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  • Infecções respiratórias em alta e urgências entupidas, mas DGS nada diz porque não é covid-19

    Infecções respiratórias em alta e urgências entupidas, mas DGS nada diz porque não é covid-19

    A “normalidade” sanitária quase reapareceu com a Guerra da Ucrânia e um boletim semanal minimalistas sobre a covid-19. Mas essa “normalidade” está a significar, basicamente, o retorno às urgências entupidas com o Governo e as autoridades de saúde a assobiar para o ar. Os valores totais da procura por cuidados médicos nos hospitais estão em valores máximos dos últimos seis anos. E não são só falsas urgências, porque os casos graves estão em alta. Os indicadores mostram, aliás, que a saúde geral dos portugueses anda presa por arames.


    Tempos de espera superiores a seis horas. Este era o cenário ontem à noite das urgências nos hospitais de Almada e Vila Franca de Xira para doentes de menor gravidade. Este tem sido o cenário cada vez mais habitual nos hospitais portugueses que têm estado a retomam à “normalidade” pré-pandemia, paradoxalmente mais caótica do que durante a pandemia.

    Com os casos de covid-19 a desaparecerem do espaço público e mediático – com a guerra da Ucrânia a dominar a comunicação social e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) a limitar a informação a um boletim semanal minimalista –, os portugueses aparentam estar a “redescobrir” que estão doentes. E que existem hospitais.

    person with band aid on middle finger

    Resultado: na última semana, uma “avalanche” de idas às urgências está a entupir muitos hospitais que estão também a ser invadidos por doentes com infecções não-covid, incluindo casos de gripe.

    De acordo com o levantamento realizado pelo PÁGINA UM, na semana de 15 a 21 de Março deste ano registaram-se 131.507 visitas às urgências hospitalares, uma média diária próxima dos 19 mil pessoas. No dia 21 ultrapassou-se, pela primeira vez desde a chegada do SARS-CoV-2 ao território português, a fasquia dos 20 mil episódios de urgência.

    Na verdade, embora as autoridades de Saúde tenham sempre tentado criar uma ideia contrária, o período pandémico acabou por retirar bastante pressão hospitalar, sobretudo nos serviços de urgência. A média diária em 2020 – logo no início da pandemia – e em 2021 na semana de 15 a 21 de Março foi, respectivamente, de 10.802 e 7.052 doentes.

    Somatório dos episódios de urgências no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Nos três anos anteriores à pandemia, para o período referido, a afluência era muito maior do que em 2020 e 2021, mas bastante inferior à do presente ano. Em comparação entre 2017 e 2019, o actual fluxo de idas às urgências regista um acréscimo que ronda os 12%.

    Mas existe um outro factor de preocupação. Ao invés de se observar uma tendência decrescente na procura de ajuda hospitalar com a entrada da Primavera, este ano observa-se uma tendência em contra-ciclo.

    Poder-se-ia pensar que advém de uma maior sensação de segurança para se correr aos hospitais, derivada da perda de mediatismo em redor da covid-19, mas existem outros sinais, a começar pelo ressurgimento em força de outras infecções respiratórias, incluindo a gripe. O vírus da influenza esteve, aliás, “incógnito” durante mais de um ano, a tal ponto que uma gripe se tornou quase doença rara no SNS.

    Segundo os dados de monitorização do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde 2017, a recente semana de 15-21 de Março foi aquela com maior número de registos de infecções respiratórias não-gripais ou não-covid: 7.613. São valores acima daqueles que se encontram antes da pandemia, e supera largamente os casos contabilizados no período homólogo de 2020 e 2021: no ano passado registaram-se apenas 1.135 casos; em 2020 somente 3.788. A gripe, por sua vez, foi identificada em 602 casos que chegaram ao SNS; no ano passado, em período homólogo, foi apenas um.

    Em suma, aparentemente desapareceu o SARS-Cov-2, mas reaparecerem todos os outros vírus e também bactérias que afligiam antes os seres humanos. Por onde andavam, a Ciência tratará de responder.

    Somatório dos casos registados de gripe e de outras infecções respiratórias no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Certo é que, sobre esta matéria, a DGS mantém-se em silêncio, e não se encontra qualquer despacho ou informação relevante no seu site sobre quais os agentes infecciosos responsáveis. Os dados do SNS revelam apenas que a gripe reapareceu, após dois anos “escondida”: entre 15 e 21 de Março último contabilizaram-se 602 casos de gripe, valores mesmo assim em linha expectável com o esperado em anos anteriores ao surgimento do SARS-CoV-2.

    Não se julgue, porém, que a subida nos números de urgência se deva sobretudo à crónica postura dos portugueses em recorrerem aos hospitais por qualquer motivo. Sendo certo que apenas 2,5% das idas às urgências na semana de 15-21 de Março de 2022 resultaram em internamento, o número de casos mais graves (emergência, muito urgente e urgente) é bastante elevado.

    De facto, considerando a Triagem de Manchester, no período em análise deste ano contabilizaram-se 62.445 doentes triados nas urgências, dos quais 376 com pulseira vermelha (emergência), 11.069 com pulseira laranja (muito urgente) e 51.000 com pulseira amarela (urgente). Em termos absolutos, estes valores são os mais elevados face ao período homólogo entre 2017 e 2021.

    Indicadores de urgência hospitalar no período de 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Este cenário indicia sobretudo que o estado de saúde geral dos portugueses é deplorável no “rescaldo” da pandemia. Recorde-se que nos últimos dois anos registou-se um excesso de mortalidade da ordem dos 27 mil óbitos, sendo Portugal o país da Europa Ocidental com saldo mais desfavorável em comparação com os cinco anos anteriores à pandemia.

    Ora, aparentemente, essa sangria populacional, que “sacrificou” os mais vulneráveis, afinal nem trouxe qualquer “robustecimento” na saúde geral. Pelo contrário, observando-se agora mais pessoas a necessitarem de atendimento médico urgente – e com menos população idosa –, uma triste conclusão terá de se retirar: a gestão da pandemia e a estratégia governamental de suspender muitos serviços médicos nos últimos dois anos deixou muitas mazelas aos “sobreviventes”.

    Uma população com a saúde “presa por arames”. As urgências, agora, que o digam.

  • Ontem foi o dia com mais urgências hospitalares desde 26 de Dezembro de 2019

    Ontem foi o dia com mais urgências hospitalares desde 26 de Dezembro de 2019

    notícia actualizada e desenvolvida AQUI.


    A pandemia parece estar no seu epílogo, mas as outras doenças não estão a dar tréguas aos portugueses.

    Durante o dia de ontem, 21 de Março, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) atenderam 20.742 doentes nas urgência, um valor nunca visto durante toda a pandemia da covid-19. É preciso recuar ao dia seguinte do Natal de 2019 para se encontrar um valor a superar a fasquia dos 20 mil e mais elevado: em 26 de Dezembro daquele ano, as urgências atingiram os 21.209 atendimentos.

    Raramente em Portugal se observam valores acima dos 20 mil serviços de urgência, algo que ocorre em períodos críticos do Inverno (e especialmente logo após o dia de Natal) ou quando ocorrem ondas de calor no Verão, como sucedeu em 7 de Agosto de 2018. Desde que existem registos diários (a partir de 2017), nunca houve nenhum dia de Primavera com tantas urgências.

    Evolução dos episódios de urgência desde 1 de Novembro de 2016 até 21 de Março de 2022. Fonte: SNS.

    Pela evolução mais recente, o máximo atingido ontem indicia um agravamento do estado geral da população portuguesa, pese embora a elevada mortandade dos últimos dois anos. Analisando o período de 15-21 de Março deste ano, com um total de 62.445 atendimentos em urgência, constata-se que representa um acréscimo de 74% face ao ano passado e de 166% em comparação com 2020.

