e de cocaína, o SNS também publicou recentemente uma campanha nas redes sociais a alertar para os riscos do consumo de álcool, mas, neste caso, a publicação do SNS não deixou rasto tóxico e mantém-se disponível.
Para uma instituição que se quer sóbria, polémicas não têm faltado ao Banco de Portugal, a começar pelo seu governador até há pouco tempo, Mário Centeno. Talvez por isso, a instituição agora liderada por Álvaro Santos Pereira mantenha-se preocupada com a sua reputação e tenha seguido uma ideia herdada do seu antecessor: fazer um barómetro de reputação.
Assim, dois dias após a substituição de Centeno por Santos Pereira, o banco confirmou a contratação de uma empresa de sondagens para perguntar aos portugueses o que pensam da instituição. Na verdade, o que os portugueses acharem é irrelevante: a acção do Banco de Portugal no quotidiano é praticamente nula, limitando-se à supervisão das instituições financeiras e à execução das directivas do Banco Central Europeu.
Mário Centeno terminou oficialmente o seu mandato como governador do Banco de Portugal no dia 19 de Julho mas manteve-se no cargo até à nomeação do seu sucessor. Foi substituído pelo antigo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, cujo mandato como governador teve início no dia 6 de Outubro. / Foto: D.R.
Certo é que a decisão de avançar com a despesa foi tomada pela direcção do Departamento de Logística e Instalações do Banco de Portugal no passado dia 20 de Julho, em pleno fim oficial do mandato de Centeno, mas o contrato foi celebrado dois dias após a tomada de posse de Santos Pereira, no dia 8 deste mês. A empresa escolhida, após um procedimento de consulta prévia, acabou foi a Marktest que receberá 73.099 euros, com IVA incluído, para elaborar e conduzir um estudo de mercado durante três anos, embora possa ser revogado a cada ano.
Segundo o caderno de encargos do procedimento, consultado pelo PÁGINA UM, “o Banco de Portugal, com a elaboração de um Barómetro Anual da sua reputação, pretende monitorizar o nível de conhecimento e de confiança da sociedade sobre a sua missão e actividades e adaptar as suas estratégias de comunicação de forma mais eficiente”.
No entanto, ainda não estão definidas as questões a colocar — estimadas em cerca de três dezenas — nem o número total de pessoas a inquirir. Em todo o caso, um estudo desta natureza, para ter credibilidade estatística representativa da população adulta portuguesa (cerca de 8,2 milhões de pessoas), deve incluir pelo menos 600 entrevistas, o que corresponde a um erro amostral próximo de ±4%. Para uma amostra de 1.000 inquiridos, o erro desce para cerca de ±3%, garantindo maior robustez. Em termos de custos, cada inquérito telefónico ronda entre 15 e 25 euros, dependendo da complexidade e duração, o que colocaria o valor total do estudo entre 9.000 e 25.000 euros.
Álvaro Santos Pereira, governador do Banco de Portugal desde 6 de Outubro.
Assim, face ao custo envolvido, é mais provável que seja escolhida uma amostra de cerca de 600 inquiridos, o mínimo necessário para garantir validade estatística, permitindo à empresa contratada maximizar a margem de lucro sem comprometer formalmente a credibilidade do estudo.
A decisão deste barómetro surge ainda para cumprir uma meta do Banco de Portugal, que definiu, no seu plano estratégico para 2021-2025, como um dos objetivos aumentar a proximidade e a confiança junto da sociedade”.
E bem que precisa. Têm sido várias as polémicas em torno da instituição, no passado mais distante e no mais recente. Basta lembrar que, apesar de toda a supervisão, grandes bancos colapsaram, com destaque para o BES, em 2014, com as decisões do Banco de Portugal a deixar um conjunto de investidores lesados. Depois, os gastos e alguns luxos, designadamente com salários, contratações e promoções, têm deixado marcas reputacionais negativas.
Foto: D.R.
A somar, mais recentemente, há a polémica em torno da nova sede do Banco de Portugal, na zona de Entrecampo, envolvendo os terrenos da Fidelidade, agora com capitis chineses, que já é vista como um elefante branco. Acrescem todas as polémicas em torno de Mário Centeno, que até na saída do cargo de governador foi motivo de notícia devido ao conteúdo da mensagem que enviou aos trabalhadores da instituição, com um tom que alguns viram como narcísico.
Agora, o Banco de Portugal contratou a Marktest para aferir “do conhecimento e confiança” que “a sociedade portuguesa adulta” tem desta instituição cada vez mais distantes dos portugueses..
