Etiqueta: Saúde

  • Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    O primeiro-ministro canadiano não tem poupado palavras para enfraquecer a imagem dos protestantes, acusando-os de racismo, antissemitismo e até transfobia. Mas os protestos não cedem à luta de palavras, e não se restringem a camionistas, nem apenas ao bloqueio na capital. Num fim-de-semana que se prevê gélido no Canadá, o cenário político está a aquecer. Para já, no Quebec caiu o anunciado imposto adicional de saúde para os não-vacinados.


    Ao quinto dia de protestos em Ottawa, sob um frio glaciar – com as previsões meteorológicas a apontarem para os 20 graus negativos no final desta semana –, o Freedom Convoy ameaça transformar-se mais do que numa mera arrelia ou dor de cabeça para as autoridades canadianas.

    Os bloqueios não se circunscrevem à capital do Canadá, e consolidam-se em outras regiões. Na província de Alberta, uma das principais auto-estradas de acesso aos Estados Unidos continua bloqueada, e em Cagliary anuncia-se um congestionamento de camiões similar ao da capital. Segundo a BBC, a fila de camiões na província de Alberta prolonga-se por vários quilómetros, na pequena vila de Coutts, bloqueando uma das principais portas de entrada para os Estados Unidos.

    Os organizadores do denominado Comboio da Liberdade, embora garantindo uma postura pacifista, prometeram já não dar tréguas ao Governo canadiano, ameaçando com um “pesadelo logístico”.

    Contudo, esforçam-se também, cada vez mais, em dar uma imagem contrária àquela que as autoridades canadianas se esforçam por transmitir à opinião pública.

    Por agora, mais do que nas estradas, o “combate” tem-se intensificado nas palavras, com palco central na comunicação social, incluindo redes sociais.

    Em declarações à imprensa antes de se refugiar em parte incerta, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou até a acusar os protestantes de “roubarem comida de sem-abrigos”, além de outros actos desrespeitoso e ilegais, declarando também que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.

    Anteontem, Trudeau aumentou o tom crítico, congratulando-se no Facebook e Twitter pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.

    Em resposta, os organizadores do Freedom Convoy têm multiplicado os vídeos de convívio multiétnico – o Canadá é um dos países mundiais mais inclusivos do Mundo –, bem como participantes limpando grafittis e mesmo a estátua de corredor Terry Fox, que no fim-de -semana passado fora ornada com um chapéu, cachecol e uma placa de protesto, causando críticas por desrespeito aos heróis nacionais.

    Além disso, o cunho patriota dos manifestantes tem sido muito explorado e é um dos principais trunfos: as bandeiras canadianas são abundantes em todos os camiões e em outros veículos, e nas reportagens da imprensa local cada vez mais se mostra evidente que os protestos não se circunscrevem a camionistas. Em declarações à Fox News, um dos participantes no bloqueio disse que os manifestantes, neste protesto, são “todos irmãos , e estamos aqui por uma causa, que é lutar pelas liberdades dos canadianos e pelo Canadá”.

    Apesar da forte cobertura noticiosa nunca ter fotografado ou gravado em imagem qualquer acto violento, as autoridades policiais apontam alegadas ilegalidades e equacionam tomar medidas mais repressivas.

    A polícia de Ottawa terá já detido três pessoas, mas teme-se que a situação possa complicar-se no próximo fim-de-semana. “Pode não haver uma solução de policiamento” para resolver o impasse, declarou à BBC Peter Sloly, chefe da polícia da capital canadiana.

    Por seu turno, o primeiro-ministro da província de Alberta, Jason Kenney, assegurou que o bloqueio viola a Lei de Segurança no Trânsito, e que os protestos são um “inconveniente significativo para os motoristas que estão dentro da legalidade”. Kenney tem, contudo, apelado para os governos do Canadá e dos Estados Unidos desistam da obrigação de aplicar uma quarentena aos camionistas não-vacinados, esperando que “os protestos cessem imediatamente”.

    Sem prejuízo das tentativas do Governo canadiano em diabolizar o Freedom Convoy, os protestos já deram frutos para o lado daqueles que contestam medidas discriminatórias. O primeiro-ministro da província do Quebec, François Legault, recuou já no prometido imposto adicional de saúde aos não-vacinados.

    Depois de ter proposto a medida no mês passado, Legault disse esta terça-feira que entendia agora que tal medida “dividiria os quebequenses, e neste momento precisamos de construir pontes”.

    Noutra linha, as pressões sobre o GoFundMe – a plataforma de crowdfunding que, aliás, o PÁGINA UM também utiliza – levaram esta empresa a suspender novamente, pelo menos de forma temporária, a angariação de fundos do Freedom Convoy, após esta ter ultrapassado os 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). O GoFundMe diz que a campanha está ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Caso o GoFundMe considere, também por pressão do Governo canadiano, que a campanha promove e incentiva acções ilegais, pode suspender a transferência dos fundos para os organizadores do protesto. Se tal suceder, os montantes arrecadados retornam aos doadores, e o GoFundMe perde a sua comissão de cerca de 10%.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Enquanto nas ruas de Ottawa, os protestos pacíficos contra as restrições para não-vacinados se mantêm, nos bastidores os políticos canadianos acusam os manifestantes de um sem número de tropelias para evitar uma maior adesão popular ao movimento. George Russ, um escritor canadiano, fala já em manipulação política da realidade e de uma “orgia irracional da histeria” em torno do Freedom Convoy.


    O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, insistiu esta segunda-feira que os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy), que ocupam desde sábado o centro de Ottawa, erguem “bandeiras racistas”, numa clara tentativa de incutir a ideia de os protestos na capital terem motivações políticas ou violentas.

    O Freedom Convoy, dinamizado por camionistas que atravessaram o Canadá de costa a costa, assentou arrais desde sábado em plena capital, em protesto contra as medidas consideradas demasiado restritivas de gestão da pandemia. E tem vindo a granjear cada vez maiores apoios público, entre os quais o fundador da Tesla, Elon Musk.

    Por outro lado, a campanha de angariação de fundos no GoFundMe – com o objectivo de pagar custos de combustíveis, alimentação e dormidas – tem superado as expectativas, e deverá atingir esta noite a meta dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). Em comunicado, esta plataforma de crowdfundig revelou que esta é, por agora, a segunda campanha mais lucrativa no Canadá.

