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  • Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    Indústria farmacêutica ‘montou’ feudo no Ministério da Saúde

    A indústria farmacêutica reforçou a sua presença no Ministério da Saúde com a nomeação de Francisco Gonçalves para a Secretaria de Estado da Gestão da Saúde. O novo governante salta directamente da Sanofi, onde ocupava desde 2021 o cargo pomposamente denominado Head of Market Access & Public Affairs. Nessas funções, Francisco Gonçalves foi responsável pela definição de estratégias para a obtenção de preços e reembolsos junto das autoridades de saúde, bem como pela articulação com decisores políticos e instituições públicas, assegurando o enquadramento regulatório e institucional favorável à empresa.

    Foi ele que, por exemplo, negociou com o Ministério da Saúde, então liderado por Ana Paula Martins, a introdução do fármaco Beyfortus – marca comercial do nirsevimab, um anticorpo monoclonal para a prevenção do vírus sincicial respiratório –, que é hoje uma das coqueluches da farmacêutica francesa (confirma). Nas contas de 2024, a Sanofi reportou receitas com este fármaco de quase 1,7 mil milhões de dólares, com um crescimento de 208% face ao ano anterior, ocupando já a segunda posição entre as suas marcas, apenas atrás do Dupixent, também um anticorpo monoclonal destinado ao tratamento da asma e da dermatite atópica, e que é um autêntico campeão de vendas devido ao seu elevado preço.

    Apesar de se tratar de uma doença genericamente benigna e de não haver registo em Portugal de mortes em bebés, a Sanofi – apoiada numa intensiva campanha mediática que incluiu parcerias promíscuas com a imprensa mainstream – conseguiu que, em 2024, o Ministério da Saúde adquirisse doses suficientes para inocular cerca de 62 mil bebés nascidos entre 1 de Agosto do ano passado e 31 de Março de 2025.

    De acordo com o Portal Base, a Sanofi conseguiu vender até hoje cerca de 14,6 milhões de euros (IVA incluído) de Beyfortus, mas a factura deverá ainda aumentar substancialmente. Grande parte deste valor deveu-se á administração de doses em cerca de 62 mil crianças”, justificada por um alegado estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com base em dados de 2023, que apontavam para o internamento hospitalar de 145 crianças até aos dois anos de idade, entre 2 de Outubro e 10 de Dezembro.

    No passado mês de Abril, o Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral da Saúde (DGS), decidiu expandir a estratégia de imunização na próxima campanha de vacinação, alargando a sua abrangência a todos os bebés nascidos entre 1 de Junho de 2025 e 31 de Março de 2026. A data ainda não está definida, mas a campanha de administração do anticorpo monoclonal – que não é tecnicamente uma vacina – deverá arrancar a 1 de Outubro e prolongar-se até 31 de Março de 2026.

    O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.

    Apesar de diversos estudos indicarem que o Beyfortus reduz significativamente a hospitalização de bebés com infecções respiratórias por VSR, não são conhecidos estudos públicos sobre o verdadeiro impacto nos hospitais portugueses, sendo certo que, em termos de óbitos, não havia nada a melhorar, por não haver registos de desfechos fatais. Até porque, antes do Beyfortus, já existia um outro anticorpo monoclonal administrado apenas a prematuros e recém-nascidos com comorbilidades graves.

    Apesar disso, os dados da Agência Europeia do Medicamento – actualmente presidida por Rui Santos Ivo, presidente do INFARMED, e que ficará agora sob tutela do ex-Sanofi Francisco Gonçalves – começam a indicar suspeitas de efeitos adversos graves associados à toma de nirsevimab. Ainda que estes dados careçam de confirmação, a sua inclusão no sistema EudraVigilance constitui já um alerta regulatório.

    Desde 2023 até à data, foram reportadas 628 reacções adversas graves, incluindo 21 mortes. Destas, 13 foram reportadas em 2024 e sete já este ano. O mais recente registo de morte associada à nirsevimab é de 29 de Março e ocorreu por morte súbita de um recém-nascido com menos de um mês no próprio dia da toma, de acordo com o registo da EudraVigilance.

    Os efeitos adversos do Beyfortus têm sido detectados sobretudo em França, onde a administração do fármaco é mais intensiva. Actualmente, para além de Portugal e França, o Beyfortus tem sido administrado em Espanha, Alemanha, Itália, Finlândia e Bélgica – embora nem todos os países tenham optado por abranger todas as crianças. O custo por dose ascende a mais de 200 euros, valor considerado exorbitante, o que tem contribuído para o expressivo crescimento das receitas da Sanofi.

    Com a nomeação de Francisco Gonçalves, são agora dois os governantes do Ministério da Saúde com fortes ligações à indústria farmacêutica. Ana Paula Martins esteve durante vários anos ligada à Gilead, uma das farmacêuticas que conseguiu importantes negócios durante a pandemia, sobretudo com o remdesivir, um fármaco que fora um investimento ruinoso contra o vírus do Ébola, mas que miraculosamente foi considerado eficaz contra o SARS-CoV-2.

    Apesar de a covid-19 ser actualmente uma doença praticamente inofensiva, a Gilead conseguiu já vender este ano em Portugal mais 744 mil euros de remdesivir a diversos hospitais, tendo no ano anterior obtido ainda 3,7 milhões de euros. Desde finais de 2020, cerca de 40 milhões de euros deste antiviral foram adquiridos pelo Estado português à antiga empregadora da actual ministra da Saúde.

