Etiqueta: Saúde

  • Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade

    Covid-19: situação epidemiológica estável há 18 meses, mas DGS ‘inventa’ urgência de ‘booster’ a maiores de idade


    Desde Agosto de 2022, a mortalidade diária causada pela covid-19 nunca ultrapassou em qualquer mês a fasquia dos 10 óbitos, e a mediana está nos sete, exactamente o valor que se contabiliza nesta primeira quinzena de Janeiro. A covid-19, que desde Maio do ano passado está oficialmente endémica, ‘continua por aí’, mas sem constituir um risco de Saúde Pública relevante, sendo responsável apenas por cerca de 1,3% do total das mortes. Mas com o anormal acréscimo da mortalidade das últimas semanas, que o Ministério da Saúde recusa analisar, a Direcção-Geral da Saúde decidiu promover mais um ‘booster’ da vacina contra a covid-19. No comunicado de imprensa desta entidade, agora liderada por Rita Sá Machado, diz que esta recomendação foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”. O parecer, porém, não foi disponibilizado ao PÁGINA UM, que o pediu por três vezes. Não admira: não existe formalmente qualquer “Comissão Técnica de Vacinação Sazonal“.


    Sem qualquer alteração relevante nos principais indicadores epidemiológicos, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) passou a recomendar a vacinação contra a covid-19 para os maiores de 18 anos. A instituição agora liderada por Rita Sá Machado salientou ontem, em nota de imprensa, que esta mudança nas recomendações – que inclui também o alargamento da vacinação contra a gripe para a faixa etária dos 50 aos 59 anos – foi “precedid[a] de avaliação pela Comissão Técnica de Vacinação Sazonal”.

    O PÁGINA UM, apesar de ter solicitado por três vezes esse parecer à assessoria de imprensa da DGS, recebeu como resposta um triplo silêncio. Saliente-se, porém, que não existe formalmente, ao contrário do indicado pela comunicação da DGS, uma Comissão Técnica de Vacinação Sazonal. Existia já, antes da pandemia da covid-19, uma Comissão Técnica de Vacinação, constituída por um grupo de peritos para acompanhamento dos planos de vacinação contra diversas doenças, e a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), criada em finais de 2020, que tem o seu último parecer publicado em Março do ano passado.

    three glass bottles on white table

    Em todo o caso, e independentemente de se estar perante um pico de mortalidade total – nas últimas três semanas (22 de Dezembro a 11 de Janeiro) registaram-se 10.072 mortes, uma média diária de 480 óbitos –, os casos positivos de SARS-CoV-2 e as fatalidades causadas pela covid-19 encontram-se em valores que se podem considerar normais na actual fase endémica.

    Com efeito, analisando os dados oficiais desde 22 de Dezembro de 2023 até 11 de Janeiro deste ano, contabilizam-se apenas 3.024 positivos – a estratégia e os critérios para a realização de testes modificaram-se em meados de Setembro de 2022 –, contabilizando-se 131 óbitos por covid-19. Este número indica uma média diária próxima de seis óbitos, com uma variação entre os dois (dia 26 de Dezembro) e os 10 (dia 28 de Dezembro). Este ano, o número máximo atingiu-se no passado dia 8, com nove óbitos, mas nos dias 10 e 11 registaram-se apenas quatro.

    Considerando o período posterior à declaração pela Organização Mundial da Saúde do fim da Emergência de Saúide Pública de Importância Internacional, em 5 de Maio do ano passado, a mortalidade causada pela covid-19 nas últimas semanas não mostra qualquer anomalias. Aliás, se compararmos as últimas três semanas como período homólogo anterior (22 de Dezembro de 2022 a 11 de Janeiro de 2023), a situação actual até é mais favorável: 131 óbitos agora; 171 óbitos no período anterior.

    Evolução epidemiológica da covid-19 desde o dia da declaração do fim da Emergência

    Caso se queira comparar ainda com os dois períodos anteriores subsequentes, ainda mais se releva que o cenário não parece justificar um programa de vacinação para grupos etários que nem em pleno pico pandémico, ainda com fraca imunidade natural, tinham risco relevante, em especial pessoas sem comorbilidades relevantes.

    De facto, no período de 22 de Dezembro de 2021 a 11 de Janeiro de 2022, os dados oficiais apontam para 847 óbitos por covid-19, ou seja, mais de seis vezes os valores actuais, enquanto no mesmo período de 2020-2021 a mortalidade associada ao SARS-CoV-2 foi de 1.859 óbitos, isto é, 14 vezes superior aos valores actuais. Além disso, em Janeiro de 2021 havia uma tendência crescente de infecções – o que está longe de suceder agora –, que levaria, a par do colapso das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde e de uma vaga de frio, que a mortalidade por covid-19 chegasse a rondar quase os 300 óbitos em alguns dias.

    Observando também a evolução da mortalidade ao longo dos últimos meses – e mesmo ao longo de 2023, num período em que a imprensa mainstream simplesmente deixou de acompanhar a covid-19 depois de uma overdose noticiosa de quase três anos –, destaca-se, do ponto de vista de Saúde Pública, uma ‘normalidade’: a covid-19 contribui para cerca de 1,3% das mortes e desde Agosto de 2022 todos os meses estiveram abaixo de uma média diária de 10 óbitos, sendo que a mediana é de sete, o valor actual do presente mês de Janeiro.

    Mortalidade média diária atribuída à covid-19 entre Março de 2020 e Janeiro de 2024 (até ao dia 11). Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Para um termo de comparação, no Verão de 2022, em vésperas de se levantar praticamente todas as restrições, a mortalidade por covid-19 ainda atingiu os 33 óbitos diários em Junho (987 nos 30 dias) e o pior desse ano foi Fevereiro, com 1.116 óbitos, o que dá uma média diária de 40.

    Em todo o caso, estes valores já eram muito mais baixos dos que se registaram no Inverno de 2020-2021, embora os critérios dessa contabilização sejam muito discutíveis,uma vez que bastava haver um teste positivo no momento da morte para o óbito ser declarado como causado pela covid-19. Por isso, em Janeiro de 2021 estão referenciados oficialmente 187 óbitos de média diária (5.805 nos 31 dias) e no mês seguinte uma média diária de 127, resultante de 3.557 mortes.

    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra.

    person holding white plastic bottle

    Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda continua, através de iniciativas do seu FUNDO JURÍDICO, a aguardar decisões dos tribunais administrativos relacionados com intimações para acesso a informação de Saúde, nomeadamente a base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), a base de dados dos internamentos, a base de dados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19, os contratos de compra de vacinas (que excedem em muito as necessidades) e diversa outra informação sobre a gestão da pandemia. Em alguns casos, os processos de intimação estão em curso há quase dois anos.


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  • PRR ‘electriza’ Saúde: 788 veículos eléctricos custam 26 milhões de euros

    PRR ‘electriza’ Saúde: 788 veículos eléctricos custam 26 milhões de euros


    O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) está também a servir para que a Saúde siga agora sobre ‘rodas ecológicas’. Os contratos decorrentes de um mega-concurso público, aberto no Verão passado, já começaram a ser assinados para entregar quase 800 viaturas eléctricas às cinco ex-Administrações Regionais de Saúde (ARS) e às oito Unidades Locais de Saúde (ULS) já existentes no ano passado. O grande vencedor foi a Stellantis Portugal, a sucursal nacional da empresa que fabrica, entre outras, as marcas Peugeot, Citroen e Opel. No total, o Estado vai gastar quase 26 milhões de euros para a nova frota automóvel eléctrica.


    Diversas entidades do Serviço Nacional da Saúde já começaram a celebrar contratos de aquisição de veículos eléctricos ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que deverão totalizar mais de 25 milhões de euros, incluindo IVA. O primeiro contrato foi assinado em Novembro do ano passado – entre a Unidade Local de Saúde de Matosinhos e a Caetano TEC, no valor de quase 315 mil euros, para a aquisição de 10 viaturas –, enquanto o mais recente se celebrou em 22 de Dezembro, embora apenas divulgado anteontem no Portal Base, no valor de mais de 12,5 milhões de euros.

    Tanto este último como os restantes cinco contratos que integraram o plano de compra de veículos eléctricos para o sector da saúde tiveram como adjudicante a Stellantis Portugal, a sucursal nacional da empresa que fabrica, entre outras, as marcas Peugeot, Citroen e Opel. Este grupo foi, aliás, o grande vencedor do concurso público aberto em Junho do ano passado pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) com um preço base de 24,2 milhões de euros.