    Apesar das acusações de Trudeau para estereotipar os manifestantes, certo é que dois dos principais dinamizadores do movimento, e que dão a cara pela campanha no GoFundMe, até pertencem a minorias: Benjamim Dichter é judeu e Tamara Lich pertence à etnia métis, um dos três grupos nativos canadianos, conforme destaca o National Post.

    O incómodo político tem vindo, aliás, a aumentar. O premier (primeiro-ministro) do governo da província de Ontário, Doug Ford, já exigiu, segundo o canal CTV News, que os manifestantes abandonem as ruas e deixem “o povo de Ottawa viver as suas vidas”.

    Imagem do mural de uma das páginas do Facebook a favor do protesto contra Justin Trudeau.

    Com o receio dos protestos se eternizarem, ainda mais com o sucesso dos apoios já arrecadados, as autoridades têm tentado, por todas as vias, incutir a ideia de os manifestantes estarem a desrespeitar até a memória do povo canadiano. Os incidentes considerados mais graves, porém, são manchas de urina na neve que cobre o Memorial Nacional de Guerra, a dança de uma mulher no túmulo do Soldado Desconhecido e bandeiras colocada na estátua do atleta Terry Fox, um activista da luta contra o cancro, falecido em 1981, e considerado um herói nacional. Trudeau aproveitou estes pequenos casos para argumentar que se cometeu “um insulto à memória e à verdade”, citado pela BBC.

    O escritor canadiano George Russ veio já clamar dos exageros na descrição dos acontecimentos feita pelos políticos, defendendo estar-se perante uma “orgia irracional da histeria”. E exemplifica com o episódio da estátua de Terry Fox. “Ouvindo os políticos e especialistas, poderia pensar-se que ele foi pintado com tinta vermelha, teve seus membros cortados e foi arrancado do seu pedestal, um destino que muitos outros monumentos canadianos encontraram recentemente”, escreveu Russ.

    E acrescenta depois que, na verdade, “uma bandeira canadiana foi enrolada no pescoço da estátua, um chapéu foi colocado na sua cabeça e uma placa que dizia ‘Mandato de Liberdade’ foi colocada entre as suas mãos. A exibição era de mau gosto, mas temporária e inofensiva. A maior consequência da ‘desfiguração’ da estátua de Terry Fox foi uma onda de doações para a Fundação Terry Fox, o que é indiscutivelmente uma coisa boa.”

    Estátua de Terry Foz “paramentada” pelos manifestantes e que chocou o primeiro-ministro Trudeau. Foto: Adrian Wyld.

    O primeiro-ministro canadiano, que está fora de Ottawa, continua a recusar reunir com os manifestantes, e garante não ceder “a quem participa em vandalismo”, criticando também a iconografia usada nos protestos.

    “A liberdade de expressão, reunião e associação são pedras angulares da democracia, mas o simbolismo nazista, imagens racistas e profanação de memoriais de guerra não são”, disse Trudeau, citado pela BBC, em alusão às imagens dos participantes nos protestos que consideram que a actual política de discriminação dos não-vacinados recorda os primórdios da implantação do nazismo.

    Saliente-se que as pessoas geralmente críticas da estratégia em redor da pandemia, ou que não aceitam a vacinação, têm sido repetidamente apelidadas de “negacionistas”, um termo associado geralmente a quem, nega o Holocausto. O Canadá tem, neste momento, 80% da população vacinada, mas é um dos países com maiores restrições contra os não-vacinados.

    Em declarações ao National Post, os organizadores consideraram “hilariante” a ideia de que apoiariam o racismo e renegam eventuais actos de pessoas que se possam ter “colado ao movimento”. Por outro lado, a comunicação social canadiana, com constante cobertura dos protestos, tem destacado sempre o caráter pacíficos dos manifestantes. E a polícia de Ottawa já esclareceu não se ter registado “motins, nem feridos ou mortos”.

    Ontem, numa reportagem do jornalista Rupa Subramanya, do jornal National Post, salientava que “os manifestantes incluíam canadianos, jovens e velhos, de todas as convicções políticas”. E destacava-se ainda que, “embora o objetivo declarado do comboio seja de oposição aos mandatos federais de vacinação e outras restrições, dois dos líderes e alguns dos manifestantes estão vacinados”, embora defendam que a vacinação deveria ser uma escolha individual.

    Este repórter, que aliás deu voz a várias pessoas não relacionadas com os camionistas para justificarem as suas participações nos protestos, sublinhou que, entre os manifestantes, se veêm “indo-canadianos, canadianos com raízes árabes, canadianos de origem chinesa, canadianos negros, e quase todos os outros canadianos étnicos que vivem sob o sol”.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Numa luta com potência e muito metal, manifestantes contra as restrições da gestão da pandemia pelo Governo do Canadá pressionam Justin Trudeau a deixar cair a quarentena obrigatória de camionistas transfronteiriços. O protesto pacífico já aparenta, porém, agregar apoiantes de outras vertentes, tanto assim que já houve donativos para esta causa superiores a nove milhões de dólares canadianos, ou seja, 6,4 milões de euros.


    O denominado “Comboio da Liberdade” (Freedom Convoy) que iniciou este fim-de-semana um imprevisível cerco físico e político a Ottawa, capital do Canadá – em contestação da política transfronteiriça de gestão da pandemia – tem estado a alcançar uma adesão popular inesperada e avultada.

    Esta madrugada, as verbas recolhidas para apoio dos manifestantes, através da plataforma de crowdfunding GoFundMe, ultrapassaram já os nove milhões de dólares canadianos, ou seja, quase 6,4 milhões de euros. Este valor é quase o dobro daquele que tinha sido angariado até ao dia 25.

    Após um breve período de diferimento da administração da plataforma GoFundMe – para garantir a correcta aplicação dos fundos para pagamento dos combustíveis, alimentação e eventualmente dormidas dos camionistas –, já foi libertado o primeiro milhão de dólares canadianos. Até às 7:30 horas desta manhã realizaram-se mais de 112 mil donativos, totalizando 9.077.990 dólares canadianos. Duas dezenas de doações individuais atingiram 10.000 ou mais dólares.

    A coluna de camionistas – em número que tem sido alvo de controvérsia – iniciou a travessia pelo Canadá a partir da costa oeste, no dia 23, em direcção à capital, na costa leste. O objectivo é pressionar o governo federal do liberal Justin Trudeau – que abandonou entretanto a cidade para evitar os protestantes – para abandonar a obrigatoriedade de os camionistas transfronteiriços não-vacinados tenham de cumprir sempre uma insustentável quarentena.