O contrato está dividido em três fases operacionais que incluem ao desenho, implementação e apresentação do estudo. Assim, “no prazo máximo de uma semana após a outorga do contrato ou em data posterior se o Banco de Portugal assim o indicar, deverá ser realizada uma reunião de kick-off entre as partes para a preparação do plano detalhado dos trabalhos a executar, a identificação de factores críticos de sucesso e riscos do estudo”.
O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, junto a Entrecampos, Lisboa. Foto: PÁGINA UM
Adivinha-se uma tarefa espinhosa para a Marktest e o Banco de Portugal. Por um lado, o banco quer ouvir os portugueses, por outro não quererá publicar um barómetro de reputação negativo. A chave estará nas questões a colocar aos portugueses que, certamente, não irão incluir perguntas sobre o que pensam da luxuosa Quinta da Fonte Santa, que exige uma manutenção milionária, ou o valor total pago pelo Banco de Portugal com mudanças, instalações temporárias (com tapumes em obras nunca iniciadas) e a construção na nova sede.
Porém, a instituição agora liderada por Santos Pereira tem a ‘faca e o queijo na mão’: o caderno de encargos do contrato destaca explicitamente que, se houver alguma coisa que esteja ‘incorrecta’ no relatório final, a Marktest terá de “garantir a realização de todas as correcções e/ou propostas de melhoria, à sua custa, solicitadas pelo Banco de Portugal, e disponibilizar uma nova versão actualizada”.
A Justiça administrativa em Portugal pode ler lenta, com processos a desenrolar-se por anos, e inacessível a muitos, já que as custas são proibitivas, mas não se pode acusá-la de retrógrada: o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) prepara-se para lançar um canal de televisão em regime de streaming com conteúdos jurídicos – e esta até poderá acessível aos cidadãos comuns, pagando uma subscrição. Não se sabe é se o valor será indexado à famosa Unidade de Conta (UC).
O lançamento do canal JAF TV, que tem estreia marcada para o segundo semestre de 2026 será financiado com verbas retiradas de um projecto de digitalização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O CSTAF tem disponíveis, por agora, 422,8 mil euros de um ‘bolo’ de 950 mil euros que recebeu para “a melhoria das condições de contexto de funcionamento do sistema de Justiça da República Portuguesa, nas vertentes legal, procedimental, de gestão do conhecimento e do paradigma tecnológico”.
Foto: D.R.
Em concreto, o projecto não fala especificamente num canal televisivo, mas sim em investimentos em plataformas digitais dos Tribunais Administrativos, incluindo a contratação de recursos tecnológicos, hardware e software. Grande parte dos investimentos (55,5% do total) deste financiamento global foi já gasto na aquisição de hardware e de software, incluindo de inteligência artificial.
Não se pense que este canal servirá para a transmissão de actos processuais como já sucede com o Tribunal de Justiça da União Europeia, até porque são raras as audiências nos tribunais administrativos, que funcionavam à base de requerimentos e despachos escritos. Na verdade, a JAF TV serve para auxiliar na formação certificada especializada dos magistrados da jurisdição administrativa e fiscal, disponibilizando essa formação a quem, na área do direito, tenha interesse em pagar o acesso. Mas também terá uma componente mais aberta, prevendo-se quatro rubricas e ainda um podcast mensal.
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, e o juiz conselheiro Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, que tomou posse como presidente do CSTAF em Outubro de 2024. / Foto: D.R.
Já desde sexta-feira que o PÁGINA UM preparava uma notícia sobre o lançamento deste canal e enviou questões ao CSTAF, designadamente sobre como será financiado o canal, tendo-nos sido enviadas respostas na segunda-feira. Mas só ontem, após novo contacto telefónico, recebemos a resposta final sobre a origem concreta do financiamento. Em paralelo, sem nada indicar no contacto telefónico feito com o PÁGINA UM, o CSTAF emitiu um comunicado público para anunciar o lançamento do canal, antecipando-se à notícia do PÁGINA UM.
Antes, nas respostas escritas enviadas ao nosso jornal, o CSTAF esclareceu que as entidades cofundadoras da JAF TV “serão estabelecimentos de ensino superior, instituições públicas e associações de magistrados que acrescentarão qualidade à componente formativa do canal”, disse fonte oficial do CSTAF em resposta a perguntas do PÁGINA UM. Mas poderão alugar por um valor simbólico, a determinar, “os meios tecnológicos e humanos da JAF TV para a realização e transmissão de eventos próprios que se alinhem com a missão do canal”.