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    O referido concurso público foi divido em cinco lotes, os três primeiros para a aquisição de um total de 719 furgões de cinco lugares, o quarto para 53 ligeiros de passageiros e o quinto para 16 furgões fechados. No total serão adquiridos 788 veículos.

    Cada um dos lotes tinha a distribuição do número de veículos para as diversas entidades, nomeadamente as Administrações Regionais de Saúde (ARS) do Norte (350 veículos), do Centro (117 veículos), de Lisboa e Vale do Tejo (123 veículos), do Alentejo (17 veículos) e do Algarve (42 veículos). As restantes entidades a receber veículos eléctricos com fundos do PRR foram as oito Unidades Locais de Saúde já existentes no ano passado, designadamente do Alto Minho, do Nordeste, de Matosinhos, da Guarda, de Castelo Branco, do Norte Alentejo, Baixo Alentejo e do Litoral Alentejano.

    Devido ao elevado montante, este concurso público dos SPMS atraiu muito interesse, concorrendo, além da Caetano TEC e a Stellanis Portugal, mais quatro empresas: Onda Predilecta, Ambienti d’Interni, Works4Pros e Lux Concept.

    De acordo com os dados disponíveis através do Portal Base, não é ainda claro se os lotes 4 e 5 – com vista à aquisição de 53 e 16 viaturas, respectivamente, foram já integralmente decididos. Quanto aos outros três lotes é já garantido terem sido ganhos pela Stellanis: o primeiro por quase 10,8 milhões de euros (quase 35,9 mil euros por cada um dos 300 veículos), o segundo por cerca de 10,7 milhões de euros (pelo mesmo preço unitário, relativo a 299 veículos) e o terceiro por aproximadamente 4 milhões de euros (cerca de 33,2 mil euros para cada um dos 120 veículos).

    Este terceiro lote, integralmente destinado à ARS de Lisboa e Vale do Tejo teve o contrato assinado em 28 de Novembro do ano passado, enquanto para os outros dois lotes ganhos pela Stellantis foram celebrados os contratos para entrega das 350 viaturas à ARS do Norte, pelo valor de cerca de 12,45 milhões de euros (IVA incluído), de 15 viaturas à ARS do Alentejo, no valor de 538 mil euros, de 14 viaturas à ULS da Guarda e de outras 14 à ULS de Castelo Branco, ambas no valor de um pouco mais de 502 mil euros, e ainda de 12 viaturas à ULS do Nordeste, no valor de 430 mil euros.


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  • Mortalidade elevada com actividade gripal em pico (nunca visto), mas vacinação nem é baixa

    Mortalidade elevada com actividade gripal em pico (nunca visto), mas vacinação nem é baixa


    A base de dados Flunet, da Organização Mundial da Saúde, analisados pelo PÁGINA UM, revelam que a actividade gripal em Portugal nunca esteve tão elevada desde os primeiros registos em 1995, após dois anos sem ‘sombra’ de vírus influenza, durante o auge da covid-19. Apesar dos espécimes detectados nas últimas semanas se deverem, em parte, à maior cobertura laboratorial, mostra-se evidente uma coincidência temporal entre a crescente maior actividade viral e uma maior mortalidade, que está em valores bastante elevados. A culpa será da fraca vacinação? Não será assim tanto, como se comprova com dados oficiais.


    A actual actividade gripal em Portugal está em níveis nunca registados, e uma das consequências imediatas tem sido o caos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a subida da mortalidade para níveis muito mais elevados do que no período pré-pandemia.

    De acordo com os dados recolhidos pelo Flunet – um sistema mundial de informação de vigilância laboratorial da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, desde 1995 nunca houvera registo tão elevado de espécimes de vírus influenza em Portugal como nas últimas duas semanas do mês passado.

    Person Holding Thermometer

    O recorde foi atingido na semana 51 de 2023, entre 18 e 24 de Dezembro, com o registo de 1.694 espécimes, com a esmagadora maioria (1526, ou seja, 90,1% do total) identificadas como pertencendo ao tipo A, mas de subtipo indeterminado. Os restantes espécimes eram de influenza A do subtipo H1N1 (159) – originário do surto de gripe suína de 2009 – e do subtipo H3 (apenas duas), além de constarem sete do tipo B de linhagem indeterminada.

    O anterior máximo, desde 1995, observara-se ‘fora de época’, entre 28 de Março e 3 de Abril de 2022, quando se contabilizaram, após cerca de dois anos sem sinal de vírus influenza – quando o SARS-CoV-2 dominou e fez ‘desaparecer’ a gripe’ –, 1.224 espécimes, também quase todas de influenza do tipo A (apenas 10 do tipo B), embora a esmagadora maioria sem determinação do subtipo. No entanto, nessa altura não foi registada nenhum espécime do subtipo H1N1.

    No período anterior à pandemia da covid-19, a quantidade de espécimes identificadas era muito menor, que também se pode explicar por uma menor cobertura laboratorial. Em todo o caso, nesse período, a semana com registo de maior número de espécimes ocorreu entre 4 e 10 de Fevereiro de 2019 com um total de 700, sendo que, neste caso, se destacava uma relevante presença de influenza A do subtipo H1N1, com 17% do total.

    Registo da Flunet relativo a Portugal no período 1995-2023. Fonte: OMS.

    Em anos anteriores apenas por uma vez se registou uma semana com mais de 500 espécimes identificados: entre 16 e 22 de Novembro de 2009, exactamente no pico da gripe suína. Nesse período foram contabilizados 511 espécimes, dos quais 489 de influenza do tipo A subtipo H1N1. Note-se, contudo, que a mortalidade então registada nesse mês (e no Inverno de 2009-2010) esteve bem abaixo dos valores registados em período homólogo do ano anterior, e dentro de valores expectáveis.  

    Independentemente dos factores extra-actividade viral, designadamente a maior cobertura laboratorial desde 2020 para a detecção do vírus influenza, mostra-se evidente que a gripe ‘bateu forte’, embora já começasse a dar mostras de evolução desfavorável. Na semana de 11 a 17 de Dezembro, já se observava um crescimento avassalador da actividade viral, contabilizando 1.039 espécimes, mais do dobro contabilizado na semana anterior. Na última semana de Dezembro, os valores foram inferiores aos da semana 51, mas mesmo assim registaram-se 769 espécimes, com um ligeiro declínio do subtipo H1N1.

    Em todo o caso, com ou sem responsabilidades exclusivas do surto gripal, a mortalidade total em Portugal começou a disparar a partir do dia 20 de Dezembro, passando pela primeira vez, desde o Inverno de 2022-2023, a fasquia dos 400 óbitos. No dia 28 atingir-se-ia os 512 óbitos, o valor mais elevado desde 9 de Fevereiro de 2021 – ou seja, desde o fim do período de maior mortandade da pandemia da covid-19.

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    A situação ainda pioraria nos primeiros dias do presente ano: dia 1 com 508 óbitos; dia 2 com 546; e dia 3 com 530. Entre a véspera do mais recente Natal (24 de Dezembro) e 6 de Janeiro deste ano, a média diária de mortes cifra-se em 487, um valor considerado bastante elevado para o período invernal. Neste período, a mortalidade causada pela covid-19 rondou cerca de 1,2% do total, ou seja, do ponto de vista de Saúde Pública um valor praticamente insignificante.

    Confrontando a mortalidade entre 1 de Outubro e 6 de Janeiro a partir de 2013, o período correspondente a 2023-2024 foi o terceiro pior, com 34.032 óbitos, pouco atrás de 2022-2023 (que já tivera uma actividade gripal relevante), mas mesmo assim com quase 2.900 mortes a menos do que os registados no período 2020-2021. A letalidade do período mais recente é, mesmo assim, significativamente superior aos anos anteriores à pandemia, não ‘beneficiando’ da ‘compensação demográfica’ decorrente da elevada mortalidade nos anos de 2020 a 2022. Saliente-se que a mortalidade tem atingido sobretudo os maiores de 85 anos, com sistemáticos dias com mais de duas centenas de óbitos.

    Mesmo os médicos considerados ‘peritos’ durante a pandemia da covid-19 têm defendido agora que o maior impacte do habitual surto gripal de Inverno se deve a uma menor protecção vacinal contra o vírus influenza por causa de “alguma fadiga pandémica”. É o caso do pneumologista Filipe Froes que ontem, em declarações à CNN Portugal, admite uma “menor taxa de cobertura vacinal [para protecção contra a gripe] na população de risco” face ao período anterior à pandemia.