    Actualmente, o Canadá tem 79% da sua população vacinada contra a covid-19 e os Estados Unidos 64%. No primeiro país, a mortalidade atribuída a esta doença ronda agora, em pleno Inverno (com temperaturas que, esta noite, chegaram aos 17 graus negativos), os 161 óbitos por dia (média móvel), equivalente a 42 óbitos em Portugal. No caso dos Estados Unidos, a mortalidade ronda os 2.175 óbitos (média móvel), equivalente a 66 óbitos em Portugal.

    Apesar de os protestos serem dinamizados por camionistas, os apoios populares têm sido crescentes, e mesmo o dono da Tesla, Elon Musk – nascido na África do Sul, mas também canadiano de nacionalidade, por via materna – já deu o seu apoio explícito. Ainda ontem, através do Twitter, publicou uma foto irónica sobre o Freedom Convoy.

    Apesar das autoridades canadianas terem já acusado os manifestantes de diversas acções ilegais e de distúrbio, a manifestação dos camionistas ameaça, sim, transformar-se numa contestação generalizada às políticas de gestão da pandemia. Antes de sair da capital, Trudeau garantiu estar-se perante “uma pequena minoria”, muitos dos quais “expressam opiniões inaceitáveis”, acusando-os de não quererem que se continue “a garantir nossas liberdades, nossos direitos, nossos valores como país”.

    Porém, os organizadores da angariação de fundos – entre os quais Tamara Lich, uma dirigente do Maverick Party, um partido separatista de direita, mas que oficialmente não está ligado ao evento – têm apelado ao pacifismo das iniciativas, defendendo que as medidas estão a destruir emprego e a vida de muitas famílias, e que as medidas restritivas têm de terminar.

    “Não podemos atingir nossos objetivos se houver ameaças ou atos de violência. Este movimento é um protesto pacífico e não toleramos nenhum ato de violência”, salientam na página do GoFundMe, alertando que “a difusão da Internet e a comunicação global instantânea dão mais poder às palavras e ideias do que qualquer arma física, tornando-se uma ferramenta poderosa que pode ser usada contra a tirania e o autoritarismo”. E concluem ainda: “por isso que eles nos censuram; e por isso, devemos permanecer pacíficos, não importa o custo.”

    Certo é que, ao fim de dois dias de ocupação, o Comboio da Liberdade “sitiou” o centro de Ottawa, transformando-se num melting pot de frustração e raiva já contra todas as medidas rigorosas de gestão da pandemia.

    A CTV News, um canal televisivo canadiano, refere que têm sido escassos os incidentes, sempre sem violência. O município da capital tem sistematicamente indicado os encerramentos de vias rodoviárias no centro da cidade, sobretudo em redor de Parliament Hill, e sempre com um aviso sobre a duração: unknown (desconhecida). Nesta segunda-feira, além de escolas, bibliotecas e outros serviços públicos, a própria sede do município estará encerrada.

    Nos próximos dias, não será ainda previsível conhecer um vencedor nesta luta de paciência e política. Será longa, por certo, até porque dinheiro já não falta aos manifestantes.

  • Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    A covid-19 é, claramente, uma doença grave, mas a Direcção-Geral da Saúde andou a empolar mortes por esta doença até ao limite do absurdo. Tudo caiu nas malhas da estatística: até Maio de 2021, bastou um teste positivo, e todos os óbitos foram atribuídos ao SARS-CoV-2. Internados por ataques cardíacos, AVC, cancros, falência renal, sepsis e até acidentes rodoviários e queimaduras foram, em caso de desfecho fatal, contabilizados como vítimas da pandemia, independentemente da acção concreta do coronavírus no desfecho fatal. Recorde-se que a DGS recusa sistematicamente divulgar informação detalhada e pretende impedir o PÁGINA UM de aceder a base de dados que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, quer manter sigilosas.


    Até Maio do ano passado, pelo menos 2.751 óbitos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) atribuiu à covid-19 foram de pessoas internadas em hospitais por outros motivos, e não por infecção do SARS-Cov-2. Este é o valor apurado recorrendo à consulta da base de dados do registo de hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, e que sempre esteve na posse directa de diversas autoridades, entre as quais a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

    Este número pecará por defeito, uma vez que apenas considera os óbitos contabilizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde – cerca de 12.500, sendo que, nos 15 primeiros meses da pandemia, mais de quatro mil pessoas com causa atribuída à covid-19 terão morrido nas suas casas e sobretudo em lares.

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    Por outro lado, este valor apenas resulta da quantificação da causa directa prioritária, que constitui a primeira causa de internamento registada pelo corpo clínico de cada hospital. Ou seja, é a primeira doença ou afecção que surge na posição 0 (zero) na ordem de diagnóstico da base de dados dos internados-covid, seguindo as normas de codificação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) da Organização Mundial de Saúde.

    Isto significa também que, em muitos casos, mesmo que a covid-19 seja apontada como a causa de internamento – estando o código U071 da CDI na posição 0 da ordem de diagnóstico –, esta doença tenha sido a causa original do internamento.

    Apenas uma análise mais detalhada, caso-a-caso poderia, por exemplo, explicar como surgem 264 óbitos atribuídas à covid-19, e em que esta se encontra na posição 0 do diagnóstico, em pessoas que morreram no próprio dia do internamento, e ainda mais 740 pessoas que faleceram no dia seguinte. Não consta que a covid-19 seja uma doença fulminante em tal grau, ou seja, que tenha matado 1.004 pessoas ao fim de menos de dois dias de hospitalização.

    Globalmente, a base de dados consultada pelo PAGINA UM identifica, até Maio do ano passado, 1.138 mortes de pessoas (quase 10% do total) que, tendo o óbito classificado pela DGS como covid-19, morreram no próprio dia da hospitalização ou no dia seguinte, independentemente da causa inicial.
    Em muitos destes casos mostra-se evidente que a covid-19 apenas surge como causa porque houve um teste positivo feito mesmo a pessoas agonizantes, ou talvez mesmo ao seu cadáver.

    Encontram-se, por exemplo, dezenas de mortes em menos de dois dias de pessoas que derem entrada de urgência nos hospitais por ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), cancros terminais, diabetes, infecções generalizadas causadas por bactérias (sepsis) e mesmo traumatismos causados por acidentes rodoviários ou quedas.