    Saliente-se que há exactamente dois anos Portugal vivia uma onda de pânico no decurso da declaração do primeiro estado de emergência pelo presidente da República que mais não fez que provocar uma literal fuga aos hospitais. Curiosamente, o dia 21 de Março de 2020 foi aquele com o mais baixo número de urgências no SNS desde que existem registos diários: somente 5.883 atendimentos, ou seja, 28% do valor alcançado ontem.

    Somatório dos episódios de urgências no período 15-21 de Março entre 2017 e 2022. Fonte: SNS

    Estes dados constam do Sistema de Monitorização dos Serviços de Urgência, que estão a ser analisados pelo PÁGINA UM, que amanhã em detalhe uma situação que deveria merece especial atenção das autoridades de saúde, tanto mais que se está a observar um incremento preocupantes das infecções respiratórias não-covid nas últimas semanas.

  • Como convencer um povo pouco adepto das vacinas a vacinar-se agora?

    Como convencer um povo pouco adepto das vacinas a vacinar-se agora?

    A Ucrânia é um dos países europeus com mais baixas taxas de vacinação. Não apenas contra a covid-19, mas contra praticamente todas as outras doenças com imunizantes de eficácia histórica comprovada, por razões socio-económicas, por via dos conflitos internos e com a Rússia, e ainda pela influência dos movimentos anti-vacinas. A Direcção-Geral da Saúde publicou agora uma norma com um plano para vacinar os refugiados ucranianos, mas nem os cita. E nem diz como vai convencer um povo pouco atreito a “picas”.


    É tema quase tabu, sensível e manejado com pinças. No (quase) epílogo de dois anos de fortes restrições, muitas das quais polémicas e ainda em vigor, para controlo da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, a Direcção-Geral da Saúde está agora perante um problema bicudo: controlar eventuais surtos de sarampo, poliomielite e tuberculose, além da própria covid-19, provenientes dos refugiados da Ucrânia.

    O problema é real, mas muito sensível do ponto de vista político e social, tanto assim que a palavra “Ucrânia” e “ucranianos” não consta na norma que a DGS fez sair discretamente, no sábado passado, sobre “vacinação de cidadãos estrangeiros no contexto de protecção temporária”.

    Refugiados ucranianos num centro de refugiados junto à fronteira polaca.

    A norma homologada por Graça Freitas refere apenas que “Portugal tem vindo a receber milhares de pessoas provenientes de países em conflito armado ou noutras situações muito desfavoráveis”, acrescentando que “uma das prioridades à chegada desses cidadãos”, nunca citando a nacionalidade, “é a vacinação”.

    Não os citando, porém, na prática esta norma visa implementar com urgência um plano para maximizar a inoculação em refugiados provenientes da Ucrânia com vacinas contra a covid-19, a gripe, o sarampo, a poliomielite e a tuberculose. E a razão é simples: a DGS, tal como outras congéneres europeias, teme surtos já há muito não vistos na Europa mais modernizada.

    O assunto é melindroso, mas já debatido de forma pela comunidade científica, como se observa por um artigo de investigadores italianos publicado na semana passado na Lancet.

    No caso da covid-19, sabia-se já que a situação ucraniana em finais de Fevereiro passado era de grande atraso no programa de vacinação, com apenas 34,5% da sua população com dose duplas. E naquele mês, a Ucrânia estava ainda a atravessar um surto, com 240 óbitos diários – equivalente a cerca de 55 mortes em Portugal –, aquando do início das hostilidades.

    Porém, o problema sanitário naquele país – e em consequência dos refugiados ucranianos – assume uma maior dimensão, e decorre em parte do atraso histórico de desenvolvimento, mas também muito dos conflitos internos iniciados em 2014.

    Há ainda outro factor delicado: por razões variadas, os ucranianos não são indefectíveis adeptos das vacinas. Não só daquela contra a covid-19, mas de todas. E por esses e outros motivos estão na cauda da Europa em muitos indicadores de saúde.

    Desde a desagregação da União Soviética, a Ucrânia tem sofrido um dramático decréscimo das condições de vida da sua população, agravado pelos conflitos a leste do país e a uma emigração massiva.

    A consequência mais visível foi uma brutal redução populacional, passando de quase 52 milhões de habitantes em 1991 para apenas 42 milhões no final da década passada. O número de nascimentos diminuiu de 641 mil, em 1991, para um pouco menos de 364 mil em 2017.

    Colocado na 40ª posição a nível europeu no Índice de Desenvolvimento Humano, e no lugar 74 à escala mundial, a Ucrânia enfrentava já uma crise humanitária atingindo cinco milhões de pessoas, das quais 3,8 milhões a precisar de serviços de saúde de emergência, de acordo com o Escritório Regional para a Europa da Organização Mundial da Saúde (OMS-ERE). A taxa de mortalidade infantil é ainda extremamente elevada: 8,1 óbitos por 1.000 nascimentos, mais de três vezes superior à portuguesa (2,4).

    O sarampo é hoje ainda endémico na Ucrânia, causada por bolsas de não-vacinados.

    Em 2012 um surto atingiu cerca de 12 mil pessoas, e mais tarde um ainda mais grave, iniciado em 2017 e que se prolongou por até 2020, afectou mais de 115.000 pessoas, tendo causado a morte de 41, incluindo 25 crianças.
    Este foi considerado um dos maiores surtos na Europa desde o início do presente século.

    Uma das regiões mais atingida foi Chernivtsi, no sudoeste da Ucrânia, próximo da Roménia, com 6.427 casos, dos quais dois terços eram crianças. De entre os doentes, 63% não estavam vacinados.

    Num artigo científico publicado em 2019 por Roman Rodyna, vice-director do Departamento de Vigilância Epidemiológica do Centro de Saúde Pública da Ucrânia, são apontadas as causas: a taxa de vacinação “diminuiu significativamente, durante o período 2008-2016, passando de 96% para 45%, devido a problemas na aquisição de vacinas no país e a campanhas de antivacinação”. Em 2016, apenas 31% das crianças elegíveis tinham sido vacinadas contra o sarampo, a papeira e a rubéola.

    Outro problema é a tuberculose. Há cerca de um ano, a OMS-ERE alertava que, embora em tendência decrescente, a incidência de tuberculose na Ucrânia era ainda de 42,2 casos por 100.000 habitantes, isto é, três vezes superior à de Portugal (14,2 casos).

    Direcção-Geral da Saúde tem novo e espinhoso desafio.

    O organismo internacional estimava que em 2018, entre os casos confirmados bacteriologicamente na Ucrânia, 6.900 pessoas tinham tido tuberculose resistente a medicamentos, representando 29% dos novos pacientes e 46% dos doentes previamente tratados. Essas taxas eram consideradas “altas” em comparação com outros países do leste europeu.

    Os dados mais recentes disponíveis mostram que a taxa de vacinação na Ucrânia com uma dose da vacina Bacillus Calmette-Guérin (BCG) foi de 75% em 2016, subindo para os 84% em 2017, ainda aquém dos níveis recomendados pela OMS (90%).

    As taxas de vacinação na Ucrânia contra outras doenças transmissíveis também são genericamente baixas ou mesmo muito baixas, sobretudo no decurso dos conflitos no leste da Ucrânia, na região de Donbass.

    De acordo com um artigo de investigadores do Departamento de Pediatria da Universidade ucraniana de Samy, em 2016 apenas 3% das crianças daquele país foram vacinadas contra a difteria, tosse convulsa e tétano durante os dois primeiros anos de vida.

    Também somente 44% das crianças menores de 18 meses de idade foram totalmente imunizadas contra a poliomielite.