    Mortalidade entre 1 de Outubro e 6 de Janeiro desde o período 2014-2015 até 2023-2024. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    O médico que se destaca por ser uma das figuras da Medicina portuguesa com mais relações comerciais com farmacêuticas disse ao canal televisivo que “temos 2,2 milhões de pessoas vacinadas, [e que] antes da pandemia eram mais de três milhões”, acrescentando ainda que “um em cada quatro idosos com mais de 75 anos não está [agora] vacinado”.

    Na verdade, foi a massificação da vacinação contra a covid-19 – e a não assumpção dos efeitos adversos por parte do Infarmed, que continua a ocultar, por decisão do seu presidente Rui Santos Ivo, os dados do Portal RAM, apesar dos esforços do PÁGINA UM – que têm afastado a população em idade de reforma de procurar neste Inverno a vacina contra a gripe, sobretudo na faixa entre os 60 e 80 anos.

    De acordo com os mais recentes dados da Direcção-Geral da Saúde, reportados a 19 de Dezembro de 2023, apenas 47% das pessoas deste grupo etário tinham recebido a vacina contra a gripe, quando em período homólogo de 2022 a cobertura era de 60%. No caso do grupo dos 70 aos 79 anos, a queda entre 2022 e 2023 é de cerca de 5 pontos percentuais (77% vs. 71,6%) e na faixa etária dos maiores de 80 anos é de um pouco menos de 4 pontos percentuais (79% vs. 75,6%).

    a man holding his hand up in front of his face

    Ora, segundo dados oficiais, provenientes do Vacinómetro, a cobertura vacinal contra a gripe foi de 83,9% na população com 65 e mais anos na época invernal de 2021-2022, por via da forte campanha que incluía a covid-19, o que representou um acréscimo de 13,5 pontos percentuais em comparação com o período homólogo de 2020-2021. Ou seja, a pandemia da covid-19 incrementou também a vacinação contra a gripe, mas foi a gestão dos programas que causou uma “fadiga”, embora os níveis actuais até ainda estejam ligeiramente acima do que se observava antes de 2020.

    De facto, por ironia, é um artigo científico de 2022 que tem Filipe Froes como primeiro autor que nega as declarações de… Filipe Froes à CNN Portugal. Com efeito, antes da pandemia, entre a população com idade entre os 60 e 64 anos apenas 42,8% se tinha vacinado, havendo anos anteriores em que estava abaixo dos 40%. No caso dos maiores de 65 anos, na época de 2019-2020, imediatamente antes da pandemia da covid-19, apenas 76% se tinham vacinado contra a gripe, enquanto a média no quinquénio anterior rondava os 65%.

  • Sem pandemia, contas da Joaquim Chaves Saúde afundam no ‘vermelho’ e despedir é a solução

    Sem pandemia, contas da Joaquim Chaves Saúde afundam no ‘vermelho’ e despedir é a solução


    A pandemia foi uma crise sanitária negativa para as populações, mas um maná para muitos empresários. Que o diga a holding Joaquim Chaves Saúde que facturou bem nos dois primeiros anos da covid-19 em Portugal, lucrando 12,2 milhões de euros em 2020 e 2021, e quebrando um ciclo negativo de prejuízos. Mas com o ‘desinvestimento’ público em redor do SARS-CoV-2, e com a necessidade de se virar para o mercado sem apoios públicos, a Joaquim Chaves Saúde afundou-se de novo nos prejuízos durante o ano de 2022, com um resultado negativo de quase 4,4 milhões de euros. Embora as contas de 2023 ainda não tenham sido apresentadas, o anúncio de despedimento de 92 funcionários não augura agora uma situação financeira saudável.


    Numa perspectiva financeira, depois da bonança, a tempestade. Ou, melhor dizendo, depois da pandemia, surgem os cenários sombrios. O anúncio do despedimento de 92 funcionários da Joaquim Chaves Saúde, holding familiar que detém cerca de 350 postos de recolha de análises, clínicas médicas, centros de radioterapia e clubes de fitness confirma que o ano de 2023 terá agravado uma situação financeira que antes de 2020 não era brilhante, e que só foi ‘mascarada’ pelos ‘balões de oxigénio’ que resultaram em fabulosos ganhos na realização de testes de detecção do SARS-CoV-2 e outros exames de diagnóstico.

    Com efeito, embora ainda seja prematuro conhecer o desempenho financeiro de 2023, a Joaquim Chaves Saúde já apresentara fortes prejuízos no ano de 2022, em consequência da redução significativa de análises associada à covid-19. Depois de um pico no início daquele ano com o surgimento da variante Ómicron, a estratégia de realização massiva de testes modificou-se e a empresa viu a sua actividade laboratorial nesse sector diminuir 56% face a 2021. Muito por essa quebra, a Joaquim Chaves Saúde acabou por apresentar em 2022 um prejuízo de quase 4,4 milhões de euros.   

    Esse desempenho ‘comeu’ uma parte relevante – mas longe de ser todo – o lucro acumulado nos dois anos da pandemia. Em 2020, a Joaquim Chaves Saúde acabou o exercício com resultados líquidos positivos de 4,7 milhões de euros. O ano seguinte, com a massificação dos testes de detecção do SARS-CoV-2, a empresa apostou fortemente no aumento da sua capacidade laboratorial, e terminou com lucros de 7,5 milhões de euros.

    Só em testes comprados por entidades públicas, a Joaquim Chaves Saúde facturou mais de 8,3 milhões de euros, destacando-se três ajustes directos concedidos pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares no valor de 5,3 milhões de euros. Recorde-se que em 2021, o Governo decidiu, sem uma justificação científica plausível, ‘varrer’ as escolas com testes mesmo a alunos e professores sem quaisquer sintomas e mesmo em estabelecimentos sem surtos. O maior contrato foi assinado em 6 de Abril de 2021, resultando na aquisição de cerca de 147 mil testes ao preço unitário de 20 euros. Contas feitas, entraram só com este contrato mais de 2,9 milhões de euros nos cofres da Joaquim Chaves Saúde.

    Estes dois anos de ‘ouro’ – em 2020 e 2021 houve um lucro acumulado de 12,2 milhões de euros – inverteram uma situação de prejuízos consecutivos nos períodos anteriores. De acordo com a consulta do PÁGINA UM às demonstrações financeiras da Joaquim Chaves Saúde, a empresa apresentou sempre prejuízos entre 2017 e 2019. No primeiro ano deste triénio, os resultados negativos foram de 229 mil euros, agravando para 309 mil em 2018 e subindo os prejuízos para os 1,7 milhões de euros. Ou seja, no triénio anterior ao início da pandemia a Joaquim Chaves Saúde apresentou um prejuízo acumulado de mais de 2,2 milhões de euros.

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    Os únicos dois anos com resultados positivos da Joaquim Chaves Saúde coincidem com dois ‘eventos’ interligados: o auge da pandemia da covid-19 e um forte incremento da contratualização com entidades públicas, que abrangeram também serviços de radioterapia e outras análises clínicas.

    Analisando os diversos contratos de empresas do universo da Joaquim Chaves Saúde no Portal Base desde 2009 mostra-se notório que somente a partir de 2020 os montantes passaram a ser relevantes. Antes do primeiro ano da pandemia, a Joaquim Chaves Saúde nunca ultrapassou a fasquia de um milhão de euros de facturação com entidades públicas, com os melhores a serem 2017 (537.766 euros) e 2019 (537.766 euros).

    A partir de 2020, a “torneira’ pública abriu. Nesse ano, as empresas do universo Joaquim Chaves conseguiram 14 contratos públicos, atingindo um total de cerca de 1,7 milhões de euros, mas estava ainda longe do que se atingiu nos dois anos seguintes. Em 2021 identificam-se 43 contratos no valor de quase 8,3 milhões de euros, e no ano seguinte os 37 contratos aproximaram-se dos 14 milhões de euros.

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    Neste montante está incluído a concessão da exploração da unidade de radioterapia do hospital de Évora, através de concurso público, no valor de mais de 10,6 milhões de euros. Este contrato tem duração de quatro anos, pelo que o impacte nas contas fica diluído, pelo que não evitou que as contas de 2022 ficassem no ‘vermelho’. Saliente-se ainda que os 18 contratos celebrados em 2023 com entidades públicas, por agora registados no Portal Base, se situam nos 2,8 milhões de euros.