    Exemplo paradigmático do uso de jornalistas como ‘delegados de propaganda médica”. Clara de Sousa numa acção da indústria farmacêutica, uma empresa de genéricos.

    A indústria farmacêutica vive, na Europa, um período de expansão acentuada dos seus negócios, com cada vez menor vigilância regulatória, fruto das chamadas “portas giratórias” entre o sector e a política. Além disso, ao nível dos media, tem-se vindo a registar aquilo que se poderá denominar – com rigor a definir – “abraços de urso” publicitários, em que parcerias comerciais envolvendo jornalistas alimentam uma cobertura enviesada: os órgãos de comunicação social funcionam agora como novos delegados de propaganda médica.

    Em Portugal, por exemplo, o Expresso, o Público, a CNN, o Observador, o Diário de Notícias, entre outros, têm mantido generosas parcerias com farmacêuticas, o que se traduz numa visível redução de notícias desfavoráveis e num aumento de conteúdos entusiásticos, mesmo relativamente a medicamentos ainda sem provas consolidadas de eficácia ou de segurança.

  • Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Imparável: após buscas, Nininho Vaz Maia já ganhou mais 200 mil euros em concertos com autarquias

    Mesmo depois de ser constituído arguido e com rumores da sua ‘expulsão’ de mentor do The Voice, programa de talentos da RTP, a carreira do cantor Nininho Vaz Maia, vai de vento em popa. As buscas de foi alvo, no passado dia 6 de Abril, relacionadas com tráfico de droga e lavagem de dinheiro, não esmoreceram a vontade de autarcas em contratarem o popular cantor, que afirma estar inocente. No espaço de um mês, após as buscas, Nininho ‘assinou’ mais quatro contratos com autarquias num valor global de 205 mil euros para dar concertos ‘grátis’ à população. E há mais a caminho.

    Os quatro municípios que adjudicaram contratos ao cantor, sempre por ajuste directo, foram: Castelo de Paiva, Sertã, Reguengos de Monsaraz e Arouca. Três dos contratos foram efectuados através da Gigs on Mars, que representa o artista, e um foi feito através da empresa unipessoal Iconikourage, segundo a consulta que o PÁGINA UM fez à plataforma de registo dos contratos públicos, o Portal Base.

    A polémica em torno do artista não beliscou o apetite de autarcas em contratar o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional e esgotou duas noites no MEO Arena. A tendência confirma que Nininho Vaz Maia se tornou um fenómeno musical, sendo até imune a polémicas, como o PÁGINA UM antecipou. Além da popularidade, a polémica em torno do cantor surgiu num contexto em que a cena política ‘lucra’ com posições a favor ou contra minorias.

    O município da Sertã liderado pelo socialista Carlos Miranda adjudicou, no dia 21 de Maio, um contrato referente à contratação de um espectáculo do cantor no valor de 43.665 euros. O cantor tem assim presença confirmada no dia 19 de Julho no ‘Festival de Gastronomia do Maranho‘ de 2025, que decorre de 17 a 20 de Julho.

    Seguiu-se um contrato adjudicado à Iconikourage, Unipessoal, no dia 23 de Maio, pelo município de Castelo de Paiva presidido pelo social-democrata José Rocha no montante de 74.722,5 euros referente à aquisição de um “espectáculo, produção e gestão da produção do espetáculo musical de Nininho Vaz Maia – Festas de S. João”. O cantor será o cabeça-de-cartaz das festividades e irá actuar na noite de S. João, a 23 de Junho.

    Na passada terça-feira, dia 3 de Junho, o cantor ganhou mais dois contratos por ajuste directo, assinados pela Gigs on Mars com os municípios de Reguengos de Monsaraz e Arouca.

    Nininho Vaz Maia é o cabeça-de-cartaz das Festas de Santo António em Reguengos de Monsaraz.
    / Foto: D.R.

    No caso do município alentejano, o valor do contrato ficou por 46.125 euros para contratar Nininho Vaz Maia para actuar  nas Festas de Santo António de 2025, que decorrem entre 12 e 15 de Junho. O cantor vai estar em palco às 23 horas no dia 12 de Junho.

    O quarto contrato foi adjudicado pelo município de Arouca, por um valor de 41.364,9 euros. O cantor vai actuar na ‘Feira das Colheitas, Edição 2025’ marcada para entre 25 e 28 de Setembro. O músico vai actuar no dia 26 de Setembro, depois de ter sido “o mais votado no âmbito do inquérito online que a Câmara Municipal lançou para recolha de sugestões de artistas para a 81.ª edição da Feira das Colheitas”, segundo um anúncio da autarquia nas redes sociais, cujo prazo de resposta terminou a 15 de Abril, antes das buscas.

    Curiosamente, este contrato foi adjudicado por uma autarca, a socialista Margarida Belém, que foi condenada em 2023 pelo crime de falsificação de documentos, tendo-lhe sido aplicada uma pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período. Em 2024, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso da autarca e confirmou a sentença aplicada na primeira instância.