    Por fim, a percentagem de bebés que receberam a vacinação completa contra o Haemophilus influenzae tipo b – causadora de graves infecções como a pneumonia e a meningite em crianças – também sofreu uma drástica diminuição com os conflitos iniciados há oito anos. Em 2013 a cobertura vacinal era de 83% e caiu para apenas 39% quatro anos mais tarde.

  • Antigos bastonários da Ordem dos Médicos não poupam (agora) críticas à Direcção-Geral da Saúde

    Antigos bastonários da Ordem dos Médicos não poupam (agora) críticas à Direcção-Geral da Saúde

    Num debate organizado pela Cidadania XXI, na passada quarta-feira, Germano de Sousa e José Manuel Silva criticaram papel da Direcção-Geral da Saúde sobre a gestão da pandemia, e nem sequer se furtaram a abordar o tema dos processos intentados pela Ordem dos Médicos que já lideraram.


    José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual presidente da autarquia de Coimbra, acusa a Direcção-Geral da Saúde (DGS) de se ter “transformado num órgão político” em vez de funcionar “um órgão exclusivamente técnico, como era suposto”.

    Num debate realizado na passada semana em Lisboa, o também antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, e que ocupou ainda o cargo de pró-reitor da Universidade de Coimbra, lamentou ainda que “muitas das decisões [no âmbito da gestão da pandemia] foram baseadas em política e não em evidência científica“, por via de uma demasiada centralização.

    Neste debate em torno da gestão da pandemia, promovido pela Cidadania XXI, outro antigo bastonário, Germano de Sousa, salientou a “impreparação indiscutível do Estado português para fazer face a esta epidemia”, exemplificando com o caso dos testes PCR e de antigénio, onde foram os laboratórios privados que os asseguraram.

    Debate da Cidadania XXI com a presença de Germano de Sousa (ao centro) e José Manuel Silva (à direita), com moderação de Carlos Alberto Gomes, colaborador do PÁGINA UM (à esquerda)

    Um dos aspectos que ambos os bastonários consideraram marcante ao longo dos dois anos da pandemia foi o medo, vindo desde o início com a chegada da covid-19 à Europa. Para José Manuel Silva, instalou-se, injustificadamente, “um clima de pânico, e houve uma dramatização excessiva com as imagens vindas de Itália“. E salientou ainda alguns erros iniciais, mesmo terapêuticos, que levaram a uma maior letalidade inicial da doença.

    Na sua opinião, houve algum “experimentalismo terapêutico“, evidenciado, por exemplo, na ventilação quase universal dos doentes, independentemente da idade. Recorde-se que, nos primeiros meses, mesmo idosos foram ventilados em unidades de cuidados intensivos, uma prática que se reveliu fatal e se modificou ao longo do tempo.

    Para agravar a sensação de medo e pânico na sociedade, a DGS e a comunicação social também deram um importante contributo, segundo estes dois antigos bastonários. José Manuel Silva considerou que as estatísticas oficiais da covid-19 foram divulgadas com o intuito de “fomentar o medo da população”, mas o seu maior impacte social deveu-se muito à falta de “cultura médica” da população quando essa informação chegava pelos media.

    person lying on bed and another person standing

    Germano de Sousa qualificou mesmo a cobertura da pandemia pela imprensa como “chocante“. “Eu abria a televisão e via o Rodrigo Guedes de Carvalho a contar-nos histórias arrepiantes, mudava de canal e era la même chose“, afirmou. “Eu percebo que tenha dado para vender jornais, se eu fosse dono de uma empresa de televisão se calhar também tinha feito o mesmo, mas criou-se um ambiente terrível“, lamentou.

    A utilidade da testagem massiva da população, defendida como medida central no controlo da pandemia, também foi posta em causa por estes antigos líderes dos médicos portugueses. Germano de Sousa defendeu que este método só faz sentido “se for possível controlar e isolar os infectados“, algo que nem sempre foi possível. “Na verdade, gostava que me explicassem se [a testagem massiva] serviu de alguma coisa“, reforçou.

    No entanto, convém referir que Germano de Sousa é fundador e administrador de um dos principais laboratórios de diagnóstico e análises clínicas de Portugal. Conforme o PÁGINA UM revelou, no primeiro ano da pandemia, em 2020, e muito em virtude dos testes para a covid-19, a sua empresa apresentou um lucro de 31,1 milhões de euros, cerca de quatro vezes mais do que no ano anterior.

    Sobre a eficácia dos testes como opção adequada para diagnóstico da covid-19, José Manuel Silva também salientou a polémica em redor dos ciclos de amplificação nos testes PCR. Este antigo bastonário revelou ter chegado a pedir que lhe fosse indicado o número de ciclos utilizados, mas ter-lhe-ão dito que “os médicos não sabiam interpretar essa informação“.

    José Manuel Silva considerou que o problema dos testes positivos não se circunscreveu ao diagnóstico, mas também à própria gestão hospitalar ou das pessoas em quarentena. “Houve casos de pessoas já recuperadas, mas que continuaram isoladas ou internadas, porque tinham ainda testes positivo; e isso quando já existia evidência científica de que um resultado positivo não significava que a pessoa tivesse material genético viável ou que contagiasse“, salientou.

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    A polémica vacinação de crianças para a covid-19 – que motivou, no final de Janeiro passado, um abaixo-assinado por 27 médicos a pedir a suspensão imediata da inoculação de jovens e crianças – foi considerada “desnecessária“ por estes dois ex-bastonários.

    Germano de Sousa considerou ser “inaceitável, do ponto de vista deontológico, vacinar crianças para proteger os mais velhos“, isto mesmo sabendo-se que o programa de vacinação não concederia qualquer imunidade de grupo.

    Além disto, José Manuel Silva reforçou que, aquando da decisão da DGS, “não havia evidência científica de que vacinar os mais novos mudasse o curso da pandemia“.

    Para a insistência em se vacinarem crianças, o também presidente da Câmara de Coimbra lamentou que a DGS seja, em Portugal, “uma entidade de saúde que se limita a imitar com atraso o que os outros países determinam“. E advoga ainda que os portugueses deviam estar já a fazer uma vida normal desde Setembro – mês em que se atingiu uma cobertura vacinal de 84% da população –, lamentando a lentidão no alívio das restrições.

    Também em debate esteve a actuação da Ordem dos Médicos durante a pandemia, com Miguel Guimarães como bastonário, pautada pela abertura de diversos processos disciplinares a médicos, entre os quais Fernando Nobre, fundador da AMI e antigo candidato a presidente da República. Sobre este ponto, Germano de Sousa frisou que, por princípio, “não se deve punir ninguém por delitos de opinião“.

    Por sua vez, José Manuel Silva posicionou-se contra qualquer “unanimismos“, defendendo que a Ordem dos Médicos “deve promover o debate sem receios“, pese embora se tenha de cumprir a “leges artis” (métodos e procedimentos, comprovados pela ciência médica), que a “liberdade não é total”.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • CADA diz haver manifesto “interesse público” em conhecer segurança das vacinas e Infarmed tem de abrir base de dados ao PÁGINA UM

    CADA diz haver manifesto “interesse público” em conhecer segurança das vacinas e Infarmed tem de abrir base de dados ao PÁGINA UM

    Um novo parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) concede direito ao PÁGINA UM em conhecer dados brutos sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o uso do remdesivir, o polémico antiviral usado em doentes-covid, desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde mas “apadrinhado” por especialistas com ligações à farmacêutica Gilead. Infarmed não queria dar acesso, alegando que essa informação não se destina a “conhecimento público” e que pode haver “alarme social”.