    Numa análise detalhada do PÁGINA UM apenas aos óbitos-covid – ou seja, sem se considerar os doentes que tiveram alta –, observa-se uma situação ainda mais escandalosa, e que confirmam que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, e a ministra da Saúde, Marta Temido, sistematicamente mentem sobre esta matéria. Recorde-se que ainda esta semana, estas responsáveis referiram ao Observador que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com Covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas internadas por outras doenças (registadas na posição 0 do boletim clínico), segundo os principais grupos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI)

    De facto, considerando os grupos de doenças constantes do CDI da OMS, identificam-se 586 óbitos por covid-19 de pessoas que foram inicialmente internadas por doenças do aparelho circulatório (código iniciado pela letra I), das quais 41 com enfartes agudos do miocárdio, 160 com AVC isquémicos, 11 com AVC hemorrágicos e 140 com crises de hipertensão.

    O segundo grupo de doenças que justificaram o internamento inicial de doentes-covid (e assim sendo incluídas na base de dados), que acabaram por falecer, são as respiratórias (código J da CDI), mas sem estarem relacionadas com a infecção por SARS-CoV-2 (que recebe o código U071 da CDI, ou em casos muito específicos os códigos J1281 ou J1282).

    Para este grupo, contabilizam-se 392 pessoas que acabaram por ter o seu óbito atribuído à covid-19, mas que entraram no hospital por causa de outras infecções ou problemas respiratórios, incluindo pneumonias não-covid, entre as quais 55 por pneumonias bacterianas identificadas (e.g., por Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumonia, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, entre outras), além de 39 por doença pulmonar obstuctiva crónica (DPOC) e 65 por pneumonites por inalação de comida ou vómito. Este problema grave sucede sobretudo em idosos: a média de idade destes casos é de 84 anos.

    As doenças infecciosas e parasitárias – classificadas com o código iniciado por A – também constituíram a causa de internamento inicial de pessoas que acabaram por morrer com o “carimbo” da covid-19. Na base de dados consultada pelo PÁGINA UM surgem 422 casos, grande parte dos quais (384) por sepsis. Embora numa parte destas situações não tenha sido identificado o organismo causador, muitas o agente foram bactérias.

    Neste vasto grupo chegaram a ser catalogados como mortes-covid, independentemente do contributo do SARS-CoV-2 para o desfecho fatal, pessoas que foram admitidas no hospital por causa da doença dos legionários, de febre Q, de candidíase e até por doença de Creutzfeldt-Jakob (uma mulher de 62 anos).

    Internamentos decorrente de problemas directamente associados a cancros (código iniciado pela letra C), recebendo essa referência na posição 0 do diagnóstico, surgem 303 óbitos classificados como covid-19. Saliente-se, mais uma vez, que este número não se refere a internados que sofriam de cancro e apanharam covid-19 – esse número foi de quase 4.000 até Maio do ano passado, o que confirma ser uma comorbilidade relevante na infeção pelo SARS-CoV-2. São apenas aqueles que foram internados na decorrência de um problema oncológico e que testarem positivo ou foram infectados pelo novo coronavírus.

    Também relevantes foram os internamentos por problemas geniturinários (código iniciado pela letra N na CDI): 230 pessoas hospitalizadas por doenças deste grupo acabaram por falecer durante o internamento e os seus óbitos foram atribuídos à covid-19.

    Neste grupo englobam-se 72 casos de insuficiência renal aguda, alguns extremamente graves. Com efeito, três destas pessoas morreram no próprio dia do internamento, e mais cinco no dia seguinte.

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    Ainda se incluem, neste grupo, 59 doentes com infecções urinárias, 48 casos de nefrite aguda, 26 de cistites, e até um caso de inflamação do escroto.

    Este caso é, aliás, paradigmático: tratou-se de um homem de 76 anos, internado em Dezembro de 2020 no Hospital de Setúbal, que sofria de outros problemas do sistema urinários, de diabetes e de hipertensão. Já internado, o seu boletim clínico regista uma insuficiência cardíaca e só depois foi apanhado por um surto hospitalar de SARS-CoV-2. Morreu no dia 7 de Janeiro; oficialmente por covid-19.

    Noutros grupos de doenças e afecções – em menor número – também se evidencia o absurdo da simples catalogação de mortes-covid em muitos óbitos.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM constam 186 registos de pessoas internadas com diversos traumatismos (código começado com a letra S da CDI) – todos decorrentes de acidentes domésticos, de trabalho e até rodoviários, alguns extremamente graves – que acabaram por resultar em óbito-covid.

    Neste grupo estão oito homens, dos quais três pedestres atropelados, um ciclista, um motociclista e mais três ocupantes de automóveis. Três deles morreram em menos de uma semana. Mas, para a DGS, todos por covid-19.

    Mais bizarro ainda – e o PÁGINA UM elencará, em breve, um best of de bizarrices – são os óbitos-covid atribuídos a pessoas que foram internadas por intoxicação ou queimaduras (código iniciado com a letra T da CDI): são 36, no total.

    O caso mais macabro, dir-se-ia, foi o de uma mulher de 41 anos, internada na unidade de queimados do Hospital de Coimbra no dia de Natal de 2020, com queimaduras na cabeça, pescoço e peito. Morreu no dia 2 de Janeiro do ano passado. No certificado de óbito consta a covid-19 como causa da morte porque lhe meteram uma zaragatoa pelo nariz ou boca – que sofreram queimaduras de terceiro grau – e o teste ao SARS-COV-2 deu positivo.

  • Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Na véspera de Natal de 2020, um jovem de 31 anos, doente com SIDA, despediu-se da vida: tinha uma trombose da veia porta, hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e no intestino. Um teste à covid-19 deu positivo. Até Maio de 2021, ele foi uma das 40 vítimas do VIH que a Direcção-Geral da Saúde “transformou” em vítimas do SARS-CoV-2.


    Em Dezembro no ano passado, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou “desvio de recursos”, por causa da pandemia, para não apresentar o relatório da evolução da infecção VIH (vírus da imunodeficiência humana) relativo ao ano de 2020, mas decidiu já “encaixar” 40 mortes de doentes com SIDA nas estatísticas da covid-19. Portugal foi o único país da União Europeia a não divulgar o relatório anual sobre aquela doença, como era habitual, no Dia Mundial de Luta contra o VIH/SIDA. Recorde-se que em 2019 foram reportados 778 novos casos e registados 197 óbitos em doentes infectados por VIH.

    De acordo com a base de dados a que o PÁGINA UM teve acesso, relativo ao período entre Março de 2020 e Maio do ano passado, os infectados com o VIH foram sempre considerados como doentes-covid se tivessem um teste positivo ao SARS-CoV-2, mesmo quando a causa da hospitalização era claramente outra, sobretudo, nestes casos, relacionada com os efeitos da imunodeficiência adquirida.