    Mas a lista de contratos públicos adjudicados a Nininho Vaz Maia não deverá ficar por aqui. É que o artista terá 17 concertos agendados até ao final do ano de Norte a Sul do país, segundo alguns sites com agendas de eventos. Assim, ainda haverá contratos por assinar com autarquias para concertos que serão ‘grátis’ para a população, sendo pagos pelos contribuintes. Por exemplo, Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’, em Agosto, em Vila Real, que celebra este ano o seu centenário.

    Nos últimos dias, surgiram rumores de que Nininho Vaz Maia não irá continuar como ‘Mentor’ no programa de talentos ‘The Voice Portugal’, da RTP, mas não há nenhuma informação oficial sobre o tema. O artista integrou a lista de ‘Mentores’ da última edição do programa, ao lado de de Sónia Tavares, Sara Correia e Fernando Daniel. / Foto: D.R.| RTP

    Ainda hoje foi publicado no Portal Base um contrato no valor de 21.525 euros referente à “aquisição de serviços para o aluguer de som, luz, vídeo, efeitos especiais e material de DJ para o espetáculo do artista Nininho Vaz Maia, inserido na Festa do Emigrante 2025”. De resto, note-se que a despesa com concertos ‘grátis’ contratados pela autarquia de Vila Real em 2025 já iam, no final de Março, perto do meio milhão de euros, segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM. Um custo que ‘sobra’ para os contribuintes e que, em ano de eleições autárquicas, cai que nem ‘mel na sopa’ dos autarcas de todo o país, de ‘olho’ em novo mandato. Nininho é apenas mais um dos artistas com concertos ‘grátis’ que ‘animam’ a festa.

    Na página da Gigs on Mars, agente do artista, constam 11 concertos agendados entre os dias 21 de Junho e 27 de Julho. Já na página oficial do cantor na Internet, a área dedicada a agenda encontra-se vazia, surgindo a mensagem: “de momento não há eventos programados”.

    A agenda recheada do cantor, vem mostrar que a condição de arguido não o afasta dos palcos. Pelo contrário. Recorde-se que, tal como o PÁGINA UM noticiou, no próprio dia em que foi alvo de buscas, o cantor ganhou novo contrato público, com o munícipio de Anadia.

    Actualizando os valores, com os quatro contratos agora ganhos, eleva-se para 697.828 euros a facturação do cantor em 14 contratos com entidades públicas só em 2025. Este valor compara com os 20 contratos ganhos em todo o ano de 2024 e os 12 obtidos em 2023, num valor global 798.940 euros e 326.811 euros, respectivamente.

    Nininho Vaz Maia vai actuar na ‘Festa do Emigrante 2025’ em Vila Real, integrando assim o número de artistas que este ano darão concertos ‘grátis’ à população no âmbito das celebrações do centenário da elevação a cidade. / Foto: D.R.

    No total, desde Janeiro de 2023, quando ganhou o seu primeiro contrato público, o cantor já facturou mais de 1,8 milhões de euros com entidades públicas, incluindo 41 autarquias.

    O cantor tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas e, sobretudo, espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de três meses, esgotou duas noites no MEO Arena, em Lisboa.

  • Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    O Estado-Maior da Armada confirmou hoje que foi Gouveia e Melo quem iniciou, em 2022, a tradição de contratar fornecimentos de porco no espeto para as comemorações do Dia da Marinha. A tradição já não é o que era: se o bacalhau sempre esteve associado aos homens do mar; agora foi substituído pelo porco no espeto. Belém que se prepare…

    Segundo respostas enviadas pelo Serviço de Comunicação da Marinha ao PÁGINA UM, a prática foi levada pelo então novo líder, Gouveia e Melo, que tomara posse em Dezembro de 2021, para comemorar o Dia da Marinha em 2022 em Faro. A compra da iguaria para esse ano não consta no Portal Base. Mas surgem para os anos de 2023, com a comezaina a realizar-se Porto, de 2024, com a patuscada a ocorrer em Aveiro, e já este ano, com o repasto a ser servido em Viana do Castelo, onde estão a decorrer as celebrações.

    Gouveia e Melo, na cidade de Faro, em 2022, nas comemorações do Dia da Marinha. Foi também o dia em que o porco no espeto virou iguaria para uma patuscada. Foto: EMA.

    Curiosamente, mesmo disponibilizando dezenas de fotografias das comemorações do Dia da Marinha — que evoca a chegada de Vasco da Gama a Calecute, em 20 de Maio de 1498, simbolizando a ligação do Ocidente com o Oriente —, nem o Estado-Maior da Armada nem a autarquia de Viana do Castelo colocam imagens do repasto.

    No entanto, segundo as indicações do ajuste directo, foram adquiridos de 8.235 euros desta iguaria, mas a Marinha não adianta quantos porcos terão sido. Indica apenas que terão servido para 1.200 pessoas.

    Este foi, portanto o quarto ano consecutivo que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo, pelo menos nos três últimos, sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    Em centenas de fotografias dos últimos quatro anos alusivas ao Dia da Marinha não surge uma única que mostre o convívio com porco no espeto.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. Deu para 700 comensais. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros. Deu para 600 convivas.

    A Marinha diz agora que foi realizada inicialmente “uma consulta preliminar” — que não é o mesmo que a consulta prévia prevista pelo Código dos Contratos Públicos —, mas que nos anos seguintes não se repetiu por via do “bom desempenho do fornecimento dos bens e a proximidade do local de realização dos eventos”. E defende que “o procedimento seguido é conduzido no estrito cumprimento do normativo legal atinente”.