    Apesar das tentativas do presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, em convencer a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) de que os jornalistas são “não-especialistas” com “um elevado potencial para criar alarme social totalmente desnecessário e infundado”, esta entidade que regula os medicamentos terá mesmo de disponibilizar a base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, bem como do fármaco remdesivir, um antiviral produzido pela farmacêutica Gilead.

    O parecer da CADA, aprovado por unanimidade na passada semana, vem no seguimento de duas queixas independentes apresentadas pelo PÁGINA UM após a recusa tácita de pedidos de acesso ao Portal RAM no início de Dezembro.

    blue and white plastic bottle

    No caso dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, o PÁGINA UM não pretendia apenas consultar os habituais relatórios de farmacovigilância – cuja informação é “filtrada” e omite dados fundamentais –, mas sobretudo ter “acesso à base de dados [Portal RAM] e/ou a outros quaisquer documentos administrativos” que servissem para a elaboração daqueles relatórios públicos.

    Além disso, pretendia-se conhecer, em maior detalhe, os efeitos adversos estratificados por idades e também os critérios para classificação do grau de gravidade desses efeitos. Saliente-se que se ignora ainda quais os critérios usados pelo Infarmed para validar, de forma inequívoca, a associação entre uma morte e a toma da vacina contra a covid-19.

    Em relação ao remdesivir – um medicamento polémico que custou ao Estado português cerca de 20 milhões de euros, e cujos efeitos benéficos são considerados nulos, apesar do apoio de vários especialistas com ligações à Gilead –, o PÁGINA UM pretendia conhecer com detalhe todos os efeitos adversos reportados desde a sua utilização em doentes-covid a partir de Novembro de 2020.

    Em carta enviada à CADA, no âmbito do processo aberto após a queixa do PÁGINA UM, o Infarmed alegou que, apesar de estarmos perante questões de Saúde Pública e de saúde individual, “o Portal RAM não serve afinal propósitos públicos”.

    Rui dos Santos Ivo, actual presidente do Infarmed – que tem “saltitado”, no seu percurso profissional, entre a indústria farmacêutica e a regulação do sector dos medicamentos – alegou que os dados constantes no Portal RAM “não se destinam a ser disponibilizados para conhecimento público”, e que “o seu eventual fornecimento”, mesmo se fossem dados parciais, ocultando-se dados nominativos (que não existem, na realidade), redundaria num “risco de poderem ser analisados por não-especialistas”.

    [O autor desta notícia, e director do PÁGINA UM, tem formação na área do tratamento de dados e é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    À direita, Rui dos Santos Ivo, presidente do Infarmed, em descontraída entrevista em Setembro do ano passado, para o portal da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), na qual já foi director executivo (2008-2011). À esquerda André Macedo, antigo jornalista e ex-director-adjunto da RTP e que agora trabalha numa agência de comunicação.

    Na opinião deste responsável – que considerará, certamente, que ninguém mais do que a indústria farmacêutica e os reguladores entenderão ou saberão tratar dados médicos e estatísticos –, como o acesso a estes dados por supostos “não-especialistas” teria “um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”, defendeu junto da CADA que não deveria ser fornecido o acesso.

    A CADA, porém, considerou que “a informação solicitada” ao Infarmed pelo PÁGINA UM constitui mesmo “documentos administrativos”, e que, conforme fora feito o pedido, não era possível identificar pessoas. Com efeito, o PÁGINA UM solicitou, em concreto, que pretendia, tanto para as vacinas como para o remdesivir, uma “lista de reacções adversas (A, B, C, etc.) do indivíduo 1, 2, 3, etc. (…) de sexo determinado em datas elencadas após a toma de um medicamento concreto”. Ou seja, dados perfeitamente anonimizados.

    Primeira página do parecer da CADA.

    No seu parecer, a CADA informa o Infarmed dum aspecto óbvio em democracia: “as entidades não podem limitar o acesso com base no receio de alguma deturpação que possa ser feita”.

    E acrescenta ainda que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina [contra a covid-19] é, por conseguinte, manifesto”.

    Nessa medida, a CADA salienta que o Infarmed deverá facultar o acesso à informação solicitada pelo PÁGINA UM, “independentemente do suporte em que se encontre (…), expurgada dos elementos que por si ou conjugadamente permitam relacionar os dados de saúde a pessoas concretas”.

    Como a CADA considera, mesmo assim, que possa existir um volume de dados muito elevado – por exemplo, o último relatório do Infarmed sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19, datado de 28 de Fevereiro passado, reporta a ocorrência de 22.927 reacções adversas –, o Infarmed tem a possibilidade de prorrogar o prazo “até ao máximo de dois meses”.

    Contudo, do ponto de vista técnico não há justificação para tal, uma vez que o Portal RAM permite descarregar a informação em formato compatível para tratamento estatístico de forma imediata.

    Na verdade, apenas uma razão política pode justificar o protelamento por parte do Infarmed. Ou uma recusa, o que levaria necessariamente a uma intimação junto do Tribunal Administrativo, mas que constituiria uma forte suspeita de algo de muito grave estar a ser escondido. Tanto no caso das vacinas como do remdesivir.

  • Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Excesso de mortes em crianças norte-americanas foi afinal um erro informático

    Organismo norte-americano que faz gestão da covid-19 corrigiu número de óbitos, que caíram em todos os grupos etários, mas especialmente nas idades pediátricas. Porém, desde o início do ano, os números alarmantes de supostos internamentos e mortes de menores nos Estados Unidos fizeram parte da campanha comunicacional para convencer pais a vacinarem as crianças contra a covid-19.


    Um alegado erro informático “limpou” mais de 72 mil mortes indevidamente atribuídas à covid-19 em 26 estados norte-americanos, incluindo 416 óbitos em crianças, admitiu ontem o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o organismo federal que supervisiona a gestão da pandemia naquele país da América do Norte. A justificação do CDC, apresentada em comunicado à agência Reuters, remete para “ajustes de mortalidade do Covid Data Tracker em 14 de Março, porque o algoritmo estava contando acidentalmente mortes que não estavam, relacionadas com a covid-19”.

    A correcção administrativa das mortes atribuídas à covid-19 atingiu todas as faixas etárias, mas no caso dos menores de 18 anos a redução foi de 24%, passando de 1.757 óbitos para 1.341.

    four children standing on dirt during daytime

    Tendo em conta que a população menor de idade nos Estados Unidos ronda os 74 milhões (22,3% do total), segundo o United States Census Bureau, o número de mortes nesta faixa etária é o equivalente a 31 óbitos em Portugal para o grupo homólogo.

    Recorde-se que, em Portugal, apenas se registaram até ao momento a morte de quatro menores de idade, todos com graves comorbilidades. E saliente-se também que os Estados Unidos tem sido um dos países desenvolvidos que mostra maiores disparidades sociais em termos de impacte da covid-19, com a incidência da hospitalização a ser quatro vezes superior na população negra adulta em comparação com a população branca.

    O jornal digital Washington Examiner, de postura política conservadora, adiantou, entretanto, que a Covid Data Tracker empolou sobretudo as mortes de menores nas primeiras semanas de 2022, numa altura em que se intensificavam os programas de vacinação. Muitos órgãos de comunicação social, também em Portugal, foram aliás lestos a divulgar uma onda de internamentos de crianças nos Estados Unidos, que aparenta agora ter sido falsa.

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    Uma notícia da Agência Lusa no início de Janeiro, reportando o internamento de “cerca de 1.000 crianças” norte-americanas num só dia, teve eco, por exemplo, no Diário de Notícias, no Observador e na SIC.

    Com um título mais alarmante, o canal televisivo da Impresa noticiaria, em 17 de Janeiro, que a Ómicron seria a responsável por aquela situação.