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    Este é um dos exemplos mais flagrantes de serem falsas as garantias dadas ao jornal digital Observador pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, de que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Segundo os dados consultados pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia foram hospitalizados, como doentes-covid, um total de 171 infectados pelo VIH, dos quais 113 durante o ano de 2020.

    Pela interpretação dos registos destes doentes, com quadros clínicos bastante diversificados, muitos apresentavam já diagnóstico positivo à covid-19 na admissão hospitalar. No entanto, pelo menos 67 terão sido internados por outras causas directamente relacionadas com o VIH, atendendo que a referência a esta enfermidade (código B20 na CDI – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) se encontra nas posições 0, 1 ou 2 da ordem de diagnóstico.

    Apesar da taxa de mortalidade hospitalar dos infectados por VIH e com o SARS-CoV-2 não ter sido muito mais elevada do que a dos doentes sem VIH (em ambos os casos rondando os 23%), foram contabilizados 40 óbitos por covid-19 que, em condições normais, seriam classificados como SIDA.

    Em todo o caso, em linha com o perfil de letalidade da covid-19 em condições normais, a idade foi determinante para o desfecho: a média de idade dos infectados com VIH que sobreviveram ao SARS-CoV-2 era de 52,7 anos, enquanto aqueles que acabaram por falecer tinham uma média etária de 60,7 anos.

    A mais idosa vítima com VIH e SARS-CoV-2 foi uma mulher de 88 anos, que morreu em Janeiro do ano passado na região do Alto Minho. No caso do mais idoso sobrevivente com ambos os vírus, foi um homem de 83 anos, que esteve internado no Hospital Amadora-Sintra durante 10 dias entre Janeiro e Fevereiro do ano passado.

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    Os internamentos dos sobreviventes foram, contudo, bastante longos: média de 19 dias, o que indicia que, em grande parte dos internamentos, as causas não foram apenas a covid-19, ou não as foram de todo.

    No caso das vítimas mortais, a média também foi bastante elevada (mais de 20 dias), mas sobretudo devida à complexidade das afecções associadas ao VIH.

    Um dos casos evidentes foi a de um homem de 46 anos, que faleceu em Janeiro ano passado no Hospital de Setúbal como doente-covid – entrando assim nas estatísticas da pandemia feitas pela DGS –, depois de ter sido internado em Outubro de 2020 com um quadro terminal de SIDA, designadamente pneumocistose e sarcoma de Kaposi.

    Contudo, em 13 casos fatais, o desfecho foi muito rápido: logo na primeira semana de internamento, o que indicia situações de grande fragilidade.

    Está aqui incluída a vítima mais jovem: um homem de apenas 31 anos, internado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central em Dezembro de 2020, numa situação já muito crítica e de grande debilidade: uma trombose da veia porta (obstrução do vaso sanguíneo que leva sangue dos intestinos ao fígado), hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e nos intestinos.

    Foi-lhe realizado um teste ao SARS-CoV-2, que deu positivo. Morreu em oito dias. Na véspera de Natal. E como doente-covid, assim classificado pela DGS.

  • Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos

    Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos


    Liliana Leite, actriz e professora de teatro na Escola Básica de São João de Deus (Lisboa), quebrou o silêncio após um polémico texto no Facebook onde comentava a trágica morte do pequeno Rodrigo, o seu aluno de seis anos, por paragem cardiorespiratória, no dia 16 deste mês.

    A criança, socorrida sem sucesso no Hospital de Santa Maria, teve um teste positivo ao SARS-CoV-2, mas o facto de ter sido vacinada uma semana antes e ter apresentado um quadro clínico altamente suspeito, levaram os médicos que a assistiram a comunicar ao Infarmed uma potencial reacção adversa. Neste momento, aguardam-se exames complementares – que demorarão ainda algumas semanas -, mas descartada está a possibilidade de engasgamento.

    No vídeo colocado no Youtube, Liliana Leite faz um apelo emocionado, aconselhando os pais a “lerem primeiro e fal[ar]em com um médico, e se ele for de opinião de que a criança deva ser vacinada, então que o faça por escrito”, questionando em seguida: “se isso acontece em casos mais simples [um atestado de um médico], porque não acontece nestes casos?”

    Depoimento de Liliana Leite

    E confirma também o quadro de prostração da criança dois dias antes do seu falecimento: “estava cabisbaixo, com a cabeça apoiada na mesa, e sim, tinha olheiras, e sim, apresentava dificuldades respiratórias, e sim, disse-me ando cansado desde que tomei a vacina”.

    Recorde-se que esta semana um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertiram que, no caso das crianças saudáveis, como era o caso da criança falecida no dia 16, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

    A Direcção-Geral da Saúde não reagiu ainda a este abaixo-assinado.

    Até ao momento, quase dois anos após o início da pandemia, não morreu em Portugal qualquer criança dos 5 aos 11 anos por causa de covid-19.

  • Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Para promover a vacinação de crianças, que tem estado abaixo das suas expectativas, a Direcção-Geral da Saúde divulgou hoje um parecer que coloca as miocardites e a síndrome inflamatória multissistémica (MISC-C) em idade pediátrica como de grande gravidade. O PÁGINA UM revela, através da base de dados das hospitalizações nos primeiros 15 meses da pandemia, outra realidade: estas duas afecções são muitíssimo raras e causaram apenas uma morte abaixo dos 50 anos (uma mulher de 34 anos por MISC-C). Mais graves, sim, são os níveis de letalidade dos mais idosos, daí a vantagem da sua vacinação. O PÁGINA UM também detectou, no parecer da DGS, incongruências, com citações científicas mal feitas.


    Nos primeiros 15 meses da pandemia, até Maio de 2021, apenas seis dos 814 menores hospitalizados com covid-19 desenvolveram um quadro clínico de miocardite. Apesar de todas terem estado em cuidados intensivos, sobretudo por precaução – mas sem necessidade de ventilação mecânica –, nenhuma morreu. Ao invés, embora raras, as miocardites foram mais frequentes e letais em idades avançadas.

    De acordo com a base de dados das hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, contabilizam-se 81 doentes (incluindo os menores) que sofreram diversos tipos de miocardite – catalogadas com os códigos B3322, I400, I408 e I409 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) –, dos quais dois terços (54 casos) tinham mais de 60 anos. Conforme conhecido, esta infecção cardíaca atinge mais o sexo masculino: 55 casos foram em homens (68% do total).