    A arte da camuflagem: compra-se porco no espeto para comemorações, mas o repasto é feito com discrição; nunca se mostram sequer fotografias dos eventos. Foto: EMA.

    Comer porco no espeto em patuscadas com dinheiros dos contribuintes, mesmo se no âmbito de comemorações por feitos históricos, não é pratica comum. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem no Portal Base mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    Resta saber se, numa eventual chegada de Gouveia e Melo à Presidência da República, se em vez de se realizar a já tradicional Festa do Livro, introduzida em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa, se passe a ter a Festa do Porco no Espeto nos jardins de Belém.

  • Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    A Associação de Praças acusou hoje Gouveia e Melo de “prepotência” pela forma como conduziu, como Chefe do Estado-Maior da Armada, o caso do navio de patrulha NRP Mondego, aplicando sanções que foram consideradas ilegais e inconstitucionais. Num comunicado em reacção à recente sentença do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que anulou as sanções, a Associação afirma que “ficou provado que o NRP Mondego não tinha as condições mínimas para navegar.

    No comunicado com o título ‘Os 13 Bravos do NRP Mondego“, a Associação de Praças deixa palavras duras contra a cúpula da Marinha, destacando mesmo, em sublinhado, o nome completo do actual candidato a Presidente da República, “Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo”.

    Gouveia e Melo viu o Supremo Tribunal Administrativo arrasar a sua decisão de sancionar os militares do NRP Mondego. / Foto: D.R.

    “Temos o direito de ver nesta decisão [do STA] aquilo que sempre defendemos: não é pela prepotência, pelo desrespeito pelas regras nem pelo “quero, posso e mando”, que a disciplina se impõe”, refere a Associação no comunicado.

    Adianta ainda que “aqueles 13 Homens, defenderam aquilo que tinham o direito de defender, ao contrário de quem se imiscuiu na sua posição e no seu poder, tentando a todo o custo passar para cima de outros a sua responsabilidade como chefe máximo da Marinha”.

    E recorda que, já em 2023, a Associação de Praças tinha defendido “os 13 Bravos, a Marinha e Portugal que está acima de tudo e de todos. Sem exceção!”. E numa referência ao almirante agora na reserva que confirmou esta semana ser candidato à Presidência da República, o comunicado é duro ao apontar o dedo ao que, “com mais poder, apenas tentaram defender algo que nestes tempos já está totalmente ultrapassado: a prepotência e a obediência cega”, acrescentando que “obedecer não é ser subserviente”. E lançam mais um ‘torpedo’ a Gouveia e Melo: “o que se deve exigir a um chefe militar é a defesa dos seus subordinados”, sendo esse “o dever de tutela como conforme está inscrito no Regulamento de Disciplina Militar!”.

    O navio patrulha NRP Mondego. / Foto: D.R./Marinha

    A Associação conclui o comunicado afirmando que “se houve, em todo este processo, quem defendeu acerrimamente a disciplina, o dever de preservar o meio naval e a integridade física dos Homens e Mulheres embarcados naquele meio naval, foram aqueles 13 Bravos!”. E diz que “não podemos aceitar, muito menos corroborar, que quaisquer interesses pessoais sejam colocados à frente daquilo que deve ser a defesa de Portugal e da Instituição Militar!”.

    Recorde-se que o caso teve início a 11 de Março de 2023, quando quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança da embarcação. Dezasseis dias depois, nova missão falhou.

    Os militares foram sancionados e Gouveia e Melo ainda lhes deu uma reprimenda pública, com a comunicação social presente. Mais tarde, o antigo Chefe do Estado-Maior da Armada indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

    Foto: D.R. / Marinha

    No acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo foi demolidor para a cúpula da Marinha e anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego.

    Os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo.

    Também consideraram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu de forma correcta quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 de Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares.

  • Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Já diz o ditado que não há duas sem três. E um outro adágio acrescenta que quem vai para o mar avia-se em terra. Pelo terceiro ano consecutivo, há uma iguaria da gastronomia portuguesa que vai parar à mesa do programa de celebrações do Dia da Marinha: porco no espeto.

    O célebre prato da gastronomia portuguesa tem andado nas ‘bocas do mundo’ devido à tentativa — frustrada e considerada provocatória — do partido Ergue-te de o levar até ao Martim Moniz. Esta praça lisboeta, bem como as suas imediações, como a Rua do Benformoso, é bastante frequentada pela comunidade muçulmana, para quem o porco é considerado um animal impuro e o seu consumo é estritamente proibido pela lei islâmica (sharia). A rejeição do porco é, em muitos casos, um marcador de identidade religiosa, funcionando como gesto de fidelidade à fé islâmica.

    Mas para os portugueses, o ‘porto no espeto’ constitui sobretudo um símbolo de convívio com barriga cheia. E na Marinha, não vai faltar o petisco nas celebrações que decorrem entre 14 e 20 de Maio, segundo as indicações de um contrato por ajuste directo para a aquisição de 8.235 euros desta iguaria. A preços de mercado serão entre 15 e 20 porcos.

    Esta será o terceiro ano consecutivo, atendendo aos registos do Portal Base, que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    / Foto:D.R.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros.