    Ainda recentemente, na edição de 11 de Março, o jornal britânico The Guardian relatava que “um terço de todas as mortes infantis” por covid-19 nos Estados Unidos tinham ocorrido durante o surto da Ómicron. Fazia crer assim que esta variante, claramente menos letal para a população mais vulnerável, poderia ser afinal mais perigosa para crianças e adolescentes.

    Algo que, com a correcção do CDC, mostrou ser falso. O jornal do Reino Unido viria mesmo a rectificar a notícia original anteontem, passando a titular que afinal, em vez de um terço (33%) das mortes era “um quinto” (20%), anotando também que o erro da notícia se devera a “um erro de codificação” do CDC.

    Apesar do alarmismo em redor da covid-19 em idade pediátrica, o impacte efectivo neste grupo populacional é irrelevante no ponto de vista da saúde pública. De acordo com dados do CDC, os menores de 5 anos representam 6% da população e apenas constituem 0,1% dos óbitos causados pela pandemia, o que contrasta com a situação dos maiores de 85 anos: são apenas 2% da população dos Estados Unidos, mas aí se concentraram 26,7% dos óbitos. A população com mais de 65 anos (16,5% do total) registou 75,2% de todas as mortes por covid-19.

    Em Portugal, a mortalidade por covid-19 ainda é mais residual nas faixas etárias inferiores. Os menores de idade representam cerca de 17% da população, e os quatro óbitos registados constituem 0,02% do total. Já a população com mais de 60 anos concentra 95,5% da mortalidade atribuída à covid-19, representando 30% da população.

  • Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Uma nova norma da Direcção-Geral da Saúde procura orientar os profissionais de saúde a identificar e tratar sintomas crónicos decorrentes da covid-19. Porém, tudo cabe no chamado long covid, incluindo pessoas que nunca tiveram teste positivo. E mesmo pessoas que se sentiram mal depois da vacina podem acabar assim diagnosticadas. Seguindo-se esta norma, o SARS-CoV-2 tem, afinal, “costas” tão largas que até pode ser apontado como culpado por suicídios.


    3.380.263 – é este o número oficial de infecções por SARS-CoV-2 que, segundo os dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS), tiveram teste positivo à covid-19 desde o início da pandemia em Portugal, em Março de 2020.

    Também de acordo com a DGS, houve 21.285 mortes atribuídas a esta doença, o que significa que 3.358.978 pessoas com teste positivo tiveram doença (grave ou ligeira) ou foram assintomáticas, e sobreviveram ao SARS-CoV-2.

    De entre essas, e considerando uma taxa de mortalidade mensal em Portugal de 0,01% (12 por 1.000 ao fim de um ano), podemos então estimar que quase 17 mil pessoas terão morrido de outras doenças depois de já terem contraído e recuperado de covid-19 [daqui a 100 anos será praticamente 100%].

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    Em suma, estarão seguramente vivas um pouco mais de 3,3 milhões de portugueses com comprovativo de teste para SARS-Cov-2, independentemente da gravidade.

    Porém, ainda segundo a DGS, o número de pessoas susceptíveis estarem a sofrer de long covid – ou mais prosaicamente condição pós-covid-19 – pode ser até superior a este número. No limite do absurdo, potencialmente poderá haver mais casos de long covid do que de doentes-covid.

    Isto porque uma norma homologada esta quarta-feira pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, determina que o “diagnóstico da condição pós-covid-19 [long covid] é clínico e deve ser considerado quando existe forte suspeita, mesmo na ausência de história de teste para SARS-CoV-2 positivo.”

    Norma da DGS considera possível sintomas de long covid, que inclui depressão, mesmo sem teste positivo ao SARS-Cov-2.

    Ou seja, mesmo pessoas sem conhecimento de terem tido alguma vez covid-19 – nem por teste PCR ou de antigénio nem por teste serológico –, portanto, dois terços da população portuguesa, podem vir a ser diagnosticadas, segundo a norma da DGS, como sofredoras de long covid.

    Para tal bastará que tenham um quadro de sintomatologia muito variado, que vai desde a dispneia súbita ou em repouso, a febre associada a dor torácica com características pleuríticas até toracalgia pleurítica e/ou toracalgia com características de angor, passando ainda por alteração do olfacto e do paladar, alteração do estado de consciência, défices neurológicos focais, cefaleia súbita e intensa, depressão e ansiedade e até mesmo sintomas psiquiátricos graves com risco de suicídio. Tudo pode ser por culpa do SARS-CoV-2.

    Embora a norma da DGS indique formas de despistagem para identificação de sequelas da covid-19 sobretudo pulmonares e cardíacos – com exames complementares de diagnósticos complementares, como eletrocardiogramas, avaliação imagiológica do tórax e provas funcionais respiratórias –, em muitas situações mostrar-se-á algo forçoso atribuir especificamente ao vírus a causa de determinadas perturbações.

    São os casos, por exemplo, dos sintomas psiquiátricos indicados na norma da DGS, como a ansiedade, a depressão, a perturbação do sono ou mesmo a ideação ou a concretização de suicídio.

    Norma inclui teste PHQ-9 para detecção de depressão por long covid.

    No limite, aquilo que a DGS aparenta querer fazer é atribuir um eventual aumento do número de suicídios não como uma consequência da gestão da pandemia e das dificuldades económicas dos portugueses, mas sim apontar um suposto diagnóstico de long covid como uma causa patológica, mesmo em “pacientes” que nunca estiveram doentes com covid-19 ou nem sequer teste positivo apresentaram em qualquer data anterior.

    Por exemplo, de acordo com o Anexo 8 da norma da DGS, que inclui a aplicação do PHQ-9, um teste clínico de diagnóstico de depressão, se alguém tiver alterações de humor compatíveis com um valor entre 15 e 28 – que indicia necessidade de tratamento – pode ser também considerada uma vítima de long covid.

    No absurdo, até sem qualquer histórico de teste positivo. Dependerá somente da decisão clínica do médico.

    Porém, mais estranho ainda nesta norma da DGS é a preocupação em se saber também, através de um detalhado questionário clínico (Anexo 2), informação detalhada sobre o estado vacinal do paciente, inquirindo mesmo quantas doses foram tomadas e qual a marca administrada (Spikevax, Comirnaty, Vaxzevria, Janssen ou outra).

    Nesse inquérito, o paciente apenas será questionado se um eventual agravamento do seu estado de saúde se registou antes da covid-19. Nada se pergunta se a pessoa teve alguma “recaída” após a vacinação.

    Recorde-se que a própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 admitiu que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    Em suma, a DGS mostra nesta norma que não considera relevante uma avaliação sobre eventuais efeitos adversos após a vacinação, mas tão-só busca supostos casos de long covid mesmo em pessoas sem contacto confirmado de covid-19, sejam estas vacinadas ou não. Recorde-se que 91,4% da população portuguesa se encontra vacinada.

  • Cinco dos 12 consultores da DGS discordaram da vacinação universal de adolescentes, mas pais nunca souberam

    Cinco dos 12 consultores da DGS discordaram da vacinação universal de adolescentes, mas pais nunca souberam

    Direcção-Geral da Saúde escondeu discordâncias entre os membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 sobre a vacinação de adolescentes, dando a entender que a opção pela vacinação foi técnica e cientificamente consensual. Não foi. E nem se baseou em dados científicos consolidados. Foi uma opção política, e os pais nunca foram informados.


    No âmbito da estratégia do combate à pandemia, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) justificou a implementação do programa de vacinação em adolescentes, no Verão passado, com base em dois pareceres polémicos que mereceram mesmo a não concordância de cinco dos membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC). Esta situação foi inédita em todos os outros 21 pareceres.

    Na totalidade dos 23 pareceres (vd. lista em baixo), apenas outros dois não mereceram unanimidade, mas apenas por um dos membros, cada: o primeiro, referente à vacinação de maiores de 80 anos; o segundo, sobre a co-administração das vacinas contra a covid-19 e a gripe.