    O fim da pandemia não é, contudo, apontada pela Joaquim Chaves Saúde como a causa dos despedimentos anunciados. Em comunicado ontem citado pelo Jornal de Negócios, a empresa justifica a medida para “garantir a sustentabilidade da empresa e a manutenção dos mais de 3.000 colaboradores”, mostrando-se “fundamental uma racionalização dos processos produtivos, quer com base nos investimentos tecnológicos entretanto implementados, quanto nos próprios procedimentos internos”. E diz ainda que, “nos últimos anos, apostou fortemente em equipas, infraestruturas e equipamentos numa perspetiva de crescimento de atividade que, dado o contexto atual do mercado, revelam-se sobredimensionadas, criando constrangimentos que agora se tornam indispensáveis resolver”.


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  • Ano de 2023 acaba próximo de 119 mil óbitos e ‘normalidade’ ainda não regressou

    Ano de 2023 acaba próximo de 119 mil óbitos e ‘normalidade’ ainda não regressou


    Os dados provisórios do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) revelam uma redução da mortalidade em 2023, abaixo da fasquia dos 120 mil mortes, que foi ultrapassada sempre em 2020, 2021 e 2022. Mas uma análise pedida pelo PÁGINA UM a um investigador da Faculdade de Ciências de Lisboa mostra que a ‘normalidade’ ainda não regressou a Portugal. As causas para a persistência da crise sanitária ainda em 2023, num ano em que a covid-19 em fase endémica foi apenas responsável por 1,8% dos óbitos, continua a ser uma incógnita, porque o Ministério da Saúde adiou sine die um relatório que prometeu no Verão de 2022.


    O fim da Emergência de Saúde Pública, decretado pela Organização Mundial da Saúde em Maio passado, não deu por terminado os efeitos directos e indirectos da gestão da pandemia em Portugal. Quatro anos depois do surgimento do SARS-CoV-2 em território nacional – e apesar de o número de óbitos em 2023 (118.864) ter ficado abaixo da fasquia dos 120 mil registados em cada um dos anos no triénio 2020-2022, os indícios de excesso de mortalidade mantêm-se.

    Uma análise feita a pedido do PÁGINA UM a João Gomes, investigador e professor do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa mostram que Portugal ainda está longe de uma normalização da mortalidade. Ou seja, mesmo com a covid-19 numa fase endémica – causou, segundo dados da Direcção-Geral da Saúde, 2.106 óbitos em 2023, até ao dia 29 de Dezembro, ou seja, 1,8% do total –, a situação de Saúde Público não apresenta um  cenário nada favorável.

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    De acordo com um modelo de regressão simples linear, a partir do período 2006-2019 – em que já se sentiam os sinais de tendência de envelhecimento populacional, com um acréscimo ‘natural’ de cerca de 760 óbitos a mais em cada ano –, seria previsível que, sem qualquer efeito anormal (como a pandemia e os efeitos da gestão política), se registasse no quadriénio 2020-2023 um total de 456.332 óbitos, com um intervalo de confiança entre os 440.183 e os 472.481 óbitos.

    No entanto, a realidade foi muito pior. Em 2020 foram contabilizados 123.720 óbitos, aumentando para os 125.223 óbitos no ano seguinte, sobretudo devido à mortalidade de Janeiro e Fevereiro, mesmo apesar do programa de vacinação contra a covid-19.

    Em 2022, o cenário não foi pior em termos absolutos – registaram-se 124.892 óbitos –, mas observou-se um excesso de mortalidade persistente, mesmo em meses ‘amenos’ da Primavera e Verão. Recorde-se que, em Agosto de 2022, a então ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou a realização de um estudo sobre as causa deste fenómeno, mas até agora nunca foi apresentado. Com os óbitos de 2023, o último quadriénio totalizou 492.649 óbitos.

    Mortalidade registada (barras azuis), previsão (fit, bolas amarelas) e intervalos de confiança inferior (bolas castanhas) e superior (bolas vermelhas) para os anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 em função da série 2006-2019. Análise: João Gomes/FC-UL

    Considerando o valor da linha de regressão ajustada aos dados (fit) – que, de forma simplificada, representa a melhor estimativa no modelo de regressão –, seria expectável que, sem os efeitos do SARS-CoV-2 e da gestão da pandemia, morressem 112.944 pessoas no ano de 2020, estimando-se assim um excesso de 10.776 óbitos. No ano de 2021, face ao fit, o excesso foi de 11.520 óbitos, sendo de 10.429 óbitos em 2022. No ano passado, esse valor reduziu-se para os 3.642 óbitos. Somando os valores anuais, o desvio entre os valores registados e o fit foi de 36.367 óbitos no quadriénio, ou seja, de 8%.

    Caso seja tomado em conta o limite superior do intervalo de confiança, o excesso de mortalidade no quadriénio desce para um total de 20.218 óbitos, sendo o excesso no quadriénio de cerca de 4,3%. No caso do ano de 2023, admite-se mesmo, do ponto de vista estatístico, que possa considerar-se a inexistência de um nível de mortalidade ‘anormal’, uma vez que o valor real dos óbitos, apesar de bastante acima do fit, se encontra ligeiramente abaixo desse limite superior do intervalo de confiança para esse ano.

    Contudo, como o ano de 2023 sucedeu a três anos sucessivos com um inquestionável (e muito elevado) excesso de mortalidade – ‘antecipando’ a morte de muitas pessoas já vulneráveis que apresentavam então já uma expectativa de vida muito curta –, seria expectável que o número de óbitos registados fosse substancialmente inferior ao fit, ou mesmo abaixo do limite inferior do intervalo de confiança.

    Mortalidade total entre 2006 e 2019 e valores obtidos no modelo de regressão simples. Fonte: João Gomes/FC-UL.

    “Somente com um modelo auto-regressivo para os resíduos se aprimoraria ainda mais estas previsões incorporando o efeito da redução da população mais vulnerável na mortalidade dos anos seguintes”, salienta João Gomes ao PÁGINA UM, referindo ainda que, com grande grau de probabilidade, a sua aplicação para o último quadriénio levaria a concluir que mesmo 2023 teve um claro excesso de mortalidade.

    Aliás, em situações normais, os fenómenos de ‘compensação demográfica’ natural decorrem mesmo ao longo das estações do ano. Por exemplo, a um período invernal com surtos gripais agressivos e elevada mortalidade sucede depois, em regra, um abaixamento no número de óbitos nos meses seguintes; enquanto depois de ondas de calor mortíferos no Verão, os dias ou semanas seguintes ‘beneficiam’ de uma redução da mortalidade.

    Somente quando existem problemas estruturais de saúde pública, como parece ser o caso do quadriénio 2020-2023, o excesso de mortalidade se mantém sem se observar qualquer ‘compensação demográfica’ Note-se que o surto de gripe A deste Inverno, apesar de ter feito subir a mortalidade, está em níveis relativamente similares aos períodos invernais de 2015 e 2017, quando também surgiu em Portugal o subtipo H1N1.

    Output intermédio da análise estatística de João Gomes com programação R.

    Saliente-se que a análise desenvolvida por João Gomes, com recurso a programação R, poderia ser aplicada, com maior acuidade e com séries mais longas, à mortalidade por causas para identificar eventuais desvios estatisticamente significativos.

    Essa análise somente pode ser realizada com o acesso à base de dados integral e anonimizada do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), mas o Ministério de Saúde recusa-se a fornecê-la. Neste momento, este diferendo encontra-se em fase de recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul desde Outubro de 2022, ou seja, há mais de 14 meses.

    N.D. A escolha da série 2006-2019 deveu-se ao facto de a partir desse ano ter-se registado um maior incremento natural da mortalidade total. A escolha de uma série mais longa (a partir dos anos 90, por exemplo), implicaria uma tendência de crescimento mais ténue até 2019, o que implicaria estimativas de excesso ainda maiores para o quadriénio 2020-2023. No dia 4 de Janeiro, pelas 2h15, efectuou-se uma actualização dos óbitos registados em 2023 pelo SICO: 118864 óbitos (um aumento de 50 em relação ao número contabilizado aquando da escrita da versão inicial deste artigo).


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  • Ontem foi o dia mais mortífero de 2023 com SNS a mostrar sinais de colapso

    Ontem foi o dia mais mortífero de 2023 com SNS a mostrar sinais de colapso


    Esta terça-feira foi, em Portugal, o dia mais mortífero do ano. Segundo os dados do Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO), contabilizaram-se já 470 mortes. Este valor ainda deverá subir devido às actualizações que ainda irão ocorrer. O anterior máximo foi registado a 7 de Janeiro. Os dados por faixa etária revelam que se vive um cenário de crise sanitária de alguma preocupação no país, numa altura em que se instalou o caos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.