Também não são ainda conhecidos os preços de subscrição da JAF TV, os quais “estão a ser definidos de acordo com o estudo económico financeiro que está a ser elaborado para o canal”. Mas é certo que “qualquer interessado, seja individualmente ou através de uma pessoa coletiva, pública ou privada, pode subscrever e aceder aos conteúdos do canal JAF TV”.
O que se sabe é que o canal de TV vai ter um “serviço por assinatura” que “consiste no pagamento de uma quantia periódica – mensal, trimestral ou anual – que confere ao utilizador acesso ilimitado a todos os conteúdos da plataforma, incluindo seminários, congressos, ações de formação, entrevistas e podcasts, no período subscrito”. A criação desta “modalidade visa proporcionar uma receita previsível para o canal e incentivar o consumo contínuo de conteúdo por parte dos subscritores”.
Também vai disponibilizar o pagamento por conteúdo, que “permite ao utilizador pagar um valor único para aceder a um conteúdo singular e específico, como um seminário, um congresso ou um curso específico, sem a necessidade de uma assinatura contínua”.
A JAF TV terá descontos para entidades parceiras cofundadoras, as quais “beneficiam de um desconto automático de 35 % em todos os serviços e de condições especiais para a utilização do canal para os seus próprios eventos”. Também “serão estabelecidos descontos de 25 % para estudantes de direito, mestrado ou doutoramento, mediante comprovativo de inscrição”.
(Da esquerda para a direita) O presidente do STA e do CSTAF, juiz conselheiro Jorge Aragão Seia, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, o secretário de Estado-Adjunto e da Justiça, Gonçalo Cunha Pires, e a juíza-secretária, juíza desembargadora Eliana Almeida Pinto, a qual vai liderar o novo canal JAF TV. / Foto: D.R.
O canal será dirigido pela juíza-secretária do CSTAF, a juíza desembargadora Eliana Almeida Pinto, que assumirá a função de diretora-geral, a quem caberá definir “a estratégia editorial e institucional do canal”, com a supervisão do presidente do CSTAF.
A criação de um canal de streaming não foi a única mudança recente aprovada pelo CSTAF. Na mesma sessão em que foi aprovada a criação da JAF TV foi também aprovada a criação de um Gabinete de Relações Internacionais, um Gabinete de estudos e um Gabinete de apoio ao presidente do CSTAF e juiz-secretário.
Apesar de três mensagens de correio electrónico enviadas pelo PÁGINA UM desde quarta-feira terem sido confirmadas como recebidas pelos serviços da CNE, não houve qualquer resposta deste organismo independente quanto à legalidade e oportunidade da iniciativa. A menos de um dia das eleições, o silêncio da entidade fiscalizadora deixa sem escrutínio um modelo inédito — e potencialmente perigoso — de “debates patrocinados” em plena campanha. E abre portas, no futuro, para ‘modalidades’ ainda mais promíscuas e desviantes.
Como o PÁGINA UM revelou, o JN introduziu nesta campanha uma “inovação”: debates financiados por um terceiro, que assume a definição dos temas a discutir. No caso, a OERN celebrou mesmo um contrato público para estabelecer as condições dos debates, tendo estes se centrado em exclusivo nos temas da “habitação” e “mobilidade”. A cláusula contratual, firmada entre a OERN e a Notícias Ilimitadas (proprietária do JN), limitou convites a forças com representação nas Assembleias Municipais, provocando exclusões em todos os concelhos abrangidos.
No Porto, por exemplo, apenas 8 das 12 candidaturas estiveram no palco; em Braga, participaram 7 de 10; em Viana do Castelo a CDU ficou de fora; em Bragança subiram ao debate 4 de 7 listas. Para além de condicionar temas e formato, o financiador viu ainda assegurada visibilidade institucional: o presidente da OERN, Bento Aires, foi o centro das atenções, sendo até fotografado no meio dos candidatos.
O carácter polémico destes debates patrocinados decorre de três planos. Primeiro, a natureza da OERN: sendo uma associação pública profissional que exerce poderes públicos (inscrição, disciplina, regulação profissional), está sujeita a legalidade, imparcialidade, prossecução do interesse público e neutralidade institucional. Financiar debates com candidatos, em período eleitoral, pode colidir com a neutralidade e condicionar o pluralismo.