    Destaque-se que as discordâncias nos dois pareceres sobre vacinação de adolescentes, datados em 28 de Julho e em 8 de Agosto do ano passado, foram sempre omitidas pela DGS. Relembre-se que todos os membros, com funções consultivas e publicamente pró-vacinas, foram escolhidos a dedo pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas.

    E nunca constaram da informação dada aos pais com vista ao consentimento informado. Ou seja, os pareceres foram “vendidos” à opinião pública como se houvesse consenso entre peritos. Nunca houve.

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    Recorde-se que estes e os outros 21 pareceres – com excepção do referente às crianças que foi divulgado por pressão política em Dezembro passado – estiveram inacessíveis ao público até esta semana. O PÁGINA UM, após uma longa “luta jurídica” de cerca de cinco meses, conseguiu ter finalmente acesso aos pareceres da CTVC, na sequência de um parecer solicitado à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    No primeiro parecer sobre a vacinação de adolescentes, homologado por Graça Freitas em 28 de Julho, de entre 12 votos da CTVC registaram-se três contra e duas abstenções. Menos de duas semanas mais tarde, em 8 de Agosto registaram-se quatro votos contra e “uma pessoa não votou”.

    Apesar do PÁGINA UM ter solicitado, no âmbito da queixa contra a DGS na CADA, o acesso também às actas da CTVC, estas não foram ainda disponibilizadas. Ontem, o PÁGINA UM questionou a DGS para identificar os membros da CTVC que votaram contra no primeiro e no segundo pareceres, mas não obteve qualquer resposta, apesar do e-mail com essa solicitação ter sido recepcionado por pelo menos cinco técnicos dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), que assessoram a DGS, a saber: Diana Mendes, Diana Cohen, Sandra Bessa, Nélson Guerra e Bruna Cadima.

    Além das discordâncias, aquilo que ressalta nos dois pareceres foi a drástica mudança de conteúdo técnico num tão curto espaço de tempo. Em apenas 11 dias, a opinião da CTVC – longe da unanimidade – passou de uma não recomendação para indivíduos saudáveis – ou seja, apenas para jovens com comorbilidades – para a vacinação universal desta faixa etária.

    Aliás, numa primeira fase, a DGS chegou a anunciar apenas vacinação prioritária para adolescentes com comorbilidade, tendo mesmo divulgado, no dia 3 de Agosto, quais aquelas que deveriam ser consideradas, de acordo com um parecer de pediatras, classificado como confidencial. De entre essas comorbilidades estavam cancro activo, diabetes, obesidade e insuficiência renal crónica.

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    Porém, a DGS mudaria de opinião pouco dias depois, mesmo se apenas sete de entre 12 membros da CTVC tivessem concordado com essa vacinação universal.

    De acordo com a análise comparativa, feita pelo PÁGINA UM, ambos os pareceres reconhecem que a covid-19, como doença, era “ligeira nas crianças e adolescentes, com um risco de hospitalização e de morte extremamente baixo” e que existiam “algumas comorbilidades que colocam as crianças e adolescentes em maior risco”.

    Foi, aliás, nesse sentido que o parecer de 28 de Julho recomendou apenas a vacinação nos casos da existência de comorbilidades ou através de prescrição feita por pediatra.

    O texto dos dois pareceres é similar também quando referem que “está em curso a avaliação de um sinal de segurança pela EMA [Agência Europeia do Medicamento], associado à ocorrência de casos muito raros de miocardite e pericardite após a administração destas vacinas”.

    Sobre essas reacções adversas, os pareceres referem que “não são conhecidos os fatores de risco [que levaram à hospitalização] nem os seus efeitos a médio/longo prazo”. Os técnicos estimavam que “o número de hospitalizações por covid-19 prevenidas é muito próximo do número de miocardites esperadas com a vacinação universal de adolescentes, sobretudo para o sexo masculino”, conforme descrito nos dois pareceres.

    O único argumento substancial que distingue os dois pareceres – e descrito na fundamentação sumária do parecer de 8 de agosto –, diz respeito aos “resultados da vacinação de 15 milhões de adolescentes nos Estados Unidos da América, Israel e União Europeia sem novos alertas de segurança”.

    No extenso capítulo relativo à segurança das vacinas, o segundo parecer acrescenta apenas, relativamente ao primeiro, uma atualização de dados de 30 de julho do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) relativos à vacinação de 8,9 milhões de adolescentes norte-americanos (12-17 anos) onde “foram reportadas 863 reações adversas graves, incluindo 347 episódios de miocardite e 14 mortes (quatro entre os 12 e os 15 anos)”, indicando ainda que “não foram reportados casos de morte em resultado de miocardites, embora os dados sejam preliminares e apresentem limitações”.

    São ainda referenciadas o número de doses de vacinas mRNA administradas a adolescentes (12-18 anos) em 11 países europeus, e é assumido o desconhecimento sobre as reacções adversas. “No decurso da vacinação destas faixas etária na União Europeia, não foram tornados públicos dados adicionais de segurança relativamente à ocorrência de miocardites e pericardites”, refere-se no documento analisado pelo PÁGINA UM.

    Também é indicado igualmente que “está prevista uma nova avaliação deste sinal de segurança pelo PRAC no início do mês de setembro de 2021”. O segundo parecer não refere quaisquer dados sobre Israel que fundamentem a inclusão desse país na lista daqueles utilizados como referência para a decisão. Não houve mais qualquer parecer, de avaliação e actualização, pela CTVC sobre esta matéria.

    Note-se, porém que as razões apresentadas para uma inversão completa das recomendações na vacinação contra a covid-19 na faixa etária dos 12-15 anos parecem carecer de rigor científico e de fundamentação. Os dados norte-americanos não se baseiam em ensaios clínicos estruturados, mas somente de uma avaliação de eventuais reacções adversas de curto prazo eventualmente notificadas após a inoculação em grupos anónimos.

    Os dados referidos relativamente à Europa assumem o total desconhecimento sobre as reações adversas, enquanto a informação israelita é completamente omissa. A análise também subverte uma variável essencial neste tipo de estudos – a idade –, apresentando dados que incluem idades até aos 18 anos, ou seja, fora da faixa etária dos 12 aos 15 anos.

    Em ambos os pareceres, é dedicado um extenso capítulo ao que era conhecido na altura relativamente aos riscos de miocardites e pericardites (inflamações no coração), após a administração de vacinas mRNA. Foram feitas ainda projecções sobre o “impacto da vacinação universal de adolescentes entre os 12 e os 17 anos, num período de 120 dias, em três cenários de incidência, face ao número de miocardites esperadas nestas idades”.

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    Em ambos os pareceres, foram projetados os casos, internamentos e admissões em unidades de cuidados intensivos (UCI) evitados, como também as miocardites, “considerando a taxa de ocorrência registada nos dados publicados nos EUA”. Os quadros servem como base para a análise risco/benefício da recomendação e verifica-se, em ambas as datas (28 de julho e 8 de agosto), que as previsões relativamente aos casos, internamentos e admissões UCI evitadas são iguais.

    No entanto, o número de miocardites esperadas é superior no parecer de 8 de agosto (24,5) face ao previsto a 28 de julho (21,8). Assim, conclui-se que a relação risco/benefício piorou para o lado do risco, mas o parecer que prevaleceu (vacinação universal) faz a interpretação exactamente contrária.

    O relatório dos técnicos refere que a projeção, utilizada primordialmente para justificar a alteração da recomendação, possui diversas limitações, como é o caso da “inclusão de pessoas com 16 e 17 anos, cuja vacinação universal já estava em vigor. Ou seja, pode haver sobrestimação do número de casos e hospitalizações prevenidas com a hospitalização”.