    Ontem, 26 de Dezembro, foi o mês mais mortífero de 2023, e a tendência da mortalidade da última semana, a par do caos que se instalou nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, auguram tempos difíceis, sobretudo para os mais idosos.

    De acordo com os dados do Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SIC), foram já contabilizadas 470 mortes no dia de ontem, valor que ainda deverá subir devido às actualizações que geralmente são realizadas nas 48 horas seguintes. Em todo o caso, este valor já supera o anterior máximo diário deste ano, 439 óbitos, registado em 7 de Janeiro.

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    A evolução das últimas semanas mostra, aliás, uma tendência de agravamento que perspectiva um cenário pouco favorável com o avanço do Inverno. O início de Dezembro mostrava uma mortalidade diária até em linha com valores homólogos pré-pandemia (329 óbitos em média móvel de sete dias), mas sobretudo a partir do dia 20 o quadro alterou-se significativamente, estando este indicador já quase a ultrapassar os 400 óbitos diários, o que é um número já preocupante.

    Analisando os dados do SICO, observa-se ser o grupo etário dos maiores de 75 anos que ‘justifica’ este agravamento da mortalidade global.

    No caso dos maiores de 85 anos, nos dias 25 e 26 deste mês já se ultrapassaram os 200 óbitos diários, uma fasquia poucas vezes ultrapassada, e que indicia uma crise sanitária de alguma preocupação.

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    Note-se, contudo, que a mortalidade deste ano deverá ficar aquém da registada nos três anos anteriores. Recorde-se que em 2020 morreram 123.742 pessoas, aumentou para 125.234 no ano seguinte e cifrou-se em 124.923 em 2022.

    Este ano deverá rondar os 118 mil óbitos, mesmo assim um valor anormalmente elevado face ao excesso de mortalidade em anos anteriores. No quinquénio anterior à pandemia (2015-2019) registou-se uma média de 111.206 óbitos por ano.

    Esta situação coincide com as dificuldades de resposta dos hospitais públicos em atender à procura durante o Inverno que se iniciou na semana passada. Apesar de os registos dos atendimentos nas urgências comparativamente a anos anteriores não indicarem um aumento da procura, os constrangimentos decorrentes das greves, tem levado a tempos de espera extremamente elevados.

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    Por exemplo, às 21:25 minutos de hoje, estavam no Hospital Amadora-Sintra 127 pessoas para serem atendidas na urgência, sendo que o tempo de espera médio previsto para os 63 doentes urgentes era de oito horas e 19 minutos e para os 56 menos urgentes de 13 horas. No Hospital de Santa Maria, o número era menor (54 pessoas), mas mesmo assim o tempo de espera para os casos urgentes era superior a três horas e meia. Um pouco menos (três horas) era o tempo de espera previsto para os 24 casos urgentes no Hospital de São José.

    Mais a norte, a situação mostra-se muito variável. Por exemplo, o principal hospital de Coimbra tinha esta noite 25 pessoas nas urgências, com um tempo de espera para os casos urgentes de um pouco mais de duas horas. Já o hospital de São João, no Porto, previa tempo de espera médio para os casos urgentes de uma hora e 45 minutos, estando com 49 pessoas nas urgências. E no Hospital de Braga, um dos maiores do país, estavam 82 pessoas nas urgências, das quais 32 casos urgentes que tinham um tempo médio de espera para atendimento de três horas e 23 minutos.


    N.D. Número de óbitos relativos ao dia 26 de Dezembro actualizado às 22h50 de 28 de Dezembro.


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  • Ordem dos Médicos de Carlos Cortes vai a tribunal por não mostrar pareceres comprometedores escondidos por Miguel Guimarães

    Ordem dos Médicos de Carlos Cortes vai a tribunal por não mostrar pareceres comprometedores escondidos por Miguel Guimarães


    Afinal, mudam os tempos, mas mantêm-se as más vontades. O actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, decidiu divulgar em Setembro passado um parecer do Colégio de Pediatria, onde se desaconselhava a vacinação de jovens contra a covid-19 e criticava mesmo as pressões da indústria farmacêutica, mas continua a recusar mostrar dois pareceres de 2021 que foram ‘engavetados’ por ordem de Miguel Guimarães. Este anterior bastonário liderou uma campanha de ‘perseguição’ sobre os médicos que questionaram critérios de segurança e chegou mesmo a abrir um processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias. Em resultado desta recusa, o PÁGINA UM apresentou agora uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    A Ordem dos Médicos, agora liderada por Carlos Cortes, recusa divulgar dois pareceres emitidos pelo seu Colégio de Pediatria em Julho e Outubro de 2021, no auge do polémico programa de vacinação de crianças e adolescentes contra a covid-19, que foram ‘engavetados’ pelo então bastonário Miguel Guimarães.

    Em resultado dessa recusa, o PÁGINA UM fez entrar ontem um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, que também requer a consulta de uma auditoria prometida no ano passado à campanha Todos por Quem Cuida.

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    A existência dos dois pareceres do Colégio de Pediatria, presidido pelo médico Jorge Amil Dias, escondidos em 2021, foi apenas conhecida através do texto do terceiro parecer sobre esta matéria, que o agora bastonário Carlos Cortes permitiu divulgar.

    Nesse terceiro parecer, com data de 13 de Setembro de 2023, além de se criticar as “manifestações públicas sobre o assunto, geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, fazia-se desde logo referências aos outros dois pareceres, que aquele Colégio, “oportunamente submeteu” a Miguel Guimarães, que nunca se mostrou interessado em os divulgar, pelo contrário.

    Na verdade, embora o teor desses dois pareceres, relacionados com as vacinação de adolescentes e de crianças, não seja conhecido, Miguel Guimarães e o então Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, presidido pelo pneumologista Filipe Froes, trataram de criar uma campanha pública de perseguição e ostracismo aos profissionais de saúde que colocavam dúvidas sobre a necessidade e a segurança da vacinação de menores.

    Filipe Froes (ao centro), com fortes ligações à indústria farmacêutica, foi mandatário da candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda), actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    O próprio presidente do Colégio de Pediatria, Amil Dias, seria mesmo alvo de um processo disciplinar por via de uma queixa assinada por, entre outros, Filipe Froes, Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro, todos médicos com fortíssimas relações comerciais com a indústria farmacêutica, incluindo a Pfizer, que vendeu as vacinas para os menores. O processo seria arquivado apenas em Novembro do ano passado, mas durante meses conseguiu-se criar uma aura de censura contra os médicos que desaconselhavam a vacinação generalizada para jovens.

    O acesso aos dois pareceres escondidos, que agora o PÁGINA UM requereu que o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigue a Ordem dos Médicos a mostrar, fará luz a um dos episódios mais amorais da Medicina moderna, em que autoridades de Saúde, médicos e a generalidade da imprensa criaram na segunda metade de 2021 um ambiente de pressão psicológica para pais levarem os filhos menores a vacinarem-se para supostamente se protegerem contra uma doença que se mostrava inofensiva para jovens saudáveis, e sobre a qual não existiam estudos aprofundados sobre os efeitos adversos.

    Em Portugal, entre Setembro e Novembro de 2021 foram vacinadas com pelo menos uma dose, mais de 560 mil jovens entre os 12 e os 17 anos. No caso das crianças entre os 5 e os 11 anos, cuja campanha de vacinação decorreu a partir do final de 2021 acabaram por ser inoculadas mais de 335 mil. Saliente-se que, antes da vacinação, não se registou qualquer vítima mortal causada pelo SARS-CoV-2 nestas faixas etárias.

    Miguel Guimarães e Ana Paula Martins foram, respectivamente, bastonários das Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos durante grande parte da pandemia.

    Recorde-se ainda que a mais recente norma da Direcção-Geral da Saúde, de Setembro passado, apenas passou a eleger para vacinação sazonal os profissionais e residentes em lares, os prestadores de serviços e cuidadores de saúde, os maiores de 60 anos e as pessoas com graves comorbilidades.