    Enquanto a letalidade em idades mais jovens foi praticamente nula – em menores de 60 anos, num total de 27 casos, apenas se registou a morte de um homem de 53 anos, em Janeiro do ano passado –, a gravidade desta infecção nos mais idosos já foi bastante relevante.

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    Não sendo possível determinar, através da base de dados, em que grau a miocardite contribuiu para um desfecho fatal, certo é que das 54 pessoas com mais de 60 anos que desenvolveram esta infecção no coração se contabilizam 24 óbitos. Ou seja, a miocardite associada à covid-19 – que, por estas semanas, tanto tem afligido pais – não causou qualquer morte em idade pediátrica, apresentando uma letalidade de quase 45% nos maiores de 60 anos. No caso dos maiores de 80 anos, então é particularmente grave: dos 18 que sofreram miocardite com covid-19, 12 acabaram por falecer (67%).

    No entanto, uma conclusão se deve retirar: a miocardite é efectivamente um problema, mesmo no quadro dos doentes-covid, bastante raro: no total dos internados, a prevalência foi apenas de 0,15% (81 casos em pouco mais de 54 mil hospitalizações até Maio de 2021), sendo que para os menores de idade foi de 0,7%, mas com uma letalidade de 0% (6 casos em 814 internamentos).

    Se se considerar que até Maio de 2021 tinham sido infectadas cerca de 850 mil pessoas – não contabilizando assintomáticos não detectados por teste PCR –, as miocardites atingiram apenas uma incidência de menos de 10 casos por cada 100.000 infectados de todas as idades.

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    No caso dos doentes que sofreram de síndrome inflamatória multissistémica associada à covid-19 (MISC-C) – com o código M3581 da CDI –, houve mais casos em idade pediátrica, mas também sem mortes. De acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia contabilizam-se 85 doentes com MISC-C – alguns também com miocardites –, dos quais 23 com menos de 18 anos. Apesar de quase todos terem sido internados em cuidados intensivos, para um melhor acompanhamento, mas também sem ventilação mecânica, não houve nenhum óbito. Destes, apenas cinco casos tiveram uma hospitalização superior a duas semanas.

    Uma mulher de 34 anos foi a vítima mais jovem com MISC-C associada à covid-19, tendo-se registado mais três óbitos em quinquagenários: um homem de 51 anos e mais dois de 55 anos. Acima dos 60 anos, embora esta seja também uma afecção rara (52 casos contabilizados nos primeiros 15 meses da pandemia), a MISC-C mostra-se bastante letal: 71% das pessoas acabaram por morrer. Nos maiores de 80 anos a taxa de mortalidade atingiu os 77% (17 óbitos em 22 casos).

    Em suma, sendo bastante raras estas duas afecções associadas à covid-19, em idade pediátrica é incomensuravelmente menos grave – ou seja, sem qualquer óbito – do que em idades adultas e sobretudo em comparação com os mais idosos.

    Apesar destes dados concretos da situação em Portugal, dois consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares divulgaram hoje um parecer onde dão a entender que a miocardite associada à covid-19 constitui uma afecção grave em idade pediátrica, numa tentativa de promover a vacinação de crianças, que ronda actualmente os 50%.

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    Com efeito, neste parecer – intitulado “Vacina para covid-19 em idade pediátrica e lesão cardíaca: o que sabemos” – refere-se, no ponto 2, que “a miocardite associada à covid-19 pode ocorrer em três circunstâncias diferentes: devido à infeção viral, em cerca de 60 casos por 100.000 indivíduos infetados; na doença mais grave, síndrome inflamatória multissistémica por covid-19 (MISC-C ou PIMS) atingindo cerca de 17,3% dos casos; e após vacinação, com uma incidência de 0,5 a 1 caso por 100.000 indivíduos.”

    Porém, os dois autores do parecer – Fátima Pinto, directora de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, e Filipe Macedo, cardiologista do Hospital de São João – não especificam sequer se se referem a prevalências em idade pediátrica ou para toda a população.

    Por outro lado, embora elenquem oito referências bibliográficas, nenhuma se refere a dados específicos de Portugal, não indicando sequer quaisquer dados nacionais sobre miocardites e síndrome inflamatória multissistémica em crianças, jovens, adultos em idade activa e idosos. Esses dados existem, mas a DGS recusa-se a divulga-los.

    Contudo, o PÁGINA UM detectou pelo menos uma incorrecta interpretação dos dois peritos sobre as conclusões do artigo científico por eles citado. Com efeito, no ponto 5 do parecer, Fátima Pinto e Filipe Macedo escrevem taxativamente que “a miocardite por infeção com SARS-CoV-2 sendo cerca de 60 vezes mais frequente, que após a vacinação [sic], pode ter sintomas mais graves, evolução mais prolongada, bem como complicações e sequelas a longo prazo”, acrescentando que “desconhece-se ainda, se existem complicações ou sequelas persistentes”.

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    Na verdade, as conclusões do artigo de investigadores norte-americanos da Universidade de Emory – ainda não revisto pelos pares (peer review), estando apenas publicado no site MedRxiv –, referenciado pelos autores do parecer da DGS, são afinal algo diferentes.

    Sob o título “Comparison of MIS-C related myocarditis, classic viral myocarditis, and covid-19 vaccine related myocarditis in children“, os autores daquela universidade salientam afinal que “comparativamente com os [doentes] que têm miocardite clássica, os que têm miocardite por síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C) tiveram perturbações hematológicas mais significativas e inflamação mais grave em apresentação, mas tiveram melhores resultados clínicos, incluindo rápida recuperação da função cardíaca”, acrescentando ainda que “pacientes com miocardite relacionada com a vacina de covid-19 tiveram uma apresentação clínica semelhante aos pacientes com miocardite clássica, mas o seu padrão de recuperação foi semelhante aos que tiveram síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C), com rápida resolução de sintomas e melhorias na função cardíaca”.

    E finalizam ainda que “o acompanhamento a longo prazo deve focar-se nas consequências cardíacas e não-cardíacas de miocardites associadas à doença e à vacinação de covid-19.” Ou seja, não estabelecem quaisquer considerações sobre distintos efeitos a longo prazo entre vacinados e infectados com covid-19, ao contrário daquilo que os dois consultores da DGS deixam explicitamente transparecer.

    O PÁGINA UM colocou diversas questões sobre estas matérias quer aos dois peritos quer à directora-geral da Saúde, Graça Freitas, pedindo-lhes também esclarecimentos, mas como habitualmente não obteve resposta.

  • Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Signatários dizem “erguer a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”, e assumem honrar e defender a leges artis e a ética da Medicina. O abaixo-assinado surge no dia em que Direcção-Geral da Saúde (DGS) divulga um parecer dúbio sobre o impacte das miocardites em infectados pelo SARS-CoV-2 para reforçar o apelo à vacinação de crianças. O PÁGINA UM apresentará, ainda esta tarde, uma análise detalhada a este parecer da DGS.


    Um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram hoje, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertem que, no caso das crianças saudáveis, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

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    Além disso, salientam que a situação epidemiológica se alterou bastante com o surgimento da “nova variante Ómicron, altamente transmissível, mas menos agressiva que as anteriores, nomeadamente a variante Delta”.

    Como esta variante “é menos patogénica, tem uma menor afinidade para as vias aéreas respiratórias inferiores (…), causando menos pneumonias, menos internamentos, menor letalidade”, destacam ainda. Ou seja, se o risco com as anteriores variantes já era praticamente nula – não morreu nenhuma criança entre os 5 e os 11 anos –, a probabilidade de uma morte de uma criança saudável não vacinada ainda é mais remota.

    Nessa medida, estes especialistas – todos nomeados – concluem que “se identifica um imperativo da suspensão cautelar da vacinação em crianças e jovens, até que se comprove a sua necessidade, benefício e segurança”.

    A preocupação dos especialistas centra-se no facto de já terem sido notificadas ao Infarmed “mais de uma centena de possíveis reacções adversas graves, incluindo síncopes (colapsos), miocardites/pericardites e morte, em crianças e jovens”. Aliás, o abaixo-assinado conclui com um aviso: é imperativo a “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários”.

    Este abaixo-assinado surge no exacto momento em que a Direcção-Geral da Saúde divulgou um parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, assinados por dois consultores desta entidade, Fátima Pinto e Filipe Macedo, este último professor da Faculdade de Medicina do Porto e cardiologista do Hospital de São João.

    O PÁGINA UM já detectou algumas incongruências e aspectos dúbios neste parecer e, durante esta tarde, publicará uma análise circunstanciada, que incluirá dados sobre os casos de internamento por miocardites, por idade, nos primeiros 15 meses da pandemia.

    Artigo com colaboração de Maria Afonso Peixoto

  • Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    A resiliência é uma das melhores características dos enfermeiros, mas o medo das doenças também os atinge. Um estudo minucioso num hospital iraniano avaliou a sua saúde mental durante a pandemia, e apurou que oito em cada 10 enfermeiros desenvolveram algum grau de hipocondria. Em Portugal, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros confirma que a saúde mental destes profissionais está mais fragilizada.


    Como soldados numa frente de guerra, as enfermeiras e enfermeiros estiveram na linha da frente nos hospitais durante a pandemia. Uns mostraram-se resistentes heróis, mas outros também soçobraram e ficaram até hipocondríacos. Um estudo realizado no hospital iraniano de Hazrat Ali Asghar, e publicado na revista BMC Nursing em Novembro passado, avaliou o impacte da avalanche de desafios no pessoal de enfermagem: elevadas cargas horárias, constantes mudanças de protocolos, fadiga e, em muitos casos, um isolamento forçado do seu núcleo familiar, devido ao receio de os infectar.

    Em situações normais, já se sabia que estes profissionais de saúde estavam mais susceptíveis a sofrer stress, problemas mentais e até hipocondria, mas confirmou-se agora que essa propensão piorou na gestão da covid-19.

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    O estudo baseou-se num inquérito a 312 enfermeiros de um hospital de referência no tratamento desta doença, dividido em três partes. A primeira centrava-se nas características pessoais dos enfermeiros, a segunda aferia o seu nível de resiliência e, por fim, a terceira tentava apurar o grau de hipocondria. Para esta última fase foram criados cinco grupos: saudável (sem qualquer hipocondria), hipocondria ambígua (borderline), ligeira, moderada e severa.

    Para surpresa dos investigadores, os valores da hipocondria atingiram níveis elevadíssimos: oito em cada 10 enfermeiros (81,4%) estavam com receio de se infectar, sendo que em mais de metade dos casos esse medo era moderado. De acordo com outras avaliações similares antes da pandemia, citadas pelos investigadores do estudo, os níveis de hipocondria andavam, em geral, entre os 18% e os 45%.

    Por outro lado, e associado à hipocondria, o nível médio de resiliência já se revelou moderado. A capacidade de ser resiliente pode definir-se pelo grau de adaptabilidade e flexibilidade perante situações adversas e de crise.

    Neste aspecto, cerca de metade dos enfermeiros mostrou níveis razoáveis de resiliência. A confiança nos instintos individuais, o nível de instrução, a adaptação à mudança, o sexo, a intensidade de trabalho e até a espiritualidade foram considerados pelos investigadores os factores determinantes para uma maior ou menor resiliência.

    Os enfermeiros mais espirituais detinham, por outro lado, duas a seis vezes menor probabilidade de sofrer de doenças mentais. Já as enfermeiras apresentaram uma maior propensão para a hipocondria. Os investigadores referem que esse facto pode dever-se às dificuldades acrescidas das mulheres em conjugar as responsabilidades do lar e do cuidado dos filhos com o trabalho.

    A pressão e a intensidade também se mostraram relevantes. Os enfermeiros com mais de 20 turnos por mês – que perfaziam 45% do total – e com mais de três pacientes ao seu cuidado, registaram uma menor resiliência e maiores sinais de hipocondria. Mais trabalho e menos tempo com a família foram causas apontadas pelos investigadores para a deterioração do estado mental e emocional.

    Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

    Outro elemento digno de nota foi o nível de educação. Os enfermeiros com mestrado (cerca de 11%) apresentaram níveis mais baixos de hipocondria do que os licenciados. Com frequência, os cargos mais elevados – como de chefes ou supervisores – são ocupados pelos mais instruídos, e assim o facto de esses enfermeiros terem menor contacto directo com doentes pode ter contribuído para um menor stress. Além disso, de acordo com os investigadores, os seus salários mais elevados terão feito sentirem-se mais seguros, aumentando a sua resiliência.

    Por fim, a idade e a experiência também pareceram ser preponderantes. Os enfermeiros mais velhos, e com carreiras mais longas, revelaram maior capacidade de lidar com trabalhos mais complexos. Em todo o caso, em termos globais, o impacte da pandemia atingiu a maioria das equipas de enfermagem, uma vez que os jovens, mais propensos à hipocondria, eram o grupo maioritário neste hospital. Com efeito, a maioria tinha menos de trinta anos.