    Igualmente é assumido que “não existem na União Europeia dados representativos de farmacovigilância para pessoas com menos de 18 anos vacinadas com vacinas mRNA”, tendo sido utilizados dados “extrapolados dos EUA” relativamente aos riscos de miocardites/pericardites.

    Além disso, um aspecto fundamental, ambos os pareceres acabavam por confessar que “os riscos associados à administração da vacina, nestas faixas etárias, não são ainda definitivamente conhecidos”.

    Adiantam ainda que “o número de participantes vacinados nos ensaios clínicos que conduziram à aprovação da extensão de indicação das vacinas nos grupos etários dos 12 aos 15 anos para a Cominarty e dos 12 aos 17 anos para a Spikevax é baixo”, reconhecendo também que, esta situação, “não permite conhecer eventuais reações adversas muito raras, mas potencialmente graves nestas faixas etárias, principalmente quando comparados com o número de adultos incluídos nos ensaios clínicos para a indicação inicial”.

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    Na extensa lista de considerações sobre a indefinição das reações adversas, os pareceres referem que “está em curso a avaliação de um sinal de segurança pela EMA, associado à ocorrência de miocardite e pericardite após a administração de vacina mRNA contra a Covid-19. Até ao momento, na União Europeia, foram apenas avaliados casos em pessoas com 18 ou mais anos de idade, não sendo ainda conhecidos os riscos abaixo dessa faixa etária”.

    Os técnicos da CTVC omitiram também dados referentes ao impacto das miocardites na saúde a longo prazo, apenas referindo que, a curto prazo, “os episódios são ligeiros e que os pacientes recuperam rapidamente em ambiente hospitalar”.

    As considerações sobre projecções são comuns a ambos os pareceres, mas a CTVC adicionou outras advertências à análise dos dados em 8 de Agosto, dizendo que “não foi considerada a potencial interação entre SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios”.

    O parecer de 8 de Agosto refere que “a implementação de medidas não farmacológicas de prevenção e controlo de infeção diminui a circulação de vírus sazonais, bem como o seu impacto no sistema de saúde”, assumindo que “não se conhece o impacto que o alívio de medidas não-farmacológicas pode ter na co-circulação de SARS-CoV-2 e outros vírus no próximo Outono-Inverno”.


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    De entre todos os 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, revelados pelo PÁGINA UM, há um que demonstra como a Política se sobrepôs à Ciência durante a pandemia. Para agradar a todas as farmacêuticas, nem sequer se permitiu a opção pela marca da vacina, e os dados revelam que existiam desempenhos muito diferentes. Para se chegar a bons níveis de vacinação, pressionou-se até recuperados a vacinarem-se mesmo não havendo ensaios clínicos sobre este grupo. E, no meio disto, a Direcção-Geral da Saúde mantém um silêncio ensurdecedor sobre muitas incertezas.


    Embora as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) pudessem excluir algumas marcas para determinados grupos e idades, nunca foi verdadeiramente possível escolher-se a vacina contra a covid-19 a ser administrada.

    Resultado disto: uma lotaria.

    Por exemplo, quem tomou a vacina da Janssen em Portugal teve um risco cerca de quatro vezes superior a sofrer uma infecção pelo SARS-CoV-2 em comparação com quem foi injectado com a vacina da Moderna; e quase duas vezes superior ao de quem recebeu a da Pfizer.

    Para começar, estes são alguns dos perturbadores aspectos que constam do parecer 17 (ver todos em baixo) da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que o PÁGINA UM obteve após uma longa “luta” para DGS os disponibilizar publicamente.

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    Este parecer em concreto – homologado em Dezembro passado, constituindo uma actualização sobre a vacinação de pessoas recuperadas – acaba por se debruçar bastante nas taxas de infecção dos vacinados (breakthrough infections), analisando o desempenho por tipo de vacina e também por grupo etário.

    O conteúdo integral de todos os 23 pareceres, finalmente obtidos ontem pelo PÁGINA UM – e que foram emitidos entre 1 de Dezembro de 2020 e 20 de Janeiro deste ano – podem ser consultados AQUI. Apesar de um parecer da Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), a DGS não os forneceu em formato digital, pelo que os documentos tiveram de ser fotografados página a página.

    De acordo com este 17º parecer, até 30 de Setembro do ano passado – quando 84% da população já estava então vacinada e quase 1,1 milhões de portugueses tinham tido contacto com o SARS-CoV-2, dos quais 1,7% tinha falecido –, “a taxa média global de infecção de indivíduos completamente vacinados foi estimada em 5,0 por 1.000 vacinados”. A taxa mais elevada era a dos vacinados com a Janssen (8,7 por 1.000), sendo que a da AstraZeneca atingia os 6,2, a da Pfizer 4,6 e a da Moderna 2,1.

    Por grupo etário, aqueles que apresentaram maiores taxa de infecção após a vacinação foram os maiores de 80 anos, com um rácio de 7,7 por 1.000 vacinados, seguindo-se o grupo dos 50 aos 59 anos, com 6,2 por 1.000. O grupo com menor taxa de reinfecção foi o dos menores de 20 anos (1,0 por 1.000). Nos restantes grupos etários, essa taxa situava-se entre os 4,5 e os 5,1 por 1.000 vacinados.

    A CTVC alertava, porém, que estes valores dependiam de diversos factores, “nomeadamente, o grau de exposição ao vírus, o aparecimento de variantes mais transmissíveis, e a diminuição com o tempo da protecção inicial conferida pela resposta imunitária à vacina (waning immunity), a qual varia com a idade do vacinado”.

    O parecer também confirma que a protecção das vacinas é bastante curta e decai significativamente sobretudo a partir do sexto mês. Por exemplo, para as infecções registadas em Setembro do ano passado, aqueles que tinham sido vacinados antes de Março apresentaram globalmente uma taxa de infecção de 3,9 por 1.000, enquanto esse rácio foi apenas de 1,1 para quem se vacinara há um mês. Para quem se vacinou entre Março e Julho, a taxa situou-se entre os 1,4 e os 1,9 por 1.000. A DGS nunca revelou este tipo de informação.

    Dossier dos pareceres consultados pelo PÁGINA UM.

    Saliente-se, contudo, que uma taxa de infecção de 3.9 em 1.000 (ou 0,39%) não significa que a vacina conceda uma protecção de 99,61%, uma vez que o risco de se estar em contacto com o vírus no período de um mês é bastante reduzido mesmo sem protecção, sobretudo fora do período invernal. Note-se que, para atingir comprovadamente um terço dos portugueses, o SARS-CoV-2 “precisou” de 24 meses, ou seja, em média infectou 1,4% da população por mês.

    Estes números indicados pela CTVC não entram, além disto, em consideração com o surgimento da variante Ómicron – mais transmissível, mas muito menos letal –, que fez “explodir” o número de casos positivos, e, na mesma linha, as taxas de infecção entre vacinados. Com cerca de 2,4 milhões novos casos positivos (quase um quarto da população) desde Outubro do ano passado, até ao final da semana passada, a taxa de letalidade atinge apenas 0,14% – um valor já próximo de um surto gripal.

    Embora a explicação oficial, e dos chamados “peritos”, aponte sempre o grande contributo da vacinação para estes baixíssimos níveis de letalidade, a menor agressividade da variante Ómicron parece encaixar-se melhor como hipótese mais plausível. Com efeito, se até finais de Dezembro de 2020 – o início do programa de vacinação –, a taxa de letalidade da covid-19 se situava nos 1,66%, ao longo dos primeiros nove meses de 2021 – com o plano de vacinação em curso, mas dominando então a variante Delta –, a taxa de letalidade manteve-se estável: 1,68%.