    O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões sobre estas aquisições de porco no espeto ao gabinete de comunicação do Chefe do Estado-Maior da Armada, Nobre de Sousa, mas não obteve qualquer reacção. Fica-se assim sem saber quantos vão dar ao dente no porco comprado com o dinheiro dos contribuientes nem sequer onde o repasto vai suceder.

    A tradição destes ajustes directos para a compra de porco no espeto para ser servido no âmbito das comemorações do Dia da Marinha, que foi iniciada em 2023 quando a Marinha era liderada por Gouveia e Melo. E nem se pode dizer que seja uma prática comum nas entidades públicas. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    A Marinha bateu recorde de ajustes directos sob a liderança de Gouveia e Melo e foi sob o seu comando que se iniciaram os ajustes directos anuais para a compra de porco no espeto . / Foto: D.R.

    De resto, os ajustes directos são também uma tradição da Marinha. Como o PÁGINA UM noticiou, sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu em 2024 o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público.

    A despesa em compras por ajuste directo no ano passado ultrapassou (até Novembro)os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros.

    Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Entre 2022 e 2024, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondaram os 30 milhões de euros. Nem o ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, serviu para mudar a tradição dos ajustes directos.

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    Mas há excepções para a tradição do ajuste directo. Veja-se o caso da compra de bacalhau pela Marinha no valor de 113.791 (com IVA incluído à taxa de 6%), num contrato celebrado no dia 9 de Maio após a realização de um “concurso público urgente”. O contrato indica que foi pago um preço de 11.30 euros por cada quilo de bacalhau fornecido.

    Não se sabe se o bacalhau irá ser servido com o porco no espeto nas celebrações do Dia da Marinha. Mas são ambos, sem dúvida, pratos bem nacionais e capazes de ‘chamar’ novos recrutas para o serviço militar.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

    orange and white medication pill

    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    A crescente popularidade do cantor Nininho Vaz Maia, que foi esta semana constituído arguido no âmbito de uma operação de combate ao tráfico de droga, tem causado uma ‘corrida’ das autarquias à sua contratação. Apenas desde Janeiro de 2023, em 41 contratos públicos, já facturou perto de 1,5 milhões de euros. Este ano, em pouco mais de quatro meses, a fasquia aproxima-se do meio milhão de euros..

    O contrato mais recente, adjudicado como habitualmente por ajuste directo, foi celebrado com o município de Anadia, no distrito de Aveiro, na passada terça-feira, no mesmo dia em que o popular cantor foi alvo de buscas e acabou constituído arguido no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária denominada SKYS4ALL.

    Nininho Vaz Maia / Foto:D.R.

    Num comunicado citado pela imprensa, o artista alegou estar inocente: “importa deixar absolutamente claro que o Nininho está inocente e que confiamos plenamente na Justiça. Estamos certos de que tudo será esclarecido com brevidade […]”.

    Para já, a acusação criminal não parece ter arrefecido a requisição do cantor, já que se mantém no cartaz para encerrar hoje o festival da Queima das Fitas do Porto 2025, organizado pela Federação Académica do Porto.

    Resta saber se o cantor vai continuar a ser tão solicitado por autarquias como tem sido nos últimos dois anos. Segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM, constam na plataforma de contratos públicos, o Portal Base, um total de 41 contratos feitos por entidades públicas para a contratação de Nininho Vaz Maia. O primeiro foi assinado em Janeiro de 2023, com o município de Vila Nova de Foz Côa, no valor de 26 mil euros. e o mais recente na passada terça-feira com o município de Anadia.

    Neste recente contrato com autarquia da Bairrada, o cantor receberá 40.590 euros por um concerto de 90 minutos na ‘Feira da Vinha e do Vinho’, agendado para o dia 18 de Junho. O contrato foi efectuado com a Gigs on Mars, detida em partes iguais por Pedro Pontes, agente do cantor, e pela empresa Lemon Ibéria, controlada por António Vilas Boas, fundador dos Pólo Norte.

    De entre os 41 contratos encontrados desde 2023 – antes desse ano, não existem outros -, 40 foram feitos através de ajuste directo e apenas um pelo procedimento de contratação excluída, o que, na prática significa o mesmo: o cantor foi ‘escolhido a dedo’.

    Nininho Vaz Maia afirmou estar inocente, num comunicado enviado à imprensa. / Foto: D.R.

    Ao todo, foram 36 autarquias e quatro entidades municipais que contrataram o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional.

    O montante dos contratos oscila entre os 22.140 euros e os 217.132 euros, sendo que neste último caso se tratou de um espectáculo que abrangeu ainda performances de Profjam e a Festa M80 num contrato com a autarquia de Vila do Conde.

    Em média, excluindo o montante mais elevado dos contratos, o valor pago por autarquias para contratar o cantor rondou os 33.320 euros, com IVA incluído, sendo evidente que os cachets têm aumentado. Nos contratos estabelecidos este ano (Abrantes, Góis, Olhão, Estremoz, Vila Real, Alter do Chão, Marinha Grande e Azambuja), que atingem os 4.711 euros, o valor médio é já de cerca de 47 mil euros por concerto.

    A maioria dos contratos foi adjudicada a Nininho Vaz Maio através da empresa Gigs on Mars, Lda, mas também há contratos através de outras entidades, sobretudo quando outros artistas estão envolvidos, designadamente com as empresas Music Mov, Miguel Castro Oliveira Unipessoal, Lda – IAM Event Production & Brand Consultancy e José Manuel Rodrigues Caetano, Unipessoal, Lda.