Segundo, a parceria com um órgão de comunicação social, remunerada e com temas predeterminados, fere a necessária separação entre jornalismo e patrocínio, agravada pelo facto de o conteúdo ter sido divulgado em formato informativo e moderado por um ex-jornalista com funções comerciais, o que suscita dúvidas de incompatibilidade ética e autonomia editorial. Terceiro, as exclusões de candidaturas legalmente admitidas afectam a igualdade de oportunidades entre concorrentes, princípio basilar da disputa eleitoral.
Debate eleitoral no Porto dinamizado pelo Jornal de Notícias e pago pela Ordem dos Engenheiros. Presidente da secção regional do Norte, Bento Aires, teve direito a foto de conjunto no meio dos candidatos.
Questionado pelo PÁGINA UM, Bento Aires, líder da OERN, justificou por escrito que “a Engenharia está envolvida no desenvolvimento das autarquias em diferentes dimensões”, garantindo, contra o que resulta do contrato, que “todos os candidatos (…) foram convidados”. E assegurou que os debates decorreram “com total imparcialidade e isenção”. Porém, nem nos vídeos alojados nas páginas do JN e da OERN, nem nas peças de enquadramento, é referida a existência de patrocínio remunerado nem a interferência do financiador na escolha de temas. Esse défice de transparência é grave em qualquer circunstância; em campanha, é inaceitável.
Perante este quadro, qual deveria ser o papel da CNE? De acordo com as suas competências, esta Comissão tem o dever de zelar pela regularidade dos actos eleitorais, assegurar a igualdade de tratamento das candidaturas e vigiar a neutralidade das entidades públicas, emitindo recomendações e deliberações quando detecta riscos para a liberdade de voto, a isenção informativa e a equidade. Pode ainda instar correcções imediatas e encaminhar ocorrências para a competente actuação contra-ordenacional quando aplicável.
Num contexto em que uma entidade do sector público financia debates e define regras de participação e temas, esperar-se-ia, no mínimo, um esclarecimento célere sobre se é compatível com a lei eleitoral e com os princípios de neutralidade e igualdade que um patrocinador externo seleccione temas e, por via contratual, condicione quem pode ou não subir ao palco.
Debate eleitoral em Braga pago pela Ordem dos Engenheiros.
A urgência de uma posição não é meramente formal. O precedente criado pela OERN e pelo JN abre a porta a que, no futuro, associações empresariais, ordens públicas, fundações ou grupos sectoriais ditem, mediante pagamento, as agendas de debate e o perímetro dos convidados em plena campanha. Se hoje foram “habitação” e “mobilidade”, amanhã poderão ser interesses agrícolas, energéticos, imobiliários ou securitários, com o risco de privatizar a agenda pública e moldar a cobertura informativa segundo quem paga. O mercado dos debates substitui a mediação editorial e o interesse público por contratos comerciais, dissolvendo a fronteira entre informação e publicidade em matéria eminentemente política.
Recorde-se que, além das exclusões, houve ganhos de imagem para o financiador: a marca da OERN esteve permanentemente associada aos debates, e o seu presidente apareceu em destaque ao lado dos candidatos. Os encontros foram moderados por um quadro comercial do grupo de media, circunstância que aumenta a percepção de promiscuidade entre áreas comerciais e conteúdos editoriais. Tudo isto, em período de campanha, quando a legislação e as boas práticas impõem especial rigor.
N.D. (15/10/2025) O PÁGINA UM escreveu inicialmente que o actual presidente da CNE era o juiz conselheiro Santos Cabral, antigo director nacional da Polícia Judiciária. Essa informação constava no site da CNE à data da publicação. O PÁGINA UM foi alertado por Santos Cabral informando que já cessara funções em 21 de Julho. Contactado o CNE sobre essa situação, André Wemans, porta-voz desta entidade, esclareceu hoje que “que detetado ontem que uma outra página (constante de um submenu designado “História”) não continha a data de fim de mandato do anterior Presidente da CNE – 18.ª CNE – a mesma foi completada com essa data e aditado o espaço do atual Presidente em funções”. Informou também que “relativamente ao V/ pedido sobre os debates, informo que o mesmo se encontra pendente para informação dos Serviços, com vista a submeter à Comissão.”
Embora por um erro de uma entidade (que deveria ter a informação actualizada), o PÁGINA UM lamenta a informação inicialmente transmitida e pede desculpas ao juiz conselheiro Santos Cabral pela referência na notícia original, entretanto corrigida neste aspecto, que não altera a substância.