    O PÁGINA UM também requereu ao Tribunal Administrativo de Lisboa que obrigue a Ordem dos Médicos a mostrar uma suposta auditoria à campanha Todos por Quem Cuida, que durante a pandemia arrecadou mais 1,4 milhões de euros, sobretudo proveniente de farmacêuticas, e que permitiu condições para criar um “saco azul” de mais de 968 mil euros na Ordem dos Médicos, uma vez que foram usadas facturas falsas e outros esquemas de muito duvidosa legalidade. Esta campanha foi dirigida pelas Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos, e aquando de uma outra intimação (ganha pelo PÁGINA UM em 2022) aquelas entidades declararam ao Tribunal Administrativo de Lisboa que estavam a realizar uma auditoria à campanha, mas nunca a divulgaram.


    N.D. Os processos de intimação do PÁGINA UM só são possíveis com o apoio dos leitores. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados através do FUNDO JURÍDICO. Cada processo de intimação tem um custo mínimo inicial de 500 euros, que pode ser menor ou (muito) maior em função dos eventuais recursos ou do seu desfecho (favorável ou desfavorável). Neste momento, por força de duas dezenas de processos que intentámos nos últimos 20 meses, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras. Apoie esta iniciativa de um jornal independente que não teme lutar pelo acesso à informação.

  • Taxas de mortalidade nos idosos: primeira quinzena de 2015, 2017 e 2021 foram piores

    Taxas de mortalidade nos idosos: primeira quinzena de 2015, 2017 e 2021 foram piores


    O PÁGINA UM fez um rápido diagnóstico da primeira quinzena de 2024 apenas para saber se estamos ou não a viver um novo período dramático. Na verdade, alguns dos números da mortalidade dos grupos mais idosos impressionam mas só se mostram assustadores em valores absolutos. Caso se calcule a taxa de mortalidade, conclui-se que, além de 2021, os anos de 2015 e 2017 até tiveram uma pior primeira quinzena. Mas convém relembrar que Portugal continua com valores continuamente elevados desde 2020, e tal não seria suposto suceder. O problema não está a ser Janeiro, mas sim tudo o resto, a começar pela forma como se geriu a pandemia e a acabar no obscurantismo do Ministério da Saúde que nunca quer mostrar dados detalhados.


    Seriam expectáveis valores menos elevados como consequência ‘favorável’ do morticínio de 2021 (compensação demográfica), mas apesar dos laivos de prenúncio de histeria a recordar os tempos da pandemia, a mortalidade na primeira quinzena de 2024 somente assusta, do ponto de vista do impacte na Saúde Pública, olhando os números absolutos. Até ao dia 15 de Janeiro, é certo que já se registaram quatro dias acima dos 500 óbitos e não houve nenhum abaixo da fasquia dos 400. Aliás, o último dia que não ultrapassou este número foi na antevéspera do último Dia de Natal, o que constitui uma série longa de persistente mortalidade.

    Contudo, se retirarmos da ‘equação’ o ano de 2021 – com Janeiro a ser o mês mais letal dos últimos 100 anos –, a primeira quinzena de 2024 para os mais idosos está a ser menos ‘perigosa’ do que os períodos homólogos de 2015 e 2017. É certo que os 3.456 óbitos de maiores de 85 anos impressiona (está a apenas menos 416 do que em 2021), e é um número bem superior às 2.829 e 2.905 mortes contabilizadas, respectivamente em 2015 e 2017. Porém, nesses anos, Portugal não tinha tantos super-idosos.

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    De acordo com as estimativas populacionais do Instituto Nacional (INE), viviam 268.598 pessoas com mais de 85 anos em 2013, enquanto em 2022 apontava-se para as 365.364. Isso significa que, calculando a taxa de mortalidade para a primeira quinzena de cada ano, em 2015 registaram-se cerca de 101 óbitos por cada 10.000 pessoas desta faixa etária, enquanto em 2017 foi de 95,4. Considerando um crescimento populacional entre 2022 e 2023 similar ao período anterior – o INE ainda não apresentou estimativas para o ano de 2023 –, a primeira quinzena de 2024 acaba por ser menos mortífera: quase 93 mortes por cada 10.000 pessoas com mais de 85 anos.

    Em todo o caso, esta taxa de mortalidade é substancialmente superior ao período homólogo de 2022 e 2023 (65,8 e 73,00 óbitos por 10.000 habitantes), mas também se deve ao forte impacte da pandemia. Na primeira quinzena de 2021, a taxa de mortalidade para este grupo etário foi de cerca de 112 por 10.000 habitantes, e a segunda quinzena até haveria de ser pior. Saliente-se que o aumento relativo anual de super-idosos refreou significativamente: antes de 2020 estava acima de 3%, e nos anos da pandemia ficou abaixo, tendo sido de apenas 2,2% entre 2021 e 2022.

    Se observarmos o grupo dos 75 aos 84 anos, o cenário até se mostra ligeiramente mais favorável a 2024, uma vez que há quatro anos com maior taxa de mortalidade na primeira quinzena do ano. Assim, enquanto para os primeiros 15 dias do ano em curso se regista uma taxa de mortalidade de 23,2 por 10.000 pessoas desta faixa etária, em 2021 foi de 29,7, em 2015 atingiu os 27,2, em 2017 alcançou os 25,1 e em 2018 fixou-se nos 23,4. O valor deste ano, visto em termos de taxa de mortalidade, aparenta estar em linha com os anos anteriores, com excepção do ano de 2021.

    Óbitos, estimativa da população e taxa de mortalidade (por 10.000 habitantes) entre 2014 e 2024 para a primeira quinzena de Janeiro. A taxa de mortalidade foi calculada com o valor da população estimada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) do ano anterior. Para 2024 estimou-se a população de 2023 (ainda não apresentada pelo INE) com base no crescimento do período anterior. Fonte: INE e DGS (SICO). Análise: PÁGINA UM. Ver em maior tamanho.

    Quanto ao grupo dos 65 aos 74 anos, a situação do presente ano é quase semelhante ao da faixa etária subsequente, excepção para 2018 onde a taxa de mortalidade é ligeiramente inferior (8,1 vs. 8,0). Assim, o número de óbitos na primeira quinzena de 2024 para esta faixa etária (953) não é pior, do ponto de vista de Saúde Pública, do que, por exemplo, as 883 mortes neste grupo em 2015, por uma razão relevante: há agora mais quase 160 mil pessoas neste grupo etário.

    Convém referir que esta análise, não apenas por abranger um curto período (15 dias) como por não incluir as causas de morte, apenas teve como objectivo fazer um rápido diagnóstico sobre a situação actual. Aliás, esse é o motivo pelo qual o PÁGINA UM decidiu não apresentar, para já, uma análise ao grupo etário dos 55 aos 64 anos de idade, cujo valor da taxa de mortalidade está a ser superior à generalidade dos anos anteriores para a primeira quinzena de Janeiro, com excepção de 2021.


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  • Covid-19: Reforços vacinais são irrelevantes, conclui estudo austríaco

    Covid-19: Reforços vacinais são irrelevantes, conclui estudo austríaco


    A estratégia de vacinar constantemente a generalidade da população contra a covid-19, através de sucessivos reforços, foi posta em causa por um estudo científico que tem como co-autor o mais prestigiado epidemiologista mundial, o norte-americano John Ioannidis. Baseado num estudo observacional realizado na Áustria, os investigadores concluíram que a eficácia da quarta dose de vacina para impedir a morte por covid-19 não é significativa, além de conferir uma imunidade muito transitória e em rápida quebra. Além disso, o estudo salienta que “a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”, pelo que, atendendo ao risco-benefício, as vacinações adicionais deixam de ser uma opção aceitável na fase endémica da covid-19.


    Um estudo científico desenvolvido na Áustria e com participação do norte-americano John Ioannidis, o mais prestigiado e citado epidemiologista mundial, questiona a estratégia de se vacinar sucessivamente a população, em geral, com novos reforços de vacina contra a covid-19.  

    Publicado no European Journal of Clinical Investigation, e contando com a participação de 10 investigadores, sobretudo de universidades da Áustria (Viena, Graz e Insbruck), o estudo analisou epidemiologicamente a população daquele país europeu em função do estatuto vacinal e da ocorrência de infecção prévia por SARS-CoV-2, e concluíram que a eficácia de uma quarta dose para prevenir a morte por covid-19 era fraca. Além disso, constataram que a eficácia relativa de uma quarta dose para impedir infecções era transitória e revertia no médio prazo.