    Se, para já, não há sinais de estar a abrandar a procura de serviços do artista, as críticas já fazem ouvir sobre a sua contratação e presença em espectáculos, designadamente no encerramento da Queima das Fitas do Porto, apesar de o cantor não ter sido ainda condenado na Justiça.

    Saliente-se, aliás, que como fenómeno musical, Nininho Vaz Maia tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas (esteve no ano passado em Coimbra) e sobretudo espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de dois meses esgotou duas noites no Meo Arena, em Lisboa.

    De resto, o facto de o cantor ter nascido numa família pertencente a uma minoria pode mesmo pesar a seu favor e mitigar o facto de ser arguido num processo de tráfico de droga, podendo evitar que Nininho Vaz Maia perca o seu ‘allure‘ numa época em que a etnia ou a origem e nacionalidade são factores usados politicamente, tanto por partidos da esquerda, como da direita.

    De facto, Nininho tornou-se num dos símbolos de homenagem à cultura cigana e de defesa das minorias, perante o crescimento de discursos hostis à sua comunidade e também a imigrantes, numa altura em que em Portugal se assiste a um cada vez maior aprofundamento da desigualdade económica e social.

    Foto: D.R.

    Em ano de eleições legislativas e autárquicas, mesmo estando acusado, Nininho Vaz Maia pode encontrar alguma ‘imunidade’ e continuar a ser requisitado por autarquias, graças à sua origem familiar, e mediante o aproveitamento ideológico das minorias — de forma positiva ou negativa — pelos partidos tanto de esquerda como de direita.

    Assim, apesar de estar acusado, talvez o popular artista consiga continuar a facturar com contratos com entidades públicas, lucrando com a crescente polarização política em torno das minorias.

  • Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Depois de nove dias sem precisar de Espanha, rede eléctrica portuguesa volta a ‘pôr-se a jeito’

    Ainda não existem explicações definitivas nem garantias de que não ocorrerá novo apagão no sistema eléctrico português, causado por uma dependência artificial de electricidade importada de Espanha. Mas hoje regressou o business as usual. Ao décimo dia do colapso da rede eléctrica nacional, registado pelas 12h30 do dia 28 de Abril, Portugal começou a importar electricidade de Espanha, como se nada tivesse ocorrido.

    De acordo com os dados consultados pelo PÁGINA UM numa plataforma da Red Eléctrica de España, até às 19 horas de hoje (hora espanhola), o sistema eléctrico português já importara do país vizinho um total de 12.845 MWh, tendo o saldo importador passado a ser favorável a Espanha desde as 8h20. À hora da publicação desta notícia, Espanha estava a exportar para Portugal cerca de 800 MW.

    Mas esta “normalização” — que esteve na origem de cerca de dez horas de apagão — levanta uma questão cada vez mais difícil de ignorar: se o sistema eléctrico nacional conseguiu manter-se durante nove dias completamente independente de importações de Espanha, entre 29 de Abril e 7 de Maio, qual foi afinal a necessidade de estar a importar 8.000 MW de potência instantânea no momento do apagão do dia 28 de Abril? Além disso, não se pode sequer afirmar que Portugal estivesse à míngua de electricidade. Também segundo dados da Red Eléctrica de España, durante os últimos nove dias, Portugal ajudou o sistema eléctrico espanhol a estabilizar, através da exportação regular de electricidade.

    Segundo cálculos do PÁGINA UM, entre 29 de Abril e 7 de Maio, o sistema eléctrico português exportou 85.966 MWh para Espanha, com um pico no passado dia 3 de Maio de 24.512 MWh — um valor que corresponde a cerca de 16% do consumo médio diário de electricidade em Portugal, demonstrando existir folga suficiente não só para garantir o abastecimento nacional como também para apoiar o país vizinho.

    Mas a 28 de Abril, pouco antes do colapso, Portugal importava cerca de um terço da electricidade que, nesse momento, estava a ser consumida, através das interligações com Espanha. Tecnicamente, isso não constituiria problema se existissem garantias de redundância e de reserva imediata. Porém, como se verificou nesse dia, uma quebra súbita na produção espanhola impossibilitou compensar a falha portuguesa, que, por sua vez, não tinha unidades em prontidão para iniciar rapidamente a produção. Esta dependência mútua, sem planos de resposta em tempo real, resultou numa queda sincronizada: Portugal desligou-se integralmente da rede ibérica, num fenómeno designado por grande perda de sincronismo.

    a lit candle in the dark with a black background

    A restauração de um sistema eléctrico após um colapso total exige um processo designado por black start, que consiste no arranque progressivo da rede a partir de unidades capazes de operar sem depender da energia da rede. Estas unidades, normalmente hidroeléctricas ou térmicas específicas, devem estar preparadas para reactivar segmentos da rede em sequência, garantindo a estabilidade da frequência e da tensão a cada passo. Em Portugal, como noutros países europeus, este processo é tecnicamente exigente e moroso — agravado, neste caso, por perturbações no acoplamento com Espanha, que dificultaram a sincronização das redes.