    Em declarações ao PÁGINA UM, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz que o tema da hipocondria entre a classe nunca “veio à baila” durante a pandemia, mas admite que a saúde mental destes profissionais, sendo já habitualmente frágil, se agravou durante a crise sanitária.

    Segundo Ana Rita Cavaco, antes da pandemia, “um em cada cinco enfermeiros estavam a trabalhar em esgotamento (burnout) e dois terços com grande stress“, situação que se agudizou em 2020. “Os nossos enfermeiros foram os mais expostos, estiveram muito próximos dos doentes”, salienta a bastonária, relevando também as condições económicas e de condições de trabalho que levaram mais de dois mil enfermeiros portugueses a emigrarem nos últimos dois anos.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Milhões gastos em ‘testes à discrição’ davam para quatro anos do Plano de Saúde Gratuito prometido por Moedas

    Milhões gastos em ‘testes à discrição’ davam para quatro anos do Plano de Saúde Gratuito prometido por Moedas

    O município de Lisboa tem decidido pagar testes de antigénio aos residentes e não-residentes da capital – que permite assim que qualquer pessoa possa, no limite, fazer 14 testes por mês –, através da contratação de uma empresa ligada à Associação Nacional de Farmácias. Em apenas dois contratos nos últimos nove meses, o município agora liderado por Carlos Moedas gastou 9 milhões de euros, mais do que todas as outras autarquias juntas gastaram para o mesmo fim. Na capital portuguesa vive 5% da população do país.


    Desde Maio do ano passado, a Câmara Municipal de Lisboa gastou 9 milhões de euros no financiamento de testes de diagnóstico da covid-19, um montante que daria para quatro anos do Plano de Saúde Gratuito prometido por Carlos Moedas aos munícipes carenciados da capital com mais de 65 anos. Ainda sobraria um milhão para financiamento de um ano da Fábrica de Empresas, o hub criativo de startups anunciado pelo novo presidente da autarquia.

    Este gasto foi, até agora, consubstanciado sobretudo em dois contratos, ambos assinados entre a Câmara de Lisboa e a Farminvest – uma empresa pertencente à Associação Nacional de Farmácias –, e que está na base da generalização dos testes gratuitos em farmácias da capital.

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    Estratégia de testagem massiva em Lisboa não encontra paralelo em outro qualquer município.

    Os detalhes dos contratos com a Farminvest, sempre por ajuste directo – ou seja, sem qualquer concorrência nem avaliação de preços de mercado –, não estão ainda sequer no Portal BASE, mas a atender a outro contrato similar concretizado entre aquela empresa e o Instituto de Administração da Saúde da Madeira, cada teste de antigénio deverá ter custado 15 euros.

    Este é, aliás, o valor máximo fixado numa portaria do secretário de Estado da Saúde, Diogo Serra Lopes, em 3 de Dezembro passado. O Estado português garante, em qualquer região, a comparticipação integral de quatro testes por mês a cada pessoa.

    O primeiro contrato, assinado em 26 de Maio, ainda no tempo de Fernando Medina à frente dos destinos da edilidade lisboeta, a Farminveste recebeu 5.699.885 euros, para garantir testes gratuitos aos munícipes durante seis meses em farmácias aderentes.

    Na quarta-feira passada, dia 19, foi concretizado um novo contrato, desta vez com o valor de 3.225.000 euros e uma duração de 120 dias, ou seja, até meados de Maio.

    Em termos globais, significa que a Câmara Municipal de Lisboa gastará, nos 300 dias dos dois contratos, uma média diária de quase 30 mil euros.

    Recorde-se que a Câmara Municipal de Lisboa decidiu reforçar a “comparticipação” – leia-se, pagamento integral – de testes rápidos de antigénio na rede de farmácias aderentes da Associação Nacional das Farmácias, para além dos quatro testes mensais suportados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). E alargou também esse “direito” aos não-residentes. Cada pessoa poderá fazer um teste a cada três dias, o que tem vindo a ser utilizado massivamente sobretudo por jovens na sexta-feira, com ajuntamentos à porta destes estabelecimentos. No limite, qualquer pessoa em Lisboa consegue assim fazer 14 testes de antigénio por mês.

    Esta estratégia de testagem massiva em Lisboa é ímpar a nível nacional. Embora desde o início da pandemia se contabilizem dezenas de autarquias que optaram por reforçar a comparticipação do SNS, pagando testes à população, a edilidade da capital portuguesa tem-se esmerado e destacado, oferecendo testes “à discrição”.

    Gastos totais e per capita nos 10 municípios com maior despesas em contratos de testes de diagnóstico da covid-19

    Contabilizando todos os contratos para a realização de testes PCR e de antigénio (rápidos), incluindo compra de reagentes, constantes no Portal BASE, o PÁGINA UM apurou que 59 Câmaras Municipais gastaram já 16.486.928 euros, sendo que a autarquia de Lisboa foi responsável por quase 55% do total.

    A autarquia de Cascais – que tem sido uma das que mais tem gastado na luta contra a covid-19 – pagou 1.925.730 euros em testes de diagnóstico à presença do SARS-CoV-2, enquanto a autarquia do Porto despendeu 1.032.400 euros. Em montantes menos elevados, acima dos 100.000 euros (mas inferiores a 400.000 euros) encontram-se mais 11 autarquias: Albufeira, Amadora, Oeiras, Loulé, Braga, Vila Nova de Gaia, Vizela, Guimarães, Vila Franca de Xira, Loures e Castelo Branco).

    Em termos relativos, o gasto da autarquia alfacinha também se salienta em comparação com as demais autarquias, caso se se considere a população de cada concelho, de acordo com os recentes Censos do ano passado. Com efeito, no lote das 10 autarquias que mais gastaram em contratos para testagem desde o início da pandemia, a autarquia de Lisboa pagou 16,5 euros por cada um dos seus 545.923 munícipes, quase o dobro da segunda mais gastadora, Cascais (9,0 euros). O Porto despendeu, até agora, 4,5 euros por munícipe e Vila Nova de Gaia – o terceiro mais populoso concelho do país – nem chega ao um euro por munícipe (74 cêntimos).

    Note-se que a autarquia de Sintra, a segunda do país com mais população, não consta da lista de adjudicante em contratos de testes, havendo apenas contratos feitos pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento destinados ao rastreio de funcionários.