    Por esse motivo, a diminuição da letalidade a partir do final do ano passado – com a variante Ómicron a “varrer” vacinados e não-vacinados – não pode ser assim explicada apenas pela acção da vacina. Se assim fosse, a taxa de letalidade entre Janeiro e Setembro de 2021 já teria de ser necessariamente muito mais baixa do que os 1,66% observados. Sobre esta questão, fundamental e elementar, a CTVC não analisa nem se pronuncia em qualquer parecer.

    Tendo em consideração que, com a vaga de casos de infecção nos primeiros dois meses deste ano, pelo menos um terço da população portuguesa (3,4 milhões de pessoas) teve já, comprovado por teste PCR, contacto (infecção) com o SARS-CoV-2 (independentemente do regime de vacinação), uma questão se coloca: justificam-se reforços de vacina ou vale mesmo a pena (e o risco) um recuperado vacinar-se?

    Sede da Direcção-Geral da Saúde, em Lisboa.

    Embora a CTVC destaque, e bem, que “a evidência mais sólida quanto à protecção de reinfecção que pessoas que recuperaram de infecção por SARS-CoV-2 mantém, provém de estudos de reinfecção”, pouco adianta depois em números concretos.

    Para o caso português, nem sequer indica a taxa de reinfecção dos recuperados não-vacinados – e essa informação deverá constar do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – nem tão-pouco a percentagem de reinternamentos ou mesmo de morte após uma segunda infecção.

    A este respeito, os membros da CTVC somente fazem referências mais detalhadas para os vacinados que foram depois infectados – ou seja, recuperados com imunidade natural e vacinal. Para esses, a CTVC diz que “existem vários estudos em curso (..) cujos resultados, incluindo dados de segurança, devem ser conhecidos antes de serem feitas recomendações específicas sobre a administração de doses de reforço de vacinas contra a covid-19 nessas pessoas”.

    E salienta a CTVC também (e a negrito, no original) um aspecto perturbador: “os ensaios clínicos que suportaram a aprovação pela Agência Europeia de Medicamento da dose de reforço de Comirnaty [Pfizer] e Spikevax [Moderna] excluíram pessoas com infecção prévia por SARS-CoV-2”. Ou seja, quem se vacinou nestas condições, depois da recuperação, foi uma autêntica “cobaia”. Correu bem? Depende da perspectiva.

    Por um lado, os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. Por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    O PÁGINA UM confirmou que esse importante detalhe não consta do consentimento informado, ou seja, quem vai a correr vacinar-se depois de recuperado, ignora estar a arriscar maiores efeitos adversos pela obtenção de nenhuma vantagem sobretudo perante as pessoas que apenas tenham imunidade através da vacina.

    person holding white and orange plastic bottle

    Em todo o caso, com base em diversos estudos, a CTVC acaba por afirmar neste parecer, embora com pouca convicção, que “pode ser defensável a administração de uma dose de reforço em pessoas recuperadas e vacinadas de acordo com a Norma 002/2021 da DGS que apresentem risco para infecção por SARS-CoV-2 e covid-19 grave (grupos definidos para a estratégia de reforço vacinal)”.

    Face ao elevado número de infectados durante a vaga da variante Ómicron, e que tinham o esquema vacinal completo (muitos com três doses), é previsível um difícil imbróglio, sobretudo se se mantiver em uso o certificado digital que se baseia em tomas repetidas. Com efeito, a CTVC avisa que “à data não existe evidência para recomendar a administração de doses de reforço”.

    Deste modo, se o Governo – e a própria União Europeia – decidirem manter o certificado digital em função de novas tomas de vacina contra a covid-19, então das duas uma: ou a Política ignora a Evidência, ou então “convence” a Ciência a mudar de opinião.


    Nota da Direcção

    Sendo eu um recuperado da covid-19, e parte (muito) interessada em informação que respeita à minha saúde, procurei nos últimos meses, ainda com maior enfoque, estudos e informação sobre as vantagens e desvantagens da vacinação. No meu caso em concreto, exactamente por recear aquilo que a leitura do parecer 17 revela.

    Seis meses após a minha recuperação, em Dezembro passado, realizei um teste serológico, tendo registado o valor de IgG de427,0 BAU/ml, sendo 33,8 BAU/ml o limiar positivo. Não sendo uma certeza absoluta sobre a imunidade natural, tem sido um dos melhores indicadores para aferir a capacidade do meu organismo se defender em caso de reinfecção, ademais sabendo-se que a variante dominante é muitíssimo menos agressiva.

    Dias depois do resultado do teste serológico, no dia 28 de Dezembro, como cidadão português, jornalista e director do PÁGINA UM – e acreditando que um esclarecimento seria útil, e não apenas para mim –, enderecei à directora-geral da Saúde, Graça Freitas – que é a Autoridade de Saúde Nacional –, as seguintes questões:

    1 – Gostava de saber se existe algum estudo português conhecido pela DGS (ou da sua responsabilidade) sobre o nível de anticorpos de recuperados não-vacinados. Se não existe, porque nunca foi feito? Se existe, pode ser facultado?

    2 – Existe também algum estudo científico que mostre em Portugal a evolução temporal dos valores médios de IgG após a vacinação e após infecção (e dentro deste grupo, separando assintomáticos, doentes ligeiros e doentes graves com internamento)? Se sim, pode ser facultado?

    3 – Existe algum estudo sobre eventuais diferenças em termos de efeitos adversos das vacinas entre aqueles que nunca tinham tido contacto com o vírus e queles que já tinham tido contacto (recuperados)? Se sim que diferenças foram detectadas? Pode ser facultado esse estudo?

    4 – Tendo em consideração que os níveis de IgG são indicativas de uma resposta imunitária ao SARS-CoV2, está a ser ponderado algum valor de referência mínimo (em termos de BAU/ml) abaixo do qual se recomenda a vacinação ou reforço de vacinação. Se sim, qual? Se não, porquê?

    A senhora directora-geral não respondeu. Nem ninguém por ela. Nem quando se insistiu duas e três vezes.

    A falta de informação é uma forma de desinformação. E de desrespeito pelos cidadãos. Ou pior ainda, tratando-se de questões de saúde.

    Pedro Almeida Vieira


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    SERVIÇO PÚBLICO: Leia e descarregue em baixo todos os 23 pareceres não revelados pela Direcção-Geral da Saúde durante meses.


    Desde Outubro de 2021, o PÁGINA UM solicitou à Direcção-Geral da Saúde (DGS) os pareceres e outros documentos da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
    A DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que fez um parecer favorável em 20 de Janeiro passado.

    Apesar disso, a DGS continuou a não se mostrar favorável a disponibilizar os documentos, apesar de o PÁGINA UM ter reiterado o pedido, com base no parecer da CADA.

    Somente no passado dia 4 de Março, a DGS informou o PÁGINA UM de estar disponível para publicitar os pareceres, informando também que, antes desse acto, poder-se-ia consultar os pareceres nas suas instalações.

    Apesar de dois e-mails do PÁGINA UM (dias 4 e 8 de Março) para que fosse indicada a data para consulta, a DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM deslocou-se esta tarde à sede da DGS, e após uma hora de espera foi então encaminhado para uma sala, onde foi disponibilizado um dossier com os 21 pareceres da CTVC.

    Apesar de ter sido feito o pedido para obtenção de cópia digital ou fotocópias, mas, após uma espera de mais de meia hora, uma funcionária da DGS disse ao PÁGINA UM não ser possível, por agora, a primeira alternativa; e a segunda teria de ser feita com tempo e um custo de 75 cêntimos por página.

    O PÁGINA UM decidiu fotografar todas as páginas dos 23 pareceres, que estão aqui disponibilizados em formato pdf.


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022