    Nos dias seguintes ao apagão, a REN informou que as trocas comerciais com Espanha estavam suspensas, sendo apenas admitidas em situações técnicas excepcionais. Contudo, os dados mostram que Portugal continuou a exportar para Espanha durante quase todo o período entre 29 de Abril e 7 de Maio. E o fornecimento não foi pequeno: num total de 85.965,5 MWh exportados neste período de nove dias, os valores diários oscilaram entre 999,3 MWh, logo a 29 de Abril, e 1.447 MWh no dia seguinte. Nos primeiros três dias de Maio, as exportações totalizaram 59.756 MWh, descendo para 23.764 MWh entre os dias 4 e 7 de Maio. Já hoje, Portugal teve apenas um pequeno período de exportação durante a madrugada, num total de 559 MWh. No mesmo intervalo entre 29 de Abril e 7 de Maio, Portugal apenas importou 1.729 MWh — um valor residual, justificado apenas por necessidades técnicas.

    Uma das razões para a “ajuda” de Portugal à rede espanhola nos últimos nove dias parece residir na morosidade do reatamento das centrais nucleares espanholas após o apagão. Só hoje, 8 de Maio, os diagramas de carga — os chamados diagramas técnicos de balanço diário — revelam que a produção nas cinco centrais nucleares espanholas está finalmente ao nível do período pré-apagão. E com essa estabilização, o sentido do comércio inverteu-se.

    Exportações para Espanha e importações a partir de Espanha do sector eléctrico português entre os dias 29 de Abril e 8 de Maio (até 19 horas de Espanha). Fonte: Red Eléctrica de España.

    Este regresso à ‘normalidade’, com electricidade a fluir com base em critérios estritamente comerciais, expõe um problema que permanece sem resposta pública: por que razão Portugal, com potência instalada mais do que suficiente para garantir os seus consumos internos, se coloca frequentemente numa posição de dependência, em tempo real, da produção espanhola?

    Se foi possível manter, durante nove dias, o abastecimento com recursos próprios — e ainda ajudar de forma significativa um vizinho em dificuldades —, talvez seja chegada a hora de rever as premissas operacionais do sistema eléctrico ibérico. Excepto se o objectivo futuro for continuar a andar sobre o fio da navalha… com ‘kits apagão’ em casa.

  • EDP terá perdido 1,5 milhões de euros com ‘apagão’

    EDP terá perdido 1,5 milhões de euros com ‘apagão’

    O ‘apagão’ eléctrico que afectou a Península Ibérica no passado dia 28 de Abril deixou também um ‘vazio’ de pelo menos 1,5 milhões de euros nas receitas da EDP devido a consumos de energia que não ocorreram. A estes prejuízos há ainda que juntar os custos que a empresa teve de suportar com a reposição do serviço na rede.

    De acordo com cálculos feitos pelo PÁGINA UM, com base nos indicadores económicos do último relatório e contas da EDP, só na perda de receita devido à ausência de consumos de energia durante as quase nove horas que durou o ‘blackout‘ a empresa não viu entrar nos seus cofres cerca de 1,4 milhões de euros de lucro bruto que poderia ter recebido se não tivesse existido o ‘apagão’.

    Sede da EDP, em Lisboa / Foto:D.R.

    Esta estimativa é conservadora, já que o período em que ocorreu o ‘blackout‘, entre as 11h33 (hora de Lisboa) e as cerca da 20h00, coincidiu com as horas em que o consumo de electricidade, por força da actividade de empresas, comércio e indústria. Por outro lado, a EDP não terá tido alguns dos custos inerentes ao fornecimento de energia, embora, por outro lado, terá mantido, em princípios, as receitas interentes à disponibilização de potência aos seus clientes.

    Segundo o relatório e contas da EDP de 2024, a empresa recebeu 1.136 milhões de euros de lucro bruto com o negócio de venda de electricidade em Portugal, com o valor a corresponder às receitas obtidas descontado o montante dos custos com a operação. Nos seus negócios em Espanha, o lucro bruto da EDP em Espanha no sector eléctrico foi de 449 milhões de euros.

    Além disso, segundo estimativas do PÁGINA UM, consultando especialistas no sector, a empresa terá incorrido em custos com a reposição de electricidade após o ‘apagão’, no chamado ‘black start’ que ascenderão a 200 mil euros.

    Miguel Stilwell d’Andrade, presidente-executivo da EDP. / Foto: D.R.

    O PÁGINA UM colocou questões por e-mail ao director de comunicação do grupo EDP sobre estas matérias, mas até à publicação deste artigo ainda não recebeu respostas.

    Recorde-se que Portugal e Espanha viveram no dia 28 de Abril um ‘apagão’ eléctrico histórico, ainda com origem desconhecida, que deixou sem luz a Península Ibérica desde as 11h33, hora de Lisboa, até ao final da tarde, tendo o serviço começado a ser reposto gradualmente nos dois países.

    Em Portugal, as redes de comunicações ficaram sem serviço e as redes de transportes foram afectadas, designadamente a rede ferroviários e o metro. As disrupções também atingiram os aeroportos, indústrias, comércio e serviços. O único meio de comunicação e informação que ficou disponível foi a rádio.

    photo of truss towers

    Segundo dados divulgados hoje pelo Banco de Portugal, a actividade económica sofreu uma quebra de quase 15% devido ao ‘apagão’, de acordo com um indicador diário de actividade económica referente à semana terminada a 4 de Maio.