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    Os investigadores também observaram que “infeções repetidas anteriores e infecções mais recentes por SARS-CoV-2 foram ambas associadas a reinfeções significativamente reduzidas”. Daí os investigadores aproveitaram para questionarem “se as recomendações para reforços vacinais repetidos contra o SARS-CoV-2 são atualmente justificadas para grandes partes da população em geral com uma história de infeções anteriores”.

    No entanto, de uma forma prudente, salientam que “isso não contradiz o benefício para a saúde das vacinações iniciais de populações desprotegidas na fase inicial da pandemia de covid-19 e das vacinações de populações de muito alto risco a qualquer momento”.

    Em concreto, os investigadores procuraram neste estudo – financiado pelo Austrian Science Fund – estimar “o risco de mortes por covid-19 e infeções por SARS-CoV-2, de acordo com o status de vacinação em indivíduos previamente infetados na Áustria”, com base em dados recolhidos em Novembro e Dezembro de 2022, comparando principalmente indivíduos com quatro doses de vacina versus três doses. Os investigadores fizeram também uma análise prolongada entre Janeiro e Junho do ano passado.

    Assim, comparando com três doses de vacina, os investigadores concluíram que “aqueles com menos ou nenhuma vacinação não diferiram em relação à mortalidade por covid-19, mas tiveram risco reduzido de infeções por SARS-CoV-2”.

    John Ioannidis, conceituado epidemiologista e professor de Medicina na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.

    E salientam que “os grupos menos vacinados também produziram um risco de infeção por SARS-CoV-2 significativamente menor em comparação com o grupo de quatro doses da vacina em 2023, uma descoberta que se encaixa bem com um estudo de acompanhamento de relativamente longo prazo do Catar”.

    Os autores do estudo lembram ainda que os dados do mesmo estudo no Qatar “sugerem que a imunidade natural confere uma proteção muito forte contra covid-19 grave sem evidência de redução de imunidade, uma conclusão que é suportada por uma revisão sistemática e meta-análises”.

    Assim, os dados observados neste estudo na Áustria levaram à conclusão de que “na população geral da Áustria com história de infeção por SARS-CoV-2 não observámos uma eficácia relativa da vacina (ERV) significativa para uma quarta dose da vacina para mortes por covid-19 durante um período com risco absoluto já muito baixo para este desfecho”.

    Quanto a infecções, os investigadores documentaram “uma ERV transitória para infeções por SARS-CoV-2, mas este efeito foi revertido durante o acompanhamento prolongado (dos sujeitos) em 2023”.

    Assim, “até 30 de junho de 2023, um total de 536.376 indivíduos tinham recebido a quarta dose da vacina, com relativamente poucas quartas vacinas adicionais em 2023”, e observou-se que “a ERV da quarta vacinação versus todos os grupos menos vacinados diminuiu gradualmente de novembro de 2022 a junho de 2023”.

    Segundo os investigadores, as suas “descobertas encaixam-se bem na hipótese de diminuição de eficácia e, assim, na mudança das relações risco-benefício de vacinações adicionais durante a transição da pandemia de covid-19 para sua fase endémica.”

    Salientam que “tendo em vista a forte proteção imunológica em toda a população devido a infeções e vacinações anteriores, é tentador especular que as infeções por SARS-CoV-2 já podem assemelhar-se, em 2023, a outros coronavírus humanos”. 

    Explicam ainda que “as infeções e/ou vacinas por SARS-CoV-2 contribuíram para a transição desta pandemia de covid-19 para a endemicidade com taxas de letalidade muito baixas, conforme documentado na nossa investigação”. Frisam que “a magnitude das alterações no risco de infeção em função do tempo decorrido após a última infeção anterior sugere que a imunidade natural pode ser um determinante principal da proteção imunológica numa população”.

    Deste modo, os autores do estudo destacam que “a contribuição relativa para esta proteção contra a mortalidade por covid-19 por imunidade natural e/ou induzida por vacina, pelas características da variante Omicron, pelos avanços no tratamento de covid-19 ou por outros fatores, continua a ser especulativo”.

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    Os investigadores terminam salientando que os seus dados “exigem confirmação em outras populações nacionais e são importantes para decidir futuras políticas de saúde pública e vacinas contra a covid-19”. Mas sublinham que os seus dados “também ressaltam o papel crítico da vigilância nacional ativa da saúde durante uma pandemia”.

    Em Portugal, as vacinas contra a covid-19 são grátis (suportadas pelo Estado) e recomendadas para os grupos mais vulneráveis, incluindo os maiores de 65 anos e os portadores de doenças de risco, entre os seis meses e os 59 anos de idade, e ainda para os profissionais que tenham contacto com pacientes e as grávidas.

  • Máscaras em crianças: afinal, ‘provas’ de protecção estavam enviesadas

    Máscaras em crianças: afinal, ‘provas’ de protecção estavam enviesadas


    Estudos utilizados por políticos para impor o uso de máscara por crianças durante a pandemia, por supostamente impedir a transmissão do vírus, sofrem de enviesamento que implicou conclusões incorrectas. Na conceituada revista Archives of Disease in Childhood, do Grupo BMJ, uma revisão sistemática de artigos saídos no auge da pandemia (e das restrições políticas) conclui que, afinal, “dados científicos não apoiam o uso de máscara em crianças para proteção contra a covid-19”. Os investigadores destacam sobretudo os prejuízos no desenvolvimento emocional e da linguagem das crianças pela imposição das máscaras em crianças, sentenciando que “na Medicina, novas intervenções com benefícios desconhecidos, mas riscos conhecidos ou potenciais, não podem ser eticamente recomendadas ou aplicadas até que a ausência de danos seja demonstrada”. Recorde-se que em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde impôs a obrigatoriedade do uso de máscara a crianças com mais de 10 anos, nas longas horas de aulas na escola, nos estabelecimentos de saúde e nos transportes. Recomendou ainda “fortemente” o uso de máscara por crianças entre os seis e os nove anos”, no interior e no exterior.


    Foram meses infindáveis de imposições de restrições sobre crianças e jovens durante a pandemia, que implicou o encerramento de escolas, a imposição de máscaras faciais e um afastamento social, que incluiu, até a ‘invenção’ de chapéus que impedia a aproximação. As ‘medidas’ foram então, desde 2020 até 2022, justificadas como necessárias para controlar a covid-19 e fundamentadas supostamente na Ciência. Foi erro, assim conclui uma revisão sistemática publicada na revista científica Archives of Disease in Childhood, do grupo editorial BMJ, assinado por seis investigadores dos Estados Unidos, Reino Unido e Dinamarca, incluindo um professor da prestigiada Universidade de Stanford.

    Mas a Ciência não é infalível, porque feita por homens e mulheres com virtudes e defeitos, e nem sempre aquilo que inicialmente sai é infalível; pode ter erros (involuntários e intencionais) ou enviesamentos que originam más conclusões, e que serão depois corrigidos, com mais tempo e maior ponderação, pela própria Ciência. Sendo natural tal processo, o pior é quando a Ciência quer dar respostas imediatas e insofismáveis porque há uma ‘narrativa política’ que precisa de sustentação de cientistas. E houve muitos que se predispuserem a fazer ‘má Ciência’, e acabaram agora por ser ‘arrasados’ pelo artigo publicado na semana passada sob o título “Child mask mandates for COVID-19: a systematic review“.

    People Wearing DIY Masks

    Recordando que ainda existem países e entidades governamentais que continuam a recomendar o uso de máscaras, os investigadores salientam que isso “parece ser inteiramente baseado em dados observacionais que encontram associações com taxas de casos mais baixas em indivíduos mascarados versus não mascarados, mas não leva em conta as potenciais consequências adversas, especialmente em crianças pequenas, incluindo, mas não se limitando, ao impacto na fala, linguagem, aprendizagem, saúde mental e factores fisiológicos”. Os investigadores relembram que “o reconhecimento das expressões faciais é fundamental para a capacidade das crianças de comunicar, compreender e demonstrar emoções”, além de que “o uso da máscara também pode causar dificuldades respiratórias, dores de cabeça, dermatite, desconforto geral e dor”.

    Mas se estes efeitos adversos eram já reconhecidos, embora sempre minimizados pelas autoridades, entre as quais a portuguesa Direcção-Geral da Saúde, a grande novidade deste artigo científico publicado na passada semana acaba por ser a descoberta de que os estudos observacionais usados para impor as máscaras em crianças continham erros científicos graves.

    A partir de uma análise preliminar de quase 600 artigos científicos sobre máscaras, os investigadores identificaram um total de 22 estudos observacionais, concluindo que “16 estudos não encontraram nenhum efeito do uso de máscara na infecção ou transmissão [por covid-19]”. Quanto aos restantes seis estudos “que relataram uma associação entre o uso de máscara infantil e menor taxa de infeção ou soropositividade para anticorpos”, cinco apresentaram um risco crítico de viés e um sofria de risco grave. “Todos os seis [estudos] foram potencialmente confundidos por diferenças importantes entre os grupos mascarados e não mascarados e dois demonstraram ter resultados não significativos quando reanalisados”, frisam.

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    Nos 16 estudos científicos que não encontraram uma correlação significativa entre o uso de máscara por crianças e a infecção e transmissão do vírus, um (6,3%) tinha um potencial risco de enviesamento “crítico”, 10 (62,5%) tinham um risco grave e cinco (31,3%) tinham um risco moderado, baixo ou nenhum.

    Os investigadores são, por isso, taxativos: “como os benefícios do uso de máscara para covid-19 não foram identificados, deve-se reconhecer que as recomendações de máscara para crianças não são suportadas por evidências científicas”. “Nesta revisão sistemática, não encontramos nenhuma evidência de benefício de mascarar crianças, para se proteger ou aqueles ao seu redor, da covid-19”, afirmam os investigadores.

    “A eficácia no mundo real dos mandatos de máscaras infantis contra a transmissão ou infeção por SARS-CoV-2 não foi demonstrada com evidências de alta qualidade. O actual conjunto de dados científicos não apoia o uso de máscara em crianças para proteção contra a covid-19”, concluem ainda.

    Segundo o artigo científico, os estudos observacionais que relataram “uma associação negativa entre o uso de máscara e taxas de covid-19 não conseguiram demonstrar um benefício quando factores que provocam confusão foram adequadamente considerados”. Já estudos observacionais maiores, “incluindo uma análise de regressão-descontinuidade e uma reanálise mais robusta de uma publicação anterior bem como outros estudos observacionais, não encontraram benefício do uso de máscara contra a covid-19”.

    Além das máscaras, foi imposto o afastamento, havendo mesmo ‘invenções’ como chapéus que não permitiam a proximidade entre as crianças. Esta foto foi divulgada em Junho de 2020 pela autarquia de Arcos de Valdevez.

    Estudos observacionais em adultos, adiantam ainda os investigadores, “também falham repetidamente em se ajustar adequadamente para factores que provocam confusão para evitar enviesamento”. Apontam também que um estudo observacional de Boston afirmou que se poderia inferir causalidade entre o levantamento dos mandatos de máscara escolar e o aumento nos casos [de covid-19] de alunos e funcionários usando um método de controlo de ‘antes e depois’. “No entanto, uma reanálise subsequente questionou a metodologia e os resultados deste estudo e não encontrou a mesma associação ao expandir a população para incluir todo o Estado ou usar análises estatísticas diferentes, e também descobriu que os resultados do estudo inicial provavelmente foram confundidos por diferenças nas taxas de infeção prévia”, salientam.

    Os investigadores referem, de igual modo, que “estudos observacionais também não conseguiram encontrar uma associação entre o uso voluntário de máscara entre adultos nas escolas e menores hipóteses de haver covid-19 na escola ou entre mandatos de máscara ou uso de máscara e transmissão reduzida”. “Além disso, uma revisão sistemática mostrou uma taxa de infecção secundária 10 vezes menor nas escolas em comparação com ambientes comunitários/domésticos”.

    Em Portugal, na pandemia de covid-19, a Direcção-Geral da Saúde, então liderada por Graça Freitas, impôs a obrigatoriedade do uso de máscara a crianças com mais de 10 anos, nomeadamente nas longas horas de aulas na escola, nos estabelecimentos de saúde e nos transportes. “Nas crianças com idade entre seis e nove anos, e para todas as que frequentam o 1.º ciclo do ensino básico independentemente da idade, a utilização de máscara comunitária certificada ou máscara cirúrgica é fortemente recomendada, como medida adicional de proteção, em espaços interiores ou exteriores”, indicaram as normas da DGS durante a pandemia.

    Além de não existirem benefícios associados, os autores do artigo de revisão sistemática, salientam que o uso de máscara por crianças pode ter afectado “o desenvolvimento emocional, do discurso e da linguagem”, podendo incluir ainda “desconforto físico, contribuindo para a redução do tempo e da intensidade do exercício e das atividades de aprendizagem”, sendo “os efeitos a longo prazo demasiado precoces para serem medidos”.

    Os investigadores salientam ainda, nos efeitos adversos, que se “descobriu também que o uso de máscara leva a um rápido aumento no teor de CO2 [dióxido de carbono] no ar inalado – maior em crianças do que em adultos – e a níveis acima dos padrões de segurança aceitáveis para trabalhadores adultos saudáveis, que podem aumentar ainda mais com o esforço físico”.

    “Em resumo”, continuam, “a obrigatoriedade de uso de máscara em crianças falha numa análise básica de risco-benefício”, concluindo que “recomendar o uso de máscara infantil para evitar a propagação da covid-19 não é suportado pelos dados científicos actuais e é inconsistente com as normas éticas aceites que visam fornecer proteção adicional contra danos para populações vulneráveis” numa pespectiva social, ademais sabendo-se que a covid-19 tinha uma taxa de letalidade virtualmente de zero em crianças saudáveis.

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    Os investigadores recomendam assim que “os adultos que trabalhem com crianças devem ser educados sobre a falta de benefícios claros e os potenciais danos de colocar máscaras em crianças, e não há evidências científicas que apoiem uma recomendação para o uso de máscara nessas profissões”.

    Também recomendam que médicos e enfermeiros sejam “educados sobre a ausência de dados de alta qualidade que apoiem o uso de máscara para reduzir os riscos de infeção e transmissão por SARS-CoV-2”.

    Para realizar este artigo científico, os investigadores pesquisaram e analisaram bases de dados até fevereiro de 2023. Os estudos seleccionados foram alvo de uma análise de risco de enviesamento realizada por dois revisores independentes e julgada por um terceiro avaliador.

    No total, foram selecionados 597 estudos e incluídos 22 na análise final. Os investigadores relataram que não houve estudos clínicos randomizados e controlados em crianças para avaliar os benefícios do uso de máscara para reduzir a infeção ou transmissão por SARS-CoV-2.

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    No caso dos adultos, o artigo científico recorda que “há apenas um número limitado de estudos randomizados publicados de uso de máscara e prevenção da covid-19”. O estudo “DANMASK-19 não conseguiu encontrar uma redução de 50% nas infeções por covid-19 em utilizadores de máscaras cirúrgicas na comunidade”.

    Um outro estudo randomizado no Bangladesh “não encontrou nenhum efeito do uso comunitário de máscara de pano em infeções por covid-19, nenhuma redução do uso de máscara cirúrgica para qualquer pessoa com menos de 50 anos e apenas uma redução marginal entre pessoas de mais de 50 anos e no contexto do distanciamento físico imposto por observadores, uma associação que foi considerada insignificante após a reanálise”.

    Num outro estudo, “predominantemente de adultos, de quase 40.000 participantes a partir dos 10 anos (mas não relatado por faixa etária e, portanto, não incluído em nossa revisão sistemática), não houve diferença na doença ou mortalidade semelhante à covid-19 entre grupos mascarados e sem máscara”.

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    Os investigadores lembram ainda que uma revisão sistemática feita pela prestigiada Cochrane, publicada em 2011, ou seja muito antes do surgimento do SARS-CoV-2, já constatara de forma semelhante que o uso de máscaras cirúrgicas e respiradores em adultos tem “pouco efeito na transmissão de vírus respiratórios, enquanto os efeitos colaterais incluíram desconforto”. Na versão atualizada de 2023 dessa revisão, que incluiu covid-19, essas conclusões permaneceram inalteradas.

    O artigo científico sentencia, por fim, que “na Medicina, novas intervenções com benefícios desconhecidos, mas riscos conhecidos ou potenciais, não podem ser eticamente recomendadas ou aplicadas até que a ausência de danos seja demonstrada. Em vez disso, o padrão aceite é que uma intervenção só deve ser empregada depois de ter sido demonstrado o benefício, idealmente através de um estudo clínico randomizado, juntamente com dados de segurança para garantir que os benefícios comprovados superam os danos”, sendo “o ónus da prova de que uma intervenção é segura e benéfica é da responsabilidade da pessoa, instituição ou organismo que executa e recomenda essa intervenção”.