    Contudo, este indicador não permite aferir o verdadeiro impacto económico, porque apenas “cobre diversas dimensões correlacionadas” com a atividade económica em Portugal, entre as quais “tráfego rodoviário de veículos comerciais pesados nas autoestradas, consumo de eletricidade e de gás natural, carga e correio desembarcados nos aeroportos nacionais e compras efetuadas com cartões em Portugal por residentes e não residentes”.

    Assim, não reflecte a realidade do prejuízo económico, tanto macroeconómico como microeconómico, e não só, causado a nível global pela falha na disponibilização de electricidade em todo o país.

    Como o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, o ‘apagão’ em Portugal sucedeu num contexto de dependência artificial das importações de Espanha. No momento em que ocorreu o ‘blackout‘ no país vizinho, Portugal estava a importar cerca de 30% do seu consumo, pelo que a quebra abrupta de produção em Espanha ‘contagiou’ o sistema eléctrico nacional. Também o PÁGINA UM foi o primeiro a informar e a explicar que a reposição da rede eléctrica — processo designado por black start — poderia demorar várias horas

    Indicador diário de actividade económica. / Fonte: Banco de Portugal

    A reposição de electricidade demorou longas horas, mais do que sucedeu em Espanha, provando que a REN-Redes Energéticas e a EDP foram apanhadas desprevenidas. Aliás, para activar a barragem de Castelo de Bode, a EDP teve de levar um gerador que não se encontrava no local, segundo noticiou o jornal Expresso.

    De resto, segundo apurou o PÁGINA UM, a EDP chegou mesmo a contactar antigos funcionários da empresa, já reformados, para pedir auxílio e tirar dúvidas em relação aos procedimentos necessários para voltar a repor o serviço. A EDP também não comentou esta informação.

  • Justiça ‘torpedeia’ Gouveia e Melo: Supremo arrasa processos contra militares castigados

    Justiça ‘torpedeia’ Gouveia e Melo: Supremo arrasa processos contra militares castigados

    Fim de linha para o ‘justiceiro’ Gouveia e Melo. Um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), particularmente demolidor para a cúpula da Marinha, anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego, que se recusaram, em Março de 2023, a cumprir uma missão alegando falta de condições de segurança.

    No acórdão de 230 páginas, os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo. E consideram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu correctamente quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 proferido pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

    Agora, o tribunal superior considera tão graves as falhas legais — e mesmo constitucionais — que nem sequer permite qualquer “apreciação e qualificação do comportamento dos militares da Marinha” nos polémicos eventos de 2023. Recorde-se que Gouveia e Melo chegou a deslocar-se à Madeira para uma repreensão pública aos militares, observada in loco pela comunicação social.

    Em 11 de Março de 2023, quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança. Dezasseis dias depois, nova missão falhou: embora o Mondego tenha largado do Funchal rumo às Selvagens, para render elementos da Polícia Marítima e do Instituto das Florestas, acabou por regressar ao Caniçal por problemas técnicos e de segurança.

    Gouveia e Melo, mesmo antes de qualquer acção de apuramento dos factos, criticou os militares, que foram logo alvo de penas disciplinares, com suspensões de serviço a variar entre os 10 e os 90 dias, segundo a categoria, posto e antiguidade de cada um. Em causa estaria o incumprimento de deveres militares previstos no regulamento de disciplina em vigor.

    Primeira página do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

    Estas sanções seriam depois confirmadas pelo próprio Gouveia e Melo num despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto pelos advogados dos militares. Esse despacho do então Chefe do Estado-Maior da Armada foi agora arrasado pelos juízes-conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo.

    No acórdão, o tribunal superior sublinha que o oficial instrutor do processo disciplinar esteve envolvido nos factos em causa — o que o tornaria legalmente impedido — e criticou ainda a recusa de provas requeridas pela defesa, bem como a ausência de informação aos arguidos sobre os seus direitos legais e constitucionais.

    O tribunal considerou também que o processo violou os princípios constitucionais do contraditório e do direito de audiência, impedindo um julgamento justo. Entre outras críticas, rejeita a recusa de reconstituição dos factos e de peritagens externas ao navio, bem como a argumentação da Marinha de que tal escrutínio colocaria em risco a segurança nacional. “A falta de informação aos arguidos, em sede de processo disciplinar militar, dos seus direitos e deveres, nomeadamente o direito a serem assistidos por advogado e o direito ao silêncio, constitui violação dos direitos de audiência e defesa”, salientam os juízes-conselheiros.

    NRP Mondego

    E dizem ainda que a existência de “diligências complementares de prova”, encetadas pela Marinha sem a garantia de defesa dos arguidos, constitui uma “nulidade insanável”.

    A decisão judicial, que aponta atropelos até constitucionais do ex-líder militar, coloca em ênfase a personalidade de Gouveia e Melo, quando se mostra cada vez mais evidente que apresentará uma candidatura à Presidência da República. Com efeito, a anulação do despacho de Gouveia e Melo e a declaração de nulidade de todo o processo disciplinar colocam em causa o exercício de autoridade do então Chefe do Estado-Maior da Armada num dos episódios mais mediáticos da sua liderança, abrindo também espaço para um debate sobre o respeito pelas garantias fundamentais no âmbito da justiça militar.